segunda-feira, 26 de agosto de 2019

O Caminho da Beleza 41 - XXII Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XXII Domingo do Tempo Comum              01.09.2019
Eclo 3, 19-21.30-31          Hb 12, 18-19.22-24          Lc 14, 1.7-14


ESCUTAR

Muitos são altaneiros e ilustres, mas é aos humildes que ele revela seus mistérios (Eclo 3, 20).

Vós vos aproximastes do monte Sião e da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste (Hb 12, 22).

“Quem se eleva será humilhado e quem se humilha será elevado” (Lc 14, 11).


MEDITAR

A comunidade de Cristo é um lugar de hospitalidade para os excluídos, não para as élites sofisticadas e sectárias. Jesus abate a norma exclusivista do puro e do impuro e torna o seu Reino local de comunhão universal cuja régua não é o interesse econômico ou social, mas o amor generoso e o perdão.  Esta norma de desinteresse e de liberdade deve tornar-se a orientação de fundo da práxis cristã.

(Gianfranco Ravasi, 1942-, Itália)


ORAR

            Assim como a alma não pode ser nem conhecida nem vista pelos olhos do corpo, assim também não é possível conhecer o humilde entre os homens. O humilde não é estranho ao discurso, às conversações, à linguagem, à dispersão dos sentidos, mas mais do que tudo ele prefere se afastar a si mesmo, vivendo só na tranquilidade, separado de toda a criação e se ocupando dele mesmo em um lugar calmo. Em suma, o último lugar, a privação, a necessidade, a pobreza lhe são mais desejáveis do que ter e fazer muitas coisas. Não há jamais no humilde nenhuma precipitação, nenhuma pressa, nenhuma confusão, nenhum pensamento impetuoso e profundo. Mas ele permanece todo tempo em repouso. Se o fogo do céu está sobre a terra, o humilde não teme. Nem todo homem calmo é humilde, mas todo homem humilde é calmo. Aquele que não é humilde não sabe se conter, mas encontrarás muitos homens que se contêm e não são humildes. Assim como não se pode assustar uma montanha, o humilde também não se amedronta. Ele não se perturba nem se altera quando vêm as penas e nem se surpreende nem se engrandece quando vêm as alegrias. Toda sua alegria e seu verdadeiro júbilo, ele os encontra próximo ao seu Senhor. Nunca ocorre ao humilde uma necessidade de se ocupar com problema ou confusão. Quando ele está só, o humilde tem o pudor de si mesmo. Eu admiro que um homem, se é realmente humilde, possa não ousar rezar a Deus, quando se aproxima dele, ou se acredite digno de rezar, ou possa não pretender pedir alguma coisa ou saber o que pede. Ele só permanece em silêncio. Ele só espera a compaixão e a vontade que exprimirão para ele o rosto do imenso que ele tanto adora, enquanto ele mesmo inclina sua face sobre a terra. E a única coisa que ele ousa dizer quando ora, é: “Que me seja feito segundo a tua vontade, Senhor” (cf. Lc 22, 42). Possamos dizer para nós a mesma coisa. Amém.

(Isaac, o Sírio, século VII d. C.)


CONTEMPLAR

Etéreo, 2010, Honeyisland (www.flickr.com/photos/honeyisland), Curitiba, Brasil.





segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O Caminho da Beleza 40 - XXI Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XXI Domingo do Tempo Comum                25.08.2019
Is 66, 18-21            Hb 12, 5-7.11-13                Lc 13, 22-30


ESCUTAR

“Eu, que conheço suas obras e seus pensamentos, virei para reunir todos os povos e línguas; eles virão e verão minha glória” (Is 66, 18).

“Firmai as mãos cansadas e os joelhos enfraquecidos; acertai os passos dos vossos pés” (Hb 12, 12-13).

“Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita” (Lc 13, 24).


MEDITAR

A vida nova da qual Jesus pregou a existência é uma vida que não é dominada nem pelo medo da Lei, nem pelo medo da morte. Jesus, propriamente no Getsemani, torna-se o evento mesmo da porta que permite a vida passar além da angústia da morte e da Lei a tal ponto de se pensar que a morte mesma... possa se tornar a ocasião de uma transformação afirmativa da vida: “se o grão de trigo, caído na terra, não morre, ficará só; se morre, produz muito fruto” (Jo 12, 24).

(Massimo Recalcati, 1959-, Itália)


ORAR

            Mas, então, é possível, é concebível colocar a Jesus esta questão, de qualquer um no texto, esta questão que mais ou menos nos dizemos: Senhor, serão poucos os que se salvam? Esta questão não é a de um louvador, não é a de um crente. No fundo, é ela mesma uma questão, uma questão aberta? Questão de um doutrinador que solicita uma resposta definitiva e peremptória, capaz de fechar toda a discussão, toda a procura. A salvação? Um decreto bem firme fixa a conta, limitada, dos eleitos. Questão fechada... que aprisiona aquele que a exprime. Ele não está mais aberto: ele se estima salvo por direito. Ele não está disponível, disposto à salvação. A salvação: este Encontro para além de um Porta estreita. Dessa salvação: esse religioso não tem necessidade. Ele está bloqueado por sua autossuficiência. E sua oração, quando diz Senhor, abre-nos (Lc 13, 25) chega muito tarde. Pode-se orar diante de uma porta fechada. A oração é agora dizer: Senhor, disponha-nos ao Encontro. É dizer insaciavelmente: Senhor, abre-nos. Faça a mim, a nós, aos crentes abertos à Tua Palavra, a Teu Sopro, a Teu Desejo. Orar. Pedir a Abertura em nós. Senhor, abra meus lábios (Sl 50, 14). Mas para orar assim é preciso ver a Porta. Escutar o que ela me diz... Se vejo Jesus. Se vejo: de onde ele vem e onde ele vai. Se decido um dia segui-lo. Então: eis que ele mesmo se abre em mim, me dispondo nele, por ele e com ele ao Encontro. O tempo da existência humana é o tempo dado para a abertura: para amar. Aquele que ama passou da morte à vida (1 Jo 3, 14). A abertura é o acontecimento mesmo da salvação manifestada em Jesus Cristo. Se Jesus é a Porta (Jo 10, 9), o Espírito não é a Abertura? Jesus o entrega a nós: a fim de que ele nos abra totalmente à sua verdade e à sua alegria inteiras. O Espírito nos ensina esta única lição vinda Daquele que nos ama: a Porta se abre. A Porta conduz qualquer um para o interior, que nos espera. A Porta, ela diz: Entre. Faça o esforço de entrar. Dê-me a alegria de vos salvar. Quiçá me aconteça às vezes de rezar diante desta Porta que se abre e me convida a entrar em sua oração: Pai, quero que aqueles que me confiastes estejam também comigo (Jo 17, 24). A abertura, é nascer: do alto (Jo 3, 3), é viver: de Deus.

(Christophe Lebreton, 1950-1996, França, monge martirizado do Mosteiro de Thibirine, Argélia)


CONTEMPLAR

Passeio solitário, 1958, Fan Ho (1931-2016), Hong Kong.




quinta-feira, 15 de agosto de 2019

O Caminho da Beleza 39 - Assunção de Nossa Senhora


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


Assunção de Nossa Senhora              18.08.2019
Ap 11, 19;12, 1.3-6.10                  I Cor 15, 20-27                  Lc 1, 39-56


ESCUTAR

O dragão parou diante da mulher, que estava para dar à luz, pronto para devorar o seu Filho, logo que nascesse (Ap 12, 4).

O último inimigo a ser destruído é a morte (1 Cor 15, 26).

“Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias” (Lc 1, 52-53).


MEDITAR

O corpo humano é um corpo que se faz, um corpo que se transforma, um corpo que se espiritualiza, um corpo que se imortaliza e um corpo que respira Deus e que O revela.

(Maurice Zundel, 1897-1975, Suíça).


ORAR

            Ela é uma criatura que conheceu o dom de Deus que foi Jesus... ela é uma criatura que foi tão pura, tão luminosa que parece ser a luz mesma, um “Espelho da Justiça”. Ela é uma criatura na qual a vida foi tão simples, tão perdida em Deus que se pode até dizer: é a Virgem fiel, aquela que “guardava todas as coisas em seu coração”. O Pai, inclinando-se sobre esta criatura tão bela, tão ignorante de sua beleza, quis que ela fosse no tempo a Mãe daquele cujo Pai é ele, para a eternidade. Quando o Espírito de Amor, que preside todas as operações de Deus, sobreveio, a Virgem disse o seu “Fiat”: “Eis a serva do Senhor, que sua palavra se cumpra em mim”, e o maior dos mistérios se realizou. Pela descida do Verbo nela, Maria se tornou para sempre a presa de Deus. Parece-me que a atitude da Virgem, durante os meses que decorreram entre a Anunciação e a Natividade, é o modelo das almas interiores, dos seres que Deus escolheu para viver no interior, no fundo do abismo sem fundo. Naquela paz, qual recolhimento, Maria se permitia e se prestava a todas as coisas! “Maria percorreu apressadamente as montanhas da Judeia para se encontrar na casa de sua prima Isabel”.  Jamais a visão inefável que ela contemplou para si mesma diminuiu sua caridade exterior... A alma de Maria é tão simples, os movimentos nela tão profundos que não se podem prevê-los; ela parece reproduzir sobre a terra essa vida que é própria do Ser divino, o Ser simples. É ela também tão transparente, tão luminosa que se poderia tomá-la pela luz. Todavia, ela não é senão o Espelho do “Sol da justiça”. Mais que nenhum outro santo, ela me parece imitável, sua vida era tão simples. Apenas olhando para ela, me sinto aliviada. “A Virgem conservava essas coisas em seu coração”. Toda sua história pode se resumir nessas poucas palavras; é em seu coração que ela vivia e em tal profundidade que o olhar humano não a podia seguir. Quando leio no Evangelho que “Maria percorria rapidamente as montanhas da Judeia”, para ir cumprir seu dever de caridade perto de sua prima Isabel, eu a vejo passar bela, calma, majestosa, recolhida em suas entranhas com o Verbo de Deus! Como ele, sua oração foi sempre essa: “Ecce!”, “Eis-me!” – Quem? – a serva do Senhor, a última de suas criaturas, ela, sua Mãe!

(Elizabeth da Trindade, 1880-1906, França)


CONTEMPLAR

Mulher grávida hondurenha em caravana para os Estados Unidos, para cruzar a fronteira, 2018, Orlando Sierra (1966-), Agence France Press (AFP), Honduras.






segunda-feira, 5 de agosto de 2019

O Caminho da Beleza 38 - XIX Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XIX Domingo do Tempo Comum                11.08.2019
Sb 18, 6-9                Hb 11, 1-2.8-19                  Lc 12, 32-48


ESCUTAR

A noite da libertação fora predita a nossos pais para que, sabendo a que juramento tinham dado crédito, se conservassem intrépidos (Sb 18, 6).

A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem (Hb 11, 1).

“Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12, 34).


MEDITAR

Abbá Euloge, um dia, não conseguia esconder sua tristeza. – Por que estás triste, Abbá?, perguntou-lhe um outro ancião. – Porque eu começo a duvidar da inteligência dos irmãos a respeito das grandes realidades de Deus. Já é a terceira vez que lhes mostrando uma peça de linho sobre a qual desenhei um pequeno ponto vermelho, ao perguntar-lhes o que viam, todos me responderam: ‘um pequeno ponto vermelho’ e jamais nenhum deles me respondeu que via uma peça de linho”.

(Apoftegma dos Padres do Deserto, séculos III ou IV)


ORAR

            Vivemos na espera e no desejo do retorno do Senhor, de sua justiça e de seu reino! Mas se ele deve voltar triunfante e como um juiz no fim do mundo, como um ladrão ao fim de nossa vida (a comparação é do Evangelho), Jesus vem também a cada dia, em nossas almas, de uma maneira muito íntima e muito doce, como um amigo. E isso nós sabemos bem. Quem não teve, nessa vida, seus momentos de luz e generosidade relacionados às vezes a um período de sofrimento e de esforço? Quem não conheceu, em seguida a uma oração, de uma verdadeira oração do coração, uma espécie de certeza, de exaltação bem doce, de paz profunda, frutos das visitas de Deus e isso mesmo no seio do sofrimento? Quem não escutou em si mesmo esta voz, que é a de Deus e também da consciência, esta voz que, às vezes, se torna surpreendentemente precisa ao nos exigir um sacrifício, um ato de generosidade ou de perdão? Não, realmente, não estamos sós. Sem cessar, Jesus nos visita! Há ainda mais. Conheceis o texto do Apocalipse em que se reconhece bem a mão de São João, o discípulo que Jesus amava? O Senhor ali fala a seu discípulo, como também à sua Igreja: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém escuta a minha voz e me abre, eu entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo”. Que ternura nessas palavras! Jesus está à nossa porta e bate. Ele bate às vezes com um toque bem pequeno e isso é suficiente para as almas fiéis e delicadas o reconhecerem e lhe abrirem. Feliz o que sabe escutá-lo. Ele abrirá, ele receberá a visita daquele que vem e eles cearão juntos, dessa ceia em que nosso hóspede traz tudo, dessa ceia que é a travessia da amizade com Deus.

(Yves Congar, 1904-1995, França)


CONTEMPLAR

Lá fora, s.d., Fan Ho (1931-2016), Hong Kong.