segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Caminho da Beleza 29 - X Domingo do Tempo Comum

X Domingo do Tempo Comum                     05.06.2016
1Rs 17, 17-24                      Gl 1, 11-19               Lc 7, 11-17


ESCUTAR

“Eis aqui o teu filho vivo” (1 Rs 17, 23).

Asseguro-vos, irmãos, que o evangelho pregado por mim não é conforme a critérios humanos (Gl 1, 12).

“Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: Não chores!” (Lc 7, 1).


MEDITAR

O Deus feito homem se deixa comover pela miséria humana, pela nossa necessidade, pelo nosso sofrimento. O verbo grego que traduz esta compaixão é splanchnízomai e deriva da palavra que indica as vísceras ou o útero materno. É semelhante ao amor de um pai e de uma mãe que se comovem profundamente pelo seu filho; é um amor visceral (Francisco, O nome de Deus é Misericórdia).


ORAR

A ressurreição do filho da viúva de Naim não foi narrada pelo evangelista para insistir no aspecto miraculoso do ocorrido, mas para proclamar o anúncio pascal de que Jesus é a vida mais forte do que a morte e veio para conduzir a todos para a vida eterna. Jesus revela que a compaixão não é uma forma de comiseração, mas uma escuta e acolhida ao outro no seu sofrimento. É a capacidade de partilhar a dor daquele que passa ao nosso lado e de decidir estar próximo a ele (Lc 10, 36-37). Os gestos de compaixão são gestos concretos. Para Jesus, a morte não é aceitável porque contradiz o desígnio de Deus. A morte foi introduzida no mundo pelo diabo: “Deus criou o homem para a imortalidade e o fez imagem do seu próprio ser; mas a morte entrou no mundo pela inveja do diabo e os de seu partido passarão por ela” (Sb 2, 23-24). Jesus revela as suas entranhas de misericórdia como uma manifestação da ternura materna do Pai. A multidão comenta: “Deus visitou o seu povo” e o seu Enviado se manifesta como portador da vida. E uma vida aqui e agora, pois a vida eterna começa hoje. O cristão não pode preparar o funeral dos vivos, não deve mortificar a vida porque está a seu serviço. A Igreja de Jesus é o lugar da vida, pois onde se mortifica a vida jamais haverá lugar para a alegria, nem para a ternura e muito menos para a verdade. A luz da verdade emana, exclusivamente, do esplendor da vida. A comunidade eclesial deve refletir sobre a credibilidade do Cristo e da sua Igreja junto ao nosso povo. Quais os sinais que damos para anunciar o Deus da Vida no nosso meio? Qual a mensagem da Igreja digna de ser crer? Se não soubermos responder é porque estamos imersos na tristeza e numa religiosidade da mortificação que nos leva a manifestar a morte da alegria e da ternura.


CONTEMPLAR

“Com o menino no colo”, 1965, São Paulo, Ensaio “Pele Preta”, Acervo Instituto Moreira Salles, Maureen Bisilliat (1931-), Inglaterra/Brasil.





segunda-feira, 23 de maio de 2016

O Caminho da Beleza 28 - IX Domingo do Tempo Comum

IX Domingo do Tempo Comum                   29.05.2016
1 Rs 8, 41-43                      Gl 1, 1-2.6-10                     Lc 7, 1-10


ESCUTAR

“Senhor, pode acontecer que até um estrangeiro que não pertence a teu povo, Israel, escute falar de teu grande nome, de tua mão poderosa e do poder de teu braço” (1 Rs 8, 41).

“Se eu ainda estivesse preocupado em agradar aos homens, não seria servo de Cristo” (Gl 1, 10).

“Eu vos declaro que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé” (Lc 7, 9).


MEDITAR

A fé não é um refúgio para gente sem coragem, mas a dilatação da vida: faz descobrir um grande chamado – a vocação do amor – e assegura que esse amor é fiável, que vale a pena entregar-se a ele, porque o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que toda a nossa fragilidade (Francisco, Lumen Fidei, 53).


 ORAR

O infinito do Senhor não pode ser hospedado, nem aprisionado num espaço finito como uma construção de pedra ainda que majestosa. Salomão se dá conta de que seu suntuoso Templo pode não acolher Deus: “Mas, é possível que Deus habite na terra? Se não cabes no céu e no mais alto do céu, quando menos neste templo que construí!” (1 Rs 8, 27) As igrejas oferecem uma possibilidade de encontro com Deus e isto só se realizará se este lugar for, também, o lugar de encontro entre os homens. As igrejas devem realizar a comunhão com todos, pois não é possível transferir ao templo as fronteiras que os dividem, as discriminações que fazemos e as exclusões que decretamos aos que não são como nós. Nas igrejas ninguém deve se sentir estranho ou privilegiado, pois a comunhão vem da alegria de se orar juntos. Não é suficiente orar pelos outros, é necessário saber orar com os outros, ou seja, todos. O evangelista revela que a possibilidade do encontro com Deus nos é assegurada pela fé. Jesus se assombra e se admira com a fé de um pagão assim como o Criador se admirou ao contemplar a beleza de sua Criação. Não sabemos se Deus ficou admirado diante da suntuosidade do templo de Jerusalém edificado para a sua glória, nem se recebeu o sacrifício de vinte e dois mil bois e cento e vinte mil ovelhas no dia solene da dedicação do Templo. Jesus se admira com a fé do estrangeiro, um centurião romano. Uma fé extraordinária e verdadeira. E o mais sensacional não é a cura do pobre homem, mas o milagre da fé de um pagão. Paulo reafirma que o evangelho não foi pregado para agradar a todos e nem para ser manipulado para atender aos desejos pessoais. Um evangelho reduzido às nossas vontades e gostos é um outro evangelho. Hoje devemos perguntar, com lealdade: onde está a nossa fé? Na postura submissa dos “anciãos dos judeus” de pedirem a intercessão de Jesus por estarem agradecidos por um sinagoga construída ou na humildade ou no desespero de um pagão de pedir auxílio à outra religião? Cristo é uma realidade para nós, pois a única fresta pela qual passa a luz do Evangelho é o testemunho da experiência de fé de um cristão ou de um homem de boa vontade.


CONTEMPLAR

Foto memorial de um jovem palestino colocada num túmulo de cemitério, Beirute, Líbano, 1982, Chris Steele-Perkins (1947-), Magnum Photos, Reino Unido.







terça-feira, 17 de maio de 2016

O Caminho da Beleza 27 - VIII Domingo do Tempo Comum - Santíssima Trindade

VIII Domingo do Tempo Comum - Santíssima Trindade                22.05.2016
Pr 8,22-31               Rm 5, 1-5                Jo 16, 12-15


ESCUTAR

Assim fala a sabedoria de Deus: “... eu era seu encanto, dia após dia, brincando, todo o tempo, em sua presença, brincando na superfície da terra e alegrando-me em estar com os filhos dos homens” (Pr 8, 30-31).

A tribulação gera a constância, a constância leva a uma virtude provada, a virtude provada desabrocha em esperança (Rom 5, 3-4).

“Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora” (Jo 16, 12).


MEDITAR

A esperança é a virtude de quem, fazendo a experiência do conflito, da luta cotidiana entre a vida e a morte, entre o bem e o mal, crê na Ressurreição do Cristo, na vitória do Amor. Nós compreendemos o canto de Maria, o Magnificat: é o cântico da esperança, o cântico do povo de Deus em marcha na história (Francisco, Homilia, Castel Gandolfo, 15 de maio de 2013).


ORAR

Neste domingo é preciso nos deixar envolver pelo ritmo terno deste dinamismo de amor no qual se concretiza o mistério: 1+1= 3. A reciprocidade entre o Eu do Pai e o Tu do Filho gera o Espírito de liberdade e de amor que nos faz comungar da intimidade entre o Pai e o Filho: “Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará é meu”. A Trindade nos desvela e comunica o ilimitado deste amor gerado, pois “o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. A plena revelação da sabedoria de Deus é estar junto aos homens no sofrimento e na doação até o fim para que possamos conhecer e enfrentar “as tramas do mundo”, pois a sabedoria penetra tudo como “um reflexo da luz eterna, espelho nítido da atividade de Deus e imagem de sua bondade” (Sb 7, 26). O mundo é a morada da Trindade, pois Deus no mundo e o mundo em Deus são a transfiguração do mundo pelo Espírito. Basta a nós sermos dóceis a esta dança trinitária que nos envolve e nos conduz. Basta deixar que ela abra nossos olhos, aponte-nos o caminho a seguir, acompanhe-nos com seus conselhos para que não aconteça de endurecermos a cabeça e o coração, insistindo em caminhar em sentido contrário ao que nos mostra a Trindade (cf Sl 32). Somos chamados à explosão de Vida que emerge desta comunhão pessoal, trinitária e nupcial. A vida na Trindade nos faz conhecer o ódio – a falta de amor – que é o pecado com o Filho; a cegueira – a negação da fé – que é o pecado contra o Espírito; o desespero que é o pecado contra o Pai pela recusa do Infinito e pela escolha de se viver na asfixia do que é finito, limitado e sem horizontes. Paulo nos garante que o Espírito intercede em nosso favor, a todo tempo e a todo instante, pois circulando visceralmente nas nossas veias ama e se entrega à sua comunidade eclesial, como o amado se entrega à sua amada: “Beija-me com os beijos da sua boca” (Ct 1,1). Jamais poderemos esquecer que é no silêncio de sua plenitude amorosa e do seu gozo infinito que o Pai, revelado pelo Filho, escuta o Espírito Santo interceder em nosso favor com gemidos inefáveis” (Rm 8, 26). A dança da Trindade é como o êxtase dos noivos ao se entregarem, em mútua oferenda, para a realização plena de suas núpcias. Neste exato momento, único e intransferível, a vida ordinária se esgota, transformando-se no mistério extraordinário de ser e existir.


CONTEMPLAR

Três Mãos Cantantes, s.d., Raymond Glorie (1918-2015), escultura, Bruxelas, Bélgica.







segunda-feira, 9 de maio de 2016

O Caminho da Beleza 26 - Solenidade de Pentecostes

Solenidade de Pentecostes                15.05.2016
At 2, 1-11                  1 Cor 12, 3-7.12-13                       Jo 20, 19-23


ESCUTAR

“Todos nós os escutamos anunciar as maravilhas de Deus na nossa própria língua!” (At 2, 11).

A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum (1 Cor 12, 7).

Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco” ( Jo 20, 19).


MEDITAR

A novidade que Deus traz à nossa vida é verdadeiramente o que nos realiza, o que nos dá a verdadeira alegria, a verdadeira serenidade, porque Deus nos ama e quer apenas o nosso bem. Perguntemo-nos hoje a nós mesmos: Permanecemos abertos às “surpresas de Deus”? Ou fechamo-nos, com medo, à novidade do Espírito Santo? Mostramo-nos corajosos para seguir as novas estradas que a novidade de Deus nos oferece, ou nos colocamos em defesa fechando-nos em estruturas caducas que perderam a capacidade de acolhimento? (Francisco, Homilia de Pentecostes, 2013).


ORAR

Na festa de Pentecostes, celebramos a vinda do Espírito de Jesus para fundar a comunidade eclesial. Pentecostes é uma dinâmica de vida e sempre será testemunhado na razão direta da capacidade de amor fraterno da comunidade. O Espírito sabe qual a melhor forma da sua comunicação - brisa suave, forte ventania e fogo – para tornar presente no meio de nós a Palavra de Deus assim como a tornou presente no seio de Maria. Hoje ele chega como uma forte ventania para nos mostrar a sua liberdade e pousa como línguas de fogo sobre as cabeças dos discípulos, tornando ardentes e inflamados os seus corações e seus lábios para que pronunciassem nas línguas diversas as maravilhas do Senhor. Como o Espírito de Jesus foi soprado sobre nós só nos resta nos abandonar a este impulso divino. Este abandono não é uma preguiça nem uma passividade, mas o confronto permanente para que possamos superar as forças interiores que exigem a capitulação dos nossos sonhos e a acomodação estéril das nossas vidas. Precisamos nos deixar invadir pelo Espírito de Jesus para que alcancemos o significado de tudo o que acontece nas nossas vidas, pois nos foi prometido: “Quando, porém, vier o Espírito da verdade, eles vos conduzirá à plena verdade” (Jo 16, 13). O Espírito de Jesus não conhece e, muito menos, impõe limites. A única coisa que não nos concede é levar uma vida medíocre e aprisionada nos limites que nos impomos, pois uma vida assim nos condena à absoluta incompreensão de nós mesmos. Na manifestação de Pentecostes foi afirmada a pluralidade do universo, pois além dos apóstolos, em Jerusalém, os pagãos, na Cesárea, foram tocados pelo Espírito Santo e, falando várias línguas, glorificavam a Deus. A Igreja não se constrói somente pelo caminho institucional, mas pela infinita variedade de dons e carismas que o Espírito distribui para a construção do bem comum, pois “todos nós bebemos de um único Espírito”. Ouvir a voz do Espírito de Jesus é viver na comunidade fraterna aberta a todos os homens e mulheres e comprometida com todo o Cosmos. Como nos escreveu São Basílio Magno, no século IV: “Dele nos vem a alegria sem fim, a união constante e a semelhança com Deus; Dele procede, enfim, o bem mais sublime que se pode desejar: o homem é divinizado”.


CONTEMPLAR

Nuvens de Fogo em Pôr-do-Sol, 2013, autor e local desconhecidos.







segunda-feira, 2 de maio de 2016

O Caminho da Beleza 25 - Ascensão do Senhor

Ascensão do Senhor                  08.05.2016
At 1, 1-11                  Ef 1, 17-23               Lc 24, 46-53


ESCUTAR

“Recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós para serdes minhas testemunhas” (At 1, 8).

Irmãos, o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer (Ef 1, 17).

“Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu (24, 49).


MEDITAR

Senhor Deus, Uno e Trino, comunidade estupenda de amor infinito, ensinai-nos a contemplar-Vos na beleza do universo, onde tudo nos fala de Vós. Despertai o nosso louvor e a nossa gratidão por cada ser que criastes. Dai-nos a graça de nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe (Francisco, Laudato Si’).


ORAR
           
            A liturgia de hoje nos fala da Ascensão do Senhor aos céus. E, para Jesus, o céu não é um lugar além das estrelas e nem um espaço. Como afirma o Papa Bento XVI: “O céu é uma Pessoa, a pessoa em que Deus e o homem são inseparavelmente unidos para sempre”. Para Jesus, o céu é a participação plena na vida do Amor e na comunidade daqueles que se amam e se colocam abertos ao mundo e ao serviço de todos. O envio do Amor abarca todos os povos da terra até o último dia e isto exige que nos coloquemos de pé e a caminho, como itinerantes e peregrinos. Nossa Galileia é o mundo inteiro com todas as suas contradições e nele estaremos sempre como estrangeiros e atraídos pela aflição dos doentes, dos pobres e dos que são intoleráveis e proscritos, pois é neles que encontraremos o Cristo Ressuscitado. O Papa Bento XVI alerta: “Evangelizar quer dizer ensinar a arte de viver e não atrair, rapidamente, com novos e refinados métodos, as grandes massas distanciadas da Igreja”. Não devemos nos iludir. O amar cristão não faz parte da galeria dos amores corteses e cheios de galanteios. O testemunho verdadeiro do amor cristão nos conduzirá, fatalmente, à proscrição: “Virá a hora em que aquele que vos matar julgará estar prestando culto a Deus” (Jo 16, 2). A certeza da Ressurreição não exclui as dúvidas, as incertezas, os embates e as contradições da nossa travessia. Viveremos num paradoxo: tudo está cumprido e tudo está por se fazer. Temos os olhos fixos na realidade última e definitiva, mas caminhamos no provisório e finito. A beleza de ser cristão se encontra na travessia que deve ser inventada e reinventada a cada dia. Como dizia Guimarães Rosa: “Viver é rasgar-se e remendar-se!”. Cristão é quem admite as próprias misérias para experimentar a força que vem do Espírito e, por meio, de pequenos sinais e gestos de compaixão e fraternidade, manifestar a medida do Cristo: “uma medida generosa, calcada, sacudida e transbordante” (Lc 6, 38). Podemos caminhar “cheios de alegria” (Lc 24, 52) e proclamar que a humanidade de Jesus é de tal modo perfeita que é necessário, agora e sempre, escrever a palavra Deus; e sua divindade é de tal modo real que é, também preciso escrever, eternamente, a palavra Homem.


CONTEMPLAR

Nuvens trovejantes, Lago Garnet, 3:18 p.m., Parque Nacional Yosemite, Peter Essick (1957-), Estados Unidos.