segunda-feira, 22 de abril de 2019

O Caminho da Beleza 23 - II Domingo da Páscoa


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


II Domingo da Páscoa              28.04.2019
At 5, 12-16               Ap 1, 9-13.17-19                Jo 20, 19-31


ESCUTAR

Chegavam a transportar para as praças os doentes em camas e macas, a fim de que, quando Pedro passasse, pelo menos a sua sombra tocasse alguns deles (At 5, 15).

“Não tenhas medo. Eu sou o primeiro e o último, aquele que vive” (Ap 17-18).

“Acreditaste porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20, 29).


MEDITAR

A vida cristã não é sobre acreditar em credos e ser obediente a regras divinas; é sobre viver, amar e ser. A Ressurreição vem quando somos livres para dar nossas vidas a fora, livres para amar além das fronteiras de nossos medos, livres não apenas para sermos nós mesmos, mas para conferir poder a todos os outros de serem plenamente eles mesmos nessa nossa rica, diferenciada e multifacetada humanidade. Aqui o preconceito morre. Aqui a totalidade é provada. Aqui a ressurreição torna-se real.

(John Shelby Spong, 1931-, Estados Unidos)


ORAR

           A grande e alegre mensagem da Páscoa é o homem novo, o homem que a Ressurreição de Cristo liberta das cadeias da insuficiência egoísta e da vã procura de sua realização. A Ressurreição o conduz, em plena liberdade, à consciência do pecado e da sua própria insuficiência, a fim de levá-lo pelo poder da Redenção a fazer quebrar-se o núcleo endurecido da sua própria individualidade, para que a energia procedente da sua verdadeira personalidade jorre na graça concedida. O que a Ressurreição oferece coincide com o apelo angustiado do homem contemporâneo, com a necessidade da hora presente: um rejuvenescimento  radical e incorruptível, rejuvenescimento que não é fechado sobre si mesmo, mas com o seu centro no Corpo vivo do Cristo que renova eternamente toda coisa; um rejuvenescimento que assegura tanto a unidade interior da pessoa, como a unidade orgânica da comunhão de todos os que se tornaram perfeitos e livres em Cristo. Contudo, todo um mundo vive ainda na noite da Sexta-Feira Santa, à véspera da Ressurreição, portas fechadas pelo medo, face sombria, cheia de dúvida e contradições, sem suspeitar que o Cristo ressuscitou e é nosso companheiro de viagem, pronto a revelar-se na fração do pão. Certamente, o mal se encontra ainda na história e no tempo que a regula. Esta coexistência da Ressurreição e do mal na história constitui o mistério da coexistência da liberdade e do destino. Ela é paradoxal, o paradoxo querido por Deus, da injustiça sofrida pelo justo para que a justiça se faça na terra. Mais do que nunca, o mundo de hoje tem necessidade da Páscoa, duma passagem da servidão à liberdade, da injustiça à salvação, da guerra à paz, das discriminações à unidade, da tristeza à alegria do céu. O Cristo ressuscitou. Proclamemo-lo.

(Damaskinos Papandreou, 1891-1949, Grécia)


CONTEMPLAR

Velas de Páscoa, 2018, Ilha de Poros, Grécia, Chris Panagiotidis, Atenas, Grécia.




terça-feira, 16 de abril de 2019

O Caminho da Beleza 22 - Páscoa da Ressurreição


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


Páscoa da Ressurreição                      21.04.2019
At 10, 34.37-43                 Cl 3, 1-4                   Jo 20, 1-9


ESCUTAR

Ele andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo demônio, porque Deus estava com ele (At 10, 38).

Vós morrestes e a vossa vida está escondida, com Cristo em Deus (Cl 3, 1-4).

Entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu e acreditou (Jo 20, 8).


MEDITAR

“Ele viu e acreditou”. O que ele viu então? Nenhum objeto particular. É a ausência mesma que, plena de amor, se transforma para ele na evocação de uma Presença. Jesus, aliás, havia prometido: “Aquele que me ama será amado por meu Pai; e eu o amarei e me manifestarei a ele” (Jo 14, 21).

(Enzo Bianchi, 1943-, Itália).


ORAR

            A fé em Jesus, ressuscitado pelo Pai, não brotou de maneira natural e espontânea no coração dos discípulos: antes de encontrar-se com ele, pleno de vida, os evangelistas falam, de sua desorientação, de sua busca em torno do sepulcro, suas interrogações e incertezas. Maria de Magdala é o melhor protótipo do que acontece provavelmente com todos. Segundo o relato de João, busca o crucificado em meio às trevas, “quando ainda estava escuro” e, como é natural, busca-o “no sepulcro”. Todavia não sabe que a morte havia sido vencida, por isso, o vazio do sepulcro a deixa desconcertada. Sem Jesus, se sente perdida. A fé no Cristo ressuscitado não nasce, tampouco, em nós hoje de forma espontânea ou só porque desde crianças escutamos a catequistas e pregadores. Para nos abrirmos à fé na ressurreição de Jesus, temos que fazer a nossa própria jornada: é decisivo não esquecer de Jesus, amá-lo com paixão e buscá-lo com todas as nossas forças, mas não no mundo dos mortos: aquele que vive, há que buscá-lo aonde há vida. Se queremos encontrar com Cristo ressuscitado, cheio de vida e de força criadora, temos de buscá-lo não em uma religião morta, reduzida ao cumprimento e à observância externa de leis e normas, mas sim ali onde se vive segundo o Espírito de Jesus, acolhido com fé, com amor e com responsabilidade por seus seguidores. Devemos buscá-lo não entre cristãos divididos e que se enfrentam em lutas estéreis, vazias de amor por Jesus e de paixão pelo Evangelho, mas sim ali onde vamos construindo comunidades que coloquem o Cristo em seu centro, porque sabem que “onde estão reunidos dois ou três em seu nome, ali ele está”. Aquele que vive não o encontraremos em uma fé estancada e rotineira, gasta por toda classe de tópicos e fórmulas vazias de experiências, mas sim buscando uma qualidade nova em nossa relação com ele e em nossa identificação com seu desígnio. Um Jesus apagado e inerte, que não enamora e nem seduz, que não toca os corações nem contagia com sua liberdade, é um “Jesus morto”. Não é o Cristo vivo, ressuscitado pelo Pai. Não é o que vive e que faz viver.

(José Antonio Pagola, 1937-, Espanha).


CONTEMPLAR

Sem Título, Arpi (Arpad) Atilla Szasz, 1960-, Califórnia, Estados Unidos.




segunda-feira, 8 de abril de 2019

O Caminho da Beleza 21 - Ramos e Paixão do Senhor


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


Ramos e Paixão do Senhor                14.04.2019
Is 50, 4-7                 Fl 2, 6-11                 Lc 23, 1-49


ESCUTAR

O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás (Is 50, 5).

Ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens (Fl 2, 7).

Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23, 46).


MEDITAR

Quando o Cristo chama um homem, ele diz a ele venha e morra.

(Dietrich Bonhoeffer, 1906-1945)

ORAR

            E, então, ele foi levantado na cruz e um título foi fixado, indicando quem era aquele sendo executado. Doloroso é dizer, mas mais terrível não dizer... Ele que elevou a terra foi elevado, ele que fixou os céus foi fixado, ele que atou todas as coisas foi atado ao lenho; o Senhor é ultrajado; Deus é assassinado.

(Melito de Sardis, -180 d. C., Anatólia Ocidental, atual Turquia)


CONTEMPLAR

Sem Título, 2019, Rui Pereira, Exposição “Reflexões de Luz e Sombra”, Lisboa, Portugal.




segunda-feira, 1 de abril de 2019

O Caminho da Beleza 20 - V Domingo da Quaresma


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


V Domingo da Quaresma                    07.04.2019
Is 43, 16-21             Fl 3, 8-14                 Jo 8, 1-11


ESCUTAR

“Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos antigos. Eis que eu farei coisas novas e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis?” (Is 43, 18-19).

Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente (Fl 3, 13).

“Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela respondeu: “Ninguém, Senhor”. Então Jesus lhe disse: “Eu também não te condeno” (Jo 8, 10-11).


MEDITAR

Os pecadores conhecem a Deus, os justos ainda O estão procurando.

(Cardeal Hans Urs Von Balthasar, 1905-1988, Suíça)


ORAR

            Lição de misericórdia. O erro era flagrante, impossível de negar. Aquela mulher nem chega a defender-se. Que faz Jesus? Começa impondo silêncio aos acusadores. Condena os acusadores. Não porque seja falsa a acusação, mas porque não são retos os seus motivos. “Diziam isso com intenção de experimentá-lo e de arranjar base para o acusar”. Não queriam a justiça... a justiça era apenas um pretexto. Afastando-se os acusadores, eis Jesus face a face com a culpada. O pecado em face de Deus. “Alguém te condenou? – Ninguém, Senhor. Nem eu te condenarei. Vai e não peques mais”. Sê misericordioso, tu também. Não desculpes o mal. Mas não julgues o pecador. “Quando teu irmão cometer um erro, repreende-o a sós”. Não faças de seu pecado um acontecimento público. Não exponhas seus erros. Não faças deles um processo escandaloso. Poupa-lhe, portanto, o brio. E a dignidade. Mesmo pecador, o homem conserva sua dignidade e continua estimável, em sua pessoa. Teu irmão culpado não desesperará do Amor se se sentir amado por ti. Fala-lhe fraternalmente. Não com piedade. A piedade se dirige ao que está abaixo de nós. O pecador tem mais necessidade de amor do que de piedade. E o verdadeiro perdão não se afasta do amor. Fala-lhe fraternalmente. Que sinta estares no mesmo nível, teu coração ao lado do seu. Fala-lhe humildemente. Sim, humildemente. Pois não sabes se o pecado que ele acaba de cometer, não o cometerás tu amanhã, ou dentro de uma hora... Mesmo decaído, teu irmão continua a pertencer à tua família... filho de Deus, como tu, filho de Deus em provação, filho ausente. Em excursão aos últimos limites de sua liberdade, conserva seu lugar – está vazio, mas ainda é seu – no coração do Pai. Como tu, está mergulhado na noite... Tu remas contra a maré, sabendo onde vais. Ele abandonou-se à correnteza. Mas não esqueças: ele ainda conserva – adormecidas, talvez, mas bem vivas – mil capacidades que são reservas para o futuro... Talvez no seu pecado e nas suas inquietações, seja mais reto do que tu em tua virtude demasiadamente tranquila. Quem sabe se aos olhos de Deus não é ele mais atraente, por sentir-se menor do que te sentes... Continua sendo teu irmão. Mesmo amando pouco, ainda é o bem-amado do Pai... Que seja muito amado por ti.

(Ludovic Giraud, França)


CONTEMPLAR

Marpessa e a Freira, 1987, Bagheria, Sicília, Ferdinando Scianna (1943-), Magnum Photos, Itália.