segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O Caminho da Beleza 16 - IV Domingo da Quaresma

IV Domingo da Quaresma                  06.03.2016
Js 5, 9-12                 2 Cor 5, 17-21                    Lc 15, 1-3.11-32


ESCUTAR

“Hoje tirei de cima de vós o opróbio do Egito” (Js 5, 9).

Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo (2 Cor 5, 17).

“‘Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’” (Lc 15, 32).


MEDITAR

Somente graças a esse encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da autoreferencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser verdadeiro (Francisco, Evangelii Gaudium).


ORAR

A conversão não se reduz a um pequeno ajuste, a um retoque de fachada, a uma minúscula mudança que não incomoda demais, a uma modificação insignificante. A conversão implica uma transformação radical nos pensamentos, palavras, mas, sobretudo, nos atos. O tema da novidade radical, representada pela conversão, é destacada por Paulo: “Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo”. Na parábola, o filho mais novo é um abusado e o mais velho, um insuportável possuidor de direitos, enjaulado nas leis e na estrita observância. Não cometeu faltas graves, mas vive sem amor e sua justiça o amargou. Necessita proteção e se sente seguro ao cumprir os seus deveres sem jamais se arriscar. Tornou-se um calculista, um burocrata da virtude sem nenhum brilho de vida, de alegria ou espontaneidade. Há um abismo entre ele e o irmão mais novo, mas um abismo ainda maior entre ele e seu pai. Ele fala de novilhos, cabras, bois, justo e injusto; o pai fala de gente encontrada e ressuscitada. Ele fala a língua da lei, da intolerância e do castigo e o pai se exprime na língua do perdão, da ternura e da misericórdia. O pai se coloca numa dimensão de gratuidade e o filho mais velho permanece na trincheira de uma mentalidade de justiça distributiva. O filho mais velho, ao se julgar justo, se coloca distante do amor do pai a quem serve com um espírito de escravo e não com a gratidão e alegria de filho amado: “Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu”. Jesus narra esta parábola para os justos fariseus e não para os pecadores. Não há final feliz nela. Este final feliz só acontecerá quando o justo não excluir o irmão que mostre algum sinal de conversão. Quando o justo descobrir que a fidelidade não é simplesmente um permanecer irredutível, mas aceitar cotidianamente as novidades, a lógica paradoxal e as iniciativas desconcertantes de Deus. Como declara o Cristo: “Haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento” (Lc 15, 7).


CONTEMPLAR

Rue Marcelin Berthelin Berthelot, Choisy-Le-Roi, maio 1946, Robert Doisneau (1912-1994), Val-de-Marne, Île-de-France, França.







segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O Caminho da Beleza 15 - III Domingo da Quaresma

III Domingo da Quaresma                 28.02.2016
Ex 3,1-8.13-15                   1 Cor 10, 1-6.10.12                       Lc 13, 1-9


ESCUTAR

E o Senhor lhe disse [a Moisés]: “Eu vi a aflição do meu povo que está no Egito e ouvi o seu clamor por causa da dureza de seus opressores. Sim, conheço os seus sofrimentos” (Ex 3,7).

Portanto, quem julga estar de pé tome cuidado para não cair (1 Cor 10, 12).

“Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou” (Lc 13,6).


MEDITAR

Aceite pois que Jesus ressuscitado entre em sua vida, acolha-o como amigo, com confiança: ele é a vida! [...] Se te parecer difícil segui-lo, não tenha medo, confie nele, esteja seguro com ele, ele está próximo de você, ele está com você e te dará a paz que você procura e a força para viver como ele o quer (Francisco, Homilia, Roma, março de 2013).


ORAR

O apóstolo Paulo considera a aventura do Êxodo exemplar em relação ao novo povo de Deus. Paulo critica a postura dos que pensam estar garantidos sempre e em qualquer circunstância e que murmuram contra seus irmãos e irmãs da comunidade eclesial. Nas nossas igrejas, muitas vezes pensamos que os sacramentos são, automaticamente, uma garantia contra a tentação e um antídoto contra os perigos da infidelidade. Por esta razão, caminhamos imersos numa espiritualidade irresponsável e reduzimos os sacramentos da fé a eventos religiosos e sociais que apaziguam nossa falta de compromisso cristão real e radical. Quando o Senhor decide intervir na história dos homens, manda alguém, pois Ele está presente no mundo, se nós não estamos ausentes, e está perto das pessoas, se nós nos fizermos próximos delas. Deus não se revela para o nosso gozo extático, nem para satisfazer a nossa curiosidade, mas para nos conferir uma missão que deve ser cumprida conforme os seus desígnios. Para os israelitas, os figos e as vinhas tinham um significado muito particular: eram o sinal da instalação na terra prometida e o resgate do paraíso perdido. Deus sempre está entre as vítimas para defender a sua dignidade e entre os que lutam contra os males sociais e políticos para alentar o seu combate. O Crucificado (e Ressuscitado) intercede por nós não só na Cruz, mas hoje, agora e sempre (cf. Rm 8,34; Hb 7, 25).


CONTEMPLAR

Kapok, Beth Moon (1956-), Estados Unidos. Kapok, nome da árvore é, segundo a fotógrafa, a expressão antiga do povo Maia que significa “levantada para o céu”.






segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O Caminho da Beleza 14 - II Domingo da Quaresma

II Domingo da Quaresma                   21.02.2016
Gn 15, 5-12.17-18             Fl 3, 17- 4,1             Lc 9, 28-36


ESCUTAR

“Olha para o céu e conta as estrelas se fores capaz!” E acrescentou: “Assim será a tua descendência” (Gn 15, 5).

 Há muitos por aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a perdição, o deus deles é o estômago, a glória deles está no que é vergonhoso e só pensam nas coisas terrenas (Fl 3, 18-19).

Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante (Lc 9, 29).


MEDITAR

A fragilidade dos tempos em que vivemos é também esta: acreditar que não existe a possibilidade de redenção, alguém que nos dá a mão que nos levanta, um abraço que nos salva, perdoa, anima, que nos inunda de um amor infinito, paciente, indulgente; que nos coloca de novo nos trilhos (Francisco, O nome de Deus é misericórdia, 2016).


ORAR

A liturgia da Palavra nos faz uma tríplice revelação. A primeira, a de que Deus é um Deus fiel que mantém as suas promessas. A segunda, a da divindade de Jesus e do seu mistério Pascal: o Cristo transfigurado será, brevemente, um Cristo desfigurado. A terceira, a revelação do mistério do homem peregrino, cidadão do céu que vive na precariedade do corpo à espera da sua transfiguração num corpo glorioso. A dinâmica da vida cristã se apresenta numa dupla dimensão: provisoriedade e tensão até a morada definitiva. Abrão caminha às escuras e se contenta em olhar um céu estrelado. Para ele, a terra é somente uma promessa garantida pela Palavra de Deus. Desta futura realidade, Abrão não possui sequer uma pequena antecipação para sustentar a sua fé. Suas mãos seguem vazias como vazio está o ventre de Sara. A fé, quando autêntica, atravessa o áspero terreno da prova. Na transfiguração de Cristo, é reafirmado que o discípulo não pode inventar um caminho privado para evitar o confronto do Calvário. A transfiguração passa pela prova de um rosto desfigurado pela angústia e pelo terror, pelo suor e pelo sangue, pelos golpes e pelas cusparadas. A glória passa pela prova do rebaixamento, da perseguição, da condenação, das ofensas e da morte atroz. Quando queremos evitar as exigências ásperas do Cristo, refugiamo-nos num legalismo exacerbado como solução de facilidade. Tornamo-nos guardiões da intolerância em nome Daquele que é Misericórdia. Muitas vezes, evadimo-nos num ascetismo individual de mortificação, muito mais fácil do que a prática do amor e do perdão. Viver em estado de espera é ser nômade como Abrão. Os céus novos que esperamos passam, necessariamente, pela construção de uma terra nova. Os evangelhos não são livros didáticos de uma doutrina acadêmica asséptica e descompromissada sobre Jesus. Os evangelhos são relatos de conversão que nos convidam a mudanças radicais para o seguimento de Jesus.


CONTEMPLAR

Sem Título, 2013, Jerry Uelsmann (1934-), Estados Unidos.






segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O Caminho da Beleza 13 - I Domingo da Quaresma

I Domingo da Quaresma                     14.02.2016
Dt 26, 4-10              Rm 10, 8-13                       Lc 4, 1-13


ESCUTAR

“Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egito com um punhado de gente e ali viveu como estrangeiro” (Dt 26, 5).

“A palavra está perto de ti, em tua boca e em teu coração”. Essa palavra é a palavra da fé, que nós pregamos (Rm 10, 8).

Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e, no deserto, ele era guiado pelo Espírito. Ali foi tentado pelo diabo durante quarenta dias (Lc 4,  1-2).


MEDITAR

Não nos transformamos de repente em corruptos; existe um longo caminho de declínio, para o qual se desliza... A corrupção não é um ato, mas uma condição, um estado pessoal e social, no qual a pessoa se habitua a viver (Francisco, O nome de Deus é misericórdia, 2016).


ORAR

A colheita dos campos, antes de ser fruto do trabalho é um dom e uma bênção de Deus. Mais do que perguntar “Quem é Deus?”, devemos indagar: “O que o Senhor fez por nós?”. A oferenda das primícias é um gesto eucarístico em que damos graças a tudo o que o Senhor realizou em nossas vidas como dom e bênção. Quem não dá graças pode se tornar um possuidor abusivo dos dons do Senhor. No deserto, Jesus é tentado com as palavras da Escritura, pois o Divisor conhece profundamente a Bíblia. Neste tempo quaresmal, é a ocasião propícia para verificarmos se o nosso projeto de vida corresponde, radicalmente, aos desígnios de Deus. É um tempo para purificar nosso cristianismo de todas as impurezas, das superstições, das crenças oportunistas, das facilidades, das aparências e das traições às mensagens do Evangelho. Para confrontar a palavra de Deus é necessário um pouco de deserto, de silêncio, um outro pouco de coragem para frequentar as profundidades e um grande gosto pela interioridade. O salmo deste domingo exprime a atitude do Cristo no limiar da sua vida pública: “Quem habita ao abrigo do Altíssimo e vive à sombra do Senhor onipotente, diz ao Senhor: ‘Sois meu refúgio e proteção, sois o meu Deus, no qual confio inteiramente’”. A raiz de quando erramos o alvo é trocar Deus pelos ídolos do mundo, pelos falsos deuses que se apresentam sob a aparência de objetos de adoração. Convertemos a graça da fé em coisificações de crença religiosa, por ser mais palatável à nossa visão medíocre do Evangelho. Os ídolos são sempre novos, mas as raízes que os produzem são as tentações da riqueza, do poder e do orgulho. E elas, como o diabo, sempre retornam no tempo oportuno.


CONTEMPLAR

Argentina, Peninsula Valdes, 2001, Elliott Erwitt (1928-), franco-americano.



terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O Caminho da Beleza 12 - V Domingo do Tempo Comum

V Domingo do Tempo Comum                     07.2.2016
Is 6,1-8                     1 Cor 15, 1-11                      Lc 5, 1-11


ESCUTAR

“Quem enviarei? Quem irá por nós?” Eu respondi: “Aqui estou! Envia-me!” (Is 6, 8).

Na verdade, eu sou o menor dos apóstolos, nem mereço o nome de apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus (1 Cor 15, 9).

“Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca” (Lc 5, 4).


MEDITAR

Ir na contracorrente: isso faz bem ao coração, mas nos falta coragem para ir na contracorrente e Ele nos dá essa coragem! Não há dificuldades, provas, incompreensões que devam nos amedrontar se ficarmos unidos a Deus como os ramos são unidos à vinha, se não perdermos a amizade com Ele, se sempre Lhe abrirmos, cada vez mais, lugar em nossas vidas (Francisco).


ORAR

O profeta, ao responder, é rápido, incisivo, entusiasta e disponível: “Aqui estou! Envia-me!”. A cada dia, diante do Senhor, devemos nos apresentar não para obter uma previsão sobre o nosso futuro, mas para receber o que Ele quer, aqui e agora, de nós. Não somos nós quem escolhemos, mas é o Senhor quem escolhe por nós. O Senhor é imprevisível tanto em suas decisões, quando chama alguém, quanto ao apontar as tarefas cotidianas. Sua Palavra sempre incomoda, nunca tranquiliza, pois, sendo exigente, nunca pede bagatelas, mas atitudes comprometidas. As coisas que mais interessam o Senhor, quase sempre, não são levadas em consideração. Somos tentados a escolher as tarefas mais fáceis, menos incômodas que nos afastam dos encontros decisivos das nossas vidas. O evangelista nos revela a força da Palavra quando se calam as palavras da nossa experiência: “Trabalhamos a noite inteira”; e as palavras da desilusão: “E nada pescamos”. Escutamos, então, ressoar sua voz imperiosa: “Avança para águas mais profundas e lançai vossas redes para a pesca”. A fé nesta palavra é recompensada abundantemente. O milagre não são as redes repletas de peixes, mas o momento exato da resposta de Pedro: “Em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”. O milagre é lançar-se ao mar... A verdadeira conquista apostólica é o dom da liberdade vivenciado como disponibilidade aos desígnios do Senhor.


CONTEMPLAR

Pescador-Serrambi, Ipojuca-PE, Brasil, Araquém Alcântara (1951-), Brasil.