terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O Caminho da Beleza 15 - I Domingo da Quaresma

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?
(Ml 2, 10)

I Domingo da Quaresma                     05.03.2017
Gn 2, 7-9; 3, 1-7                Rm 5, 12-19                                   Mt 4, 1-11


ESCUTAR

Então, os olhos dos dois se abriram; e, vendo que estavam nus, teceram tangas para si com folhas de figueira (Gn 3, 7).

O dom gratuito concedido através de um só homem, Jesus Cristo, se derramou em abundância sobre todos (Rm 5, 15).

“Não tentarás o Senhor teu Deus!” (Mt 4, 7).


MEDITAR

A fala é divinamente exata,
Convém ser exato para com ela.
A língua que falsifica a palavra
Vicia o sangue daquele que mente.
(Provérbio do ritual Komo, da tradição Bambara, do Mali, África).

ORAR

As tentações do deserto propõem caminhos alternativos reduzidos a um messianismo triunfalista e terreno. A primeira, é reduzir o homem ao seu estômago; a segunda, é lhe conferir o poder de impressionar para a publicidade, a teatralidade e a ostentação. É a tentação da imagem exacerbada de um milagrismo tosco, de mal gosto, que longe de ser uma expressão de fé é uma caricatura da verdadeira relação com Deus. A terceira, é conferir toda a força e poder às relações políticas e religiosas. O primeiro caminho é o da facilidade; o segundo, o da superficialidade e o terceiro, o da contaminação pelas idolatrias e falsas seguranças. É diabólico organizar a religião para nos acomodar. Não se constrói um mundo mais humano refugiando-se cada um na sua própria religião. A tentação é colocar-se à prova, mas também uma armadilha para nos aprisionar. O deserto (eremos) é o lugar de refúgio e solidão para Jesus e é o Espírito que o conduz para ser tentado. É no deserto que Jesus se derrama em abundância sobre todos. Na tentação do deserto, Satã se apresenta como exegeta para Jesus. Ele interpreta as Escrituras para que Ele se acomode, mas o Espírito sopra uma outra exegese: a Palavra não é dada para se exigir milagres, mas para revelar aos homens o milagre que ele é. Ainda procuramos não tanto Deus quanto os milagres. “Esta geração adultera e perversa procura um sinal, mas nenhum sinal lhe será dado” (Mt 16, 4). As tentações do Cujo representam entediantes variações sobre pouquíssimos temas muito velhos e aborrecidos. Desde o Gênesis, os homens se omitem em comer o fruto da árvore da Vida que simboliza a aspiração à Vida Eterna. Seu pecado é o da omissão de viver e correr riscos livremente. “Existem três forças, as únicas três forças na terra capaz de vencer e cativar para sempre a consciência desses rebeldes fracos para sua própria felicidade: essas forças são o milagre, o mistério e a autoridade” (Lenda do Grande Inquisidor, Dostoiévski). Entregamos a nossa liberdade a qualquer instituição que nos ofereça segurança e proteção e, como a serpente, decida por nós. E nos tornamos “doidos sem cura” (Guimarães Rosa), mas o Cristo nos liberta desta loucura mundana que nos despersonaliza, pois “o demônio não existe real. Deus é que deixa afinar à vontade o instrumento, até que chegue a hora de se dançar” (Grande Sertão, Veredas).


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Poste de Cerca, 2014, Matt Black (1970-), Magnum Photos, Allensworth, Califórnia, Estados Unidos.



segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O Caminho da Beleza 14 - VIII Domingo do Tempo Comum

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?
(Ml 2, 10)

VIII Domingo do Tempo Comum                26.02.2017
Is 49, 14-15             1 Cor 4, 1-5             Mt 6, 24-34


ESCUTAR

Acaso pode a mulher esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena do fruto de seu ventre? Se ela se esquecer, eu, porém, não me esquecerei de ti (Is 49, 15).

Aguardai que o Senhor venha. Ele iluminará o que estiver escondido nas trevas e manifestará os projetos dos corações (1 Cor 4, 5).

“Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas preocupações! Para cada dia bastam seus problemas” (Mt 6, 34).


MEDITAR

O homem jovem come a carne, o homem maduro come o coração (Provérbio Massango, Gabão, África).


ORAR

Na liturgia deste domingo são oferecidas três imagens de Deus (mãe, pai e juiz) e uma grande dúvida: “O Senhor abandonou-me, o Senhor se esqueceu de mim”. A resposta é imediata: uma mãe não esquece jamais do seu filho, pois a memória materna é expressa pela comoção, no sobressalto das entranhas, e sempre leva, ainda que adulto e distante, o seu filho no seio e no coração. O Senhor empenha a sua palavra: “Se ela se esquecer, eu, porém, não me esquecerei de ti”. Somos nós que nos separamos de Deus, pois estamos tão preocupados com nossa estabilidade material que temos dificuldade em nos abandonar à Providência Divina. Servimos mais ao dinheiro do que a Deus e Mamon tem vencido no mundo por meio da nossa idolatria e falsa segurança. Os filhos de Mamon se contentam com os pingos de água benta que são jogados em seus estabelecimentos, criados para a acumulação, e apaziguam as consciências com um cheque oferecido aos que pensam abençoá-los em nome de Deus. O dinheiro se torna um ídolo quando se aninha no coração dos homens e a nossa falta de fé dificulta, arduamente, compreender a Providência de Deus. Jesus nos convida a ter a coragem de arriscar, experimentar, confiar, em suma, crer. Jesus utiliza o verbo douleyein que significa, literalmente, servir como escravo. Somos desafiados a decidir a quem serviremos: à gratuidade de Deus ou à ganância do dinheiro. A primeira, leva-nos ao encontro e ao coração dos outros; a segunda nos conduz à decomposição e à insensibilidade diante da dor das vítimas de Mamon. O papa Francisco escreveu: “Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e impiedosa versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem uma meta verdadeiramente humana”. O dinheiro, com sua ambição desenfreada que nos domina, “é o esterco do diabo”, como dizia Basílio de Cesareia. Ele divide e coloca irmão contra irmão, mãe contra filho, filha contra pai e destrói a cada um, sem exceção. O Senhor nos livre desta maldição!


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S. Título, anônimo, Indonésia, acessado em Pinterest, 04.01.2017.



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O Caminho da Beleza 13 - VII Domingo do Tempo Comum

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?
(Ml 2, 10)

VII Domingo do Tempo Comum                  19.02.2017
Lv 19, 1-2.17-18                 1 Cor 3, 16-23                    Mt 5, 38-48


ESCUTAR

“Não tenhas no coração ódio contra teu irmão. Repreende o teu próximo, para não te tornares culpado de pecado por causa dele” (Lv 19, 17).

Irmãos, acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós? (1 Cor 3, 16).

“Eu, porém, vos digo, amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem!” (Mt 5, 44).


MEDITAR

Eu vi meu Senhor com o olho do coração. E perguntei: Quem és Tu? Ele respondeu: Tu.

(Al-Hallaj, 888-922, Islamismo)


ORAR

Somos igrejas vivas e por esta razão todo gesto é sagrado; cada passo é o de um templo que se move e somos santuários itinerantes e romeiros. A sabedoria mundana jamais chegará a roçar a sabedoria de Deus e só conseguirá alcançá-la pela loucura, que é a vocação específica do cristão. São Francisco de Assis pregava: “Cristo me chamou idiota e simplório e me disse: Quero que sejas um novo louco no mundo para que, com obras e palavras, pregues a loucura da Cruz”. Não podemos continuar a viver a mesmice de sempre quando somos chamados Templo de Deus e convocados a ser santos como Deus. O alimento que nos é oferecido pode ser tornar indigesto: “Estas palavras são duras, quem poderá escutá-las” (Jo 6, 60). A vocação do cristão é para o extraordinário, para o que vai mais além do possível. Bonhoeffer escreveu: “Onde não existe o extraordinário não há nada de cristão”. O cristão se faz visível na sua liberdade de trocar o certo pelo duvidoso. O melhor critério para verificar o amor cristão não são as manifestações sensíveis dos sentimentos, mas a solicitude para com o bem do outro. Um serviço humilde ao necessitado encerra, quase sempre, mais amor que muitas palavras efusivas. Temos sido forçados a alimentar o consumismo, espiritual e material, como filosofia de vida e provocado em nós uma espiral insaciável de necessidades artificiais que esvaziam o espírito da sensibilidade comunitária. Estimulamos o culto ao dinheiro como o único deus que nos oferece segurança, poder e felicidade. O cristianismo não é uma forma de auto realização. Jesus não era Narciso. Acolher o Evangelho pressupõe que renunciemos a nós mesmos e que nossos corações não se curvem sobre si mesmos. O Evangelho de Jesus Cristo não é concêntrico, mas excêntrico. O Papa Francisco exorta: “A Igreja ‘em saída’ é uma Igreja com as portas abertas. Sair em direção aos outros para chegar às periferias humanas não significa correr pelo mundo sem direção nem sentido. Muitas vezes, é melhor diminuir o ritmo, pôr de parte a ansiedade para olhar nos olhos e escutar, ou renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho” (EG 46).


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Menina lendo a Ebony Magazine, 1947, Wayne Miller (1918-2013), Magnum Photos, Chicago, Illinois, Estados Unidos.



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

O Caminho da Beleza 12 - VI Domingo do Tempo Comum

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?

(Ml 2, 10)

VI Domingo do Tempo Comum                   12.02.2017
Eclo 15, 16-21                    1 Cor 2, 6-10                      Mt 5, 17-37


ESCUTAR

Se quiseres observar os mandamentos, eles te guardarão; se confias em Deus, tu também viverás (Eclo 15, 16).

“O que Deus preparou para os que amam é algo que os olhos jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais pressentiu” (1 Cor 2, 9).

“Porque eu vos digo, se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da lei e dos fariseus, vós não entrareis no reino dos céus” (Mt 5, 20).


MEDITAR

Sem se deixar abater pela adversidade,
Sem ansiar pela felicidade:
Livre do medo e da ira,
Livre das malhas do desejo.
Eu o chamo de vidente, e iluminado...

...A água flui continuamente para o mar,
Mas o mar jamais se deixa perturbar:
O desejo flui para a mente do vidente,
Mas ele jamais se deixa perturbar.
O vidente conhece a paz:
O homem que estimula sua própria luxúria
Jamais poderá conhecer a paz.
Ele conhece a paz quando esqueceu o desejo.
Ele vive sem anseios:
Livre do ego, livre do orgulho.
...Ele está vivo nessa iluminação:
Brahman e ele são um.

(Krishna, Hinduísmo)


ORAR

O Evangelho é sempre um chamado à liberdade, nunca se apresenta como um imperativo, mas como um convite à dinâmica da bem-aventurança. Sem resignação, a nós é dado o poder de decidir e eleger a nossa travessia para saltarmos fora da vulgaridade de uma existência sem cor e sem sabor. Não decidir é ser morno e isso é uma maldição, pois seremos vomitados por Deus (Ap 3, 16). As palavras de Jesus são como fogo e somos livres para recusá-las, mas não devemos alimentar ilusões que podemos com elas negociar, obter descontos, minimizar e dulcificar. Jesus usava palavras duras para falar de realidades severas. É isso o que o amor faz. O oposto é bajulação (John Piper, pastor batista). A dinâmica do Evangelho é a de compreender, colocar as coisas às claras; praticar os mandamentos sem burlá-los e transmiti-los como são aos outros. Jesus veio dar plenitude à Lei levando-a às últimas consequências. Ele é radical para que sejam evitadas as deformações do legalismo e da casuística. Os cristãos são homens da totalidade e não das minúcias. Jesus denuncia o equívoco do formalismo, pois não Lhe interessa a observância disciplinar para que tudo esteja conforme às regras: “O sábado foi feito para o homem” (Mc 2, 27). Jesus chama o pecado de sopro contaminado porque se aloja no mais íntimo do coração. Nossa entrega aos outros deve ser total, sem ranhuras ou fissuras. Devemos escolher entre a moral corrente dominante ou a ética do Cristo: a de uma sabedoria escondida que nos abre aos desígnios de Deus que nos ama em abundância. Jesus deseja que sejamos plenamente humanos e para tanto devemos eliminar a cobiça e toda a forma de juramento para que não comprometamos Deus com testemunhos vacilantes ao dizermos mas não cumprirmos. Afinal, o Pai não é Aquele que deve suprir a falta de credibilidade enraizada em nós mesmos, mas Aquele que afirma: “seja o vosso ‘sim’ sim, e o vosso ‘não’ não”.


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S. Título, rio Zanskar no Himalaia, Olivier Föllmi (1958-), do livro Le Fleuve Gelé, 1990, Saint-Julien-en- Genevois, França.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

O Caminho da Beleza 11 - V Domingo do Tempo Comum

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?
(Ml 2, 10)

V Domingo do Tempo Comum                     05.02.2017
Is 58, 7-10               1 Cor 2, 1-5             Mt 5, 13-16


ESCUTAR

Se acolheres de coração aberto o indigente e prestares todo o socorro ao necessitado, nascerá nas trevas a tua luz e tua vida obscura será como o meio-dia (Is 58, 10).

A minha palavra e a minha pregação não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria...para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus, e não na sabedoria dos homens (1 Cor 2, 5).

Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso pai que está nos céus (Mt 5, 16).


MEDITAR

Ma-tsu, na época, morava no mosteiro e estava sempre absorto em meditação. Seu Mestre, consciente de sua capacidade extraordinária,... perguntou-lhe:
--- Com que objetivo você está sentado em meditação?
--- Quero tornar-me um Buda. --- Mat-su respondeu.
Ouvindo isso, o Mestre pegou uma telha e pôs-se a esfregá-la em uma pedra.
--- O que está fazendo, Mestre? --- Mat-su perguntou.
--- Estou polindo esta telha para fazer um espelho --- replicou Huai-jang.
--- Como você pode fazer um espelho polindo uma telha? --- exclamou Ma-tsu.
--- Como alguém pode se tornar um Buda permanecendo sentado em meditação? --- contrapôs o Mestre.

(Zen-Budismo)


ORAR

O tema da luz é dominante na liturgia de hoje. A luz brilha a partir de gestos concretos como a casa que abriga, a esperança restaurada, a preocupação com a dor alheia e o pão sempre repartido. A luz brilha quando nos abstemos da maledicência, das fraudes e das difamações. A luz só pode ser oferecida aos outros pela modéstia e pela delicadeza. A sabedoria de Deus está na loucura da Cruz e está intimamente ligada ao sal e à luz. O sal que não perde o sabor e evita o apodrecimento é como a loucura dos paradoxos evangélicos e para sermos a luz do mundo não devemos ter a pretensão de brilhar com luz própria, mas desterrar a banalidade e a obscuridade com uma migalha abundante de loucura. A salvação da humanidade está na aparição do Homo Demens, daquele que sai da casca da racionalidade, do cálculo, das prudências táticas, do justo meio e empreende, decididamente, o caminho do exagero, do excesso e da provocação. O cristão é o homo demens, por excelência. O papa Francisco nos convoca a fazer confusão, a sair da acomodação, para nos desinstalarmos e nos colocarmos a caminho. O Cristo anuncia: “Vim para que tenham vida, mas vida em abundância” (Jo 10, 10). O mundo não precisa de beatos de pescoço retorcido, nem de intelectuais refinados, mas de homens e mulheres entusiasmados, cheios de Deus, loucos capazes de realizar gestos insólitos, surpreendentes pela sua ousadia e escandalosos na sua liberdade. As bem-aventuranças são uma desconcertante sinfonia dos loucos e a expressão mais perfeita da loucura evangélica. O cristianismo está doente de rigidez, de compostura, de prumo e de sisudez. “Os seus o ouvem e saem para agarrá-lo. Sim, eles dizem: Ele está fora de si” (Mc 3, 21). Perdemos a alegria, o encantamento e o arrebatamento que nos traz a descoberta do amor fraterno. Todos os que procuram viver do amor cristão ardem entre Deus e o mundo, com Deus para o mundo, como representantes do mundo para Deus, e ardem sempre no interior da Comunhão dos Santos (cf. Balthasar). Não somos embalsamadores de múmias e nem cegos que guiam outros cegos. O Cristo nos chama a estarmos presentes na sociedade pelo testemunho pessoal e pela acolhida das pessoas. O Cristo despreza a presença chamativa dos nossos templos, santuários e catedrais; vira o rosto para os nossos rituais espetaculares que enchem os olhos e amortecem os espíritos; sorri, sem graça, para as concentrações massivas de padres, bispos, cardeais que ostentam o impactante poder, mas estão exilados da realidade das ruas, dos becos e das praças. Jesus vai mais ao fundo da vida onde o sal e a luz jamais se ocultam e nem se dissimulam, pois é a força da vida que brota em nós, em Espírito e em Verdade, que convence e seduz.

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S. Título, anônimo, acessado em pt.pinterest.com