segunda-feira, 27 de julho de 2020

O Caminho da Beleza 37 - XVIII Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XVIII Domingo do Tempo Comum            02.08.2020
Is 55, 1-3                  Rm 8, 35.37-39                Mt 14, 13-21


ESCUTAR

“Inclinai vosso ouvido e vinde a mim, ouvi e tereis vida” (Is 55, 3).

Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada? (Rm 8, 35).

Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes (Mt 14, 14).


MEDITAR

Um caminho não é nada mais que um caminho e não há afronta, nem para ti e nem para outros, de deixá-lo se isto é que o teu coração te diz. Mas tua decisão de seguir no caminho ou de deixá-lo deve estar livre do medo e da ambição. Logo, faça a ti mesmo, e somente a ti, uma pergunta: este caminho tem coração? Se tem, o caminho é bom; se não, de nada serve. Todos os caminhos são o mesmo: não levam a nenhuma parte, mas uns têm coração e outros não. Um torna a viagem um gozo; enquanto segues nele és um com ele. O outro te fará maldizer tua vida. Um te faz forte; o outro te debilita.

(Carlos Castaneda, 1925-1998, Peru)


ORAR

    A miséria dos pobres grita para Deus, noite e dia. Não consideremos suficiente para a realização de nossa salvação apresentar à mesa sagrada um vaso de ouro enriquecido de pedrarias, após havermos despojado as viúvas e os órfãos. Quereis honrar este sacrifício? Oferecei vossa alma pela qual Cristo foi imolado; tornai-a de ouro; quando é de chumbo ou de argila, que importa um cálice de ouro? Não tenhamos pois por cuidado único oferecer cálices de ouro, mas cálices adquiridos com justiça... A Igreja não é um museu de ouro e de prata; é uma assembleia... Deus só admite vasos aqui em vista das almas. Não era de ouro a mesa, não era de ouro o cálice em que o Cristo ofereceu aos discípulos seu sangue a beber e, no entanto, tudo não era menos precioso, nem menos digno de respeito, porque tudo estava cheio do Espírito divino. Quereis glorificar o corpo do Salvador? Não menosprezeis quando o virdes coberto de andrajos; após o terdes honrado na igreja com vestes de seda, não o deixeis fora sofrer o frio e a miséria... Ainda uma vez, Deus não precisa de cálices de ouro, mas de almas de ouro. Expressando-me deste modo, não tenho a intenção de condenar os presentes deste gênero: o que peço é que, com isso e antes disso, os pobres não sejam negligenciados... Que importa que a mesa do Cristo cintile com cálices de ouro, se ele próprio morre de fome? Aliviai primeiro suas necessidades; depois, com o que vos restar, enriquei à vontade sua mesa. Como ofereceis a ele um cálice de ouro e lhe recusais um copo de água fria?!... Consequentemente, ornamentando a casa de Deus, não desprezeis vosso irmão indigente. Aliás, o templo deste irmão é mais precioso do que o de Deus.

(João Crisóstomo, c. 347-407, Antioquia)


CONTEMPLAR

Sonhando com um mundo melhor, 2014, Edmondo Senatore (1959-), Roma, Itália, menção honrosa no Monochrome Photography Awards, 2014.




segunda-feira, 20 de julho de 2020

O Caminho da Beleza 36 - XVII Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XVII Domingo do Tempo Comum              26.07.2020
1 Rs 3, 5.7-12                     Rm 8, 28-30                      Mt 13, 44-52


ESCUTAR

“Dá, pois, ao teu servo um coração compreensivo, capaz de governar o teu povo e de discernir entre o bem e o mal” (1 Rs 3, 9).

Aqueles que Deus contemplou com seu amor desde sempre, a esses ele predestinou a serem conformes à imagem de seu Filho (Rm 8, 29).

“Os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos e lançarão os maus na fornalha de fogo” (Mt 13, 49-50).


MEDITAR

Dá aos teus, Senhor, alguma coisa da tua liberdade, do salto vivo da tua liberdade. Que não nos sirvamos de ti como uma trincheira para fazer perdurar o nosso pequeno universo de ritos, de práticas, de virtudes. Deus, tu não és o protetor de nossas covardias, tu és aquele que nos fazes sair do nosso “buraco”. Dá a cada um de nós emergir do medo, que todos se levantem e andem.

(Jean-François Six, 1929-, França)


ORAR

         As parábolas do tesouro e da pérola nos revelam uma das exigências mais profundas do Reino. O Reino não é algo que pode ser simplesmente acrescido à nossa vida pessoal, mesmo que já ocupe uma grande parte de nosso pensamento e de nossa atividade. Só há uma verdadeira busca do Reino quando essa busca domina tudo. O Reino é absoluto: ele não admite meio termo. Não é algo que se possui pela metade ou do qual se toma uma parte. Só o possuímos quando tudo é abandonado por ele. O homem que encontrou o tesouro vai vender tudo o que possui. Em outras palavras, a vida cristã, em seu princípio, não conhece divisão: ela só é real quando abarca tudo. É a sua característica ao contrário de todos os outros modos de vida. Para a vida intelectual, a vida estética, a vida social, há uma dosagem a estabelecer; não para a vida religiosa. Esta não exclui as outras, mas ela é de um outro tipo: ela não pode se justapor a elas; é preciso que, abarcando todo o homem, ela penetre em seus outros modos de vida. Não há vida religiosa autêntica a não ser quando essa vida tende a invadir a tudo. Existe um exclusivismo de Deus. Contudo, esse exclusivismo não se exerce absolutamente à maneira dos exclusivismos humanos. Deus não é uma realidade criada, ocupando no tecido humano um lugar no qual expulsa, por sua própria existência, todas as outras realidades criadas. A presença de Deus não expulsa o humano: ela o penetra e o transforma. Mas o humano deve se deixar penetrar por inteiro; ele deve, por assim dizer, se deixar arrebatar a si próprio. Nós só possuímos Deus quando ele nos penetra para além de tudo e quando, por consequência, não aceitamos possuir mais nada. É preciso, pois, para possuirmos Deus, isto é para entrar em seu Reino, renunciar a todas as outras coisas por si próprias: para a pérola, para o tesouro, é preciso vendermos tudo... O Reino é algo que não se obtém a não ser renunciando a tudo.

(Yves de Montcheuil, 1900-1944, França)


CONTEMPLAR

Alpinista, 2014, Yosuke Kashiwakura (1978-), Japão, menção honrosa no Monochrome Photograph Awards, 2014.




segunda-feira, 13 de julho de 2020

O Caminho da Beleza 35 - XVI Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XVI Domingo do tempo Comum                 19.07.2020
Sb 12, 13.16-19                  Rm 8, 26-27                       Mt 13, 24-43


ESCUTAR

Tua força é o princípio da justiça, e o ser dono de todos te faz perdoar a todos (Sb 12, 16).

Ainda que não saibamos pedir como é devido, o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis (Rm 8, 26).

O reinado de Deus se parece com o fermento: Uma mulher o toma, mistura-o com três medidas de massa, até que tudo fermente (Mt 13, 33).


MEDITAR

Abram-me todas as janelas!
Arranquem-me todas as portas!
Puxem a casa toda para cima de mim!
Quero viver em liberdade no ar,
Quero ter gestos fora do meu corpo,
Quero correr como a chuva pelas paredes abaixo,
Quero ser pisado nas estradas largas como as pedras,
Quero ir, como as coisas pesadas, para o fundo dos mares,
Com uma voluptuosidade que já está longe de mim!

Não quero fechos nas portas!
Não quero fechaduras nos cofres!
Quero intercalar-me, imiscuir-me, ser levado,
Quero que me façam pertença doída de qualquer outro,
Que me despejem dos caixotes,
Que me atirem aos mares,
Que me vão buscar a casa com fins obscenos,
Só para não estar sempre aqui sentado e quieto,
Só para não estar simplesmente escrevendo estes versos!

Não quero intervalos no mundo!...
Quero voar e cair de muito alto!
Ser arremessado como uma granada!
Ir parar a... Ser levado até...
Abstrato auge no fim de mim e de tudo!

(Fernando Pessoa, 1888-1935, Portugal)


ORAR

  Da mesma forma que o fermento comunica sua força à massa da farinha, vós transformareis o mundo inteiro. Não me retruquem: “Que poderemos fazer, nós que somos doze, atirados no meio de uma grande multidão?” O que fará precisamente ressaltar o brilho de vosso poder é enfrentardes a multidão sem jamais recuar. O levedo faz fermentar a massa quando o aproximamos da farinha, ou melhor ainda, quando o misturamos nela completamente. Assim também o Salvador não diz que a mulher “depositou” o fermento, mas que ela o “ocultou” na farinha. Da mesma forma, vós também, quando vos mesclardes, quando vos unirdes estreitamente a vossos perseguidores, vós triunfareis. O fermento, desaparecendo totalmente na massa, não perde nela a sua força; ao contrário, ele a comunica pouco a pouco. Ocorrerá o mesmo na pregação evangélica. Por consequência, disse Jesus, se vos destinei a numerosas provas, não fiqueis assustados. Pois é desta maneira que brilhará vosso poder e que triunfareis. É o Cristo que dá ao fermento seu poder: ele mistura na multidão os que têm fé nele, para que comuniquemos uns aos outros nossos conhecimentos. Que não reprovemos, portanto, o pequeno número de seus discípulos, porque o poder da pregação é grande. E quando fermentada a massa, ela não demora, por sua vez, a se tornar, ela própria, fermento. A centelha transforma em brasa os pedaços de lenha sobre os quais ela cai. Esses pedaços comunicam a chama aos outros; acontece o mesmo com a pregação evangélica. Entretanto, o Senhor fala não de fogo, mas de fermento. Por que isso? É porque o fogo não faz tudo: a madeira também faz uma parte do trabalho! Aqui, ao contrário, o fermento faz tudo por si próprio. Mas se doze homens são suficientes para fazer erguer a terra inteira, como somos maus, nós que, a despeito de nosso número considerável, não conseguimos abrir os olhos dos que estão ainda cegos, quando tal número deveria ser suficiente para a conversão de milhões de mundos! Mas esses doze, vós dizeis, eram os Apóstolos! E daí? Não estavam nas mesmas condições que nós? Não partilhavam nossa sorte? Não exerciam atividades? Eram, pois, anjos descidos do céu? Vós dizeis que faziam milagres, mas até quando falaremos de seus milagres para esconder nossa preguiça? Não são seus milagres que fazem a sua glória. De onde vem então a grandeza dos Apóstolos? Do desprezo às riquezas, do seu desdenho pela glória vã, de sua renúncia a todos os bens do século. Vós quereis tornardes iguais aos Apóstolos? Nada vos impede: pratiqueis somente as virtudes deles e não tereis nada a invejar. Desapeguemo-nos, portanto, de todas as coisas da terra e nos consagremos ao Cristo, a fim de nos tornar iguais aos Apóstolos, pela graça e pelo amor de nosso Senhor Jesus Cristo, em toda sua glória e poder, pelos séculos e séculos. Amém.

(João Crisóstomo, c. 347-407, Antioquia)


CONTEMPLAR

Um menino na multidão, 2019, Morávia, Libéria, Jonathan Banks (1971-), Reino Unido, foto do ano do Siena International Photo Awards.




segunda-feira, 6 de julho de 2020

O Caminho da Beleza 34 - XV Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XV Domingo do Tempo Comum                  12.07.2020
Is 55, 10-11             Rm 8, 18-23                       Mt 13, 1-23


ESCUTAR

Assim será a minha palavra, que sai de minha boca: não voltará vazia para mim, mas realizará a minha vontade (Is 55, 11).

A humanidade inteira geme com dores de parto. E não somente ela; também nós, que possuímos as primícias do Espírito (Rm 8, 22-23).

Um semeador saiu a semear. Ao semear, algumas sementes caíram junto ao caminho, vieram os pássaros e as comeram. Outras caíram em terreno pedregoso... (Mt 13, 4).


MEDITAR

Cada homem experimenta seu destino no mundo. Deus se pinta a si mesmo em cada homem mostrando uma gama de traços e cores infinitos. Mas o faz sem apego, como um asceta que esquece sua aparência e descuida de seu corpo. Todos nos convertemos no que desejamos, somos livres ao fim e por isso distintos uns dos outros. O bem, o mal, suas zonas intermediárias: ao elegê-las, fica escrita já a página de nossas alegrias e sofrimentos.

(Tukaram, -1650, Índia)


ORAR

        Que terreno nós somos? Temos um coração que compreende... ou somos esse caminho árido no qual nos arrastamos, esse coração no qual se arrastam a sensibilidade, a afetividade, a generosidade? Temos ouvidos que escutam... ou somos esse solo pedregoso, esse deserto erodido, que não retém a chuva, esse ouvido duro que não conhece mais a Palavra? Temos olhos que veem... ou somos esse mirante abandonado às sarças, esse olho irritado, esse olhar emaranhado em que a luz não mais atravessa. Apesar de tudo, sabemos e Jesus nos anuncia, a Igreja nos confirma e os outros frequentemente nos falam quando confiam em nós, sabemos que há também em nós a terra boa... porém o resto também aí se encontra e às vezes parece ocupar todo o lugar, inútil negar isso. Então? Eu hesitaria logo em vos confiar que, ao meu ver, o SEMEADOR foi bem inábil... Semear assim inteiramente pelo ar, mesmo sobre o caminho, sobre a pedra e sobre os espinhos. Evidentemente, nunca semeei e não sei se poderia controlar esse gesto largo que é mais fácil de admirar do que imitar. Mas, enfim, João Crisóstomo permitiu-se a mesma reflexão. Eis o comentário que nos deu... “É razoável, indago, espalhar o grão sobre a pedra, no meio dos espinhos, ao longo do caminho?... Reprovar-se-ia com justiça o cultivador que o fizesse: a pedra não saberia se tornar terra, os espinhos não podem ser senão espinhos, o caminho não pode ser senão o caminho. Na ordem das coisas do espírito, não se dá assim: a pedra pode ser transformada em uma terra fértil, o caminho pode não ser pisado pelos passantes e se tornar um campo fecundo; os espinhos podem ser arrancados e permitir que uma boa semente, ao ser desvencilhada, frutifique.” Assim o caminho no qual nos arrastamos, o solo erodido, a sarça abandonada, podem tornar-se parábolas do Reino em construção... tão verdade como o coração é feito para compreender, os ouvidos para escutar, os olhos para ver. A semente que está morta no caminho, que foi rejeitada pelas pedras, sufocada pelos espinhos, mesmo esta semente pode SURGIR vitoriosa... a Palavra de Deus não é sem efeito (1ª leitura). As pedras, os espinhos e o caminho gemem também com o mesmo grito inefável que a terra boa na qual o grão caiu, para morrer ali, no desejo de ser fruto. Pois eis que um companheiro se juntou a nós em nossos caminhos ásperos... ele os lavrou e nós reconhecemos sua VOZ e nosso coração que era lento para compreender tornou-se todo iluminado, ali, no caminho. A Palavra voltou ao Pai enriquecida com nossa alegria. Ela nos dizia: Eu sou o caminho... O caminho também tem um coração: “Sigam-me!”. E ficamos sabendo que o alimento do caminho não é apenas para os pássaros, que há um pão inteiro preparado em cada etapa. É porque o caminho também é uma terra boa. Assim a estrada ao largo tomou o lugar das cerejeiras em flor. Lavrem esta estrada, as cerejeiras podem florir ali, o grão gemer novamente. Lavrem vosso coração, haverá pão para todos os nômades do amor... Sabemos que a pedra rejeitada se tornou pedra angular e que todos nós temos vocação de pedras vivas. É porque a pedra também pode ser terra boa: seja quando a cobrimos ou quando a pulverizamos... há até flores que se acomodam sobre a rocha. Deus não se inquieta com a rocha: ele a escrutina... e dela sai água e também sangue. E eis, enfim, que um estranho messias restabelece a língua aos espinhos. Ele lhe disse: Tu és Rei? Ele respondeu: Tu o dizes... mas meu Reino não é como esse mundo. E como para provar, ele se deixou coroar pelo mundo: coroado de espinhos. A Palavra voltou assim para o Pai, coroada de espinhos, enriquecida do nosso sofrimento, de nossas lutas, de nossa vitória pela esperança. Os espinhos não puderam sufocar esta Palavra. Ela ressurgiu, guerreira. Os espinhos podem revelar o grão: Lembre-se de mim em teu Reino! É porque os espinhos torcidos podem, eles próprios, tornar-se húmus. Não nos desesperancemos da nossa paisagem interior: Deus pode se acomodar em nossos ouvidos, em nossos olhos, em nosso coração, é preciso que aspiremos com todas as nossas forças à revelação do Filho de Deus. Bem mais do que um arado, ele pode restaurar a tudo. Tudo canta e clama de ALEGRIA! (Salmo 64).

(Christian de Chergé, 1937-1996, França)


CONTEMPLAR

Quieto, 2019, Ebru Sidar (1975-), Istambul, Turquia.