Madre Belém




MARIA JOSEPHINA MONTEIRO FRANCO (1909-2011)



     MADRE BELÉM



Fundadora do convento das contemplativas de Nossa Senhora de Sion de Curitiba, em 1958, Madre Belém marcou gerações com a sua sabedoria e a sua profunda formação teológica. Nos anos de ditadura militar, ainda como superiora, protegeu, em seu convento, homens e mulheres perseguidos pela repressão política, num claro testemunho de solidariedade samaritana para com todos os indefesos. Conselheira de bispos, abades e sacerdotes, teve, até os seus últimos dias, uma correspondência profícua com os eremitas do mundo. Poliglota, estudiosa da Palavra de Deus, na sua profunda humildade, aceitou todas as mudanças e transformações decididas pela sua Província no entorno do seu convento, cujas terras foram doadas à congregação de Sion, pelo seu pai, Arthur Martins Franco. No início dos anos 70, radicalizou a sua vida contemplativa no seu eremitério perto de Ponta Grossa, que tão carinhosamente chamava de Taperinha, sob a proteção de São Miguel Arcanjo. No seu testamento espiritual, in articulo mortis, no leito do hospital, rodeada por seus familiares e seus filhos espirituais, balbuciou: “Nós nascemos para nos perder em Deus e não para nos achar. A maior certeza que nós temos ao morrer é a certeza do amor de Deus por nós. Deus nos ama tanto que se a gente soubesse quem era Deus a gente não fazia outra coisa se não amá-Lo.” Madre Belém legou para as suas irmãs contemplativas e da congregação a certeza vivida de que o único caminho da salvação passa pelo despojamento e pelo serviço aos menores que são o rosto verdadeiro de Cristo. Conclui o seu testamento espiritual afirmando: “Outra coisa é sabermos manter esse amor ao Cristo por uma doação completa aos pobres e necessitados. Mesmo que seja pouco o que eles não ousam pedir, nós temos que adivinhar e é essa a resposta que Deus pede de nós”. Aprendemos com a sua vida que existem apenas dois tipos de pessoas no mundo: as que, mesmo passando, continuam vivas eternamente no coração de Deus e dos seus irmãos e irmãs e as que vão morrendo, desde que nasceram, deixando atrás de si apenas um rastro de amargura e dissimulação. Madre Belém finalmente encontrou o Esposo amado e pode Lhe dizer o que mais amava dizer no momento da sua comunhão do Sangue de Cristo: “Beija-me com os beijos de sua boca” (Ct 1, 1). Passou para a eternidade no dia de São João da Cruz que um dia escrevera aos soberbos de pouca inteligência e coração: “Deus nos livre de nós mesmos”. Que ela, mais do que nunca, continue sendo a advogada nossa diante da Trindade Amorosa e interceda por nós junto ao Pai, seu Esposo amado, Senhor e Fonte da Vida, pela graça de seu Filho e na liberdade do Espírito Santo. Amém!



            TESTAMENTO ESPIRITUAL DE MADRE BELÉM

Dia 05 de dezembro de 2011, em um quarto de hospital, após ter resistido a uma intubação na UTI, Belém, expandida no Espírito, nos ofereceu esse depoimento de vida e de amor, um verdadeiro testamento espiritual proferido “in articulo mortis”, quase sem interrupção, e que nós, testemunhas presentes, consideramos uma epifania. Deus esteja!


O Amor Máximo, o Espírito Santo. Devemos amar o Espírito. É o encontro do teu Espírito com o Espírito Santo. Se tua igreja pequenina não estiver incorporada na igreja de Deus, ela não é nada. A igreja é certa até certo ponto. Tem que participar da igreja e não dessa igrejinha que somos nós.
Deus não é só Espírito, é pele. Tem que amar o Espírito Santo, chamar por Ele que Ele responde por nós. Responde por Ele, a ternura. O grande é o Espírito Santo, pequeno é a gente. Eu não tenho medo da morte porque eu vou me entregar a Deus inteira.
Nós nascemos para nos perder em Deus e não para nos achar. A maior certeza que nós temos ao morrer é a certeza do amor de Deus por nós. Deus nos ama tanto que se a gente soubesse quem era Deus a gente não fazia outra coisa se não amá-Lo. “Apaixonite” aguda, agudíssima, nos perder no amor de Deus.
A Eucaristia para nós é a descida ao nosso nível e ao nosso amor absoluto como Ele é. Deus é louco por nós. Se não nos amasse, Ele não dava tudo que precisava a nós. Àquilo que a Deus se pede, é uma graça.
Eu não recebo Deus como pessoa, eu recebo como ente vivo. Deus nos amou assim, eternamente, internamente manifesta o Seu amor. Mas não acreditam muito, mas se já acreditassem seria uma consagração a Deus. Ser capaz de dar à igreja o que ela pede, sem crítica.
As pessoas que amei na vida amei muito até o fim. Foram vocês. Não houve gente que amasse vocês como eu amei, intensamente. É o jeito que eu tinha de amar vocês que é diferente, entende? Essa é a verdade que vivemos, em gozá-la.
Se um dia eu for pro céu, eu venho sempre retribuir. A igreja deve ser mais simples e mais despojada, mas eu não tenho o direito de abrir a boca.
Foi boa a nossa vidinha juntos. Graças a Deus. Isso é a verdadeira prova de amor. Qualquer coisa que vocês precisarem digam, essa é a maior prova de amor. Mas eu peço realmente o que o nosso Père disse: ser fiel ao amor de Deus! Sabe o que isto consiste? De ser um apaixonado de Deus. Por apaixonado de Deus se entende ser capaz de dar o que somos de amor possível para as pessoas. Que a gente ame a Deus, mas até que ponto a gente pode chegar a amar, esse amor que tem que ser total para ser verdadeiro?
A maior paixão que Deus podia nos dar ele nos deu. Nós nos sentimos obrigados a retribuir essa mesma paixão, até para morrer na cruz, como os monges de Tibhirine [que foram martirizados na Argélia, em 1996]. A nossa religião só chega à verdade nesse ponto. Ser capaz de entregar a vida, como os monges, sem o mínimo interesse, só por paixão. Nós fomos feitos para se perder em Deus. Se não soubermos nos perder em Deus nos perderemos na vida.
Deus se apresenta como possibilidade de amor total e nós temos que nos deixar impregnar no Espírito desse amor total. E esse amor total exige de nós uma entrega absolutíssima! É uma exigência de Deus, se soubermos ser fiel a essa paixão de Cristo, que é a paixão de sabê-Lo amá-Lo a esse ponto.
Outra coisa é sabermos manter esse amor ao Cristo por uma doação completa aos pobres e necessitados. Mesmo que seja pouco o que eles não ousam pedir, nós temos que adivinhar e é essa a resposta que Deus pede de nós.
Deus me perdoe as bobagens que eu digo. Ter pensamentos humanos que não podem chegar a atingir o amor que Deus pede de nós. O sinal de atingirmos o amor é que chegaremos junto Dele, se não Ele não nos entende.
Você tem que provar na sua vida que você é filho de verdade e tem que amar sabe como? Totalmente!
Quando há uma missa que a gente não vai e despreza tivemos é uma oportunidade perdida. Peço a vocês, nunca deixem de ir a uma missa por preguiça, afazeres ou distração. A fidelidade à missa de domingo é uma garantia de salvação. Porque Deus põe as graças da semana em cima do altar e nós temos que buscá-las, se não quem sai perdendo somos nós.
Durmam bem na glória de Deus!
[Referindo-se ao terço em suas mãos]: Isso abre as chaves do céu! Nós temos a obrigação de nos abrirmos ao amor de Cristo pela abertura através de Nossa Senhora porque ela é a única pessoa que recebe de Deus.
Deus pede ao sacerdote o seu Espírito e ele deve dar! Se não der será uma falsidade. Diga a Deus que me perdoe todas essas minhas intervenções e a minha falta de entrega à igreja.
[Apontando para a mão manchada pelas agulhas]: isso é uma prova de amor, de amor nupcial!
Peço perdão a Deus. Somos capazes de amar a Deus somente na medida em que Ele nos pede.
         Rezem para Deus para fazer eu morrer de amor. Isso é o mais essencial. Não há coisa melhor do que esse encontro. Vamos gozá-lo juntos.
         Quero ir para casa logo porque eu tenho um encontro marcado, sabem com quem? Com Deus!

[Madre Belém passou dormindo na cela de seu convento, na madrugada do dia 14 de dezembro de 2011, Festa de São João da Cruz, em plena solidão com Deus.]


Testemunhas:

Maria do Rocio Munhoz da Rocha Lemos
Maria Rosa Ribas Munhoz da Rocha
Francisco Sérgio Barreto Munhoz da Rocha
Joaquim Monteiro Franco Filho
Pe. Paulo Botas, mts
Pe. Eduardo Spiller, mts