terça-feira, 28 de maio de 2019

O Caminho da Beleza 28 - Ascensão do Senhor


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


Ascensão do Senhor                  02.06.2019            
At 1, 1-11                  Ef 1, 17-23               Lc 24, 46-53


ESCUTAR

“Recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós para serdes minhas testemunhas” (At 1, 8).

Irmãos, o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer (Ef 1, 17).

“Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu (24, 49).


MEDITAR

A espiritualidade não pode ser aprendida por uma fuga do mundo, fugindo-se das coisas ou se tornando solitário e afastando-se do mundo. Pelo contrário, nós devemos aprender uma solidão interior onde e com quem estivermos. Nós devemos aprender a penetrar nas coisas e achar Deus lá.

(Mestre Eckhart, 1260-1328, Alemanha)


ORAR
           
Com a ascensão de Jesus começa o tempo da Igreja, um tempo de testemunho público e corajoso que, progressivamente, alcançará todos os homens. A ascensão é a linha divisória entre a história de Jesus e a da comunidade pós-pascal. A comunidade eclesial pode iniciar o seu próprio caminho histórico sem nostalgias e sem fugas apocalípticas graças à força do Espírito prometido pelo Senhor. O banquete eucarístico, convivência íntima, é o lugar por excelência em que os amigos podem estar em comunhão com o Cristo. A Igreja surge como uma comunidade de oração para depois ser apostólica, quando a sua prática passa a ser animada pelo Espírito. A comunidade eclesial tem necessidade do sopro vital que lhe será dado pelo Espírito do Senhor, pois sem Ele não existe vida, nem força de expansão e nem capacidade de testemunho para a Igreja. Jesus se “separa” dos amigos com o sinal da benção e esta é a última imagem que fica: a do Cristo glorioso que abençoa. Os apóstolos saúdam a partida do Senhor não com prantos, mas com alegria ainda que devam afrontar um mundo hostil para levar a paz, o amor e o perdão. Não celebramos uma despedida, mas uma nova maneira de estar presente no mundo, pois a presença definitiva do Ressuscitado entre nós e na história da humanidade está assegurada pelo seu Espírito que conduz a comunidade eclesial até o fim dos tempos, por meio da concretização do amor fraterno, símbolo emblemático dos cristãos e dos homens e mulheres de boa vontade. Somos herdeiros de sua missão e neste seguimento devemos reinventá-la a cada novo momento histórico, como pedia o Papa João XXIII, lendo e compreendendo os “sinais dos tempos”. A celebração da eucaristia anuncia e realiza a proibição de toda estatização da Igreja e de todo o clericalismo na política. A Igreja peregrina não funda a cidade terrena, mas a habita apontando para o futuro. Devemos nos guiar pela prática de Jesus: a sua maneira de acolher os pecadores, de elevar os humildes, desnudar os orgulhosos e arrogantes. Devemos lembrar que a conversão proposta por Ele é a mudança radical nas nossas relações com Deus, com o próximo e, sobretudo, com o dinheiro. A novidade dos seus ensinamentos e do seu testemunho lhe valeu, como valerá para nós, a hostilidade dos governantes e do poder religioso e esta hostilidade foi a causa da sua condenação e assassinato. O evangelista enfatiza que são “fatos que nos aconteceram” (Lc 1, 1) e não qualquer mistificação maravilhosa inventada e difundida ao bel prazer de qualquer um. Meditemos as palavras de Bento XVI: “Nós devemos estar seguros de que, por mais pesadas e turbulentas as provas que nos esperam, não seremos jamais abandonados a nós mesmos. As mãos do Senhor não nos largarão, pois estas são mãos que nos criaram e que, todo o dia, nos acompanham no itinerário de nossas vidas”.

(Matersol, 1999-, Brasil)


CONTEMPLAR

Memorial para Kyle Dempster e Scott Adamson, 2018, Geleira Choktoi, Paquistão, Andrew Burr, Utah, Estados Unidos.






quarta-feira, 22 de maio de 2019

O Caminho da Beleza 27 - VI Domingo da Páscoa


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


VI Domingo da Páscoa             26.05.2019

At 15, 1-2.22-29                Ap 21, 10-14.22-23                      Jo 14, 23-29


ESCUTAR

“Ficamos sabendo que alguns dos nossos causaram perturbações com palavras que transtornaram vosso espírito” (At 15, 24).

Não vi templo na cidade, pois o seu Templo é o próprio Senhor, o Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro (Ap 21, 22).

O Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo (Jo 14, 26).


MEDITAR

Onde falta o desejo de se encontrar com Deus, ali não há crentes e sim pobres caricaturas de pessoas que se dirigem a Deus por medo ou por interesse.

(Simone Weil, 1909-1943, França)


ORAR

            O primeiro trabalho, o trabalho fundamental de nossa vida cristã, é nos deixar guiar em tudo pelo Espírito do Cristo. Não nos é pedido uma tensão de nós mesmos, mas um abandono a este impulso divino. Abandono que além disso não tem nada de uma preguiça ou de uma passividade, no sentido em que se emprega geralmente esta palavra. Há forças egoístas e perturbadoras que se agitam em nós e é a elas que a capitulação da vontade entrega a alma. Não se trata de nos conduzir, mas de ser conduzidos pelo Cristo. Ele nos mostra, por seu exemplo, o que é uma vida de homens sempre penetrada do Espírito. Sem dúvida, não se tratará de a copiar materialmente e servilmente, pois não nos encontramos exatamente nas mesmas circunstâncias, não temos a mesma tarefa exterior a executar. Mas nos atos do Cristo, assim como nas suas palavras revelam-se os princípios que inspiram sua ação, os julgamentos de valor que ditam sua atitude e comandam suas reações. É isto que devemos fazer nosso, incorporar progressivamente à substância de nosso ser. Quanto mais o fizermos, mais agiremos espontaneamente com o Cristo, mais estaremos sob a direção do Espírito. Mais seremos, nas circunstâncias onde Deus nos colocar, outros Cristos, isto é, cristãos. É preciso já começar, por pouco que seja, a possuir o Espírito de Cristo para compreender a vida de Cristo, de maneira que ela não esteja somente diante de nossos olhos como uma série de fatos, mas que tenhamos a compreensão de seu significado. Reformar nossa conduta depois que tivermos compreendido nos fará penetrar mais no Espírito de Cristo, pois se obtém este Espírito, não pela força da razão mas pela fidelidade nas ações, às luzes recebidas. Voltando então ao Evangelho penetraremos melhor o seu sentido. E uma nova fidelidade nos permitirá de novo uma nova compreensão mais profunda das lições evangélicas. Nesta matéria, para compreender, é preciso agir segundo o que se compreendeu. Levar uma vida medíocre é condenar-se à incompreensão.

(Yves de Montcheuil, 1900-1944, França)


CONTEMPLAR

Sinos de Jerusalém, 2013, Guy Cohen (1990-), Jerusalém, Israel.




terça-feira, 14 de maio de 2019

O Caminho da Beleza 26 - V Domingo da Páscoa


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


V Domingo da Páscoa               19.05.2019
At 14, 21-27            Ap 21, 1-5                Jo 13, 31-35


ESCUTAR

“É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no reino de Deus” (At 14, 22).

Vi um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra passaram e o mar já não existe (Ap 21, 1).

“Amai-vos uns aos outros” (Jo 13, 34).


MEDITAR

O amor é o único ímpeto que é suficientemente avassalador para nos forçar a deixar o confortável abrigo da nossa individualidade bem protegida, a pôr de lado a concha inexpugnável da autossuficiência e rastejar nus para a zona do perigo, lá para a frente, para o cadinho em que a individualidade se purifica para aparecer a personalidade.

(Mark Patrick Hederman OSB, 1944-, Irlanda)


ORAR

            É, com efeito, “o amor do próximo o nosso modo concreto de entrar no amor de Deus”. É a encarnação do nosso amor de Deus, a prova da sua veracidade. Nós não podemos amar verdadeiramente a Deus sem querer o bem de nossos irmãos no Cristo, sem querer que todos estejam unidos n’Ele pelo mesmo “Pai Nosso”. “Aquele que não ama seu irmão a quem vê, como poderá amar Deus que não vê?” (1 Jo 4, 20). Nosso próximo é o Cristo ao alcance do nosso amor. Se não o amamos, é que não amamos a Cristo verdadeiramente...O amor fraterno, em cada um dos seus atos, é uma epifania do Deus do amor. A comunidade do amor deixa transparecer no semblante os traços invisíveis da comunidade divina, comunica-lhe sua vida. Pois o amor se espalha. É a alma da comunidade e o seu princípio de ação. O Espírito do amor é a fonte de sua vida e da sua difusão. O que a comunidade de amor traz ao mundo é a presença de Deus, é a experiência de Deus, a alegria de Deus ao alcance de todos. O que atrai a Fé, o que provoca a adesão, é a experiência de um amor novo na comunidade cristã viva, é o contato de Deus. “Que eles sejam um, pede o Cristo, a fim de que o mundo creia” (Jo 17, 21). E a sua oração é ouvida. Eles não formavam senão um só coração e uma só alma e a multidão dos fiéis ia aumentando a cada dia (At 2, 41.44). “Não teriam convertido o mundo”, comenta São João Crisóstomo, “se não tivessem amado tanto”. Isto permanece verdadeiro ainda hoje: só vivendo no amor fraterno pode uma comunidade levar o Evangelho a um meio humano qualquer. E sempre que há o amor, a vida divina passa e atrai, pois o coração do homem é feito para viver essa alegria, de conhecer e amar a Deus no outro.

(Louis Lochet, 1914-2002, França)


CONTEMPLAR

Crianças no degrau da porta, 2008, Havana, Cuba, Tony McDonnell, Dundalk, Irlanda.





terça-feira, 7 de maio de 2019

O Caminho da Beleza 25 - IV Domingo da Páscoa


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


IV Domingo da Páscoa             12.05.2019
At 13, 14.43-52                  Ap 7, 9.14-17                      Jo 10, 27-30


ESCUTAR

“Eu te coloquei como luza para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra” (At 13, 47).

“Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14).

“As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (J0 10, 27).


MEDITAR

O caminho para a fé passa pela obediência ao chamado de Cristo. Exige-se um passo decisivo, senão o chamado de Jesus ecoa no vácuo, e todo suposto discipulado, sem esse passo ao qual Jesus nos chama, transforma-se em falsa onda entusiástica.

(Dietrich Bonhoeffer, 1906-1945, Alemanha)


ORAR

            Os povos e aldeias da Galileia estavam formados por gente campesina e de condição social muito humilde. Eram pessoas que viviam do campo e do pastoreio de seus escassos rebanhos de ovelhas e cabras. Naquela sociedade agrária, na qual nasceu e se educou Jesus, a imagem do pastor e o pastoreio das ovelhas era familiar. Jesus, seguindo a tradição dos profetas (Ez 34) utiliza esta imagem para explicar a relação entre os líderes e os discípulos na comunidade cristã. A experiência ensinava, desde então, que este assunto era delicado e se prestava a abusos muito graves. Ezequiel havia se queixado: Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos! (Ez 34, 2b). Por isso, Deus mesmo os ameaçava: Vou-me enfrentar com os pastores; lhes reclamarei minhas ovelhas (Ez 34, 10). É o escândalo dos pastores que atuam como donos do rebanho e o dominam segundo suas próprias ideias, seus interesses e suas preferências. Em consequência, Jesus explica o modelo de relação entre o pastor, que é bom de verdade, e a comunidade que apascenta. Esta relação se define por três verbos: “escutar”, “conhecer” e “seguir”... O mais importante de tudo é o “seguimento”. As ovelhas confiam no pastor, vão onde ele vai. Se sentem seguras com seu pastor. Tudo isso supõem modificar a raiz da relação entre o governante e os que se deixam governar. Já não se trata de uma “relação de poder” a qual corresponde uma “relação de submissão”. Isso tem sido o “princípio de decomposição” da Igreja. Porque a deformou. Numa instituição assim, Jesus não pode estar presente. Muito pelo contrário: Jesus se faz presente onde se oferece um modelo alternativo na relação entre líderes e comunidade. Quando todos eles se fundem em unidade, então a Igreja oferece a possibilidade de um mundo que nos pode seduzir. O mundo que tanto necessitamos.

(José Maria Castillo, 1929-, Espanha)


CONTEMPLAR

S. Título, s. data, Manhattan (?), Clay Benskin, New York, Estados Unidos.




sexta-feira, 3 de maio de 2019

O Caminho da Beleza 24 - III Domingo da Páscoa


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


III Domingo da Páscoa            05.05.2019
At 5, 27-32.40-41             Ap 5, 11-14              Jo 21, 1-19


ESCUTAR

“É preciso obedecer a Deus antes que aos homens” (At 5, 29).

“O Cordeiro imolado é digno de receber o poder, a riqueza, a sabedoria e a força, a honra, a glória e o louvor” (Ap 5, 12).

“Simão, filho de João, tu me amas?” (Jo 21, 17).


MEDITAR

O Teu lugar no meu coração é todo o meu coração: só Tu tens lugar aí. Meu espírito Te segura entre a minha pele e os meus ossos. Se Te perdesse, como faria? Quando tento esconder-Te o meu amor: meu inconsciente o declara com as lágrimas que escondia.

(Hussein Mansur al-Hallaj, 858-922, Pérsia)


ORAR

“Te levará para onde não queres ir”. O evangelho da aparição do Senhor na margem do lago Tiberíades termina com a investidura de Pedro em seu ministério de pastor. Tudo antes é preparação: primeiro a pesca malograda; em seguida a pesca milagrosa, após a qual Pedro se atira à agua para chegar nadando até o Senhor e manter-se a seu lado sobre a rocha da eternidade, enquanto que o resto da Igreja lhes traz sua colheita, sua pesca; depois é Pedro somente que arrasta até a margem a rede repleta de peixes. E finalmente se coloca a Pedro a questão decisiva: “tu me amas mais do que estes?”. Tu, que me negaste três vezes, me amas mais que este discípulo amado, que teve o valor de permanecer junto a mim ao pé da cruz? Pedro, que é consciente de sua culpa quando o Senhor lhe repete três vezes a mesma pergunta, pronuncia um primeiro sim cheio de arrependimento, pois de nenhuma maneira pode dizer não, e toma emprestada de João a força para isso (na comunhão dos santos). Sem a confissão deste amor maior, o Bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas, não poderia confiar a Pedro a tarefa de apascentar seu rebanho. Pois o ministério que Jesus havia recebido do Pai é idêntico à entrega amorosa de sua vida por suas ovelhas. E para que esta unidade de ministério e amor, absolutamente necessária para o ministério conferido por Jesus, fique definitivamente selada, se prediz a Pedro sua crucificação, o dom da perfeita imitação de Cristo. Desde então, a cruz permanecerá ligada ao papado, mesmo quando houver papas indignos; mas quanto mais a sério tome um papa seu ministério, tanto mais sentirá sobre seus ombros o peso da cruz.

(Hans Urs Von Balthasar, 1905-1988, Suíça)


CONTEMPLAR

Jangadas, c. 1950, Marcel Gautherot (1910-1996), Instituto Moreira Salles, França-Brasil.