segunda-feira, 28 de maio de 2012

O Caminho da Beleza 28 - Santíssima Trindade

O Caminho da Beleza 28
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



Santíssima Trindade                03.06.2012
Dt 4, 32-34.39-40                        Rm 8,14-17                         Mt 28, 16-20


ESCUTAR

“Reconhece, pois, hoje e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima do céu e cá embaixo na terra, e que não há outro além dele” (Dt 4, 39).

“Todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. De fato, vós não recebestes um espírito de escravos, para recairdes no medo, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, no qual todos nós clamamos: Abbá – ó Pai! O próprio Espírito se une ao nosso espírito para nos atestar que somos filhos de Deus” (Rm 8, 14-16).

“Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28, 20).


MEDITAR

“A Divindade é em sua onisciência e onipotência como uma roda, um círculo, um todo que não pode nem ser compreendido, nem dividido, nem iniciado e nem finalizado (...) Deus os abraça. Vocês são circundados pelos braços do mistério de Deus” (Hildegard von Bingen)

“No próprio instante em que recusamos a acumulação dos prazeres, a satisfação dos nossos interesses particulares para suprir o que falta aos nossos irmãos e irmãs em humanidade, nós preenchemos o vazio de nossa alma. Somos enriquecidos do que há de mais sagrado em nós” (Soeur Emmanuelle).


ORAR

A solenidade de hoje oferece a oportunidade de reafirmar uma dimensão essencial da vida: o sentido do mistério. Deus fala a linguagem dos homens e semeia em seus caminhos sinais para provocá-los a mergulhar num território que lhes é desconhecido, imprevisível e não programado. Deus nos apela à descoberta do infinito, o momento inefável em que não conseguimos falar nada porque não há nada a dizer. Quanto mais Deus se revela tanto mais aparece misterioso para que O busquemos, pois Ele não está longe, mas escondido: “É verdade: Tu és o Deus escondido” (Is 45, 15). Deus quer que saiamos da obscuridade das certezas tranquilizadoras em direção à luz do mistério. Deus se faz conhecer por meio de sua atuação em nós: é um Deus-para-nós e é Ele quem nos escolhe: “Feliz o povo que o Senhor escolheu por sua herança” (Sl 32). Paulo afirma que o Deus-para-nós é também um Deus-em-nós, um Deus que colocou a sua morada no coração dos homens e mulheres para que O chamem de Pai. O evangelista desvela outra dimensão do mistério trinitário: o Deus-conosco que afirma a sua presença no meio de nós “todos os dias até ao fim do mundo”. Deus se faz Caminhante em Cristo e o Cristo converte seus amigos e amigas em caminhantes. A Igreja de Jesus é peregrina, romeira, samaritana para manifestar o Deus-conosco e indicar que o mistério não é uma realidade estática, mas dinâmica. O mistério trinitário se revela para nós como um Deus-para-nós, um Deus-em-nós e um Deus-conosco. Um mistério cuja realidade não está confinada nos céus da abstração e nem nas elucubrações teológicas, mas que nos toca de perto e dá sentido à nossa vida cotidiana. O mistério trinitário está em nós como pertença, participação e missão e, entrelaçado na nossa existência, nos faz viver em permanente busca. A solenidade de hoje é a celebração da presença de Deus na História e na comunidade eclesial. Deus está no íntimo dos homens e mulheres que se tornam templos do Espírito Santo e Seus filhos e filhas (Rm 8, 9.14). A dinâmica da Trindade é o Amor e uma eterna comunicação, pois não existe nem um olhar-para-si, mas sempre e eternamente um olhar-para-o-outro e porque a grandeza desta dança eterna consiste no dom de si mesmo. Meditemos as palavras do dominicano Eckhart escritas no século XIV: “O Pai sorri para o Filho e o Filho sorri para o Pai e o sorriso faz nascer o prazer, o prazer faz nascer a alegria e a alegria faz nascer o amor”.


CONTEMPLAR

Trindade, ícone anônimo, 1680, têmpera sobre madeira, 180 x 140 cm, Mosteiro Catedral da Ascensão, Kremlin, Moscou, Rússia.


segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Caminho da Beleza 27 - Solenidade de Pentecostes

O Caminho da Beleza 27
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



Solenidade de Pentecostes                27.05.2012
At 2, 1-11                  1 Cor 12, 3b-7.12-13                    Jo 20, 19-23


ESCUTAR

“Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava” (At 2, 4).

“De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito” (1 Cor 12, 13).

“Soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhe serão retidos” (Jo 20, 22).


MEDITAR

“A obra do Espírito Santo é de tornar contemporâneas a presença e a ação de Jesus Cristo na nossa humanidade. É dele que esperamos o nascimento do mundo novo sendo vigilantes na fé. Ele é o mestre de obras da nova criação como foi na origem, pairando sobre as águas ou insuflado no homem. O Espírito Santo é o ar do Reino de Deus” (D. Pierre Claverie, op).

“Só na comunhão aprendemos a estar sozinhos no sentido correto; e somente na solidão aprendemos a viver de modo correto na comunhão” (Dietrich Bonhoeffer).


ORAR

O dia de Pentecostes assinala a conclusão e o ápice dos cinquenta dias pascais. O Espírito é uma realidade dinâmica que atua de maneira invisível e transforma o homem no seu interior: penetra nas almas até o mais fundo, consola, dá a paz, sacia, lava, rega, cura e encaminha. Os três símbolos com que expressamos o Espírito Santo – vento impetuoso, fogo e línguas – representam o impulso vital para não ficarmos imóveis, inativos e mergulhados numa preguiça espiritual. O Espírito Santo vai, desde o início, em todas as direções a fim de restabelecer a unidade e superar a dispersão humana. Pentecostes significa a reunificação da humanidade. Pentecostes é o anti-Babel, pois em Babel a pretensão de falar uma única língua provocou a confusão. Em Pentecostes, a unidade e a compreensão se realizam por meio de diversas línguas. O Espírito é um princípio de unificação, mas também de diferenciação e uma pretensa uniformidade é uma caricatura de uma suposta comunhão no Espírito. O Concílio Ecumênico Vaticano II, na sua declaração Nostra Aetate, de 28 de outubro de 1964, afirmava: “A Igreja Católica não rejeita o que é verdadeiro e santo em todas as religiões. Considera as suas práticas, maneiras de viver, preceitos e doutrinas como reflexo, não raramente autêntico, da verdade que ilumina todos os seres humanos, ainda que se distanciem do que ela crê e ensina” (NA 2). A Igreja alcança um respiro de universalidade ao não sufocar, manipular e nivelar as particularidades, mas exaltando-as. A narrativa de Pentecostes mostra a surpresa dos ouvintes não por apenas escutar uma mensagem no seu próprio idioma, mas pela percepção de uma palavra distinta, que vinha de longe, provocava uma profunda ressonância interior e uma surpreendente e secreta cumplicidade. Uma palavra que não era estranha porque estava em sintonia com outra Palavra semeada nas profundezas da pessoa, pois a única palavra compreensível é aquela que ressuscita outra que temos no mais fundo do nosso ser. O mais importante não é o falar em línguas, mas aprender a única língua que realmente importa: a do Espírito. É chegar ao coração das pessoas com simplicidade, sinceridade, autenticidade e ser capaz de estabelecer, antes de mais nada, uma relação humana de empatia e de confiança. O essencial é não sermos considerados estranhos e intrusos. A Igreja nascida em Pentecostes não conquista as massas, pois o Espírito habita e fala ao coração de cada um: “Como é que os escutamos na nossa própria língua?” Não podemos reduzir nossa relação com o Espírito Santo a um vago espiritualismo, a um genérico sentimentalismo e a uma resposta mistificada. Nossa relação com o Espírito exige uma adesão total à Palavra que é carne, espírito, alma, história e eternidade. Devemos pedir ao Espírito que faça de nós uma “Igreja sem fronteiras”, de portas abertas, de coração compassivo e de contagiosa esperança. Que nada nos faça evadir ou dissimular do desígnio de Jesus: construir um mundo mais justo e digno, mais amável, terno e fraterno, aplainando os caminhos e veredas para o seu Reino. Gravemos em nossos corações e mentes a declaração do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso, em maio de 1991: “O mistério da salvação atinge, todos os homens e mulheres, por caminhos conhecidos por Deus, graças à ação invisível do Espírito de Cristo. É por meio da prática daquilo que é bom nas suas próprias tradições religiosas, e seguindo os ditames da sua consciência, que os membros das outras religiões respondem afirmativamente ao convite de Deus e recebem a salvação em Jesus Cristo, mesmo se não o reconhecem como o seu Salvador” (Diálogo e Anúncio, 29). Não podemos esquecer que somente em comunhão somos e seremos tocados e renovados pelo sopro divino. Amém!


CONTEMPLAR

Pentecostes, Arcabas (Jean-Marie Pirot), 114 x 146 cm, óleo sobre tela, ouro 24 quilates, Mosteiro Notre-Dame du Cénacle, Lyon, França, 2005.




segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Caminho da Beleza 26 - Ascensão do Senhor

O Caminho da Beleza 26
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



Ascensão do Senhor                  20.05.2012
At 1, 1-11                  Ef 1, 17-23               Mc 16, 15-20


ESCUTAR

“Os apóstolos continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia. Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: “Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?” (At 1, 10-11).

“O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer. Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos, e que imenso poder ele exerceu em favor de nós que cremos, de acordo com a sua ação e força onipotentes” (Ef 1, 17- 19).

“Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam” (Mc 16, 20).


MEDITAR

“Tornar-se cristão não é adotar a religião do Cristo, é tornar-se o Cristo” (Cardeal Lustiger).

“O único motivo da esperança cristã não é a de atingir a felicidade para si, mas libertar o amor dos limites em que o encerramos” (Maurice Zundel).


ORAR

Os apóstolos estavam imersos no assombro, na dúvida e na depressão. O sonho da reconstrução do reino de Israel não se realizara e mesmo assim deveriam ir ao mundo pregar a Boa Nova. Tudo lhes parecia sob o signo da instabilidade e da imprevisibilidade. O medo ainda dominava os seus corações e os mergulhava na incredulidade. Apesar de tudo, “o Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam”, continuando presente e atuante aos amigos que O seguiriam pelas veredas do mundo. A certeza da Ressurreição não exclui, de nossa travessia, as dúvidas, incertezas e contradições. Este é o paradoxo: tudo está cumprido e tudo está por se fazer. Temos os olhos fixos na realidade última e definitiva, mas caminhamos no provisório. Somos encarregados de proclamar o Evangelho, mas somos obrigados a confessar, para não enganarmos os outros e nem a nós mesmos, que não possuímos a resposta a todas as perguntas, a solução para todos os problemas e que as nossas palavras não passam de balbucios diante da grandeza da mensagem. O cardeal Walter Kasper disse certa vez que a Igreja teria muito mais autoridade se algumas vezes dissesse com mais frequência: “Eu não sei”. O Evangelho adverte que corremos o risco de uma fuga numa contemplação totalmente alheia aos desafios históricos, de escamotearmos as realidades comprometedoras ou de cairmos num ativismo frenético. Corremos o risco de nos submetermos a uma lógica da exclusão: a de um espiritualismo desencarnado por um lado ou de um apostolado sem alma, burocrático e administrativo por outro. O papa Bento XVI exorta: “O amor cresce por meio do amor. O amor é ‘divino’, porque vem de Deus e nos une a Deus, e por meio deste processo unificador, transforma-nos em um Nós, que supera nossas divisões e nos faz ser Um só, até que no fim Deus seja ‘tudo em todos’(1 Cor 15, 28)”. A beleza de ser cristão é a de que nada está decidido de antemão; nenhum programa está definido de uma vez por todas. A beleza de ser cristão se encontra na travessia que deve ser inventada e reinventada a cada dia. Como dizia Guimarães Rosa: “Viver é rasgar-se e remendar-se!”. Somos chamados a conquistar um sentido da realidade sem jamais perder a esperança, a honrar a cada dia um compromisso, por menor que seja, ainda que seja desproporcional a este mundo que resiste às mudanças. O cristão é o homem que admite as próprias misérias para experimentar a força que vem do Espírito e, por meio, de pequenos sinais de compaixão e fraternidade, manifestar o amor transbordante do Cristo. Estar ao lado do Cristo e dos que anunciam a sua mensagem não significa estar, obsessivamente, contra alguém para descarregar raivosas polêmicas e agressividades que sempre são e serão suspeitas. Jesus cumpre os profetas e, entre o dom do Espírito e o acontecimento definitivo do Reino, existe uma espera de tempo que deve ser preenchida pelo testemunho do amor fraterno “até as extremidades da terra”. O teólogo jesuíta Karl Rahner enfatiza: “O Cristo está de agora em diante no coração de todas as humildes coisas que compõem a vida da terra, esta terra que não podemos abandonar, pois ela é a nossa mãe”. A humanidade de Jesus é de tal modo perfeita que é necessário, agora e sempre, escrever a palavra Deus, e sua divindade é de tal modo real que é, também, preciso escrever, eternamente, a palavra Homem.


CONTEMPLAR

Cenas da Vida de Cristo: 22. Ascensão, Giotto di Bondone, 1304-06, afresco, 200 x 186 cm, Capella Scrovegni, Pádua, Itália.

terça-feira, 8 de maio de 2012

O Caminho da Beleza 25 - VI Domingo da Páscoa

O Caminho da Beleza 25
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



VI Domingo da Páscoa             13.05.2012
At 10, 25-26.34.35.44-48                     1 Jo 4, 7-10             Jo 15, 9-17


ESCUTAR

“Deus não faz distinção entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10, 34).

“Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8).

“Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça. O que pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo concederá. Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros” (Jo 15, 16-17).


MEDITAR

“Nossa comunhão não constrói muralhas que separam e aprisionam numa torre de marfim, mas coloca-nos a serviço do Reino de Deus na construção de um mundo fraterno. Nossa comunhão não é somente para o momento de uma missa, pois ela é a atitude mais essencial da nossa vida e ela mesma é o sinal maior do Reino de Deus realizado em nosso mundo. Nossa fraternidade é o sacramento da presença e da ação de Deus” (D. Pierre Claverie, op).

“Uma pessoa má pode fazer dez mil vezes mais dano do que uma fera, porque nós podemos usar nossa razão para tramar muitos e diversos males” (S. Tomás de Aquino).


ORAR

Deus se antecipa sempre aos nossos itinerários, descobertas e decisões. Ele nos elegeu por primeiro e nos precede no amor. Sempre chegaremos atrasados aos encontros com Deus ainda que apressemos os passos. A descoberta vital de Pedro de que o Senhor não faz distinção entre as pessoas é o sinal mais evidente dos nossos atrasos para os encontros de amor fraterno. E o que nos atrasa é o fato de termos os nossos pés atolados no lamaçal dos preconceitos que nos impede de nos abandonar, em confiança, às impensáveis trajetórias do Espírito. Mais do que nunca, é necessário exorcizar o medo do diferente e aprender que Deus se move no espaço ilimitado de todos. Na entrada de um mosteiro encontramos uma placa com os seguintes dizeres: “O primeiro gesto ao nos aproximarmos de outro povo, de outra cultura e de outra religião é ficarmos descalços, porque o lugar do qual nos aproximamos é sagrado. Senão estaremos esmagando os sonhos dos outros ao esquecer que Deus ali estava antes mesmo de nós chegarmos”. João reafirma que a origem e o conteúdo da missão é o amor: o amor do Pai funda a missão do Filho e o amor do Cristo faz brotar, no Espírito, a missão dos discípulos. Este amor revelado pelo Cristo é um amor universal e a nós não cabe nenhuma mentalidade elitista, sectária e discriminatória. Somos chamados, na liberdade do Espírito de Jesus, a entrar em casas diversas e a sentarmos à mesa dos homens e das mulheres, pois o Espírito do Senhor entrega os seus dons sem pedir, antecipadamente, informações, cadastros, senhas e atestados de boa conduta. O mundo plural e diverso é o lugar privilegiado e amado de Sua morada. Pedro recusa qualquer privilégio: “Sou apenas um homem”. E nos testemunha que somente sendo um homem como os outros é que poderemos nos encontrar. Depende de nós que o mundo em que vivemos se transforme num deserto, num caos ou num campo de batalha ou que reencontre a sua vocação de jardim, de cidade fraterna onde habita a justiça. Devemos aprender que o diferente de nós traz em si uma parte da verdade que procuramos. Pedro adverte em sua carta: “Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, cuidando dele não forçadamente, mas de boa vontade, como Deus quer; não por lucro sórdido, mas generosamente; não como tiranos daqueles que vos foram confiados, mas como modelos do rebanho” (1 Pd 5, 2-3). Jesus ensinou que o amor é tanto mais convincente quanto mais desarmado e despojado. Amar-nos uns aos outros é o mandamento dos cristãos que nos permite reconhecer os discípulos de Jesus (Jo 13, 35). O testemunho a ser dado só é eficaz quando nos olhando disserem: “Vede como se amam” (Tertuliano). Caso percamos esta dimensão central e única, o cristianismo perde o seu caráter de Evangelho, de Boa Nova. A fé cristã e a prática do amor devem criar uma imensa comunhão fraterna entre os povos e as raças mais diversas. Esta atitude não é fácil e nem se aprende de uma hora para outra: é necessário, além da boa vontade, um empenho e um mínimo de inteligência para evitar os confrontos e nos abrirmos aos diferentes de nós. Jesus testemunha que nenhuma mediação institucional, nenhum gesto sacrificial e nenhum ritual religioso são indispensáveis. O cristianismo pode se tornar uma seita, basta se fechar sobre si mesmo. Jesus é imperativo: “Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros” e, no seguimento de Jesus, o mais importante é a verdade da relação íntima com Deus e a prática do amor fraterno, pois todo aquele, cristão ou não, que age de uma maneira verdadeira e amorosa está ligado a Deus. E no seu Reino, que é Dele, encontra morada eterna quem melhor Lhe aprouver e quem Ele quiser.


CONTEMPLAR

Cristo como uma videira, Lorenzo Lotto, 1523 circa, afresco do Oratório Suardi, Trescore, Itália.


quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Caminho da Beleza 24 - V Domingo da Páscoa

O Caminho da Beleza 24
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



V Domingo de Páscoa               06.05.2012
At 9, 26-31              1 Jo 3, 19-24                      Jo 15, 1-8


ESCUTAR

“A Igreja, porém, vivia em paz em toda a Judeia, Galileia e Samaria. Ela consolidava-se e progredia no temor do Senhor e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo” (At 9, 31).

“Não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade! Aí está o critério para saber que somos da verdade e para sossegar diante dele o nosso coração, pois, se o nosso coração nos acusa, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas”(1 Jo 3, 18-19).

“Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor. Todo ramo que em mim não dá fruto ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa para que dê mais fruto ainda” (Jo 15, 1-8).


MEDITAR

“Só há um passo a se fazer para reencontrar Deus: um passo para fora de si mesmo” (Rumi).

“Ser pecador é querer fazer de si mesmo o centro do mundo, orbitar em torno de si próprio, querer ser a si próprio por si mesmo, diante dos outros, diante de Deus e reduzir tudo a si” (D. Pierre Claverie, op).


ORAR

A alegoria da vinha que “deve dar frutos” parece ser a que mais responde à mentalidade atual de eficiência e produtividade. Na nossa sociedade globalizada, crianças e idosos são estigmatizados como improdutivos e nos orçamentos públicos classificados como despesas, mas o mercado encontra para eles a positividade de consumidores privilegiados de mercadorias específicas. Dar frutos, no Evangelho, não se trata de incrementar o rendimento e multiplicar as utilidades. Neste evangelho, estamos na esfera da vida e não de qualquer empresa com ganas de expansão. Para Jesus, os números não dão conta da vida em plenitude, e Seus critérios são o de Nele permanecer e aceitar a poda. Permanecer Nele não é um enxerto externo, mas uma convivência profunda, uma comunhão íntima com o seu Espírito e um intercâmbio vital. A carta de João nos conclama a não amarmos “só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade”: amar com ações nos impulsiona a ir em direção aos outros e amar de verdade nos leva a aceitar os nossos próprios limites. A poda faz parte da travessia e toda árvore é submetida a ela para que possa dar mais frutos. O próprio Jesus sofreu as discriminações dos seus e foi podado muitas vezes em suas andanças para espalhar o bem. Jesus, para manifestar o amor do Pai, não ficou trancado em seu próprio mundo, mas foi ao encontro dos que mais precisavam dele. Ele carregou os fardos de muitos para que ficassem gravados nos sulcos da terra os sinais visíveis da misericórdia divina que floresceriam nas areias desertas dos afetos e dos egoísmos. A lição para a Igreja é evidente: nenhuma comunidade, que se quiser cristã e que pretenda permanecer na verdade, pode praticar o amor somente entre os seus e cercada pelos seus muros. É no seu interior que, muitas vezes, sopra o vento gelado da injustiça, do egoísmo, do ciúme, da exclusão, da violência, do preconceito e da indiferença. João nos apela a dilatar o coração até as dimensões do coração de Deus, pois Ele é maior do que o nosso coração. O seguimento de Jesus não diz respeito a alguns instantes de devoção, ou apenas o cumprimento de disciplinas eclesiásticas, mas implica uma travessia longa e fatigante na qual somos chamados a perseverar e a manter, a qualquer custo, nossos elos de amor, de amizade e de fraternidade (Jo 15, 13-15) que podem custar a nossa própria vida. A fé não é uma questão de opinião, mas uma maneira de ser e o amor do outro é a melhor maneira de se ter paz no coração. Foi Barnabé quem confiou em Paulo e testemunhou por ele. Um judeu, levita, originário de Chipre, cujo nome verdadeiro era José. Deram-lhe o nome de Barnabé que significa “o homem do reconforto”. A imagem da vinha é de grande força expressiva e coloca em destaque que podem existir discípulos que não dão frutos porque não corre em suas veias o Evangelho do Ressuscitado e suas comunidades estão desconectadas da relação íntima com o Cristo porque reduziram a adesão pessoal a um folclore religioso anacrônico que não leva a ninguém a Boa Nova. Tudo é dom: se formos ricos, somos pobres, pois nada nos pertence e não levamos nada para a vida eterna. Tudo nos foi dado como sinal da presença e do amor de Deus e, por esta razão, não podemos reter nada para nós, nem acumular, nem alimentar a ganância. Esta presença de amor é um apelo ao abandono, pois o dia em que retivermos o dom, ele morre entre nossas mãos.


CONTEMPLAR

Cristo, “A Verdadeira Vinha”, Angelos Akotantos, primeira metade do século XV, Escola de Creta, têmpera sobre ouro e gesso sobre madeira, 38 cm x 48 cm, Temple Gallery, Londres, Reino Unido.