segunda-feira, 29 de março de 2021

O Caminho da Beleza 20 - Páscoa da Ressurreição

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

Páscoa da Ressurreição                      04.04.2021

At 10, 34.37-43                 Cl 3, 1-4                   Jo 20, 1-9

 

ESCUTAR

Ele andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo demônio, porque Deus estava com ele (At 10, 38).

Vós morrestes e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl 3, 3).

Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu e acreditou (Jo 20, 8).

 

MEDITAR

Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.

(Antoine de Saint-Exupéry, 1900-1944, França)

 

ORAR

      Aquele que João nomeia o discípulo que Jesus amava pode ter sido invisível para a tradição sinótica uma vez que ele não tinha um nome conhecido ou um papel importante, ao passo que sua presença podia ser reconhecida por aqueles cujos critérios eram outros. Para esses, ele ocupava um papel de primeiríssimo plano porque Jesus o amava. João 20, 2 o denomina de duas maneiras: “o outro discípulo” ou “o discípulo que Jesus amava”. A primeira pode corresponder ao que pensavam dele os outros cristãos (que o negligenciavam); a segunda corresponde ao que sabiam dele os que preservaram sua memória na tradição joanina. João retrata com arte a relação entre esse discípulo e o famigerado Pedro (com quem já se achou duas vezes em situações difíceis, 13, 23-24; 18, 15-16, e a quem verá mais duas vezes, 21, 7.20-22). O fato de que esse discípulo tenha alcançado primeiro o túmulo, mas não tenha entrado nele, esperando que Pedro o alcançasse e entrasse nele antes, deu lugar a muitas especulações sobre este cuja dignidade eclesiástica preponderava. De fato, há no trecho uma disposição mais literária do que teológica: o ápice do episódio seria então a reação do discípulo que entrou por último. De toda maneira, nem a chegada nem a entrada no túmulo são os pontos importantes do contraste que João desenha entre os dois personagens. O que importa para o evangelista é que eles reagiram diferentemente ao que haviam visto no sepulcro: as faixas e o pano branco que tinha coberto a cabeça, mas não o corpo. O discípulo que chegou primeiro acreditou, mas nada é dito que nos permita pensar que Pedro acreditou. Na lista que Paulo faz daqueles a quem Jesus ressuscitado apareceu, o nome de Cefas (Pedro) vem antes de todos os outros (1 Cor 15, 5). Mas João conheceu alguém que teve fé no Senhor ressuscitado sem ter necessidade de uma aparição, com a perspicácia que só o amor dá. João enfatiza a extraordinária sensibilidade desse outro discípulo, que o amor de Jesus lhe dá e que o torna capaz de acreditar.

(Raymond E. Brown, 1928-1988, Estados Unidos)

 

CONTEMPLAR

S. Título, 2020, Jessica Roybal, amostra de fotografia “Social Distance”, Albuquerque, Novo México, Estados Unidos.




 

 

segunda-feira, 22 de março de 2021

O Caminho da Beleza 19 - Ramos e Paixão do Senhor

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

Ramos e Paixão do Senhor                28.03.2021

Is 50, 4-7                 Fl 2, 6-11                 Mc 15, 1-39

 

ESCUTAR

O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás (Is 50, 5).

Ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens (Fl 2, 7).

Eles tornaram a gritar: Crucifica-o! (Mc 15, 13).

 

MEDITAR

E então ele foi suspenso sobre a cruz e um título foi fixado, indicando quem era que estava sendo executado. Doloroso é dizer, mas mais terrível é não dizer... Ele que elevou a terra é elevado, ele que fixou os céus é fixado, ele que firmou todas as coisas é firmado ao madeiro; o Senhor é ultrajado; Deus é assassinado.

(Melito de Sardes, - c.180, Anatólia)

 

ORAR

       Requer-se algum esforço de imaginação para compreender o grau singular de repugnância pública causado pela crucificação como um método de execução. Porém, devemos fazer este esforço com a intenção de compreender mais profundamente o significado do termo grego skandalon (“obstáculo”, “cilada”) que o apóstolo Paulo usa, como na frase “o skandalon da cruz” (Gl 5, 11). Muitos de nós somos condicionados a pensar a morte de Jesus como um escândalo, quando de fato não é a morte em si, mas o modo da morte que cria a ofensa. A maneira da morte de Jesus tem selado o caráter da fé em todos os tempos. Ele mesmo a fez central quando disse a qualquer um que fosse seu discípulo: “tome a sua cruz e siga-me”. Falar de uma crucificação é falar de uma morte como escravo. “Desprezado e rejeitado pelos homens... ao vê-lo os homens cobriam o rosto, desprezado, nós o tomamos por nada (Is 53, 3). Assim, o Filho de Deus entrou em solidariedade com os mais desamparados e menores, os esquecidos e sem nome, “a escória de todos” (1 Cor 4, 13). A crucificação era designada especificamente para ser o último insulto à dignidade pessoal, a última palavra em humilhação e tratamento desumano. Degradação era a meta principal. Nas palavras de Bonhoeffer, “Deus se deixa ser expulso para fora do mundo sobre a cruz”. Ele escreveu esta passagem oito meses antes de sua execução, logo ela tem um excepcional poder. O prisioneiro de Adolf Hitler continua: “[Cristo] está fraco e impotente no mundo e este é precisamente o caminho, o único caminho, no qual ele está conosco e nos acode. Mateus 8, 17 deixa muito claro que o Cristo nos acode não pela virtude de sua onipotência, mas pela virtude de sua fraqueza e sofrimento.... Isto é o inverso do que os homens religiosos esperavam de Deus. O homem é convocado a partilhar dos sofrimentos de Deus pelas mãos de um mundo sem Deus”. Jesus tomou para si o papel do Último dos últimos. Ele aceitou se tornar o menor entre a escória humana. E os impulsos maléficos da raça humana se concentraram sobre ele. A crucificação, como método totalmente vil, foi pior do que qualquer um de nós hoje pode absolutamente imaginar. Refletir sobre isso, entretanto, pode nos ajudar, sob a orientação do Espírito, a nos atrair para mais perto deste ato inimaginável do amor de Deus por toda humanidade por meio da mors turpissima crucis (Orígenes). A cruz é ofensiva a todo mundo, às pessoas religiosas (“Judeus”) e, da mesma maneira, às pessoas seculares (“Gregos”). É este rebaixamento radical para quem está dentro e para quem está fora que torna a cruz tão profundamente ameaçadora para muitos. Toda realização humana, especialmente a realização religiosa, é colocada em questão pela impiedade da morte de Jesus. Se Deus, nas três pessoas, é mais plenamente revelado a nós pela morte amaldiçoada do Filho fora da comunidade dos piedosos, isto significa que se deve repensar por completo o que normalmente se chama de religião.

(Fleming Rutledge, 1937-, Estados Unidos)

 

CONTEMPLAR

 S. Título, 2016, aradaphotography, istockphoto/Getty Images, Tailândia.




segunda-feira, 15 de março de 2021

O Caminho da Beleza 18 - V Domingo da Quaresma

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

V Domingo da Quaresma                    21.03.2021

Jr 31, 31-34            Hb 5, 7-9                 Jo 12, 20-33

 

ESCUTAR

“Imprimirei minha lei em suas entranhas e hei de inscrevê-la em seu coração” (Jr 31, 33).

Na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos (Hb 5, 9).

“Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto” (Jo 12, 24).

 

MEDITAR

Tu és, ó Cristo, o único

homem que sucumbiu por seu intento,

triunfador da morte, pois que a vida

por Ti se enalteceu. E desde então

tua morte por Ti nos vivifica,

por Ti a morte se fez nossa mãe,

por Ti a morte agora é amparo doce

que dulcifica esse amargor da vida;

por Ti, o Homem morto que não morre

branco qual lua em plena noite. A vida

é sonho, Cristo, e a morte é a vigília.

Enquanto a terra solitária sonha,

a branca lua vela, e vela o Homem

em sua cruz, enquanto os homens sonham;

vela o Homem sem sangue, o Homem branco

como a lua a velar na noite negra;

vela o Homem que deu todo o seu sangue

para que as gentes saibam que são homens.

Tu salvaste da morte. Abre teus braços

A essa noite, que é negra e muito bela,

porque o sol da vida a contemplou

com seus olhos de fogo e fez a noite

morena, sim o sol, e tão formosa.

Como é formosa a lua solitária,

a branca lua na estrelada noite

negra, igual à frondosa cabeleira

negra do nazareno. E a branca lua

como o corpo do Homem na cruz, espelho

do sol da vida, o sol que nunca morre.

Os raios, Mestre, de tua luz suave

nos guiam pela noite deste mundo,

a nós ungindo com a esperança régia

de um dia eterno. Noite carinhosa,

oh! noite, mãe de nossos brandos sonhos,

mãe da esperança, oh! nossa doce Noite,

noite escura da alma, és a nutriz

da esperança no Cristo salvador!

(Miguel de Unamuno, 1864-1936, Espanha)


ORAR

   Deus não é primeiramente o Todo-Poderoso: ele é primeiramente Amor. Eu digo isso balbuciando porque não há “primeiramente” em Deus; mas eu procuro dizer, mais ou menos, que Deus só pode agir como Deus se ele age conforme seu ser que é Amor. E o Amor não é violência nem despotismo, mas sussurro, proximidade, excitação, chamado. O Amor não se estabelece por via de decreto, nem por humilhação, mas por uma iniciativa que situa Deus ao lado dos homens: pela encarnação redentora. Deus toma para si o sofrimento e o faz seu, num gesto de abnegação de si... É no aniquilamento de si que ele se torna senhor e vencedor do mal, do pecado e da morte. Ele não triunfa, mais uma vez, pelo poder de sua majestade e esplendor de sua glória, mas pelo todo-poderoso de sua impotência. O grão de trigo está morto na terra: Jesus aplicou sobre si tudo o que disse sobre a morte como semente de vida. Em sua morte, celebramos a ressurreição dos homens e do mundo. Em seu sofrimento, descobrimos a verdadeira face de Deus. Por nossa parte, resistimos a aceitar o sofrimento como parte integrante de nossa vida cristã e do nosso crescimento espiritual. Quando o sofrimento se apresenta, não importa sob que forma, tenho a tentação de virar logo a página, de não me deixar invadir por ele, de não beber o cálice até a última gota. Não é preciso se envergonhar desta fraqueza: no Jardim das Oliveiras, Jesus também foi tentado a fugir. Ele nos pede, a despeito de toda a nossa repugnância, que acolhamos o sofrimento como um mensageiro de Deus e que o assumamos como uma atitude de profunda humildade, em resposta ao convite sagrado: “inclinai-vos sob a mão poderosa de Deus para que ele vos eleve no tempo de sua visita”. Justificamos muito facilmente o recuo diante do sofrimento, dizendo que não é necessário nos deixar imergir em águas amargas e que há o perigo de ali se abrirem as comportas ao desencorajamento, à depressão e à neurastenia. Seria com efeito um perigo se o sofrimento fosse recebido e vivido como um fechamento sobre si mesmo; mas se ele é reconhecido como um encontro misterioso com Alguém que nos ama, como um encontro secreto com Deus, então é preciso deixar a Deus a solicitude de terminar o diálogo e de não precipitar o fim. É preciso que a palavra de Deus, que se esconde nele, nos burile pouco a pouco e nos livre de nós mesmos. Como se extrai o ouro do minério bruto.

(Léon-Joseph Suenens, cardeal, 1904-1996, Bélgica)

 

CONTEMPLAR

Despertar, 2019, Eva, uma jovem refugiada da Armênia, Tomek Kaczor, Gazeta Wyborcza/World Press Photo 2020, Polônia.




terça-feira, 9 de março de 2021

O Caminho da Beleza 17 - IV Domingo da Quaresma

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

IV Domingo da Quaresma                  14.03.2021

2 Cr 36, 14-16.19-23                   Ef 2, 4-10                 Jo 3, 14-21

 

ESCUTAR

Eles zombavam dos enviados de Deus, desprezavam as suas palavras, até que o furor do Senhor se levantou contra o seu povo e não houve mais remédio (2 Cr 36, 16).

Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo. (Ef 2, 4-5).

“Quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” (Jo 3, 21).

 

MEDITAR

No entanto, todo homem mata aquilo que adora,

Que cada um deles seja ouvido.

Alguns procedem com dureza no olhar,

Outros com uma palavra lisonjeira.

O covarde fá-lo com um beijo,

Enquanto o bravo o faz com a espada!

 

Uns matam o próprio amor quando ainda jovens,

Outros o fazem na velhice;

Uns estrangulam com as mãos da luxúria,

Outros com a mão de Ouro,

O que é bondoso faz uso do punhal,

Porque a morte assim vem mais depressa.

 

Uns amam pouco tempo, outros demais,

Uns vendem, outros compram;

Alguns praticam a ação com muitas lágrimas

E outros sem um suspiro, sequer:

Pois todo o homem mata o objeto do seu amor

E, no entanto, nem todo homem é condenado à morte.

(Oscar Wilde, 1854-1900, Irlanda)

 

ORAR

         A Nicodemos, que, como fariseu, identificava o reino de Deus com o reino de Israel, Jesus propõe novos horizontes: o Espírito, como o vento, não conhece fronteiras, não está ligado a um povo, a uma religião; não pode ser aprisionado, contido numa doutrina, mas é plenamente livre. Aqueles que nascem do Espírito não se sentem fechados dentro dos limites de um povo ou de uma tradição, não são condicionados pelo passado, mas estão abertos ao presente e voltados para o futuro... E Jesus relembra o catecismo a Nicodemos, recordando-lhe um conhecido episódio da vida de Moisés, quando ele “levantou a serpente no deserto” (Jo 3, 14) ... Como a serpente de Moisés era um sinal de vida que livrava da morte, assim declara Jesus: “será elevado o Filho do homem, para que todo aquele que crê nele tenha a vida eterna” (Jo 3, 14-15) ... A elevação do Filho do homem será um sinal de vida que libertará da morte definitiva. Aquilo que salva os homens da morte é fixar o olhar no Cristo, modelo da nova humanidade, aspirar à plenitude humana que resplende nessa figura. Do alto do patíbulo, Cristo será o polo de atração para todos. Todo aquele que der sua adesão ao Filho do homem possuirá uma vida eterna, isto é, de qualidade indestrutível. A função que os fariseus atribuíam à Lei, a função de ser fonte de vida, é substituída pela pessoa de Jesus. Não é mais a observância de um código externo ao homem que lhe dá vida, mas a adesão ao Filho do homem, expressão máxima do amor do Pai, pois Jesus é aquele que possui a plenitude da vida e pode comunicá-la. A obediência da Lei faz com que a vida do homem seja segundo Deus. A acolhida do Espírito faz com que o homem tenha em si a própria vida de Deus. Aqui se encontra toda a diferença entre a antiga e a nova aliança, entre Moisés e Jesus (Jo 1, 17). Mas a Lei, tida como palavra definitiva de Deus, se torna obstáculo à acolhida da Palavra de Deus que é Jesus. Por ora, Nicodemos continua na noite, as trevas da Lei lhe impedem acolher a luz da vida. Incapaz de seguir Jesus enquanto vivo, irá mais tarde prestar-lhe homenagem enquanto morto (“Foi também Nicodemos, aquele que anteriormente tinha ido a ele de noite, e trouxe uma mistura de mirra e aloés de aproximadamente cem libras”, Jo 19, 39). Mas a cena de morte se transforma em evento de vida. O fariseu Nicodemos, o religioso cuja existência é regulada pelas severas normas referentes à pureza, pela primeira vez em sua vida transgride a Lei e toca um cadáver (“tomou então o corpo de Jesus”, Jo 19, 40) ... Para a Lei, Nicodemos agora está impuro, mas finalmente é livre, nasceu de novo, nasceu do Espírito.

(Alberto Maggi, 1945-, Itália)

 

CONTEMPLAR

Luz de Esperança, s.d., Black Now, David Carillo, Estados Unidos, viewbug.com




terça-feira, 2 de março de 2021

O Caminho da Beleza 16 - III Domingo da Quaresma

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

III Domingo da Quaresma                 07.03.2021

Ex 20, 1-17              1 Cor 1, 22-25                    Jo 2, 13-25

 

ESCUTAR

“Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão” (Ex 20, 7).

O que é dito insensatez de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é dito fraqueza de Deus é mais forte do que os homens (1 Cor 1, 25).

“Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (Jo 2, 16).

 

 MEDITAR

Imagine que não há paraíso
é fácil se você tentar,
sem inferno abaixo de nós
e acima só o céu
Imagine todas as pessoas
vivendo para o hoje

Imagine que não há países
não é difícil fazê-lo
nada pelo que matar ou morrer
e nenhuma religião também
Imagine todas as pessoas
vivendo a vida em paz

Você pode dizer que sou um sonhador
mas eu não sou o único
Espero que um dia você se una a nós
e o mundo vai ser um só

Imagine nenhuma posse
eu me indago se você consegue
Sem necessidade de ganância ou fome
Uma Irmandade humana
Imagine todas as pessoas
partilhando o mundo todo

(John Lennon, 1949-1980, Reino Unido)

 

ORAR

   A intervenção fogosa do Messias revela a profanação do santuário que constitui esta impossível tentativa humana de servir a dois senhores ao mesmo tempo. Os profetas podiam apenas lamentar e advertir, mas Jesus intervém diretamente, agindo como Senhor da casa, pois ele é o Filho todo-poderoso daquele a quem a casa pertence. Ele não contesta a utilidade e a possibilidade dos organismos colocados a serviço da oração e do sacrifício. Mas ele desvela a mentira que se infiltrou. O coração humano hipócrita suprime o limite intransponível entre o culto e o interesse próprio. Assim correm juntos, como num rio contínuo, o serviço de Deus pelo homem e o serviço do homem para ele mesmo. Se os olhos não são mais dirigidos com uma intenção pura em direção a Deus, a casa na qual o homem em oração se declara servidor de Deus torna-se um “covil de ladrões”, que se ajuntam para seu interesse. Sob o pretexto de servir ao próximo em seu culto, olham com inveja seu dinheiro a fim de açambarcá-lo. Qualquer que seja o rigor das tradições comerciais, a mentira de um culto, transformada em pretexto para serviço de Mamon, torna impossível todo o louvor a Deus. Jesus não quis, como às vezes se sugere comentando-se essa passagem, se opor ao Templo e à Lei que o santifica. Realizando seu gesto, ele não transgrediu os mandamentos, antes cumpriu a Lei, conferindo ao Templo sua santidade e sua verdadeira destinação. Quando a Igreja e sua pregação são colocadas a serviço de interesses humanos, quando esquecendo sua missão exclusiva de servidora, a Igreja se coloca à disposição dos desejos do homem, Jesus a nomeia “covil de ladrões”. Acontece o mesmo por todo lugar onde, sob o pretexto de facilitar a celebração do culto, este se torna um meio de ação política ou econômica. A encarnação do Cristo assegura a verdadeira presença e a verdadeira aproximação de Deus. O Templo do Antigo Testamento não era senão uma imagem. Assim se ajunta ao antigo Templo o novo. A purificação do Templo mostra que não é preciso, de modo algum, sonhar com a eliminação de um pelo outro; fazendo isso, Jesus purifica o que propriamente lhe pertence e que é o objeto de sua própria promessa.

(Helmut Gollwitzer, 1908-1993, Alemanha)

 

CONTEMPLAR

Você não pode servir a Deus e a Mamon, 2020, Mike Schaffner, Estados Unidos.