sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

O Caminho da Beleza 06 - Epifania do Senhor

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

Epifania do Senhor       

Is 60, 1-6                 Ef 3, 2-3.5-6                       Mt 2, 1-12

 

ESCUTAR

Levanta os olhos ao redor e vê, todos se reuniram e vieram a ti; teus filhos vêm chegando de longe com tuas filhas, carregadas nos braços (Is 60, 4).

Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo por meio do evangelho (Ef 3, 6).

“Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2, 2).

 

MEDITAR

Os ministros do Evangelho devem ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de saber dialogar e mesmo de descer às suas noites, na sua escuridão, sem perder-se. O povo de Deus quer pastores e não funcionários ou “clérigos burocratas” (Francisco, Entrevista a Antonio Spadaro, 2013).

“O que verdadeiramente conta, o que marcará os séculos futuros, não é o que faz mais barulho, mas o que Deus realiza, em segredo, no coração de tantos homens e mulheres de nosso tempo que aceitam se tornar, após os magos, peregrinos nos caminhos de Deus” (D. Guillaume Jedrzejczak, abade do mosteiro trapista de Sainte Marie du Mont de Cats, França).


ORAR

       A marca da manifestação do amor de Deus, na sua totalidade, está no trecho da carta de Paulo: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo por meio do Evangelho”. O evangelista ratifica esta eleição de Deus pelos pagãos, simbolicamente, representados pelos Reis Magos. Deus fala a estes astrólogos pagãos fazendo brilhar uma insólita estrela no meio de suas constelações habituais. Esta palavra lhes aguça os ouvidos e os coloca, confiantes, a caminho, seguindo a estrela. E Israel, acostumada à palavra de Deus, fecha seus ouvidos à palavra da revelação para que nada perturbe o curso habitual das suas dinastias. Os Reis Magos nos ensinam a liberdade absoluta dos que ouvem a palavra de Deus, pois “para ser livres, Cristo nos libertou” (Gl 5, 1). Estes se põem a caminho, modificam o curso de suas vidas, alteram a ordem dos dias e o desenvolvimento dos seus trabalhos, e disponibilizam o seu tempo. E não é isto que aprendemos a chamar de metanóia, de conversão? E são os convertidos que abrem novos caminhos para as igrejas apesar da resistência delas em aceitá-los. “Paulo, ao chegar em Jerusalém, tentava juntar-se aos discípulos; mas eles o temiam, pois não acreditavam que fosse discípulo” (At 9, 26). São assim as pessoas que Deus ama: os que são habitados pela paixão da verdade, que não se contentam com fórmulas feitas, mas, pagãos ou não, estão em autêntica busca e não temem pagar o preço das suas descobertas e dos seus itinerários. O evangelho nunca será recebido por meio de estradas já percorridas e, muito menos, em seguranças confortáveis. O evangelho só é encontrado por quem está pronto para correr o risco de um êxodo e ir até o fim de uma busca jamais terminada, pois a distância não é nada para quem se põe a caminho, ao passo que a vizinhança não é nada para quem está e é imóvel. Nesta epifania do Senhor, uma coisa deve ser tatuada em nosso coração: “A vida cristã é núpcias na pobreza; a cruz é o leito nupcial!” (Hans Urs von Balthasar).

(Manos da Terna Solidão)

 

CONTEMPLAR

S. Título, anônimo, site vatican.news, acessado 31.12.2021.




 

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

O Caminho da Beleza 05 - Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo                      

Is 52, 7-10               Hb 1, 1-6                  Jo 1, 1-18

 

ESCUTAR

Como são belos, andando sobre os montes, os pés de quem anuncia e prega a paz, de quem anuncia o bem e prega a salvação, e diz a Sião: “Reina teu Deus!” (Is 52, 7).

Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora aos nossos pais, pelos profetas; nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho, a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também ele criou o universo. Este é o esplendor da glória do Pai, a expressão do seu ser (Hb 1, 1-3).

E a Palavra se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14).

 

MEDITAR

“Natal, não é somente uma alegria que nasce da terra. É a revelação da bondade infinita de Deus, o sinal de um destino misterioso que toca o mundo e os homens. É um pensamento do amor infinito que abre o céu fechado do mistério impenetrável da vida íntima do Deus desconhecido e que o comunicou a terra” (Paulo VI).

“É no meio do silêncio, no momento em que todas as coisas estão mergulhadas no maior silêncio, em que reina o verdadeiro silêncio, é então que se ouve em verdade essa Palavra, pois se queremos que Deus nos fale é preciso que nos calemos. Para que Ele entre, todas as coisas devem sair (Johannes Tauler).

 

ORAR

    Neste dia de Natal, comemoramos e damos graças porque Deus pronunciou a sua última palavra e este Menino na manjedoura é “a expressão do seu ser (...) o que faz dos ventos os seus anjos e das chamas de fogo os seus ministros” (Hb 1, 3.7). O Cristo nasceu para todos e o Natal é o dia em que o mistério sagrado se tornou santo e especial. Não é somente um dia a mais na fastidiosa ronda dos dias. Hoje, “a eternidade entra no tempo e o tempo, santificado, entra na eternidade” (Thomas Merton). Natal se tornou uma palavra mágica e todos são atingidos por ela: os bons cristãos e os de Boa Vontade procuram nela o seu gosto especial. É uma festa que a todos pertence, cristãos ou não. Anunciamos a Boa Nova de que o Deus que estava distante se tornou próximo neste recém-nascido, filho de Maria e de José. E nesta realidade tocamos o coração do cristianismo. O Natal é uma Boa Nova porque não estamos mais sós, não estamos mais condenados a um destino cego subordinado a uma eterna repetição da usura, do aleatório e da morte. A novidade da mensagem de Jesus não é a de ter anunciado a ressurreição dos mortos: os judeus já acreditavam nela; nem ter prometido a vinda do Filho do Homem no último dia: os judeus já esperavam esta vinda. A novidade da mensagem de Jesus é ter manifestado para toda a humanidade o nascimento de um novo Deus. Não mais um Deus distante, mas próximo; não um deus do cosmos, mas um Deus dos vivos e dos mortos; não um Deus justiceiro e violento, mas um Deus do amor e da paz que toma o partido dos pobres, dos excluídos, dos marginalizados e dos pecadores. A mensagem de Natal é a mensagem de Paz para todos os homens e, por isso, devemos ser mensageiros da Paz para nossos irmãos e irmãs de todos os cantos da Terra e de todas as religiões. E o Reino de Deus que vem a cada novo Natal, é um Reino que acontece e se realiza cada vez que o amor triunfa sobre o ódio; cada vez que a reconciliação coloca um fim na engrenagem da violência e da banalização da vida e, sobretudo, cada vez que o desejo da paz é mais forte que a fatalidade da guerra.

(Manos da Terna Solidão)

 

CONTEMPLAR

Ludavine, 2020, Sophie Harris-Taylor (1988-), da série Milk, Londres, Reino Unido.




 

 

 

 

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

O Caminho da Beleza 04 - IV Domingo do Advento

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

IV Domingo do Advento          

Mq 5, 1-4                 Hb 10, 5-10            Lc 1, 39-45

 

ESCUTAR

“Ele não recuará, apascentará com a força do Senhor e com a majestade do nome do Senhor seu Deus: os homens viverão em paz, pois ele agora estenderá o poder até aos confins da terra, e ele mesmo será a Paz” (Mq 5, 3-4).

“‘Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade’” (Hb 10, 7).

“Bendita é tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (Lc 1, 42)

 

MEDITAR

“Sem o amor, tão difícil de praticar, a vida se reduz a um combate incessante para possuir e se defender dos outros” (Anthony Burgess).

“O grande inimigo, o inimigo número 1 do mundo moderno, é o tédio” (Teilhard de Chardin).

 

ORAR

     A pequena aldeia de Belém significava pouco entre as cidades da Judéia e, no entanto, Deus colocou seu olhar precisamente neste lugar insignificante para nele realizar um acontecimento decisivo. As escolhas de Deus jamais estão determinadas por critérios de grandeza e de importância mundanas. A pequenez constitui o terreno fértil em que germina e se desenvolve a obra divina. As coisas sem importância chamam a atenção do Senhor. O evangelista nos apresenta o encontro de Maria e Isabel. Maria é apresentada numa postura dinâmica: de caminhar, de encontrar e de louvar a Deus. Ela simboliza uma Igreja que jamais poderá ser fixada numa imagem estática. A Igreja deve estar em marcha pelos caminhos dos homens para levar Alguém e não deve falar de si mesma, mas do Outro. O Cristo começou a ser itinerante desde o ventre materno e graças aos passos de sua mãe caminha pelas veredas do mundo. No encontro entre Isabel, anciã estéril, e Maria, jovem virgem, existirá um pacto das entranhas que nos revela que “nada é impossível para Deus” (Lc 1, 37). A visitação se liga intimamente à anunciação. A visitação é a epifania, a manifestação do sinal anunciado de que se acabara o tempo das preparações e das esperas, de que se cumprira a promessa e de que o Senhor visitará o seu povo. A visitação é o abraço amoroso, o encontro e o cumprimento pleno de duas histórias: a de Isabel que se completa e a de Maria que se inicia. O pacto de Deus está vingado em Jesus, pois as entranhas da sua mãe são a Arca da Aliança, tecendo o Salvador, agora e sempre, para toda a Criação. O que do ponto de vista humano é limitação, impedimento, se converte em possibilidade quando intervém Deus, Senhor do Impossível. Neste encontro se realiza o que o anjo anunciara a Zacarias a respeito de João: “Ficará cheio do Espírito Santo desde o seio de sua mãe” (Lc 1, 15). No encontro destas duas mulheres grávidas a profecia é vingada: João dança de alegria no ventre de Isabel e Maria será chamada de Bem-Aventurada porque acreditou que a Palavra do Senhor seria cumprida. Maria é uma mulher que medita e pensa, uma mulher que crê. O Natal, no fundo, é um Deus que mantém a palavra e busca gente disponível, como Maria, que se agarre a esta Palavra. No Natal, Deus diz: “Aqui estou!” e seria estranho que o homem não se deixasse encontrar. E, finalmente, Maria “recebendo aos pés da cruz o testamento do amor divino assumiu todos os seres humanos, como filhos e filhas, renascidos para a vida eterna, pela morte do Cristo” (Prefácio de Nossa Senhora).

 

CONTEMPLAR

Sem título, c. 2013, Elli Cassidy, Galeria da Maternidade, Louth, Lincolnshire, Inglaterra, Reino Unido.




 

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O Caminho da Beleza 03 - III Domingo do Advento

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

III Domingo do Advento               

Sf 3, 14-18               Fl 4, 4-7              Lc 3, 10-18

 

ESCUTAR

“O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, o valente guerreiro que te salva; ele exultará de alegria por ti, movido por amor; exultará por ti, entre louvores, como nos dias de festa” (Sf 3, 17-18).

“Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos. Que a vossa bondade seja conhecida de todos os homens! O Senhor está próximo!” (Fl 4, 4).

“Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo” (Lc 3, 16).

 

MEDITAR

O Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com os seus sofrimentos e suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado. A verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura (Francisco, Evangelii Gaudium, 88, 2013).

“Não é preciso mostrar as faltas do outro com o dedo sujo” (Provérbio italiano).

 

ORAR

    A dinâmica da vida cristã se realiza na resposta a uma tríplice vocação: a da esperança, a da conversão do olhar e a da alegria. Temos uma vocação à alegria ainda que tentem nos incutir que a felicidade está proibida e que devemos suportar, nesta terra, um “vale de lágrimas”. A alegria da comunidade eclesial é a melhor prova da existência de Deus, ou pelo menos, uma suspeita desta existência. O cristão deve aprender a praticar a ascese da felicidade, a penitência do sorriso e o cilício da serenidade. Esta alegria é conquistada quando saímos de nós mesmos, do nosso egoísmo e nos abrimos a Deus para acolher os seus desígnios em nossa vida. E esta acolhida não implica numa dimensão intimista, mas numa abertura ao mundo inteiro. Quando o “valente guerreiro que te salva” (Sf 3, 17) está no meio de nós, podemos começar do zero e inventar outra história: dizer sim a Deus e ao próximo. João, o Batista, revela que o sinal da descoberta da presença do próximo está na nossa capacidade de partilhar: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!”. A regra de ouro dos sinais do Reino está na justiça e não na extorsão; na recusa da violência, da mentira e da busca insana do proveito próprio com o prejuízo dos outros. João proclama a conversão como descoberta do próximo e esta descoberta como elemento essencial da nossa alegria. O Cristo reitera que só sendo um ser-em-comunhão é que poderemos atingir a felicidade. A alegria cristã é marcada pela afabilidade, esta capacidade de não fazer dramas por ninharias; de aniquilar toda a ansiedade e inquietude e de exorcizar toda a angústia: “Não vos preocupeis!”. A alegria é a nossa capacidade de dar graças e para o cristão ser significa ser na alegria. Temos que ser sinais de alegria neste mundo necessitado de tréguas e de repouso; neste mundo em desânimo e depressivo onde o acumular é a chave mestra do viver e os caminhos se tornaram tortuosos pela cobiça e pela ambição. Este Menino é a luz do mundo e temos que resplandecer esta luz para que não seja apagada pelo vento do orgulho e da soberba. É a humildade profética que nos liberta para o anúncio de Cristo a todos os povos e nações: “Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias”. A manjedoura desvela que a casa do Senhor é o lugar dos abraços, da partilha e da comunhão. É o lugar onde todos, sem discriminação, podem e devem saciar-se da ternura do Pai. E nela somos convidados a entrar em todas as horas do dia e todos os dias do ano, dizendo: “Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos”.

(Manos da Terna Solidão)

 

CONTEMPLAR

Madona com a criança – Apresentação aos magos do Oriente, Arcabas (Jean-Marie Pirot), s.d., 80 x 80 cm, óleo sobre tela, coleção particular, Costa de Santo André, França.







 

sábado, 4 de dezembro de 2021

O Caminho da Beleza 02 - II Domingo do Advento

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

II Domingo do Advento                      

Br 5,1-9                    Fl 1,4-6.8-11                       Lc 3, 1-6


ESCUTAR

Levanta-te, Jerusalém, põe-te no alto e olha para o oriente! (Br 5, 5).

E isto eu peço a Deus: que o vosso amor cresça sempre mais, em todo o conhecimento e experiência (Fl 1, 9).

“Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas’” (Lc 3, 4).

 

MEDITAR

Na experiência pessoal de Deus não posso deixar de lado o caminho. Diria que encontramos Deus caminhando, andando, buscando-o e nos deixando buscar por Ele. São dois caminhos que se encontram. Por um lado, o nosso que O busca, impulsionado por esse instinto que flui do coração. E depois, quando nos encontramos, percebemos que Ele já nos buscava desde antes, Ele nos antecipou (Francisco, Sobre o céu e a terra, 2013).

O povo santo de Deus participa da função profética de Cristo. Dá o testemunho vivo de Cristo, especialmente pela vida de fé e de amor e oferece a Deus a hóstia de louvor como fruto dos lábios que exaltam o seu nome (Lumen Gentium 12).

 

ORAR

    Neste domingo somos convidados a “ver” para que nossa esperança não se torne impossível e a espera desemboque na desilusão. O profeta pede para nos colocarmos em pé, subir no mais alto possível e olhar para o oriente de onde vem o Sol Nascente. O profeta consegue ver de outra maneira e anima os outros a olhar o que ainda não existe. O evangelista nos assegura que “todas as pessoas verão a salvação de Deus”. Esta salvação que, com frequência, desponta onde menos esperamos e se apresenta quando não desejamos. O Vaticano II proclama que por causa do Cristo, Deus salva também os homens fora dos limites visíveis da Igreja e fora do alcance do rito dos sacramentos (cf. LG 16). A história da Igreja não coincide, simplesmente, de modo unívoco, com a história da salvação. Não podemos confundir o Natal com nossas canções e cantilenas. Deus arma a sua tenda no meio de nós para falar e busca o silêncio. Paulo nos exorta a irmos ao essencial da vida cristã que é o amor fraterno. Jesus nunca pregou que o amor não evita os conflitos. Ao contrário, o amor produz os verdadeiros conflitos em que a verdade está comprometida. O amor não sufoca as diferenças, mas nos convida a um olhar convertido capaz de vislumbrar e discernir o essencial. A luz que desperta em Belém não é ornamental e é ela que vislumbra o nosso caminho. O Cristo solta dentro de nós a centelha de sua luz para vermos o que muitos não veem. O evangelista nos revela que o essencial não está nas mãos dos poderosos políticos e religiosos: a Palavra do Senhor se fez ouvir no deserto, não na Roma imperial e nem no recinto sagrado do Templo de Jerusalém. No deserto, não há lugar para o supérfluo e nem para acumular coisas desnecessárias. Façamos da nossa vida um eterno deserto para que o Senhor nos fale no silêncio e nos inunde de vozes e sons de ternura e alegria.

(Manos da Terna Solidão)

 

CONTEMPLAR

Thomas, 2011, Lee Jeffries (1971-), foto da série Homeless, Manchester, Reino Unido.




 

 

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O Caminho da Beleza 01 - I Domingo do Advento

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

I Domingo de Advento                        

Jr 33, 14-16                        1 Ts 3, 12-4,2                      Lc 21, 25-28.34-36

 

ESCUTAR

“Eis que virão dias, diz o Senhor, em que farei cumprir a promessa de bens futuros para a casa de Israel e para a casa de Judá. Naqueles dias, naquele tempo, farei brotar de Davi a sementa da justiça” (Jr 33, 14-15).

“O Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com todos aumente e transborde sempre mais, a exemplo do amor que temos por vós” (1 Ts 3, 12).

“Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem” (Lc 21, 36).

 

MEDITAR

“Não se trata de anunciar a alegria, mas de só procurá-la no serviço da alegria de todos. De todos, a começar pelos mais próximos, e depois estender, de próximo em próximo, até a alegria universal” (Abbé Pierre).

“O que chamamos de início é o mesmo do que o fim e acabar é começar. E o fim é de onde partimos” (T. S. Eliot).

 

ORAR

    Neste primeiro domingo de Advento, a existência cristã está fundamentada sob o signo da espera. A espera de um duplo acontecimento e de uma dupla vinda do Cristo: na carne (Natal) e na glória (Juízo Final) e estes dois acontecimentos, que se entrelaçam, só podem ser vividos na esperança. E esta espera/esperança está centrada na mesma pessoa: o Cristo. O profeta anuncia que a justiça de Deus é manter as promessas que fez em favor do seu povo. E o Senhor não quer faltar à palavra dada, pois a justiça tem o mesmo rosto de sua misericórdia. O tempo do Advento é o tempo para que nos purifiquemos de todos os ídolos que nos são oferecidos cotidianamente: as aparências, os status, os poderes. O cristão conjuga o verbo esperar não como uma esperança vaga e modesta, mas como uma esperança audaz que tem como raiz o dom que, em Cristo, nos vem de Deus. O cristão não foge da existência cotidiana, mas está sempre atento para não ser pego desprevenido e nem distraído. O cristão alimenta a sua lucidez diante das inúmeras seduções que o possam desviar do desígnio de Deus e, desta maneira, fazê-lo perder o sentido do caminho a ser seguido. Somos chamados a termos “nossas cinturas cingidas e as lamparinas acesas” (Lc 12, 35), uma vez que, como sentinelas, não nos cabe um minuto de desatenção e nem de descanso, pois deveremos estar “em pé diante do Filho do Homem”. E o Senhor nos promete “que essa humanidade se emancipará da escravidão da corrupção, para obter a liberdade gloriosa dos filhos de Deus” (Rm 8, 20). Neste domingo, é preciso proclamar que o amor que se encarna é o mesmo que nos julgará pelo amar que conseguimos. O tempo de Advento é um tempo de crise; uma ruptura com a nossa mediocridade e um mergulho no amor e na prática do amor, pois só conhecemos, quase que plenamente, a existência daqueles que amamos. Meditemos as palavras de Ernesto Cardenal, monge trapista da Nicarágua: “Dentro de nós está o amor. Deus está louco de amor e, portanto, seu comportamento é imprevisível. Em qualquer momento o Amante pode cometer um disparate, porque como todo o que ama, não raciocina. Está bêbado, embriagado de amor”. Ou, em bom espanhol: “Dios está borracho de amor!”.

(Manos da Terna Solidão)

 

CONTEMPLAR

Madona com a criança, c. 1750, Luis de Morales (1509-1586), óleo sobre painel, 84 x 64 cm, Museu do Prado, Madri, Espanha.




quinta-feira, 18 de novembro de 2021

O Caminho da Beleza 53 - Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo                 21.11.2021

Dn 7, 13-14             Ap 1, 5-8                  Jo 18, 33-37

 

ESCUTAR

“Seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá” (Dn 7, 14).

Olhai! Ele vem com as nuvens, e todos os olhos o verão, também aqueles que o traspassaram (Ap 1, 7).

“Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade” (Jo 18, 37).

 

MEDITAR

Olhai-o!


Não olhai sua divindade,

mas olhai antes sua liberdade!


Não olhai as histórias exageradas de seu poder,

mas olhai antes sua capacidade infinita de se doar ao outro.

 

Não olhai a mitologia do primeiro século que o cercou,

mas olhai antes sua coragem de ser,

sua capacidade de viver e

a qualidade contagiosa de seu amor.

 

Parai vossa busca frenética!

Parai e conhecei que Deus é isto:

este amor,

esta liberdade,

esta vida,

este ser...

 

Beijai esse sopro do Cristo

e ousai ser

você mesmo!

 

Creio que é este o caminho para Deus, o Deus que encontrei

nesse Jesus tão profundamente humano.

Shalom!

 

(John Shelby Spong, 1931-2021, Estados Unidos)

 

 ORAR

          A vitória de Deus sobre o poder terreno, que se opõe ao seu plano de salvação na história, age na contraposição radical e absoluta do amor a toda forma de poder, porque não apenas Deus se concebe no diálogo com o mundo como deve ser definido como “amor”. E seu amor é fiel e, em Cristo, se cumpre num ato realizado na história, por isso de agora em diante o poder é considerado superado pelo ingresso do amor no mundo. Diante de Pilatos que representa o poder, Jesus dirá que a sua morte é testemunha dada à verdade. Donde verdade, segundo o significado hebraico, é também fidelidade e designa o verdadeiro amor em que consiste a verdade de Deus. A vitória sobre o poder é obtida superando-se a lógica negada pela raiz de sua “verdade”. Nesse sentido, pode-se agora falar, como faz o Apocalipse, dos reinos que servem e são submetidos, porque são submetidos por um “traspassado”. Cristo, pois, é rei na medida em que não é tudo isto que humanamente se designa com este termo: é rei enquanto contrapõe o amor ao poder. A doutrina do domínio de Jesus sobre todo o mundo é incompreensível se não é lida nesta dimensão teológica e escatológica. Um domínio que é doação plena e total, “obedecendo ao Pai até a morte de cruz" (Fl 2, 8). A Igreja deve viver nesta luz a sua participação na soberania do Cristo não “servindo-se” da humanidade, mas “servindo” a humanidade (Mc 10, 41-45: o “código da autoridade cristã”). Cabe à Igreja guardar aberta aquela ferida que o Cristo desfechou ao poder prevaricador e ao mal, ferida que é mortal. Hoje, portanto, é a celebração de uma nova ordem de relação entre Deus e o homem: um reino celeste e eterno, legado pela lógica do amor de Deus (Daniel), um reino de esperança e de salvação definitiva (Apocalipse), um reino de verdade e de justiça (João).

(Gianfranco Ravasi, 1942-, Itália)

 

CONTEMPLAR

Poder Popular, 2007, Edwin S. Loyola, Manila, Filipinas.




 

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

O Caminho da Beleza 52 - XXXIII Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXXIII Domingo do Tempo Comum                     14.11.2021

Dn 12, 1-3                Hb 10, 11-14.18                 Mc 13, 24-32

 

ESCUTAR

“Os que tiverem ensinado a muitos homens os caminhos da virtude brilharão como as estrelas, por toda a eternidade” (Dn 12, 3).

Onde existe o perdão, já não se faz oferenda pelo pecado (Hb 10, 18).

“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13, 31).

 

MEDITAR

A Oração é a própria criação do que está por vir. Ela não existe nem para encher o vazio do passado, nem para assegurar um presente: ela realiza um futuro, para assegurar a possibilidade de uma história; a história da minha própria vida, para que ela não se torne a fastidiosa repetição indefinida de instantes sem significação; a história da minha Igreja para que ela não seja a incoerência de boas intenções e de piedade sem fundamentos; a história de meu Povo, para que não venha a ser acúmulo de opressões, de ódios e de injustiças.

(Jacques Ellul, 1912-1994, França)

 

ORAR

      A esperança consiste fundamentalmente em reconhecer que toda a verdade do homem não se encontra naquilo que se vê agora, e que o homem não se deixa esgotar pelo seu presente. Consiste ainda em crer que essa verdade plena do homem não é pura ilusão, mas que ela se revelará no futuro. Não se trata de aspirar para a satisfação de desejos atuais frustrados na experiência de cada dia. Trata-se de esperar algo novo. O objeto da esperança não são os objetos dos nossos desejos: é aquilo que não desejamos por não o conhecermos... Os desejos e as necessidades atuais situam-se na superfície do homem. Num nível mais profundo existe uma aspiração não consciente e não vivida para uma manifestação diferente do ser humano. Essa é a aspiração de que fala São Paulo: “A criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. Pois a criação foi sujeita à vaidade, não por vontade própria mas pela vontade daquele que a sujeitou, todavia com a esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que em dores de parto até o presente dia (Rm 8, 19-22). Os gemidos e os sofrimentos da criação não equivalem às frustrações que se podem experimentar. É da espera de um mundo novo que se trata, além de todas as dores do mundo presente... Por isso devemos evitar uma confusão fácil. A mensagem cristã não é uma resposta dada à esperança. Não se excita a esperança para poder oferecer a vida cristã como resposta. Esta vida cristã não tem por finalidade acalmar as aspirações, dar-lhes satisfação, assegurar aos homens a tranquilidade que procuram. Muito pelo contrário, o cristianismo consiste em despertar uma esperança latente e inaugurar uma vida de esperança. Em lugar de suprimir o problema, a mensagem evangélica cria uma perspectiva nova e um problema novo. Não pretende acalmar os homens no nível de sua vida exterior, de suas atividades naturais. A esperança nem suprime, nem suscita desequilíbrios psíquicos. Ela é nova dimensão dada à vida anterior. “Na esperança é que fomos salvos” (Rm 8, 24). Isto é: nossa salvação consiste em viver uma vida de esperança.

(Joseph Comblin, 1923-2011, Bélgica)

 

CONTEMPLAR    

Nelson Mandela, 1994, primeiro presidente negro da África do Sul revisita sua cela em Robben Island, onde passou dezoito dos seus vinte e sete anos de prisão, Jürgen Schadeberg (1931-2020), Getty Images, Alemanha/África do Sul.




 

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O Caminho da Beleza 51 - Todos os Santos e Santas

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

Todos os Santos e Santas                    07.11.2021

Ap 7, 2-4.9-14                    1 Jo 3, 1-3                Mt 5, 1-12

 

ESCUTAR

“Não façais mal à terra, nem ao mar, nem às árvores, até que tenhamos marcado na fronte os servos do nosso Deus” (Ap 7, 3).

Caríssimos, vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!

“Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra” (Mt 5, 5).

 

MEDITAR

Amais ou amastes a alguém o bastante para não quererdes ser separados deles, para poder viver com eles toda a eternidade? Só aquele que ama assim, só aquele que é amado assim tem promessas de eternidade. O céu é amar sempre, e nossa capacidade de céu é exatamente proporcional à nossa capacidade de amar. Tendes algo de bastante bom, de bastante valioso em vossa vida para querê-lo eternizar?

(Louis Évely, 1910-1985, Bélgica)

 

ORAR

      Nossa vida é um movimento. Nossa vida é uma travessia em direção a nós mesmos... E é precisamente nessa travessia em direção a nós mesmos que encontramos o Deus vivo não como um estranho que está além, após a morte, mas como uma Fonte, agora, dentro de nós.... como uma Fonte que jorra em vida eterna! Os Santos compreenderam que o Céu está aqui, dentro de nós. Eles descobriram, dentro deles mesmos, esse rosto adorável que é impossível exprimir, mas que é tão maravilhoso de se viver. Eles não se dirigiam a um Deus estranho, eles se aninhavam na intimidade de um Deus que era a Vida de suas vidas. É preciso, portanto, tomar consciência hoje da renovação necessária do nosso olhar para que Deus não seja mais para nós uma ameaça e um limite, para que não vejamos Nele o inventor de uma morte que nos arranca de uma vida em que estamos agarrados até a medula, que saibamos e aprendamos justamente que a morte tem mil rostos diferentes e que ela não é a mesma para aquele que viveu, para aquele que juntou sua identidade no coração a coração com Deus e que isso justamente é possível para nós, que isso nos é oferecido, que é nossa vocação vencer a morte dando-nos Àquele que é em nós uma Fonte que jorra em vida eterna. Todos os Santos é um apelo imenso à autenticidade, é uma tomada de consciência do mistério infinito de nossa vida. É preciso dizer que seria impossível tomar consciência do Mistério que é Deus se nossa vida não fosse, ela mesma, um mistério inesgotável. E nós encontramos o Deus vivo precisamente nessa travessia de nós para nós mesmos, em que é preciso constantemente se ultrapassar para atingir enfim o eu pessoal que funda a nossa dignidade: o bem comum para a conservação em que toda a humanidade está interessada porque nesse diálogo com Deus cada um de nós pode se tornar uma origem, uma fonte, um começo e um criador. É preciso, pois, associar a Todos os Santos o chamado a nos descobrir a nós mesmos em nossa autenticidade, a irmos em direção à realização perfeita de nossa vocação de homens que só pode justamente atingir seu cume nesse diálogo do amor em que nos perdemos em Deus.

(Maurice Zundel, 1897-1975, Suíça)

 

CONTEMPLAR

Cidade Proibida, s.d., Saul Landell, Guadalajara, México.




 

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O Caminho da Beleza 50 - XXXI Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXXI Domingo do Tempo Comum             31.10.2021

Dt 6, 2-6                  Hb 7, 23-28                        Mc 12, 28-34

 

ESCUTAR

“Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6, 5).

Cristo, porém, uma vez que permanece para a eternidade, possui um sacerdócio que não muda (Hb 7, 24).

“Amá-lo de todo o coração, de toda a mente e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo, é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (Mc 12, 33).

 

MEDITAR

escute: eu bato à porta (Ap 3, 20); eu te falo pelo meu olhar: ame.

 

escute: eu bato à porta

                 abra-me               minha amada

                                               minha pomba

                                               meu eu (Ct 5, 2)

 

escute, abra teu coração

     e nós cearemos juntos

                 eu em ti e tu em mim (Ap 3, 20)

 

escute: eu me calo

                 e no silêncio eterno

                 tu te tornarás uma palavra engendrada pelo Pai

                                               esta palavra emitida no Sopro

                                               seu Eu te amo por todos.

 (Christophe Lebreton, 1950-1996, França)

 

ORAR

   O Evangelho deste domingo nos repropõe o ensinamento de Jesus sobre o maior Mandamento: o Mandamento do Amor, que é duplo: amar a Deus e amar ao próximo... O Mandamento do Amor só pode ser plenamente posto em prática por aquele que vive numa relação profunda com Deus, precisamente como a criança se torna capaz de amar a partir de uma boa relação com a mãe e com o pai. São João de Ávila escreve assim no início do seu Tratado do amor de Deus: “A causa – diz – que em maior medida estimula o nosso coração ao Amor de Deus é considerar profundamente o amor que Ele teve por nós... Este, mais que os benefícios, estimula o coração a amar; porque aquele que presta um benefício a outro, dá-lhe algo que possui; mas aquele que ama, dá-se a si mesmo com tudo o que tem, sem que lhe reste algo mais para dar”. Antes de ser um Mandamento – o amor não é uma ordem – é um dom, uma realidade que Deus nos faz conhecer e experimentar, de modo que, como uma semente, possa germinar também dentro de nós e desenvolver-se na nossa vida. Se o amor de Deus ganhou raízes profundas numa pessoa, ela torna-se capaz de amar até quem não o merece, como faz precisamente Deus em relação a nós... Aprendemos a olhar para o próximo não só com os nossos olhos, mas com o olhar de Deus, que é o olhar de Jesus Cristo. Um olhar que parte do coração e não se detém na superfície, vai além das aparências e consegue captar as expectativas profundas do outro: expectativas de ser recebido, de uma atenção gratuita, numa palavra: de amor. Mas verifica-se também o percurso contrário: que abrindo-me ao outro tal como ele é, indo ao seu encontro, pondo-me à disposição, abro-me também ao conhecimento de Deus, a sentir que Ele existe e é bondoso. Amor de Deus e amor ao próximo são inseparáveis e estão em relação recíproca. Jesus não inventou nem um nem outro, mas revelou que eles são, no fundo, um único Mandamento, e fê-lo não só com palavras, mas sobretudo com o seu testemunho: a própria Pessoa de Jesus e todo o seu Mistério encarnam a Unidade do Amor de Deus e do próximo, como os dois braços da Cruz, vertical e horizontal. Na Eucaristia Ele doa-nos este amor duplo, doando-se a Si mesmo, para que, alimentados por este Pão, nos amemos uns aos outros como Ele nos amou.

(Bento XVI, 1927-, Alemanha)

 

CONTEMPLAR

Sem Fim, 2017, praia do Moçambique, Santa Catarina, Juliana Freitas (1988-), Brasil.




 

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

O Caminho da Beleza 49 - XXX Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXX Domingo do Tempo Comum              24.10.2021

Jr 31, 7-9                 Hb 5, 1-6                 Mc 10, 46-52

 

ESCUTAR

Eu os conduzirei por torrentes de água, por um caminho reto onde não tropeçarão, pois tornei-me um pai para Israel (Jr 31, 9).

Cristo não atribuiu a si mesmo a honra de ser sumo sacerdote, mas foi aquele que lhe disse: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei” (Hb 5, 5).

No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho (Mc 10, 52).

 

MEDITAR

Para mim, é praticamente impossível construir a vida sobre um alicerce de caos, sofrimento e morte. Vejo o mundo ser transformado aos poucos numa selva, ouço o trovão que se aproxima e que, um dia, irá nos destruir também, sinto o sofrimento de milhões. E, mesmo assim, quando olho para o céu, sinto de algum modo que tudo mudará para melhor, que a crueldade também terminará, que a paz e a tranquilidade voltarão. Enquanto isso, devo me agarrar aos meus ideais. Talvez chegue o dia em que eu possa realizá-los!

(Anne Frank, 1929-1945, Alemanha)

 

ORAR

   A lição é forte e até mesmo violenta. Jesus se dirige a Jerusalém. Ele encabeça uma caminhada que ninguém compreende. Mesmo seus amigos, que o cercam, e que lhe são favoráveis. Eles ficam muito inquietos pelo que consideram uma loucura. Subir a Jerusalém é se colocar inutilmente numa armadilha. E por que fazê-lo? Atrás dele, as pessoas que o seguem têm medo. Simplesmente medo...  Mas eis o cego que nos mostra como Deus age. Este cego renunciou a toda pretensão diante de Deus. É um indigente, um excluído. Dizem-lhe que Jesus de Nazaré está no caminho e que vai passar. Ele não o vê; ele não o conhece. Pôs-se a gritar de modo insuportável. Os que cercavam Jesus, o serviço de segurança, dizem: “Façam-no calar”. Jesus diz: “Chamai-o”. E a multidão compreende e muda de opinião: “Tenha confiança! Levanta-te, ele te chama” ...  E eis que se passa um acontecimento totalmente inesperado e único neste Evangelho. Quando todos os outros estavam prestes a deixar o Cristo, de caminhar para trás dizendo: “Ele está louco. Ele vai a Jerusalém, para a morte”, o cego segue Jesus. E Jesus não o impede. Talvez te pareça impossível, se tua vida te parece medíocre, que ela possa mudar. Talvez te pareça impossível, se está preso em becos sem saída, que possa se livrar deles. Talvez te pareça impossível, se não tem fé, de ousar acreditar no que está apenas vislumbrando. Talvez te pareça impossível que o que há de melhor em ti apareça e aja em vez da amargura, do rancor e do ódio... Talvez te pareça impossível estar feliz e deixar qualquer um feliz...  Mas talvez, como o cego, você dê um passo além. Talvez, em sua cegueira, é a comunidade que hoje te diz: “Tenha confiança! Levanta-te, ele te chama”. Talvez ela te diga também: “Porque para Deus tudo é possível”. Se não acredita nisso, que esperança você poderá transmitir às suas crianças? Que esperança você poderá transmitir que não seja uma mentira? Nossa convicção não é a de que o mundo esteja perfeito, mas a de que, na descoberta de nossa fraqueza, um mais poderoso do que nós coloque em nossas bocas o sorriso e a alegria quando a experiência da vida e o sofrimento nos conduzem justamente para o oposto.

(Jean-Marie Lustiger, 1926-2007, França)

 

CONTEMPLAR

Artista de rua no metrô durante a covid, Portugal, Gabriele Guadagnini (1988-), Monochrome Awards 2020, Itália.



 

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

O Caminho da Beleza 48 - XXIX Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXIX Domingo do Tempo Comum             17.10.2021

Is 53, 10-11             Hb 4, 14-16             Mc 10, 35-45

 

ESCUTAR

O Senhor quis macerá-lo com sofrimentos (Is 53, 10).

Temos um sumo sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus (Hb 4, 14).

“Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim” (Mc 10, 42).

 

MEDITAR

Essa palavra do Cristo em que ele se proclama “servo” nos faz compreender que a paixão não deve ser entendida de modo dolorista. O caminho da cruz não é “sofrer”, mas, primeiro, “servir”. Há um crescendo: a primeira instrução convidava o discípulo a tomar a sua cruz, a arriscar a sua vida pelo Evangelho; depois, a ênfase era sobre a vida entre irmãos, sobre o espírito de serviço e a vida fraterna; agora, põe-se em destaque o motivo de tudo isso: é preciso seguir o Cristo-Servo, que serve até ao dom de sua vida pela multidão.

(Jean Delorme, 1920-2005, França)

 

ORAR

        O problema capital que este evangelho coloca não é a rejeição da soberba, mas a rejeição do poder. Para que os discípulos entendam o que o Evangelho lhes pede, Jesus não coloca, como exemplo, que se deve evitar aos orgulhosos, mas sim aos poderosos... O problema que a Igreja tem com o Evangelho não está no possível orgulho, vaidade ou soberba que podem ter alguns de seus membros, mas no poder que o “ministério apostólico” exerce sobre os demais católicos.  Ao dizer isso, não se trata de afirmar que na Igreja não deve haver presbíteros, bispos e Papa. O problema não está na existência do poder, mas no exercício desse poder. Jesus não quer que os apóstolos (e seus sucessores ou colaboradores) exerçam o poder como exercem os chefes políticos. No entanto, resulta chocante que o texto evangélico em que Jesus proíbe isso, de forma taxativa (Mt 20, 26; Mc 10, 43), não é citado uma vez sequer nos principais documentos do Magistério da Igreja (Denzinger-Hünermann, pp. 1583 ss). Resulta inevitável pensar que o Magistério eclesiástico escolheu do Evangelho o que justificava seu poder e sua forma de exercer o poder, ao mesmo tempo em que marginalizou o que colocava o mais sério problema ao exercício do poder eclesiástico. Os documentos eclesiásticos sobre o poder na Igreja não são a última palavra sobre este assunto. A Igreja tem o direito e o dever de seguir buscando o modo de exercer o poder que seja coerente com o Evangelho. Um poder nunca baseado na submissão incondicional de uns (os leigos) para com os outros (presbíteros, bispos, Papa), mas baseado no seguimento de Jesus, o Senhor. Porque o seguimento gera, por si só e por si mesmo, exemplaridade e felicidade. É urgente que a Igreja ofereça a este mundo (de tantos poderes opressores) outro modelo de exercer a autoridade.

(José María Castillo, 1929-, Espanha)

 

CONTEMPLAR

Quarto de Dom Pedro Casaldáliga, 2014, Wilson Dias, Agência Brasil, Brasil.