quarta-feira, 2 de julho de 2025

O Caminho da Beleza 33 - XIV Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XIV Domingo do Tempo Comum               

Is 66, 10-14                        Gl 6, 14-18                          Lc 10, 1-12

 

ESCUTAR

“Sereis amamentados, carregados ao colo e acariciados sobre os joelhos. Como uma mãe que acaricia o filho, assim eu vos consolarei (Is 66, 12-13).

“Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão têm valor; o que conta é a criação nova” (Gl 6, 15).

“O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir” (Lc 10, 1).

 

MEDITAR

Vocatus atque non vocatus, Deus aderit [Chamado ou não chamado, Deus estará presente].

(Frase na porta de entrada da casa de Carl Jung)

Há espaço para tudo numa única vida. Para acreditar em Deus e para um fim miserável... é uma questão de se viver a vida de minuto a minuto, acolhendo, além disso, o sofrimento.

(Etty Hillesum)

 

ORAR

Não há vocação sem missão, pois a vocação está em razão da missão: aquele que é chamado é sempre enviado. A missão diz respeito a todos e não somente a alguns especialistas: toda a comunidade eclesial é missionária e todos os batizados são responsáveis pelo anúncio da Boa Nova. Neste anúncio existe uma palavra de alegria e de paz e no outro extremo está a Cruz de Cristo. Os que sofrem recebem as consolações maternais de Deus. A participação no mistério pascal evita que o cristão ceda ao triunfalismo ou ao desânimo diante dos fracassos. A fecundidade da Palavra não se verifica nem pelo êxito nem pelo fracasso, mas por germinar e crescer no terreno árido do Calvário. Em sua primeira homilia como papa, criticando as benesses e o carreirismo na Igreja, Francisco nos adverte: “Quando caminhamos sem a Cruz, quando edificamos sem a Cruz e quando confessamos um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos Bispos, Padres, Cardeais, Papas, mas não discípulos do Senhor” (14.03.2013). A fonte da missão está na oração e não num projeto humano, pois a missão é graça e dom e nenhum apóstolo é forjado em laboratórios especializados. O vínculo pessoal com o Cristo é vital, pois sem a oração a missão se converte em profissão. O teólogo Urs von Balthasar escrevia: “Uma coisa é certa: ninguém pode se entregar ao amor de Deus por decepção de um amor humano. Não se pode, por não se amar ninguém e nem a nada, acreditar que se ama a Deus”. A missão está sob o signo da fraqueza, da mansidão e de uma entrega sem reservas e sem pretensões. A única força do cristão é uma palavra que pode ser recusada, burlada e hostilizada e se ela não estiver penetrada pelo amor de Cristo, a missão se transforma em conquista e proselitismo. A missão é marcada pela pobreza e pela gentileza: “Paz a esta casa”. O apóstolo sabe que o evangelho não passa por meio das reverências sociais, sorrisos formais e discursos de circunstâncias. É preciso sacudir o pó dos aplausos, dos entusiasmos emotivos, das adesões de conveniência para que surja a essência do Evangelho. Se a missão não assume este estilo de pobreza se transforma em empresa, propaganda e espetáculo. Nestes tempos ardilosos de sucesso e eficácia, não devemos nos preocupar com o êxito da nossa missão, pois Jesus nos preveniu que o sucesso não está incluído nela: “Sereis expulsos da sinagoga. Chegará um tempo quando quem vos matar pensará oferecer um culto a Deus” (Jo 16, 2).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Os frutos, Patrice Delaby, 2012, óleo sobre tela, Pas-de-Calais, patricedelaby.artblog.fr, França.

 

 


 

quarta-feira, 25 de junho de 2025

O Caminho da Beleza 32 - Santos Pedro e Paulo, Apóstolos

 Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

Santos Pedro e Paulo, Apóstolos             

At 12, 1-11                2 Tm 4, 6-8.17-18            Mt 16, 13-19

 

ESCUTAR

Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja rezava continuamente a Deus por ele (At 12, 5).

Caríssimo, quanto a mim, eu já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida (2 Tm 4, 6).

“Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu” (Mt 16, 17).

 

MEDITAR

Se você ama será crucificado; se não ama, você já está morto.

(Timothy Radcliffe)

Mais do que qualquer outro, aquele que está animado de verdadeiro amor é engenhoso em descobrir as causas de miséria, encontrar os meios de a combater e vencê-la resolutamente.

(Papa Paulo VI)

 

ORAR

            Comemoramos neste domingo a festa do Papa e devemos nos concentrar em torno de Pedro que foi escolhido por Jesus para responder pelos Doze e administrar as responsabilidades da evangelização. A Igreja valoriza a diversidade das culturas para que nenhuma obsessão de unanimidade a transforme numa promotora de exclusão. Ao ordenar aos seus discípulos – “não leveis ouro, nem prata, nem dinheiro à cintura, nem sacola para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias e nem bastão” (Mt 10, 9-10) –  não o faz para penalizá-los, mas para que peçam ajuda aos outros e dependam da sua generosa hospitalidade. A Igreja de Jesus deve ser peregrina, hospitaleira e em permanente êxodo, sobretudo deve ser a Igreja do Perdão. Como afirmou o Papa Francisco: “A mãe Igreja não fecha as portas para ninguém, para ninguém! Nem mesmo para o mais pecador, para ninguém! E faz isso pela força, pela graça do Espírito Santo. A mãe Igreja abre, escancara suas portas para todos, porque é mãe”. O Cristo perdoou o pecado da negação de Pedro e o pecado da perseguição de Paulo. Santo Antonio de Pádua pregava: “Jesus pediu a Pedro que apascentasse as suas ovelhas, não que as tosquiasse”. Jesus também não pede aos seus discípulos uma obediência cega, mas os convida sempre a refletir e a julgar: “Que vos parece?” (Mt 21, 28); “Por que não julgais por vós mesmos o que é justo?” (Lc 12, 57); “Qual é a vossa opinião?” (Mt 13, 51); “Compreendestes tudo isso?” (Mt 13, 51). Jesus conhece a limitação do seu discipulado, mas o ama acima de tudo. Sabe que é próprio da fragilidade humana vacilar e pecar por meio da covardia, omissão, conivência e traição, diante do exigido pela Boa Nova: o de não se deixar dominar pela ganância do dinheiro e do prestígio; pela ânsia do poder e do status social e clerical, mas o de se tornar livre para Deus que é glorificado pelos que amam.

(Manos da Terna Solidão/Pe. PauloBotas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 CONTEMPLAR

São Pedro e o Anjo (c. 1650), Giovanni F. Barbieri (Il Guercino) (1591-1666), desenho, giz vermelho sobre papel, Galeria de Arte do Sul da Austrália.

 

 


quarta-feira, 18 de junho de 2025

O Caminho da Beleza 31 - XII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XII Domingo do Tempo Comum                            

Zc 12, 10-11; 13, 1             Gl 3, 26-29             Lc 9, 18-24

 

ESCUTAR

“Derramarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém um espírito de graça e de oração; eles olharão para mim” (Zc 12, 10).

“O que vale não é mais ser judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Jesus Cristo” (Gl 3, 28).

“Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9, 24).

 

MEDITAR

Não é o heroísmo que será enaltecido, mas a oferenda obscura e aparentemente inútil de uma vida que não é senão o amor, sinal do amor de Deus em meio ao inferno que os homens, às vezes, sabem organizar.

(Cardeal Jean-Marie Lustiger)

Peço a Deus que te esteja sempre presente. A todo instante. E que te ensine a gozares do Amor. Isto é de te deixares amar. Porque não sabemos como nos abrir às ternuras divinas.... e só Ele nos pode ensinar isso.

(Madre Belém)

Viver aspirando a conservar a própria vida é uma mutilação da vida, uma esterilização culposa dela, uma versão da existência unicamente orientada para a segurança. Significa viver tendo medo da vida e permanecer paralisado diante da iminência inevitável da morte.

(Massimo Recalcati)

 

ORAR

Quando o evangelista Lucas apresenta Jesus “rezando num lugar retirado” é para que saibamos que a oração sempre prepara e antecede algo decisivo nas nossas vidas. Ao ouvir a resposta de Pedro de que Ele era o Cristo de Deus, Jesus anuncia a própria paixão iminente, a sua morte e ressurreição. Tudo isto constituirá um motivo de escândalo e por esta mesma razão Jesus “proíbe severamente que contassem isso a alguém”. O sentido do caminho não é triunfal uma vez que passa pela proscrição dos três poderes constituídos e aliados entre si: o civil-econômico, o político e o religioso. Devemos aceitar, como cristãos, esta decisão de Jesus de ir até as últimas consequências (inclusive a morte!) para que possamos afirmar quem é o Messias, pois como diz Paulo “a loucura de Deus é mais sábia que os homens, a fraqueza de Deus é mais forte que os homens” (1 Cor 1, 25). Somente se compreendermos que a Sua vida é uma vida dada pelos demais é que provaremos ter descoberto o segredo de Sua vinda no meio de nós. Para nós, cristãos, não basta definirmos corretamente quem é Jesus e muito menos aceitar a sua travessia pouco triunfal. É necessário ter a lucidez sobre as condições do seguimento a Jesus. “Quem quiser me seguir” significa que estamos todos no mesmo caminho e que não é uma decisão fácil, pois é necessária uma eleição existencial precisa, corajosa, lúcida e livre. O caminho de Jesus não é acompanhado de um cortejo imponente, mas implica na renúncia de si mesmo. A partir de então, o único sinal autêntico de reconhecimento do discípulo é o da Cruz. Desejar seguir ao Cristo é assumir a perda da garantia que isso comporta, pois a alternativa entre “salvar” e “perder” a sua vida é a alternativa entre a vontade de “levar vantagem” em seus interesses individuais e a disponibilidade de fazer da vida um dom, para gastá-la, como o Cristo, em favor dos outros. O cristão não é o herói do excepcional, do gesto heroico, porque o verdadeiro heroísmo é o servir aos outros por meio de uma fidelidade sofrida, silenciosa e cotidiana. Paulo nos faz saber que no povo de Deus são abolidas as diferenças religiosas, culturais e sociais. A condição de filhos elimina qualquer discriminação porque confere a todos um mesmo valor e uma idêntica dignidade. Para o Senhor, vale somente a pessoa que crê, que ama e que decide assumir a cruz com amor e entrega aos outros, pois este é o sinal do Filho e dos seus filhos e filhas que constituem as pedras vivas da sua comunidade eclesial.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O Preço da Guerra, 2023, Diego Herrera (1992-), Espanha, foto premiada como “altamente elogiada” no Siena International Photo Awards, 2023.






quarta-feira, 11 de junho de 2025

O Caminho da Beleza 30 - Santíssima Trindade

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

Santíssima Trindade               

Pv 8, 22-31              Rm 5, 1-5                Jo 16, 12-15

 

ESCUTAR

“Assim fala a sabedoria de Deus: O Senhor me possuiu como primícias de seus caminhos, antes de suas obras mais antigas; desde a eternidade fui constituída, desde o princípio, antes das origens da terra” (Pv 8, 22-23).

A tribulação gera a constância, a constância leva a uma virtude provada, a virtude provada desabrocha em esperança (Rm 5, 3-4).

“Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora. Quando, porém, vier o Espírito da verdade, ele vos conduzirá à plena verdade” (Jo 16, 12-13).

 

MEDITAR

Alguns de nós acreditam que Deus é Todo-Poderoso e que pode fazer tudo, e que Deus é Todo-Sabedoria e sabe como fazer tudo. Mas que Deus é Todo-Amoroso e quer amar tudo, aqui nós nos contemos. E essa ignorância atrapalha a maioria dos amantes de Deus, como eu vejo (...) Deus quer ser pensado como nosso Amante.

(Julian de Norwich)

O amor é o único ímpeto que é suficientemente avassalador para nos forçar a deixar o confortável abrigo da nossa individualidade bem protegida, a pôr de lado a concha inexpugnável da autossuficiência e rastejar nus para a zona do perigo, lá para a frente, para o cadinho em que a individualidade se purifica para aparecer a personalidade.

(Mark Patrick Hederman, OSB)

 

ORAR

       Neste domingo é preciso nos deixar envolver pelo ritmo terno deste dinamismo de amor no qual se concretiza o mistério: 1+1= 3. A reciprocidade entre o Eu do Pai e o Tu do Filho gera o Espírito de liberdade e de amor que nos faz comungar da intimidade entre o Pai e o Filho: “Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará é meu”. A Trindade nos desvela e comunica o ilimitado deste amor gerado, pois “o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. A plena revelação da sabedoria de Deus é estar junto aos homens e mulhares no sofrimento e na doação até o fim para que possamos conhecer e enfrentar “as tramas do mundo”, pois a sabedoria penetra tudo como “um reflexo da luz eterna, espelho nítido da atividade de Deus e imagem de sua bondade” (Sb 7, 26). O mundo é a morada da Trindade, pois Deus no mundo e o mundo em Deus são a transfiguração do mundo pelo Espírito. “Tudo o que acontece, acontece em Deus”, como afirmava Mère Belém. Basta a nós sermos dóceis a esta dança trinitária – a pericorese – que nos envolve e nos conduz. Basta deixar que ela abra nossos olhos e coloque nossos corpos em movimento, apontando-nos o caminho a seguir. Abramos o nosso existir aos seus conselhos para que não aconteça de endurecermos a cabeça e o coração, insistindo em caminhar em sentido contrário ao que nos mostra a Trindade (cf. Sl 32). Somos chamados à explosão de Vida que emerge desta comunhão pessoal, trinitária e nupcial, sem gêneros, pois “Deus é Amor”, não é homem nem mulher, e por isso mesmo temos que viver essa dimensão amorosa que é a única que nos salva da loucura e do desalento. Ironia ou não do Transcendente, a Santíssima Trindade, feminina, contém o Pai, o Filho e o Espírito Santo, masculinos. Paulo nos garante que o Espírito intercede em nosso favor, a todo tempo e a todo instante, pois circulando visceralmente nas nossas veias ama e se entrega à sua comunidade eclesial, como os amados clamam em êxtase: “Beija-me com os beijos da sua boca” (Ct 1, 1). Jamais poderemos esquecer que é no silêncio de sua plenitude amorosa e do seu gozo infinito que o Pai, revelado pelo Filho, escuta o Espírito Santo “interceder em nosso favor com gemidos inefáveis” (Rm 8, 26). A dança da Trindade é como o êxtase dos noivos ao se entregarem, em mútua oferenda, para a realização plena de suas núpcias. Neste exato momento, único e intransferível, a vida ordinária se esgota, transformando-se no mistério extraordinário de ser e existir.

(Manos da Terna Solidão/ Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Os Três Dançarinos, 2015, coreografia de Didy Veldmann (1967-), Rambert Dance Company, foto de Stephen Wright (1960-), Wallingford, Inglaterra.




 

quarta-feira, 4 de junho de 2025

O Caminho da Beleza 29 - Pentecostes

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

Pentecostes           

At 2, 1-11                  1 Cor 12, 3b-7.12-13                    Jo 20, 19-23

 

ESCUTAR

“Todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua” (At 2, 6).

“A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1 Cor 12, 7).

“E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20, 22).

 

MEDITAR

Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais conta. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que esmaga os vossos ombros e vos faz pender para a Terra, deveis embriagar-vos sem tréguas. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de ternura, à vossa escolha. Mas embriagai-vos. E se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na erva verde de uma vala, na solidão baça do vosso quarto, acordais já diminuída ou desaparecida a embriaguez, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, à ave, ao relógio, a Deus, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, a ave, o relógio e Deus vos responderão: “São horas de vos embriagardes! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de ternura, à vossa escolha”.

(Charles Baudelaire)

É isto, o espírito. Esta capacidade de não submeter sua existência, mas de assumi-la no amor para fazer dela uma oferenda luminosa e universal.

(Maurice Zundel)

 

ORAR

     Tentemos deixar fluir, ao menos uma vez na vida, o sopro do Espírito dentro e no meio de nós. Deixemos que sejam varridos das cabeças todos os símbolos do poder: coroas, solidéus, mitras, com todas as máscaras e disfarces que ornam e corrompem as liturgias. Permitamos que o sopro arranque as páginas dos nossos códigos, que leve para o mais longe as sandices dos nossos discursos políticos, sociais e religiosos e assistamos ao fogo se ocupar de queimá-los para que nunca mais pretendam nos submeter. Com certeza, será um ganho para todos nós. Ele não sopra para garantir a ordem, para avalizar decisões que prejudiquem o Bem Comum e nem desempenha a função de juiz em nossos jogos com as regras determinadas por nós e para o nosso sucesso. Façamos, ao menos uma vez, com plena confiança no Espírito da Liberdade, a prova de acolher este mesmo Espírito como elemento perturbador, verdadeira inspiração, desmonte das regras fixadas de antemão e portador de coisas jamais vistas, ouvidas e experimentadas antes. Tenhamos a coragem de sermos habitados pelo vento e pelo fogo. É o Espírito da Verdade que vem a nós e nos produz como homens e mulheres que não temem as travessias plurais da vida. O Ressuscitado abre o futuro, abre a porta e abre a esperança do possível. Pentecostes é a festa de todos os possíveis. O Espírito acende em nós uma paixão e uma nova criação nasce de um colossal incêndio que nos deixa enamorados e nos surpreende com as palavras apaixonadas que por falso pudor nunca nos permitimos, publicamente, dizer. O Espírito – vento e fogo – rompe os limites das alcovas e das salas e brinca, diverte-se e ri da nossa sisudez e pretensa seriedade. Vento e fogo são incontroláveis, imprevisíveis e a nova aliança que trazem nos faz orbitar fora de nós e encontrar os outros conhecidos e desconhecidos num abraço amoroso e livre. Os discípulos foram considerados embriagados, pois novamente despertavam entusiasmados, cheios de Deus, para anunciar, em todas as línguas, as maravilhas do Senhor. Toda a tentativa hipócrita de administrar a ação do Espírito e falar em seu nome será um contrassenso. O Espírito de Jesus se encontra na oração, na solidariedade, no perdão, na palavra comprometida e na misericórdia que superam todas as fórmulas e as frases de conveniência, os conselhos moralizantes e as respostas pré-fabricadas. Jesus nos fala de um pecado contra o Espírito que nunca terá perdão. É a blasfêmia de conceder ao Espírito apenas uma sutil e vigiada fissura ao invés de janelas e portas abertas dos corações. O pecado irreparável é a pretensão de falar da coragem cristã e oferecer ao Espírito um pouco menos da metade de todo o resto que concedemos ao medo e a angústia. O pecado sem perdão é falar de Pentecostes sem nunca nos permitir experimentar e viver até as últimas consequências a sua embriaguez.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Nuvens de Fogo em Pôr-do-Sol, 2013, autor e local desconhecidos.




quarta-feira, 28 de maio de 2025

O Caminho da Beleza 28 - Ascensão do Senhor

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Ascensão do Senhor                 

At 1, 1-11                  Ef 1, 17-23               Lc 24, 46-53

 

ESCUTAR

“Recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós para serdes minhas testemunhas” (At 1, 8).

Irmãos, o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer (Ef 1, 17).

“Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu (Lc 24, 49).

 

MEDITAR

Senhor Deus, Uno e Trino, comunidade estupenda de amor infinito, ensinai-nos a contemplar-Vos na beleza do universo, onde tudo nos fala de Vós. Despertai o nosso louvor e a nossa gratidão por cada ser que criastes. Dai-nos a graça de nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe.

(Papa Francisco)

A espiritualidade não pode ser aprendida por uma fuga do mundo, fugindo-se das coisas ou se tornando solitário e afastando-se do mundo. Pelo contrário, nós devemos aprender uma solidão interior onde e com quem estivermos. Nós devemos aprender a penetrar nas coisas e achar Deus lá.

(Mestre Eckhart)

 

ORAR

           Com a ascensão de Jesus começa o tempo da Igreja, um tempo de testemunho público e corajoso que, progressivamente, alcançará todos os homens. A ascensão é a linha divisória entre a história de Jesus e a da comunidade pós-pascal. A comunidade eclesial pode iniciar o seu próprio caminho histórico sem nostalgias e sem fugas apocalípticas graças à força do Espírito prometido pelo Senhor. O banquete eucarístico, convivência íntima, é o lugar por excelência em que os amigos podem estar em comunhão com o Cristo. A Igreja surge como uma comunidade de oração para depois ser apostólica, quando a sua prática passa a ser animada pelo Espírito. A comunidade eclesial tem necessidade do sopro vital que lhe será dado pelo Espírito do Senhor, pois sem Ele não existe vida, nem força de expansão e nem capacidade de testemunho para a Igreja. Jesus se “separa” dos amigos com o sinal da benção e esta é a última imagem que fica: a do Cristo glorioso que abençoa. Os apóstolos saúdam a partida do Senhor não com prantos, mas com alegria ainda que devam afrontar um mundo hostil para levar a paz, o amor e o perdão. Não celebramos uma despedida, mas uma nova maneira de estar presente no mundo, pois a presença definitiva do Ressuscitado entre nós e na história da humanidade está assegurada pelo seu Espírito que conduz a comunidade eclesial até o fim dos tempos, por meio da concretização do amor fraterno, símbolo emblemático dos cristãos e dos homens e mulheres de boa vontade. Somos herdeiros de seu testemunho e neste seguimento devemos reinventá-lo a cada novo momento histórico, como pedia o Papa João XXIII, lendo e compreendendo os “sinais dos tempos”. A celebração da eucaristia anuncia e realiza a proibição de toda estatização da Igreja e de todo o clericalismo na política. A Igreja peregrina não funda a cidade terrena, mas a habita apontando para o futuro. Devemos nos guiar pela prática de Jesus: a sua maneira de acolher os pecadores – porque Deus não faz acepção de pessoas – de elevar os humildes, desnudar os orgulhosos e arrogantes. Devemos lembrar que a conversão proposta por Ele é a mudança radical nas nossas relações com Deus, com o próximo e, sobretudo, com o dinheiro. A novidade dos seus ensinamentos e do seu testemunho lhe valeu, como valerá para nós, a hostilidade dos governantes e do poder religioso, causa da sua condenação e assassinato. O evangelista enfatiza que são “fatos que nos aconteceram” (Lc 1, 1) e não qualquer mistificação maravilhosa inventada e difundida ao bel prazer de qualquer um. Meditemos as palavras de Bento XVI: “Nós devemos estar seguros de que, por mais pesadas e turbulentas as provas que nos esperam, não seremos jamais abandonados a nós mesmos. As mãos do Senhor não nos largarão, pois estas são mãos que nos criaram e que, todo o dia, nos acompanham no itinerário de nossas vidas”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Ascensão, 1958,  Salvador Dali (1904-1989), óleo sobre tela 115 x 123 cm, Coleção Simon Perez, México.




quarta-feira, 21 de maio de 2025

O Caminho da Beleza 27 - VI Domingo da Páscoa

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


VI Domingo de Páscoa

At 15, 1-2.22-19                 Ap 21, 10-14.22-23                      Jo 14, 23-29                                  

 

ESCUTAR

“Ficamos sabendo que alguns dos nossos causaram perturbações com palavras que transtornaram vosso espírito” (At 15, 24).

“A cidade não precisa de sol nem de lua que a iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro” (Ap 21, 23).

“Não se perturbe nem se intimide o vosso coração” (Jo 14, 27).

 

MEDITAR


Onde falta o desejo de se encontrar com Deus, ali não há crentes e sim pobres caricaturas de pessoas que se dirigem a Deus por medo ou por interesse.

(Simone Weil)

O culto que pretende honrar o Senhor é necessário. Mas se é praticado para assegurar-se o favor de Deus sem se mudar a vida, torna-se uma farsa. O culto em si não tem consistência própria: é apenas a vida que lhe dá consistência.

(Bruno Maggioni)

 

ORAR

     A desgraça dos puristas de todos os tempos é a pretensão de impor cargas opressoras e inúteis. De acrescentar ao jugo libertador do Cristo, um jugo suplementar e opressor feito de bagatelas sufocantes, pois alguns indivíduos sentem um gosto sádico ao exigir sacrifícios absurdos e são refratários às ações inovadoras do Espírito. O livro do Apocalipse nos revela que Deus, por meio do Cordeiro, não reside em edificações, pois Ele é o próprio templo numa Igreja transfigurada. O novo santuário é o corpo ressuscitado de Jesus, o Cristo. Este mesmo Cristo será, ao mesmo tempo, ponto de conjunção da humanidade com Deus e ponto de união da humanidade inteira. A Igreja quando pretende exibir a própria luz e a própria glória, termina, inevitavelmente, obscurecendo a Fonte da luz e vende como esplendor celeste as luzes do êxito e do prestígio humano. A Igreja de Jesus Cristo há de ser fiel à sua dinamicidade que a impede de ser nostálgica; à sua fidelidade que a impede de desviar-se da sua razão de ser e à sua profecia que a faz compreender os sinais dos tempos. A Igreja deve cultivar a tolerância e o diálogo que a livram das enfermidades do poder e a esperança que a faz superar dúvidas e incertezas. A Cidade de Deus não é uma cristandade sociologicamente organizada, mas uma dinâmica do Espírito que age e transforma o mundo por meio de nós. Antes de ser uma estrutura, a Igreja é uma comunidade, fruto do acolhimento do Espírito no coração dos fiéis, pois “somente a recepção acolhedora da Palavra, no Espírito, é formadora da comunidade cristã” (Francisco Catão). Na Igreja, deve prevalecer a fé no Espírito, guia da Igreja, que deve desaparecer para brilhar a luz do Cristo. A fé e o compromisso com Jesus Cristo são um produto da ação do Espírito sobre nós, pois é este mesmo Espírito que nos ensina a reconhecer sua ação no mundo atual, na sociedade conflitiva em que vivemos e na realidade que nos rodeia.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Sem Título, Newcastle, 1999, Peter Marlow (1952-2016), Londres, Reino Unido.