terça-feira, 31 de maio de 2011

O Caminho da Beleza 29 - Ascensão do Senhor

O Caminho da Beleza 29
Leituras para a travessia da vida



A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



Ascensão do Senhor                  05.06.2011
At 1, 1-11                  Ef 1, 17-23               Mt 28, 16-20


ESCUTAR

“Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não podiam mais vê-lo (...) ‘Homens da Galiléia, porque ficais aqui, parados, olhando para o céu?’” (At 1, 9.11).

“Ele manifestou sua força em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar à sua direita nos céus” (Ef 1, 20).

“Ide ao mundo inteiro... Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 19-20).


MEDITAR

“A pessoa humana é o valor absoluto para Deus porque ela O contém. Na verdade, é um grande mistério: Deus entre os homens, Deus com eles, Deus neles. Nossa dignidade é de Lhe pertencer. Desde o Natal, somos construídos com a mesma matéria do Reino” (Françoise Burtz).

“O que conta não é o que damos, mas o amor com que damos” (Madre Teresa de Calcutá).


ORAR

O evangelista Mateus permanece fiel ao seu tema de fundo anunciado desde o início do seu evangelho: Deus Conosco. A impossibilidade, de agora em diante, de ver o Cristo com nossos olhos, substancialmente não muda nada, pois Deus continua conosco. Não devemos pensar que a dinâmica de Jesus é a de uma chegada, de uma permanência e de uma partida. A dinâmica de Jesus é a de uma chegada e a de uma presença continuada ainda que de formas diversas.
Não é mais Jesus quem atua fisicamente entre nós. Jesus nos pede que façamos e anunciemos a sua presença no meio de nós. A frase chave é “Ide e fazei!”. Neste domingo não comemoramos a “partida” do Mestre, mas a nossa partida, pois somos nós que devemos garantir a sua presença no mundo. Há uma solene investidura: é urgente partir uma vez que o Evangelho deve começar a sua aventura no mundo. A promessa de que o Cristo estará conosco “todos os dias, até o fim do mundo”, desafia a sua Igreja a não banalizar esta presença eficaz e obscurecê-la. Somos chamados a nos encarnar, ou seja, ser uma carne real numa história real; a realizar a missão de anunciar a Boa Nova do Reino; a carregar os pecados do mundo sem ficar, de fora, olhando o que acontece aos seres humanos; e finalmente, ressuscitar dando a todos um quinhão de vida, esperança e gozo.
A missão da Igreja de Jesus se inicia com uma partida. Não se trata de multiplicar viagens e atividades, mas dar intensidade e visibilidade evangélica à própria existência. O princípio estruturante da Igreja deve ser o mesmo da vida de Jesus: a misericórdia. É a misericórdia que deve atuar na Igreja de Jesus e configurá-la.
Não somos chamados a construir uma comunidade como recordação e ficarmos parados olhando para o céu, pois esta atitude pode nos conduzir a buscar em lugares equivocados e nos emperrar o caminho: “Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo?”(Lc 24, 5). Não se trata de congelar lugares especiais e criar peregrinações, mas descobrir juntos, num ponto qualquer do mundo, o lugar e o rosto em que Jesus está presente na terra.
A ascensão é um apelo para seguir agindo e esperando apesar das decepções, desenganos e desalentos que nos ameaçam. Somos chamados a “remir os tempos porque os dias são maus” (Ef 5, 16), a ter paciência “até que venha o Senhor” (Tg 5, 7), a resistir como Jó para conhecer “o desfecho que Deus lhe proporcionou, pois o Senhor é compassivo e misericordioso” (Tg 5, 11) e testemunhar que “a paciência engendra a esperança” (Rm 5,4).
Entre o dom do Espírito Santo e o acontecimento definitivo do Reino existe uma espera que é o tempo do testemunho e de proclamar a Boa Nova a toda Humanidade. O evangelho começa e termina em Jerusalém. Os Atos começam em Jerusalém e terminam em Roma, ponto de encontro de todos os caminhos do mundo conhecidos na época. O Novo Testamento ultrapassa as fronteiras de Israel e o céu de Jesus é a participação plena na vida do Amor e na construção de comunidades que amam e se colocam abertas ao mundo, servindo a todos sem discriminação. Uma Igreja samaritana marcada e animada pelo princípio da misericórdia é a que deve ser presença no mundo de hoje.
Que neste domingo tenhamos a lucidez de proclamar que o Espírito de Jesus não é privilégio dos cristãos, mas de todos os homens e mulheres: “De fato, todos nós judeus ou gregos, escravos ou livre, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo e todos nós bebemos de um único e mesmo Espírito” (1 Cor 12, 13).



CONTEMPLAR

Ascensão, Salvador Dalí, 1958, óleo sobre tela, 115 x 123 cm, Coleção Simon Perez, México.






segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Caminho da Beleza 28 - VI Domingo da Páscoa

O Caminho da Beleza 28
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).


Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



VI Domingo da Páscoa             29.05.2011
At 8, 5-8.14-17                  1 Pd 3, 15-18                      Jo 14, 15-21



ESCUTAR


“Naqueles dias, Filipe desceu a uma cidade da Samaria e anunciou-lhes o Cristo. As multidões seguiam com atenção as coisas que Filipe dizia. E todos unânimes o escutavam, pois viam os milagres que ele fazia” (At 8, 5-6).


“Caríssimos, santificai em vossos corações o Senhor Jesus Cristo e estai sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pedir” (1 Pd 3, 15-18).


“Se me amais, guardareis os meus mandamentos, e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não o vê nem o conhece. Vós o conheceis, porque ele permanece junto de vós e estará dentro de vós” (Jo 14, 15-17).



MEDITAR


“Um único olhar, um único pensamento, um único batimento do coração têm uma dimensão infinita. O Amor transfigura todos os cálculos e estatísticas. Não somos mais uma gota impessoal no oceano, mas uma vida insubstituível e um destino que tem o seu próprio valor” (André Dupleix).


“Deus habita no imprevisível. Sempre presente, Deus participa na nossa história, no nosso crescimento. Ele nunca marca um encontro prévio, pois Ele ama nos surpreender, nos manter a caminho e nos maravilhar” (François Gervais).



ORAR


Os textos de hoje revelam a universalidade da dinâmica do Espírito de Amor e de Esperança. Filipe havia sido proscrito de Jerusalém e é na Samaria, considerada pelos judeus um país herético, que será acolhido, com imensa alegria, o Evangelho que ele anuncia. Ser difamado por uns e acolhido por outros é parte constitutiva da dinâmica cristã. Uma questão é colocada sempre para nós: teremos um futuro após a Cruz? A resposta é uma promessa: o dom do Espírito que é o Defensor e o Consolador como a memória pascal e viva do Cristo. Após a ressurreição, esta presença não está mais restrita a um lugar, a nenhum tempo e nem está submetida às contingências da vinda histórica do Cristo. O Evangelho nos garante que o amor será plenificado com o Espírito da Verdade e, em hebraico, a palavra émet – verdade – significa algo em que se pode confiar e que resiste à usura do tempo. O padre Congar exortava que “Deus Pai, pelo seu Espírito, faz com que Cristo habite em nossos corações, isto é, nessa profundeza de nós mesmos onde se forma a orientação de nossa vida”. Além das Escrituras e dos Sacramentos, a presença visível do Senhor também se faz pelo compromisso e engajamento, em seu nome, a serviço da humanidade. É o seu Espírito que nos arranca do imobilismo e da fixação ao passado, seja ele o das palavras e atos de Jesus, pois o Cristo Ressuscitado está sempre presente e é o nosso futuro. Jesus, nos seus discursos de despedida, não nos deixa uma doutrina, um manual de instruções e muito menos um código. Jesus nos deixa um único desejo: que amemos! A Igreja de Jesus só é de Jesus quando é a Igreja do Amor. O papa Bento XVI é enfático: “No cristianismo não pode existir lugar para uma religião puramente pessoal, pois na medida em que a religião se torna um assunto puramente pessoal, ela perde a sua própria alma. É necessário resistir a toda tendência que considere a religião como um fato privado. Só quando a fé impregna cada aspecto da vida, os cristãos se abrem verdadeiramente à força transformadora do Evangelho” (Discurso aos bispos norte-americanos, 2008). “Se me amais”, diz o Senhor, todos os atos estão autenticados, pois estão escritos na linguagem do amor e não estaremos órfãos, uma vez que o Espírito estará sempre conosco e mais ainda: “vós em mim e eu em vós”. A comunidade eclesial é peregrina e não uma igreja que se exila ao se fechar sobre si mesma. A Igreja de Jesus, apresentada neste domingo, é uma Igreja do amor, da interioridade e da ternura feita tolerância, lealdade e generosidade, mas sobretudo uma Igreja da coerência: “Estai sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pedir”. E “dar razão” não é simplesmente responder, mas apresentar fatos concretos da nossa prática de amar. A relação com o Cristo atinge a sua maturidade quando está intimamente ligada à experiência da fé e a uma mudança radical de vida. Neste domingo, oremos com as palavras de Santa Edith Stein: “Teu corpo atravessa misteriosamente o meu e tua alma une-se a minha; então eis que não sou mais o que, há pouco tempo, fui. Tu vens e tu vais, mas deixas atrás de ti a semente para a vida eterna que virá enterrada num corpo de poeira”.



CONTEMPLAR


O Consolador, C. Michael Dudash, 2002, óleo sobre linho, 24” x 16,5”, Pennsylvania, Estados-Unidos.





segunda-feira, 16 de maio de 2011

O Caminho da Beleza 27 - V Domingo da Páscoa

O Caminho da Beleza 27
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



V Domingo da Páscoa              22.05.2011
At 6, 1-7                   1 Pd 2, 4-9              Jo 14, 1-12



ESCUTAR

“Eles foram apresentados aos apóstolos, que oraram e impuseram as mãos sobre eles. Entretanto, a palavra do Senhor se espalhava” (At 6, 6).


“Para os que não crêem, ‘a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular, pedra de tropeço e rocha que faz cair’. Nela tropeçam os que não acolhem a palavra; esse é o destino deles” (1 Pd 2, 7-8).


“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós e, quando eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais também vós. Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 2-3.6).



MEDITAR

“Deus, invisível revela-se por causa do seu muito amor, falando aos homens como a amigos e conversando com ele, para convidá-los a estarem com ele no seu convívio. A verdade profunda a respeito de Deus e da salvação humana brilha em Cristo, que é, ao mesmo tempo, mediador e plenitude da revelação” (Dei Verbum, 2).


“Deus torna cada um de nós capaz de escutar e responder à Palavra divina. O homem é criado na Palavra e vive nela; e não se pode compreender a si mesmo, se não se abre a este diálogo. A Palavra de Deus revela a natureza filial e relacional da nossa vida. Por graça, somos verdadeiramente chamados a configurar-nos com Cristo, o Filho do Pai, e a ser transformados n’Ele” (Verbum Domini, 22).



ORAR

Desde a criação da humanidade por Deus, os homens conhecem as dificuldades para lhe fazer uma morada. Na liturgia de hoje, não são os homens que procuram uma morada para Deus, mas Deus que lhes abre a sua morada e revela que somos todos suas moradas plurais e diversas: “Se alguém me ama, guardará a minha Palavra: meu Pai o amará e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23). As casas da Palestina eram de pequenas dimensões e, por esta razão, o evangelista usa a imagem das “muitas moradas” para que saibamos que há lugar para todos na casa do Pai. A morada do Pai é o seu próprio Filho, pois no Cristo, Jesus e o Verbo de Deus se fazem um só e conhecer o Pai é crer, que no Cristo, Deus e o homem são um só: “Quem me viu, viu o Pai”. Reconhecer o Pai no seu Filho Jesus é descobrir que Deus habita em cada um dos homens e mulheres. Nestes tempos de perversidade e intolerância, devemos acolher a todos como moradas de Deus, com a certeza de que Dele emana o amor que nos faz amar uns aos outros. O Evangelho apresenta o Cristo se revelando como o Caminho, a Verdade e a Vida e isto significa que só atravessaremos o Caminho para chegarmos à plenitude da Vida se formos capazes de viver em Verdade e sermos mediados por ela. Jesus enfatiza que entre o Caminho e a Vida existe a Verdade e esta nos libertará (Jo 8, 32). As três leituras de hoje nos apontam as marcas essenciais da Igreja de Jesus: uma Igreja da visibilidade e da transparência, sem discriminação; uma Igreja de construtores com as pedras desprezadas, mas vivas; uma Igreja aberta para compreender e se tornar capaz de mostrar ao mundo um outro caminho. A tradição da Igreja apresenta os conselhos evangélicos da pobreza, obediência e castidade como expressões da vida em comunhão com Deus e, mais do que nunca, a Igreja de Jesus é chamada a dar testemunho destes mesmos conselhos. O da pobreza, como uma contestação de todas as relações baseadas sobre os poderes do ter; o da obediência, como um questionamento lúcido das tentações de dominação e imposição da vontade que habitam o mais íntimo dos corações; e o da castidade, como uma transfiguração dos afetos, numa interrogação sobre a morte e sobre os vínculos com a vida, empenhando-nos em construir um destino comum, mesmo que possamos, num desapego existencial, morrer sem deixar nenhuma descendência. Jesus nos garante várias moradas na casa do Pai e que Ele vai preparar um lugar para nós. Jesus não remete os reencontros com os discípulos para o fim dos tempos, mas os faz saber, no seu discurso de despedida, que é a sua morte próxima que abrirá a todos a casa do Pai, pois a morte é passagem para a Vida. Diante desta promessa do Ressuscitado, só nos resta viver intensamente este instante emprestado a que chamamos vida (Cecília Meireles), pois “o futuro se encontra na inutilidade do hoje” (Bernardo de Claraval).



CONTEMPLAR

Trindade, Lorenzo Lotto, 1523-24, óleo sobre tela, 170 x 115 cm, Igreja Sant'Alessandro della Croce, Bergamo, Itália.



segunda-feira, 9 de maio de 2011

O Caminho da Beleza 26 - IV Domingo da Páscoa

O Caminho da Beleza 26
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).


Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



IV Domingo da Páscoa                        15.05.2011
At 2, 14.36-41                  1 Pd 2, 20-25                     Jo 10, 1-10



ESCUTAR

“Com muitas outras palavras, Pedro lhes dava testemunho e os exortava dizendo: ‘Salvai-nos dessa gente corrompida!’” (At 2, 40).


“Também Cristo sofreu por vós, deixando-vos um exemplo, a fim de que sigais os seus passos” (1 Pd 2, 21).


“O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10).



MEDITAR

“Minha oração tira a sua força da minha esperança e não dos meus medos. O que será me concedido depende da minha abertura, do meu abandono, da minha capacidade de me deixar surpreender. Se aceito acolher o imprevisível, obterei, talvez, mais do que teria pedido” (François Gervais).


“Sejais assíduos na oração e na meditação. Continuai, pois, a progredir neste exercício de amor para com Deus. Dêem a cada dia, um passo a mais: de noite, na fraca luz da lâmpada, entre as fraquezas e na aridez espiritual; ou de dia, na iluminação e na alegria que maravilha a alma” (Pe. Pio).



ORAR

Ao cair da tarde nas montanhas de Jerusalém, os pastores chamam, cada um, o seu rebanho. Ao ouvirem a voz, as ovelhas entram no redil de pedras baixas e o pastor deita o seu corpo fechando a entrada para que não entrem as feras e nem os ladrões. O pastor se coloca em risco de morte ao servir de porta ao redil. Esta entrega possibilita que o rebanho tenha a sua vida garantida e possa vivê-la abundantemente. Logo após a Ressurreição, as portas trancadas pelo medo se abrem e se tornam uma única porta e passagem: o Cristo Ressuscitado. Ele é o primeiro que passa para a Vida abrindo o caminho para todos. O Cristo cumpriu a promessa de Deus inscrita na palavra dos profetas e, como um pastor, fez sair o povo da sombra da morte. Ele nos salva desta “gente corrompida”, os usurpadores que deturpam a Palavra em seu proveito e em detrimento dos que lhes foram confiados. São os que jamais se convertem e após ouvirem a Palavra sabem perfeitamente o que os outros devem fazer e lhes cobram com rigor o que, eles mesmos, não fazem. Pedro nos lembra as feridas do Cristo que nos curou e que, por esta razão, não temos o direito de submeter os outros às nossas próprias feridas ao levantar a voz, mostrar as nossas unhas e dentes, franzir o cenho e nos cobrir com o ácido corrosivo do rancor. Tudo isto nos coloca fora do mistério pascal. O evangelho apresenta o Cristo como o Bom Pastor e a porta por onde passa o rebanho tem um duplo movimento: o de abrir e o de fechar. Este Jesus é uma porta de exclusão para os assaltantes e ladrões que buscam seus interesses, mas é uma porta de acesso aos verdadeiros pastores que se entregam para garantir a vida do rebanho. O Cristo é a porta que nos dá acesso a um espaço de liberdade e de intimidade, pois as ovelhas, em comum, se alimentam, antes de mais nada, da liberdade que encontram no redil. Este redil não é uma prisão em que a relação com o pastor é jurídica, ritual ou doutrinal, mas uma relação vital e livre, pois somos chamados à liberdade de amar e não a viver confinados em qualquer redil que nos proteja do risco de viver. É o ser do pastor que atrai e não a sua função ou cargo. O que mais conta é o vínculo que estabelece com as pessoas ao valorizar o espaço próprio de cada uma para que possa expandir o que é. O pastor garante o movimento das ovelhas. O primeiro pastor de Israel (Sl 80, 2.9-10) fez sair o seu povo do Egito e com ele permaneceu neste êxodo. O Cristo-Pastor precede o rebanho e caminha diante dele num caminho de libertação contínuo e o ensina a se fazer surdo às vozes dos estranhos que sempre tentarão oprimir, angustiar e culpabilizar suas ovelhas ao submetê-las a um redil rigidamente fechado, dogmático e ilusório para que o rebanho, acreditando estar seguro, tenha a sua vida em liberdade comprometida. É necessário afinar os ouvidos para escutar a Sua voz como Madalena na manhã de Páscoa. A silhueta do jardineiro não lhe dizia nada até que escutou a voz do Amado a chamar o seu nome: “Maria!” (Jo 20, 16). O Ressuscitado chama os seus pelo nome, pois eles lhe pertencem e para estes partilha o seu corpo como pão e se torna um bálsamo derramado sobre as chagas da humanidade. Jesus nos chama a sermos sinais sacramentais desta salvação: pão e bálsamo, amor e consolação, mistérios insondáveis do dom da vida. A Eucaristia condensa e consagra, no sinal mais pobre e simples do pão partido, todo o drama da história humana, pois o desprendimento da nossa própria vida aos outros é o que nos salva. A voz do Bom Pastor não faz barulho, não grita e nem alardeia pelas ruas (cf. Is 42,2), pois a voz do Ressuscitado fala nos campos e nos jardins.



CONTEMPLAR

O Bom Pastor, Daniel Bonnell, óleo sobre tela, 24” x 48”, Carolina do Sul, Estados-Unidos.







quinta-feira, 5 de maio de 2011

O Caminho da Beleza 25 - III Domingo da Páscoa

O Caminho da Beleza 25


Leituras para a travessia da vida

A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



III Domingo de Páscoa            08.05.2011
At 2, 14.22-33                   1 Pd 1, 17-21                       Lc 24, 13-35



ESCUTAR

“Deus ressuscitou esse mesmo Jesus e disso todos nós somos testemunhas. E agora, exaltado pela direita de Deus, Jesus recebeu o Espírito Santo que fora prometido pelo Pai e o derramou, como estais vendo e ouvindo” (At 2, 32-33).


“Se invocais como Pai aquele que, sem discriminação, julga a cada um de acordo com as suas obras, vivei então respeitando a Deus durante o tempo de vossa migração neste mundo. Sabeis que fostes resgatados da vida fútil herdada de vossos pais não por meio de coisas perecíveis, como a prata ou o ouro, mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha e sem defeito” (1 Pd 1, 17-19).


“Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles. Então um disse ao outro: ‘Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?’” (Lc 24, 30-32).



MEDITAR

“Deus come os corações com alegria: queres dar-lhe um banquete? Oferece-lhe o teu coração! Ele o apreciará eternamente” (Angelus Silesius, O Peregrino Querubínico).


“O Senhor Jesus Cristo esteja junto de ti para te proteger: à tua frente para te conduzir; atrás de ti para te guardar; acima de ti para te abençoar. Ele que com o Pai e o Espírito Santo, vive e reina pelos séculos. Amém.” (Antiga benção monástica aos enfermos, séc.VI).

ORAR

            O nosso crescimento pascal passa por Emaús, lugar dificilmente identificado na geografia física, mas facilmente identificado na geografia eclesial. É no vai e vem de Jerusalém a Jerusalém que o Ressuscitado se desvela aos dois discípulos pela interpretação das Escrituras e pela fração do pão. O itinerário de Emaús é itinerário tanto da iniciação cristã como o da celebração litúrgica.
            O caminho de Emaús nos faz confrontar uma das realidades mais comuns e desvalorizadas da vida cristã: a cegueira do coração. As explicações mais convincentes não são as que sacodem nosso cérebro, mas as que levam fogo ao coração e só podemos dizer que a palavra de Deus foi escutada e que ilumina o caminho quando faz arder o nosso coração.
            Pedro nos conclama a antecipar o futuro com um estilo de vida peculiar: interpretar, cotidianamente, a própria existência como uma transformação permanente, um êxodo que nos faz superar o conformismo mimético que nos reduz a um cristianismo vulgar e repetitivo. Celebramos a Páscoa do Ressuscitado não porque fomos confessar e comungar ao menos uma vez por ano, mas porque nos encontramos impossibilitados de voltar atrás assim como aconteceu aos judeus quando o Mar Vermelho se fechou, definitivamente, às suas costas.
            Emaús somos nós a caminho: ricos em informação, mas precários para compreender e interpretar o seu significado. Cléofas e o seu amigo contam a história do Cristo exatamente como aconteceu, mas parece uma narrativa na obscuridade, uma história de uma grande ilusão, quando esta história é lida à margem da luz da Ressurreição: “Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel, mas apesar de tudo isso, já faz três dias que essas coisas aconteceram”, ou seja, “Lástima que tudo tenha terminado assim”. Eles só falam de Sua morte e como tudo se acabou com ela e nem suspeitam de uma outra realidade possível.
            O caminho de Emaús nos revela que a eucaristia não tem um sentido individualista e muito menos pode se tornar uma evasão espiritualista para as nossas questiúnculas pessoais. Os dois que caminham em Emaús haviam se separado da comunidade, mas por sorte Jesus nos alcança quando nos afastamos e nos encontra quando fugimos. A Igreja de Jesus não é um grupo reunido para fins humanitários, não é uma entidade de serviço, nem uma ong para ideais filantrópicos ou para atrair serviços voluntários. A comunidade eclesial se reúne e se congrega em torno de uma pessoa: Jesus Cristo. Somos chamados, como comunidade celebrante, a assumir um compromisso de justiça e solidariedade na construção de uma sociedade onde o pão não seja roubado pela violência e nem sonegado pela injustiça e pela ganância.
            O caminho de Emaús nos revela que a hospitalidade é o sinal da fraternidade e ela nos impele ao exercício e à prática do amor: “Não esqueçais a hospitalidade, pela qual alguns, sem o saber, hospedaram anjos” (Hb 13, 2); “Eu era forasteiro e você me acolheu” (Mt 25, 35). Apesar de tudo, somos preguiçosos diante da graça da hospitalidade e, no entanto, o reino de Deus é uma grande festa de bodas em que todos são convidados para comer e beber gratuitamente.
            São Gregório Magno nos interpela: “Devemos acolher com hospitalidade o Cristo presente no forasteiro para que no dia do julgamento Ele não nos ignore como estrangeiros, mas nos receba como irmãos em seu Reino” (Homilia 23).

CONTEMPLAR

Emaús, Cláudio Pastro, Brasil.