terça-feira, 30 de julho de 2019

O Caminho da Beleza 37 - XVIII Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XVIII Domingo do Tempo Comum            04.08.2019
Ecl 1, 2; 2, 21-23               Cl 3, 1-5.9-11                      Lc 12, 13-21


ESCUTAR

“Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (Ecl 1, 2).

Vós morrestes e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl 3, 3).

“Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12, 15).


MEDITAR

O dinheiro é o esterco do demônio.

(Basílio Magno, 330-379, Cesareia, Turquia)


ORAR

            O que tu acumulaste, de quem será?” Jesus faz a distinção no evangelho entre ser e ter. O ser é a vida e a existência do homem, o ter são as possessões grandes ou pequenas que lhe permitem seguir vivendo. A advertência de Jesus consiste simplesmente em que o homem não deve converter o meio em fim, nem identificar o significado de seu ser com o aumento de seus meios. O absurdo desta identificação salta à vista quando se considera não só a morte do homem, mas sim o que este deve responder de sua vida diante de Deus. Mesmo que isto não esteja, todavia, claro no paralelo veterotestamentário e mesmo que Jesus coloque a pergunta: “O que tu acumulaste (quando morrer), de quem será?”, esta questão não é central para ele, mas sim esta outra: “Não amontoeis tesouros na terra, onde a traça e o caruncho roem... Amontoai tesouros no céu “ (Mt 6, 19s). Portanto, sabemos que diante de Deus o importante não será a quantidade do ter, mas a qualidade do ser (cf. 1 Cor 3, 11-15). Isto se faz evidente sobretudo mediante a palavra “si”. O que quer ter amontoa riquezas “para si”; o que tem um ser de grande valor renuncia a este “para si” e pensa em seu ser junto a Deus. Deus é o tesouro. “Onde está teu tesouro, aí está teu coração” (Mt 6, 21). Se Deus é nosso tesouro, então devemos estar intimamente convencidos de que a riqueza infinita de Deus consiste na sua entrega e auto-alienação, isto é, no contrário da vontade de ter... Devemos “dar morte” a todas as formas da vontade de ter enumeradas pelo apóstolo e que não são senão diversas variantes da concupiscência, por causa do ser em Cristo; e esta morte é na verdade um nascimento: um “revestir-nos de uma nova condição”, um chegar a ser homens novos. Nesta nova condição desaparecem as divisões que limitam o ser do homem na terra (“escravos ou livres”), enquanto todo o valioso que temos em nossa singularidade (Paulo o chama carisma) contribui para a formação da plenitude definitiva de Cristo (Ef 4, 11-16).

(Hans Urs Von Balthasar, 1905-1988, Suíça)


CONTEMPLAR

Superação, 2018, Honeyisland (www.flickr.com/photos/honeyisland), Curitiba, Brasil.




segunda-feira, 22 de julho de 2019

O Caminho da Beleza 36 - XVII Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XVII Domingo do Tempo Comum              28.07.2019
Gn 18, 20-32                      Cl 2, 12-14               Lc 11, 1-13


ESCUTAR

“Se eu encontrasse em Sodoma cinquenta justos, pouparia por causa deles a cidade inteira” (Gn 18, 26).

Irmãos, com Cristo fostes sepultados no batismo; com ele também fostes ressuscitados por meio da fé (Cl 2, 12).

“Pedi e recebereis; procurai e encontrareis; batei e vos será aberto” (Lc 11, 9).


MEDITAR

Dá-nos, Senhor, a coragem dos recomeços. Mesmo nos dias quebrados, faz-nos descobrir limiares límpidos. Não nos deixe acomodar ao saber daquilo que foi: dá-nos largueza de coração para abraçar aquilo que é... Torna-nos atônitos como os seres que florescem. Torna-nos livres, deslumbrantemente insubmissos. Torna-nos inacabados como quem deseja e de desejo vive. Torna-nos confiantes como os que se atrevem a olhar tudo, e a si mesmos, uma primeira vez.

(José Tolentino Mendonça, 1965-, Portugal)


ORAR

            Quiçá a tragédia mais grave do homem de hoje seja sua incapacidade crescente para a oração. Estamos nos esquecendo do que é orar. Temos reduzido o tempo dedicado à oração e à reflexão interior. Às vezes, a excluímos praticamente de nossa vida. Mas isso não é o mais grave. Parece que as pessoas estão perdendo a capacidade do silêncio interior. Já não são capazes de encontrar-se com o fundo de seu ser. Distraídas por mil sensações, embotadas interiormente, estão abandonando a atitude orante a Deus. Por outra parte, em uma sociedade em que se aceita como critério primeiro e quase único a eficácia, o rendimento ou a utilidade imediata, a oração fica desvalorizada como algo inútil. Facilmente se afirma que o importante é “a vida”, como se a oração pertencesse ao mundo da “morte”. No entanto, precisamos orar. Não é possível viver com vigor a fé cristã nem a vocação humana infra-alimentados interiormente. Cedo ou tarde, a pessoa experimenta a insatisfação que produzem no coração humano o vazio interior, a trivialidade do cotidiano, o tédio da vida ou a não comunicação com o Mistério. Necessitamos orar para encontrar silêncio, serenidade e descanso que nos permitam manter o ritmo de nosso fazer diário. Necessitamos orar para viver em atitude lúcida e vigilante em meio a uma sociedade superficial e desumanizadora. Necessitamos orar para enfrentar a nossa própria verdade e ser capazes de uma autocrítica pessoal sincera. Necessitamos orar para nos ir liberando do que nos impede de ser mais humanos. Necessitamos orar para viver diante de Deus em atitude mais festiva, agradecida e criadora. Felizes os que também em nossos dias são capazes de experimentar no profundo de seu ser a verdade das palavras de Jesus: “Quem pede, recebe; quem procura, encontra; e, para quem bate, se abrirá”.

(José Antonio Pagola, 1937-, Espanha)


CONTEMPLAR

Sorriso, 2016, Mosteiro Labrang Lamasery, Província de Gansu, China, Jianjun Huang, Siena International Photo Awards, China.




segunda-feira, 15 de julho de 2019

O Caminho da Beleza 35 - XVI Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XVI Domingo do Tempo Comum                21.07.2019
Gn 18, 1-10             Cl 1, 24-28              Lc 10, 38-42


ESCUTAR

“Meu Senhor, se ganhei tua amizade, peço-te que não prossigas viagem sem parar junto a mim, teu servo. Mandarei trazer um pouco de água para vos lavar os pés, e descansareis debaixo da árvore” (Gn 18, 3-4).

Alegro-me de tudo o que já sofri por vós e procuro completar na minha própria carne o que falta das tribulações de Cristo (Cl 1, 24).

Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor e escutava a sua palavra (Lc 10, 39).


MEDITAR

Quem são os que honram a Deus? São os que deixaram totalmente a si mesmos e, de modo algum, nada buscam do que é seu em nenhuma coisa, seja o que for, grande ou pequeno; não veem nada abaixo nem acima de si, nem ao seu lado nem em si mesmos; que não procuram bem, honra, conforto, prazer, utilidade, nem interioridade, nem santidade, nenhuma recompensa nem mesmo reino dos céus e que se tornaram exteriores a tudo isso, a tudo que é seu. Dessas pessoas Deus recebe honra. E elas honram a Deus, no sentido próprio, dando a Deus o que é de Deus.

(Mâitre Eckhart, Alemanha, 1260-1328)


ORAR

            É preciso notar que a repreensão do Cristo vem após a frase de Marta: “Não te importas de minha irmã me deixar servir só?” Aí está a “chave” que nos permitirá compreender a atitude do Cristo. Com efeito, o que distingue o comportamento de Marta do de Abraão, é que este se dá todo inteiro ao acolhimento, enquanto que Marta serve, mas se vê a si mesma no serviço. A diferença é bem pequena: um apenas serve; o outro serve e toma consciência do seu serviço... Para Abraão, o preparo da refeição não é senão o meio de acolher o outro; para Marta, o serviço se transforma numa oportunidade para julgar aquela que não serve. É mais sutil ainda: em realidade, Marta não julga verdadeiramente sua irmã, todavia endereça a si mesma a frase que visa a Maria: “Tu que não serves, me permites ver-me a servir, contemplar minha generosidade...” Finalmente, este serviço, esta acolhida generosa é desviada de seu fim. Não é mais um dom, porém uma volta sobre si mesma, uma tomada de consciência de sua própria generosidade. O mal está na raiz. Como não lembrar aqui a palavra terrível de um velho a uma religiosa que cuidava dele: “Minha irmã, quando cessareis de vos servir de mim como uma escada para o céu?” Diariamente podemos descobrir a verdade contida nesta repreensão. Somos capazes de quebrar o espelho no qual diariamente contemplamos com prazer o crescimento da nossa santidade. Cremos amar, entretanto, muitas vezes não fazemos senão admirar nosso amor. Pensamos doar-nos quando nos apossamos deste dom. Simulamos servir ao outro e nos utilizamos habilmente como um meio para sermos servidos: “Infelizes dos pastores que se apascentam a eles mesmos” (Ez 34, 2). Como Narciso, estamos constantemente debruçados sobre lagos onde nos refletimos, e se jogamos uma pedra que destrói a imagem, não o fazemos senão para ter a alegria de ver a imagem reaparecer mais límpida do que antes. Mas a revelação do coração do homem e a revelação do Senhor estão intimamente misturadas: se o homem tem necessidade de espelhos, Ele passa a vida a quebrá-los.

(Jean-Baptiste Dumortier, França)

CONTEMPLAR

Amor de irmãs, 2017, Ewa Cwikla, Países Baixos. A pedido da autora, acessar a imagem diretamente em https://500px.com/photo/239277055/sister-love-by-ewa-cwikla?ctx_page=4&from=user&user_id=431926



segunda-feira, 8 de julho de 2019

O Caminho da Beleza 34 - XV Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XV Domingo do Tempo Comum                  14.07.2019
Dt 30, 10-14                       Cl 1, 15-20               Lc 10, 25-37


ESCUTAR

“Esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir” (Dt 30, 14).

Cristo é a imagem do Deus invisível (Cl 1, 15).

“Um sacerdote estava descendo por aquele caminho. Quando viu o homem, seguiu adiante, pelo outro lado” (Lc 10, 31).


MEDITAR

Eu imagino que o primeiro pensamento do sacerdote e do levita foi a pergunta: “Que me acontecerá se eu me detenho para ajudar este homem?” O Bom Samaritano trocou a pergunta: “Que acontecerá a este homem se eu não parar para ajudá-lo?”.

(Martin Luther King, 1929-1968, Estados Unidos)


ORAR

            Todas as estradas possuem dois lados. E há sempre um “outro lado” à disposição, quando não se quer queimar os olhos contemplando uma realidade “incômoda” demais e se quer conservar a consciência tranquila. Para um cristão, porém, o problema reside em saber se o “outro lado” é o lado certo. O lado mais cômodo pode ser também o lado errado. Todavia, o sacerdote e o levita escolheram precisamente esse lado, desviaram para o “outro lado” e foram em frente.  A gente sente vontade de correr atrás deles, puxá-los pela manga e perguntar: “Por que não pararam? Vocês não viram aquele coitado?”. Sim. Viram-no. Mas tinham motivos muito válidos para não parar. Um horário que deviam respeitar. Um regulamento para ser observado. Coisas importantes para cuidar. Estavam com pressa, não podiam perder tempo. A parada não estava contemplada na ordem do dia litúrgico. Pode ser até que tenham decidido procurar a autoridade competente para fazer um “vibrante protesto” por causa da falta de segurança daquela estrada. E, no entanto, o desgraçado está morrendo. Sempre conseguimos inúmeras desculpas para nos livrarmos dos empenhos que o amor nos impõe. O sangue mancha. Não quero ter encrencas. Nesse negócio todo, não tenho nada com isso. Tenho que cuidar das minhas coisas. Nem sei quem seja aquele sujeito. O problema é das autoridades. Mas, mil “razões válidas”, diante de Deus, equivalem a estar errado. Aos olhos de Deus somente quem para tem razão. Os que seguem direto para frente estão errados. E a estrada continua sendo maldita. Não por causa dos bandidos. Mas pela ausência de amor. Pelo “passar adiante” do sacerdote e do levita. Culpados de fazer calar o coração. Com “válidas razões”. Não são os bandidos que tornam a estrada terrível. É a indiferença dos bons.

(Alessandro Pronzato, 1932-,  Itália)


CONTEMPLAR

Viagem perigosa, 2018, Jacob Ehrbahn (1970-), Dinamarca, Siena International Awards Photo.




segunda-feira, 1 de julho de 2019

O Caminho da Beleza 33 - XIV Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XIV Domingo do Tempo Comum                07.07.2019
Is 66, 10-14            Gl 6, 14-18              Lc 10, 1-12.17-20


ESCUTAR

“Como uma mãe que acaricia o filho, assim eu vos consolarei, e sereis consolados em Jerusalém” (Is 66, 13).

O mundo está crucificado para mim, como eu estou crucificado para o mundo (Gl 6, 14).

“Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos” (Lc 10, 3).


MEDITAR

É fácil levar Jesus no peito; difícil é ter peito, coragem, para seguir Jesus.

(Pedro Casaldáliga, 1928-, Catalunha)


ORAR

            O retrato do fiel como missionário deve impulsionar a comunidade cristã inteira e não somente alguns de seus membros a se sentirem envoltos no anúncio glorioso do Cristo. “A Igreja em estado de missão” era o mote programático do Cardeal Suhard, apropriado nos anos 1960 pelo episcopado francês. O missionário é o homem da Palavra, não da propaganda. Ele anuncia uma salvação integral e é por isso que se aproxima do bem global, físico e interior, do homem: “Curai os doentes e dizei: o Reino de Deus está próximo de vós” (Lc 10, 9). É um anúncio sobretudo de glória (primeira leitura), é o anúncio do amor de Deus, é “ser nova criatura” (Gl 6, 15), é uma proclamação de paz mesmo que em um mundo de ódio. Certamente, a Palavra opera uma divisão e, portanto, conhece a recusa e o juízo. Requer, por isso, constância, lealdade, coragem; requer até compartilhar em certos momentos o “estigma” da paixão do Cristo. A missão é um carisma, não uma operação de promoção sócio-política. Ela requer oração, fé e mandado do Cristo. Escrevia justamente o conhecido teólogo dominicano francês M.-D. Chenu: “Na dialética apostólica da missão e da instituição não é preciso desprezar ou rejeitar desconsideradamente as instituições, as 'obras', as organizações beneméritas que têm favorecido o contato humano e que, de fato, são o apoio do testemunho evangélico. Mas o missionário intui o perigo muito próximo de se apegar a estas vantagens, a este poder e de já estar induzido a lutar pela expansão, conservação ou reconquista de seu prestígio e de sua autoridade" (O Evangelho no tempo, AVE, 1968, pp. 32-33). A fecundidade autêntica do ministério apostólico brota sobretudo da “crucificação” do Cristo e com Cristo (Gl 6, 14). E a verdadeira glória não estará tanto no sucesso mais ou menos clamoroso, mas no fato de que “nossos nomes estão escritos nos céus”.

(Giafranco Ravasi, 1942-, Itália)


CONTEMPLAR

Cavando, Porto Ceresio, Costa Italiana, Massimiliano Balo' (1974-), Sicília, Itália.