sábado, 17 de março de 2018

O Caminho da Beleza 19 - Páscoa da Ressurreição


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).




Páscoa da Ressurreição                      01.04.2018
At 10, 34.37-43                 Cl 3, 1-4                   Jo 20, 1-9


ESCUTAR

“Ele andou por toda parte, fazendo o bem” (At 10, 38).

Vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl 3, 3).

Eles ainda não haviam compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos (Jo 20, 9).


MEDITAR

Quando o grande Antonio estava próximo da morte, ele ouviu um irmão que dizia dele: “Ele foi tão grande como Moisés”. Então Antonio abriu um olho e disse: “Como você está longe da verdade, irmão. No mundo do além, com efeito Deus não me perguntará: ‘Por que você não foi como Moisés?’ mas ‘Por que você não foi Antonio?’”.

(Aphoftegma dos Padres do Deserto, século 3-4)


ORAR

            Nós queremos olhar essa Face de Nosso Senhor, essa Face muito interior, essa Face que os Apóstolos não puderam decifrar. Eles se enganaram sobre o alcance da Ressurreição, até Pentecostes. Nós olhamos essa Face impressa em nossos corações, e nós nos lembraremos que Jesus é a primícia daqueles que dormem, como disse o Apóstolo São Paulo (1 Cor 15, 20 e Cl 1, 18), e que Ele realiza em plenitude uma vocação que é a nossa: que nós devemos também agora ressuscitar, emergir agora de nossas dependências cósmicas, tornar-nos agora mais livres, libertar-nos agora de nossos limites ainda não ultrapassados, fazer-nos agora cada vez mais uma fonte, um espaço e um fim. É desse modo e para sempre que o Mistério do Cristo dá à vida humana toda a sua estatura, chama-nos à imensidade de nossa aventura e nos dá o gosto da grandeza. Ah! Que felicidade que o Cristo nos desperte de nosso torpor e nos questione, no mais íntimo de nós mesmos, para não continuarmos como robôs... Nós recebemos de toda a criação um dom que lhe é indispensável. Se nós o fizermos frutificar, nós aperfeiçoaremos o universo na direção da liberdade e do amor, nossa vida será justificada e ela terá toda a sua razão de ser, uma vez que ela se tornará realmente criadora. Resta-nos agora nos recolher nessa Presença do Senhor ressuscitado que nos revela um universo inteiramente livre, inteiramente vivificado e penetrado do espírito do Amor... Que nós tenhamos a vontade de alçar voo, de fazer de nossa vida, a cada instante, uma coisa mais bela, mais radiosa e mais desprendida, a fim de que por essa oferenda o universo em sua totalidade se torne um ofertório. Que a Presença de Deus revelada a todos os homens lhes assegure que eles não são máquinas, que sua vida tem um sentido, que cada um de seus gestos pode ter um alcance divino, porque justamente ser Homem é lhe arrancar o robô para transformá-lo, transfigurá-lo, interiorizá-lo e comunicar-lhe pouco a pouco uma respiração divina, dar-lhe uma face, fazer nele uma Presença onde resplandece a Luz divina que é a respiração do eterno Amor.

(Maurice Zundel, 1897-1975, Suíça)


CONTEMPLAR

Vitral de Mosteiro Beneditino, foto de Ryan Walker[?], Toronto, Canadá.




O Caminho da Beleza 18 - Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).




Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor                    25.03.2018
Is 50, 4-7                 Fl 2, 6-11                 Mc 15, 1-39


ESCUTAR

O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás (Is 50, 5).

Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens (Fl 2, 6-7).

Quando o oficial do exército, que estava bem em frente dele, viu como Jesus havia expirado, disse: Na verdade, este homem era Filho de Deus! (Mc 15, 39).


MEDITAR

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me veem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.

(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987)


ORAR

            Deixemos de lado o aspecto folclórico deste domingo e deixemo-nos tomar por sua realidade misteriosa. Jesus, o Filho bem-amado, Filho eterno do Pai e filho da Virgem, ele, o único verdadeiro rei, ele que fará a unidade de todos os filhos de Deus, como ingressa ele no Reino? Canta-se o tempo todo: “montado sobre um jumentinho”! Que estupidez para os grandes deste mundo! Mas que verdade reveladora de nosso rei: não há nele nenhuma dominação. Enquanto que depois de nossa infância, procuramos nos impor, dominar, ele, nosso Senhor e nosso Deus, se faz servidor de todos. Ele é humilde, isto é verdadeiro, porque não há nenhuma violência em Deus, ao passo que nós somos habitados pela violência até em relação a nós mesmos. A verdade do amor não se impõe do exterior pelas leis, mas ela é acolhida uma vez que é desejável. Nesse sentido, ela liberta em lugar de sujeitar. No Reino de nosso Pai, não há mais “súditos” e sim seres libertos no Filho (Jo 8, 31-36). No Reino que vem, é pela humildade do servidor que todos os humanos são enfim respeitados, sobretudo os pobres, os mais desprovidos. É infinito o respeito de Deus por cada pessoa humana. Neste dia, nós só podemos compreender a doçura do nosso rei se consentirmos em partilhar um pouco sua humildade. É porque nesse mesmo dia são as crianças, em Jerusalém, que o aclamam no Templo, pois “é pela boca dos pequeninos que nosso Deus prepara um louvor” (Mt 21, 15-16). À luz desse dia, uma outra palavra de Jesus aparece em sua verdade impressionante: “Se não vos tornardes novamente como crianças, não entrareis no Reino dos céus” (Mt 18, 3). Eis, portanto, isso que desde hoje nós podemos começar a viver como conversão, como retorno: revestir-nos da humildade do coração de Jesus para entrar com ele no caminho do amor, esse amor que pela cruz e pela morte de nosso egoísmo nos fará ressuscitar com ele.

(Jean Corbon, 1924-2001, Igreja Greco-Melquita Católica de Beirute, Líbano)


CONTEMPLAR

Um cordeiro recém-nascido se aconchega em um menino dormindo, 1940, Inglaterra, Williams[?]/ Fox Photos/Getty Images, Londres, Inglaterra.




segunda-feira, 12 de março de 2018

O Caminho da Beleza 17 - V Domingo da Quaresma


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).




V Domingo da Quaresma                    18.03.2018
Jr 31, 31-34            Hb 5, 7-9                 Jo 12, 20-33


ESCUTAR

“Imprimirei minha lei em suas entranhas e hei de inscrevê-la em seu coração; serei seu Deus e eles serão meu povo” (Jr 31, 33).

Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte (Hb 5, 7).

“Quem se apega à sua vida perde-a” (Jo 12, 25).


MEDITAR

No amor, oferecer bens exteriores é sempre secundário; é um expediente que visa enaltecer a si mesmo... É somente quando não se tiver mais nada a oferecer senão o amor é que esse atingirá a sua plena maturidade.

(Hans Urs von Balthasar, 1905-1988, Suíça)


ORAR

            Todo o mundo vai atrás de Jesus, admitem desconsolados os fariseus, e os primeiros a fazer isso são “alguns gregos que haviam subido para o culto durante a festa” (Jo 12, 20). Esses estrangeiros que aderiram ou estão aderindo ao judaísmo são ovelhas que não pertencem ao aprisco de Israel, mas que, também elas, o Pastor deve conduzir à liberdade (Jo 10, 16). Num contexto que se refere à missão, agora representada pelos gregos, e diante da incompreensão dos discípulos, para os quais a morte do Messias é inaceitável, Jesus os faz compreender que é possível comunicar a vida aos outros somente doando a própria: “Se o grão de trigo caído na terra não morre, permanece só; se ao contrário morre, produz muito fruto” (Jo 12, 24). Mediante essas imagens, Jesus quer dar a entender que em cada indivíduo existem capacidades e potencialidades a ele desconhecidas: somente o dom de si as pode libertar para que exerçam toda a sua eficácia. A decisão de doar a própria vida, garante Jesus, não é perda, mas a garantia da sua máxima e definitiva realização: possui-se a vida à medida que se dá, visto que se possui somente aquilo que se dá. Por isso, plenamente consciente da potencialidade enorme contida no dom da sua vida, Jesus não teme declarar: “E eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32). Ao anúncio do seu iminente fim, a multidão lhe replica: “Nós ouvimos da Lei que o Messias permanece eternamente; como, pois, tu dizes que deve ser elevado o Filho do homem?” (Jo 12, 34). A palavra de Jesus é posta em contradição mediante o apelo às palavras da Lei e à tradição religiosa, mistura explosiva que ata as mãos inclusive a Deus. O povo, que esperava o renascimento do reino de Israel, rejeita um Messias que morre: se Jesus não é o rei de Israel, o Messias vitorioso, não sabem o que fazer dele. E a mesma multidão que agora o deu hosanas, será a mesma que gritará: “Crucifica-o!” (Jo 19, 15).

(Alberto Maggi, 1945-, Itália)


CONTEMPLAR

A Mão da Mãe, 1965, Antanas Sutkus (1939-), Lituania.




segunda-feira, 5 de março de 2018

O Caminho da Beleza 16 - IV Domingo da Quaresma


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).




IV Domingo da Quaresma                  11.03.2018
2 Cr 36, 14-16.19-23                   Ef 2, 4-10                 Jo 3, 14-21


ESCUTAR

“Quem dentre vós todos pertence ao seu povo? Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele, e que se ponha a caminho” (2 Cr 36, 23).

Irmãos, Deus é rico em misericórdia (Ef 2, 4).

“Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito” (Jo 3, 16).


MEDITAR

Porque o amor é a coisa mais livre... quando se desfaz.

(Cacaso, 1944- 1987)


ORAR

            Muitos intérpretes sustentam que o versículo 16 (“tanto amou Deus ao mundo, que entregou o seu Filho único”) é o centro de todo o evangelho de João. Quiçá é algo mais. É o centro, o cume de toda a nossa fé. Normalmente, quando se fala de crer, vem à mente uma lista de verdades, de dogmas a que se aderir. Mas o crente crê antes de tudo num fato: o amor de Deus manifestado no dom do Filho. Tem-se a fé se se acredita principalmente no amor. Se se acredita que Deus ama o mundo, ama a todos os homens, ama a cada um de nós. E a salvação do homem, como veremos, “joga-se” com base na aceitação ou no rechaço do amor divino manifestado em Cristo. Junto ao amor, a imagem rude da cruz: é aí a maneira pela qual Cristo demonstrou seu amor ao mundo. A cruz fala de um amor derrotado e, ao mesmo tempo, vitorioso. Humilhado e, contudo, circuncidado de glória. Traído e, no entanto, fiel. Não esqueçamos que é a um justo que crucificaram. “Assim tem que ser elevado o Filho do Homem”. Levantado no alto sobre um patíbulo de infâmia. Cristo é rei de sua comunidade. Sua “exaltação” não é expressão de um poder dominador, mas sim da eleição de um único poder: o do amor. O crente encontra a salvação olhando em direção à cruz de Cristo. A serpente de bronze, colocada por Moisés sobre um mastro, não era um fetiche dotado de poderes mágicos, mas sim o sinal antecipador desse “poder de cura” que jorraria do patíbulo levantado sobre o Calvário. Este dom determina uma crise, porque pode ser aceito ou rechaçado. Porque o juízo não se remete ao final dos tempos: acontece já, aqui e agora, sobre a terra. E é o homem mesmo quem se julga, quem se põe como salvação ou condenação, com base na postura que assume frente ao amor manifestado em Cristo.

(Alessandro Pronzato, 1932-, Itália)


CONTEMPLAR

Vidro rachado com Menino, Colorado, 1955, impressa em 1980, Elliott Erwitt (1928-), franco-americano, Speed Art Museum, Kentucky, Estados Unidos.