terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O Caminho da Beleza 06 - Sagrada Família de Jesus, Maria e José

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).


Sagrada Família de Jesus, Maria e José              31.12.2017
Eclo 3, 3-7.14-17               Cl 3, 12-21               Lc 2, 22-40


ESCUTAR

A caridade feita a teu pai não será esquecida (Eclo 3, 16).

Que a paz de Cristo reine em vossos corações, à qual fostes chamados como membros de um só corpo (Cl 3, 15).

“Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; porque meus olhos viram a tua salvação” (Lc 2, 29).


MEDITAR

Eu sou livre, devo sê-lo sempre mais, mas para ligar a minha liberdade a algo maior (mais belo, mais justo, mais verdadeiro) do que ela. A liberdade se realiza à medida que adere à verdade enquanto lógica da vida, e essa lógica da vida é a relação harmoniosa. A liberdade se realiza aderindo à vida boa e à vida justa. É este o porto no qual a liberdade deseja aportar. A liberdade se realiza no amor.

(Vito Mancuso)


ORAR

            Simeão é um personagem visceral. Nós o imaginamos quase sempre como um sacerdote ancião do Templo, embora o texto não diga nada sobre isso. Simeão é um homem bom do povo, que guarda em seu coração a esperança de ver um dia “o consolo” de que tanto precisa. “Conduzido, pelo mesmo Espírito”, sobe ao templo no momento em que entram Maria, José e seu menino Jesus. O encontro é comovente. Simeão reconhece no menino, trazido por aquela pobre dupla de judeus piedosos, o Salvador que esperava há tantos anos. O homem se sente feliz. E num gesto atrevido e maternal, “tomou-o em seus braços” e com grande amor e carinho bendisse a Deus e aos pais. Sem dúvida, o evangelista o apresenta como modelo: é assim que devemos acolher o Salvador. Mas, de pronto, ele se dirige a Maria, seu rosto muda, e suas palavras não pressagiam nada de tranquilizador: “uma espada te atravessará o coração”. Este menino que tem em seus braços “será sinal de contradição”, fonte de conflitos e enfrentamentos. Jesus fará que todos “ou caiam ou se levantem”. Uns o acolherão e sua vida adquirirá uma dignidade nova, sua existência se encherá de luz e de esperança. Outros o rechaçarão e sua vida se porá a perder, a recusa a Jesus será a sua ruína. Diante de Jesus, “manifestar-se-ão claramente os pensamentos de todos”. Ele desvelará o que há de mais profundo nas pessoas. A acolhida deste menino pede uma mudança profunda. Jesus não vem trazer tranquilidade e sim gerar um processo doloroso e conflitivo de conversão radical. Sempre é assim, hoje também. Uma Igreja que leve a sério sua conversão a Jesus Cristo não será nunca um espaço de tranquilidade, mas sim de conflito. Não é possível uma relação mais vital com Jesus sem dar passos até níveis maiores de verdade, e isto é sempre doloroso para todos. Quanto mais nos aproximamos de Jesus, melhor veremos nossas incoerências e desvios, o que há de verdade ou mentira em nosso cristianismo, o que há de pecado em nossos corações e estruturas, em nossas vidas e teologias.

(José Antonio Pagola).


CONTEMPLAR


Um menino olha de um abrigo temporário num campo de refugiados Rohingya, 2014, Sittwe, Myanmar, Soe Zeya Tun, Agência Reuters, Yangon, Myanmar.



domingo, 24 de dezembro de 2017

O Caminho da Beleza 05 - Natal do Senhor

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).


Natal do Senhor              25.12.2017
Is 52, 7-10               Hb 1, 1-6                  Jo 1, 1-18


ESCUTAR

Como são belos, andando sobre os montes, os pés de quem anuncia e prega a paz, de quem anuncia o bem e prega a salvação (Is 52, 7).

“Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei” (Hb 1, 5).

A Deus ninguém jamais viu. Mas o unigênito de Deus, que está na intimidade do Pai, ele no-lo deu a conhecer (Jo 1, 18).


MEDITAR

O sagrado no Cristo não é qualquer coisa que existe sob os ferrolhos ou que é colocada atrás das grades ou ainda sob véus impenetráveis. O sagrado em Jesus é o homem, é o próprio homem. São as nossas mãos, o trabalho de nossas mãos; são os nossos olhos e a luz que os preenche; são os nossos corações e esta maravilhosa capacidade de amar. Isto tudo é o que constitui o sagrado que perpetua a Encarnação e que não cessa de tornar presente o Cristo entre nós.

(Maurice Zundel)


ORAR

            São raros os que festejam o Natal!... Os que festejam o Natal vêm de longe. Erguem-se de repente do meio de um povo indiferente, partem, deixam tudo atrás de si, trazem o que têm de mais precioso e vão firmes em frente, sem mesmo saber a quem lhes será dado oferecê-lo. Quão poucos há entre nós que creem na Natividade! Rezemos para que alguns de nós se desabituem deste hábito, desta ilusão de crer que é a pior falta de fé, e se ponham a escutar o que em meio a esta noite neles surge de alegre, de novo, de vivo e de forte. De nada nos serve que o Senhor tenha nascido há dois mil anos atrás se nada nasce verdadeiramente hoje. De nada serve que ele tenha proferido palavras de Deus há dois mil anos atrás se não houver hoje quem nos fale da parte de Deus. De nada nos serve que há dois mil anos tenha feito gestos de Deus; que há dois mil anos a ternura de Deus se tenha manifestado, se ninguém há hoje entre nós para amar, cuidar, compadecer, se não nos amamos um pouco, hoje, uns aos outros. A maravilha desta noite, irmãos, é que Deus, entre nós, se pode tornar vivo. Há sempre necessidade de um corpo, de mãos para curar, de braços para apoiar, boca para falar, coração para amar. Em qual de nós irá ele nascer esta noite? Oh! Por certo que há de ser um nascimento pobre, uma criança frágil e ameaçada. Envolvei-a em pobres linhos, deitai-a sobre a palha de um presépio. Será uma festa humilde em confronto com as festas do mundo.

(Louis Evely, 1910-1985)


CONTEMPLAR

Mãe e Filho, 1962, Walter Chapell (1925-2000), Novo México, Estados Unidos.





segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O Caminho da Beleza 04 - IV Domingo do Advento

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12)


IV Domingo do Advento                      24.12.2017
2 Sm 7, 1-5.8-12.14.16                Rm 16, 25-27                     Lc 1, 26-38


ESCUTAR

“Vê, eu resido num palácio de cedro, e a arca de Deus está alojada numa tenda!” (2 Sm 7, 2).

Glória seja dada àquele que tem o poder de vos confirmar na fidelidade ao meu evangelho (Rm 16, 25).

“Para Deus nada é impossível” (Lc 1, 37).


MEDITAR

Sede o que sou. Eu sou o Amor. Sede amor. Não vos é possível atingir a plenitude do Amor. Mas é possível a cada um, e sempre, orientar-se para ele, tender para ele, dar alguns passos na via sagrada. Haverá muitos obstáculos, muitas quedas, muitos acidentes. Mas toda a vontade de se dar ao Amor, todo movimento verdadeiro de Amor, tem um valor infinito. As derrotas podem se acumular. É preciso, contudo, recomeçar sempre a amar.

(Um monge da Igreja Oriental)


ORAR

Hoje, o grão de trigo foi disposto numa terra virgem. O mundo afaimado exulta e bendiz de alegria. A natureza inteira prepara os dons que oferecerá para o menino. A terra irá oferecer uma manjedoura e as cidades vão oferecer Belém. Os ventos oferecerão sua obediência e o mar sua submissão. As profundezas do mar oferecerão os peixes da pesca miraculosa e os peixes eles mesmos uma peça de moeda. As águas vão oferecer o Jordão, as fontes vão oferecer a Samaritana e o deserto, João Batista. Os animais oferecerão um jumento e os pássaros uma pomba. As estéreis oferecem Isabel e as virgens Maria. Os sacerdotes vão oferecer Simeão e as viúvas Ana. Os pastores vão oferecer seus cantos e as crianças seus ramos. Os perseguidores oferecerão Paulo e os pagãos uma cananeia. A hemorroíssa oferecerá sua fé e a prostituta seu perfume. As árvores oferecerão Zaqueu e as florestas uma cruz. O Oriente oferecerá uma estrela e Gabriel sua saudação: “Alegra-te, tu a quem uma graça foi feita, o Senhor está contigo; ele é mesmo de ti e em ti. Em ti, para onde veio segundo seu bom agrado. De ti, da qual sairá, pois ele desejou que fosse assim. Ele próprio antes de ti, pois antes de todos os séculos, sem alteração e de maneira inefável, ele foi engendrado pelo Pai”. Maria é mãe, pois ela colocou no mundo aquele que quis nascer. Ela se disse serva, e dizer que ela é serva, é confessar sua natureza humana e a graça de Deus. Ela é uma arca que porta não mais a lei, mas o autor da lei. “O Senhor está contigo”: ele está de hoje em diante com nós todos, Emmanuel, Deus Conosco. O Senhor está conosco, e agora todo erro desaparece; agora os demônios tremem e estão em fuga. O Senhor está conosco: a morte ficará adormecida, os mortos vão ser libertados. O Senhor está conosco, não mais um subalterno, nem um anjo, mas o Senhor ele mesmo. Ele vem para nos salvar. Aquele que os céus não podem conter, uma virgem o recebeu; nela ele se fez carne. Hoje, o grão de trigo foi disposto numa terra virgem. O mundo exulta e bendiz de alegria.

(Proclo de Constantinopla, 446 d.C.)


CONTEMPLAR

Mulher muçulmana [Rohingya], desalojada pela violência recente em Kyukphyu, Myanmar, chora após chegar ao campo de refugiados, 2012, Soe Zeya Tun, Agência Reuters, Yangon, Myanmar.



segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

O Caminho da Beleza 03 - III Domingo do Advento

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).


III Domingo do Advento                     17.12.2017
Is 61, 1-2.10-11                  1 Ts 5, 16-24                       Jo 1, 6-8.19-28

ESCUTAR

Como a terra faz brotar a planta e o jardim faz germinar a semente, assim o Senhor Deus fará germinar a justiça (Is 61, 11).

Não apagueis o espírito! Não desprezeis as profecias (1 Ts 5, 19-20).

“Eu sou a voz que grita no deserto” (Jo 1, 23).


MEDITAR

Perguntaram a um ancião: “Por que tenho medo quando vou ao deserto?”. “Porque até então vives para ti mesmo”, respondeu o ancião.

(Padres do Deserto, XXII, 2).


ORAR

            O Grito se fez carne, finalmente, o Grito em pessoa que rasga a história pelo meio. Jesus, o Grito de uma extremidade a outra, desde o que ele certamente soltou, como todo homem, para entrar no mundo, até aquele que soltou, como todo homem, para sair dele. É este que, nos dias de sua carne, com violento clamor e lágrimas, dirigiu pedidos e súplicas àquele que podia salvá-lo da morte, e sendo atendido em razão de seu amor, apesar de ser Filho, aprendeu, por aquilo que sofreu, a obediência (Hb 5, 7-8).  Na verdade, a manjedoura do Natal seria infantil e franzina se não desse a ver, ou melhor, a escutar baixinho, em seu ostensório de palha seca, o Grito capital, o Grito hospedeiro de todos os gritos do homem, até os arrancados da dor, da violência sofrida e da sensação do abandono. E pela hora nona, Jesus clamou com um grande grito: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46). Ainda que seja bem compreensível, a indignação que suscita no mundo católico atual o ostracismo em que a manjedoura aqui e ali se encontra, não deveria ser ela acompanhada de um exame de consciência? Decididamente, não temos que nos censurar por ter feito do Natal algo tão pequeno? Não tornamos silenciosa a manjedoura, distante dos gritos reais que soltam as crianças e os homens? Teríamos falhado em nossa missão de fazer escutar naqueles que estão longe, muito longe, cada vez mais longe, o Deus real, isto é, aquele que reúne, em sua carne, todos os gritos do homem e que somos nós que os escutamos em seu Nome? Porque se é verdade que Deus conosco é seu Nome, como é que ele não gritaria também conosco? Não precipitamos nós mesmos, com o tempo, o exílio, isso que hoje em dia perturba as nossas boas consciências, inspirando o sentimento de uma religião que excomunga a priori os gritos os mais insolentes e poderosos do homem (aqueles de que os Salmos, todavia, estão cheios)?

(François Cassingena-Trévedy, monge beneditino do Mosteiro de Ligugé, Vienne, França)


CONTEMPLAR


Sahel: O Fim da Estrada - Refugiados no campo de refúgio de Korem, 1984, Korem, Tigray, Etiópia, Sebastião Salgado (1944-), Magnum Photos, do livro África (2007), Brasil.



segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

O Caminho da Beleza 02 - II Domingo do Advento

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

II Domingo do Advento                       10.12.2017
Is 40, 1-5.9-11                    2 Pd 3, 8-14                                    Mc 1, 1-8


ESCUTAR

“Aplainai na solidão a estrada de nosso Deus” (Is 40, 3).

O que nós esperamos, de acordo com sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça (2 Pd 3, 13).

“Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias” (Mc 1, 7).


MEDITAR

Obrigado, irmão, pelo sol que me deste, na aparência roubando-o.

(Carlos Drummond de Andrade)


ORAR

A santa Escritura não cessa de falar e gritar, como está escrito sobre João: “Eu sou a voz que grita no deserto” (Jo 1, 23).  João não apenas gritou no tempo em que dizia aos fariseus, anunciando o Deus Salvador: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai as veredas de Nosso Senhor!”. Ele grita ainda para nós e o trovão de sua voz ruge no deserto de nossos pecados. Mesmo se ele adormeceu pela morte de seu martírio, sua voz, ela, permanece sempre viva. Ainda hoje, João Batista nos diz: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas”. A santa Escritura não cessa de falar e gritar. Devemos então preparar os caminhos do Senhor, não no sentido literal, mas para a pureza de nossa fé. O Senhor não toma os caminhos terrestres, mas avança pelo segredo dos espíritos. João nos ordena a preparar o caminho do Senhor, mas vejam qual o caminho ele preparou para si mesmo. Em tudo, ele ordenou e dirigiu a trama de sua vida em função da vinda do Cristo. Ele foi, de fato, jejuador, humilde, pobre e puro, como disse o Evangelista, descrevendo seu tipo de vida: “João tinha uma manta de pelo de camelo, cingia os rins com um couro; seu alimento eram gafanhotos e mel silvestre”. Penso que todo esse comportamento do profeta era ele mesmo profético. João era, portanto, grande, e o Senhor mesmo lhe louvou a grandeza: “Entre os nascidos de mulher, não há um maior que João, o Batista” (Mt 11,11). Ele teve precedência sobre todos os profetas que o precederam; ele ultrapassou todos os patriarcas... E João Batista, como uma lâmpada frágil que precede a luz do sol disse dele mesmo: “Depois de mim vem alguém maior do que eu e não sou digno de desamarrar a corda de suas sandálias, ele mesmo vos batizará com o Espírito Santo e o fogo”. Ao mesmo tempo, ele predisse que a clareza de sua lâmpada tornar-se-ia inútil e desapareceria com a vinda do Sol. O sol torna inútil a luz de uma lâmpada e a vinda da graça do Cristo torna igualmente caduco o batismo de penitência de João.

(Máximo de Turim, 380-465 dC)


CONTEMPLAR


Uma mulher protegendo a si e a seu filho do sol a bordo de um barco de refugiados no Golfo de Siam, 1977, Cambodja, Eddie Adams (1933-2004), Associated Press, de seu livro “Barco dos Não Sorrisos”, Nova Iorque, Estados Unidos.