segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Caminho da Beleza 46 - XXVII Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 46
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



XXVII Domingo do Tempo Comum                       02.10.2011
Is 5, 1-7                    Fl 4, 6-9                   Mt 21, 33-43


ESCUTAR

“Vou cantar para o meu amado o cântico da vinha de um amigo meu: um amigo meu possuía uma vinha em fértil encosta. Cercou-a, limpou-a de pedras, plantou videiras escolhidas, edificou uma torre no meio e construiu um lagar; esperava que ela produzisse uvas boas, mas produziu uvas selvagens” (Is 5,1-2).

“Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas. E a paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento, guardará os vossos corações e pensamentos em Cristo Jesus” (Fl 4, 6-7).

“Por isso eu vos digo, o reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos” (Mt 21, 43).


MEDITAR

“Não poderíamos sobreviver por muito tempo sem dinheiro, sem vestuário, sem alimento e sem uma casa. Mas, se formos glutões, se recusarmos partilhar o que temos com o faminto e o pobre, transformaremos estes bens numa falsa divindade. Quantas vozes se levantam em nossa sociedade materialista dizendo-nos que a felicidade consiste em acumular a maior quantidade possível de bens e de objetos de luxo. Mas isso significa transformar os bens em falsas divindades. Ao invés de nos trazer a vida, eles nos levam à morte” (Bento XVI, Jornada Mundial da Juventude, Sidney, julho de 2008).


ORAR

A lição do Evangelho é de uma visibilidade plena para os homens e mulheres das igrejas. O abuso mais grave denunciado é a atitude de nos impormos como proprietários absolutos dos dons do Senhor. Usufruímos a vinha, a defendemos com unhas e dentes e reivindicamos direitos e privilégios. No entanto, esquecemos do essencial: que não estamos aqui para explicar, regulamentar, garantir a ordem, valorizar o nosso próprio papel, celebrar triunfos e recordar colheitas gloriosas do passado, mas para produzir frutos.
É verdade que existem as estruturas necessárias – a torre e o lagar – mas elas estão em função dos frutos e não podem tomar o seu lugar. A vinha não nos pertence e nem os frutos são para o nosso benefício. Temos que produzir frutos do Reino: justiça, liberdade, misericórdia, fraternidade, perdão e paz. A vinha está arrendada em vista destes frutos celestes.
Se o amor de Deus pode sofrer as maiores desilusões, as suas fadigas e preocupações nunca serão desperdiçadas. O amor é sempre fecundo. Jesus não pede nada de excepcional, apenas nos sugere, por meio do Espírito, que devemos produzir o possível para merecer o impossível do Pai.
Paulo nos apresenta os frutos: “Ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor”. Estes frutos podem despontar em outras vinhas que também são vinhas do Senhor ainda que não tenham uma placa oficial sobre a porta de entrada. A Declaração do Concílio Vaticano II sobre a relação da Igreja com as religiões não-cristãs é enfática: “A Igreja Católica não rejeita o que é verdadeiro e santo em todas as religiões. Considera suas práticas, maneiras de viver, preceitos e doutrinas como reflexo, não raramente autêntico, da verdade que ilumina todos os seres humanos, ainda que se distanciem do que ela crê e ensina” (Nostra aetate, 2).
A maior tragédia que pode atingir o cristianismo é a de que possa matar a voz dos profetas; que o clero se sinta dono exclusivo da vinha do Senhor e que expulsemos Jesus da sua própria igreja ao abafar o seu Espírito. No entanto, a história do cristianismo tem mostrado que se a Igreja de Jesus não corresponder às esperanças que nela as colocou o seu Senhor, Deus abrirá novos caminhos de salvação por meio de outros povos que produzam frutos na sua vinha.
O Reino de Deus é de Deus e de mais ninguém. Não pertence à hierarquia eclesiástica e nem ao mundo controvertido dos teólogos e especialistas em ciências da religião. O Reino de Deus está no povo que produz frutos de justiça, compaixão e defesa dos mais necessitados: “É por meio da prática daquilo que é bom nas suas próprias tradições religiosas, e seguindo os ditames da sua consciência, que os membros das outras religiões respondem afirmativamente ao convite de Deus e recebem a salvação em Jesus Cristo, mesmo se não o reconhecem como o seu Salvador” (Diálogo e Anúncio, 29, 1991).
Apesar de tudo, sempre fica um resíduo fiel e santo: “Assim também agora, em nossos dias, subsiste um resto, por livre escolha da graça” (Rm 11,5). Meditemos as palavras do poeta Drummond sobre o resto que permanece: “Mas de tudo, terrível, fica um pouco. E sob as labaredas e sob o sarcasmo, e sob a gosma e sob o vômito, e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes, e sob os gonzos da família e da classe, fica sempre um pouco de tudo. Às vezes um botão. Às vezes um rato” (Resíduo).


CONTEMPLAR

A Parábola da Vinha, Anônimo, ilustração da Speculum Humanae Salvationis (manuscrito Den Haag, MMW, 10 B 34), 1450 c., Museum Meermanno Westreenianum, Colonia, Alemanha.




segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Caminho da Beleza 45 - XXVI Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 45
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



XXVI Domingo do Tempo Comum                         25.09.2011
Ez 18, 25-28                      Fl 2, 1-11                  Mt 21, 28-32



ESCUTAR

“Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida” (Ez 18, 27).

“Nada façais por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro” (Fl 2, 1-11).

“‘Qual dos dois fez a vontade do pai? (...) Em verdade vos digo que os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no reino de Deus’” (Mt 21, 31).


MEDITAR

“A liturgia não foi reformada para aumentar o número de pessoas que vão à missa, mas para pô-las diante do gládio cortante da Palavra de Deus” (Bento XVI).

“Os cristãos possuem uma mensagem de libertação, porém, na história concreta dos homens, com muita frequência, foram outros que levaram aos homens uma libertação” (Georges Bernanos).


ORAR

O profeta Ezequiel evidencia o sentido da responsabilidade individual e se somos o que somos devemos tão somente a nós mesmos. Sempre podemos mudar a orientação de nossas vidas, corrigir rumos, arriscar novas fronteiras e abrigar outros horizontes. No entanto, a realidade tem mostrado indivíduos que não se arrependem de nada e continuam a caminhar sem nunca se perguntar sobre as razões e os significados de suas vidas.
O Evangelho nos mostra dois filhos “arrependidos”. O primeiro se arrepende da negativa (“mas depois mudou de opinião e foi”) e o segundo se arrepende de ter dito Sim (“mas não foi”). O Senhor não espera que falemos um Sim de imediato. O Senhor está sempre à espera de que não tenhamos preguiça de trabalhar, pois a vinha não se cultiva à força de um Sim ao Senhor.
A parábola nos convida a refletir sobre o verdadeiro sentido da obediência e o Senhor nos apela a manter a vigilância e a disponibilidade diante da Vida, numa fidelidade real que procede do amor, porque a única maneira de conhecer o desígnio de Deus é amando como Ele nos amou, sem discriminação. Não podemos reduzir o seguimento a Jesus a um espetáculo de bom mocismo, como o segundo filho e, muito menos, transformar a Igreja de Cristo num clube de pessoas de fino trato, insípidas e inodoras. Jesus ensina a sermos ousados e verdadeiros sem medo de dar nome às coisas que impedem a irrupção do Reino.
Paulo está desolado pois o que se passa na sociedade, em que cada um busca o próprio interesse e êxito, pisando uns aos outros, se reproduz na igreja de Filipos. Ele espera que haja na Igreja ao menos um pouco de concórdia, de decência, mas “um pouco” que seja verdadeiro.
Muitas vezes, basta ser um pouco cristão para distinguir a Igreja dos outros grupos humanos. Desconfiemos das mil palavras, das centenas de documentos e declarações solenes porque elas não fazem um Sim, até porque o sim não é uma palavra ou um escrito.
Jesus reafirma a tradição rabínica que reza: “Os justos dizem pouco e fazem muito; os ímpios dizem muito e nada fazem”. Os escribas falam sempre da Lei e o nome de Deus está sempre em seus lábios. Os sacerdotes do Templo louvam a Deus sem descanso e suas bocas estão cheias de salmos. Ninguém duvidaria de que estão cumprindo a vontade do Pai, mas as coisas não são sempre como parecem.
Os cobradores de impostos e as prostitutas não falam para ninguém de Deus e são pecadores desprezados por todos e, talvez, porque estejam juntos aos desprezados e humilhados, por terem compaixão dos perdidos, estão mais perto do que exatamente deseja o Pai.
Não devemos nos iludir. O Senhor não se deixa enganar pelo nosso Sim e sempre vai dar uma olhada na vinha para ver o que fizemos de bom, amoroso, justo e verdadeiro.


CONTEMPLAR

Narciso alla fonte, Michelangelo Merisi da Caravaggio, 1597-1599 c., óleo sobre tela, 113 x 95 cm, Galleria Nazionale d'Arte Antica, Palazzo Barberini, Roma, Itália.


terça-feira, 13 de setembro de 2011

O Caminho da Beleza 44 - XXV Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 44
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



XXV Domingo do Tempo Comum               18.09.2011
Is 55, 6-9                 Fl 1, 20-24.27                    Mt 20, 1-16


ESCUTAR

“Meus pensamentos não são como os vossos mandamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor” (Is 55, 8).

“Pois, para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fl 1, 21).

“Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja, porque estou sendo bom? Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (Mt 20, 15-16).


MEDITAR

“Quando se tratar de receber a recompensa, seremos todos iguais: os primeiros, como se fossem os últimos e os últimos como se fossem os primeiros. Porque a moeda de prata é a vida eterna, todos fruirão da mesma vida eterna. Contudo, em razão da diversidade dos méritos um resplandecerá mais e outro menos, mas quanto à vida eterna, ela será a mesma para todos. Ela não será mais longa para um e nem menos longa para outro, pois ela será eterna para todos: o que não tem fim para mim, não terá também para ti” (Santo Agostinho, Homilia 87).

“Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca” (Clarice Lispector).


ORAR

            Na tradição bíblica, a vinha é a imagem do povo que o Senhor escolheu e com o qual fez uma aliança. Na parábola de Jesus, a vinha torna-se a imagem de um novo Reino, reino sempre a construir e para o qual o Senhor tem necessidade de trabalhadores. Trabalhadores da primeira e da última hora receberão a mesma recompensa, pois o Senhor não faz diferença e acepção de pessoas.
            Jesus afirma que o amor do Pai e a sua misericórdia para com os pecadores não estão submetidos a condições ou cálculos. O salmista convida a cantar: “Misericórdia e piedade é o Senhor, Ele é amor, é paciência, é compaixão. O Senhor é muito bom para com todos, sua ternura abraça toda criatura” (Sl 144).
Quando quisermos pensar em Deus, primeiro devemos renunciar aos nossos pensamentos sobre Ele, pois ao nos convertemos não O encontramos automaticamente. Quando encontro Deus de verdade, só posso encontrá-Lo “escondido”. Ele permanecerá desta forma, sobretudo depois de que Se tenha deixado encontrar. Quanto mais Deus se revela, tanto mais Se faz “misterioso”.
A deformação da imagem de Deus é o perigo que correm as pessoas religiosas que falam tanto que O conhecem que chegam ao ponto de não reconhecê-Lo em seus irmãos e irmãs. Não temos nenhum problema em aceitar os dogmas mais indecifráveis, mas a generosidade de Deus para com todos, muitas vezes, cria problemas e obstáculos para a nossa fé e é um perigo para a nossa moral. A misericórdia do amor de Deus para com aqueles que, aos olhos do nosso “eu”, não são merecedores dela, causa-nos repugnância.
A parábola não se refere aos pecadores, mas aos que se pensam como “bons” e “justos”, questionando-os sobre suas reações ante os comportamentos surpreendentes e até escandalosos de Deus.
Esta parábola é a do patrão que queria trabalho e pão para todos. Sua conduta é estranha: o que o preocupa é que existam pessoas sem trabalho e, por esta razão, sai até a última hora para oferecê-lo àqueles que ninguém havia chamado. E lhes paga igualmente para que tenham como comprar a sua ceia.
A parábola nos ensina que a inveja é mais poderosa que o ódio e na sociedade de consumo em que vivemos a avareza alimenta a competição e o ressentimento, pois a sua força motriz é o estímulo da inveja que excita a ambição e o orgulho. Como afirma João Crisóstomo: “A inveja é sempre o carrasco do seu autor, uma vez que ela possibilita o sofrimento, atormenta o espírito, crucifica a alma e corrompe o coração”. Finalmente, devemos saber que o que é lucro para os homens, é perda para Deus e que “coração terno é vida para o corpo, mas a inveja é câncer nos ossos” (Pv 14, 30).


CONTEMPLAR

A Parábola dos trabalhadores da vinha, Cláudio Pastro, in: Parábolas, São Paulo, Paulinas, Brasil, 2002.






domingo, 4 de setembro de 2011

O Caminho da Beleza 43 - XXIV Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 43
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



XXIV Domingo do Tempo Comum                         11.09.2011
Eclo 27, 33-28, 9             Rm 14, 7-9              Mt 18, 21-35



ESCUTAR

“Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura? Se não tem compaixão do seu semelhante, como poderá pedir perdão dos seus pecados?” (Eclo 27, 3-4).

“Irmãos, ninguém dentre nós vive para si mesmo ou morre para si mesmo. Se estamos vivos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Portanto, vivos ou mortos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14, 7-8).

“Senhor, quantas vezes devo perdoar se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18, 21).


MEDITAR

“Nosso grande erro é tentar obter de cada um em particular as virtudes que ele não tem e negligenciar o cultivo das virtudes que ele possui” (Marguerite Youcenar).

“Todo grupo humano se enriquece na comunicação, na ajuda mútua e na solidariedade visando o bem comum: o desabrochar de cada um no respeito das diferenças” (Françoise Dolto).


ORAR

            Após recomendar o amor fraterno como constitutivo da comunidade, Jesus convida os seus discípulos para ir mais longe, até o perdão das ofensas, sem limites e sem voltas. Setenta vezes sete é a vingança extrema citada nos velhos contos épicos: “Se a vingança de Caim valia por sete, a de Lamec valerá por setenta e sete (Gn 4, 24).
            Nem Pedro e nem André, seu irmão, frequentaram a escola, pois desde cedo tiveram que aprender, com o seu pai, o ofício de pescador. A pergunta de Pedro a Jesus, sobre quantas vezes teria que perdoar seu irmão, foi uma clamorosa desgraça, pois teria sido mais justo e singelo da sua parte ter perguntado quantas vezes poderia perdoar. E, um pouco antes, Jesus colocara em suas mãos as chaves do Reino de Deus e a responsabilidade de decidir atar ou desatar tanto na terra como no céu (Mt 16, 19). Jesus lhe concedera, com infinita generosidade, esta missão apesar da sua limitação no uso dos verbos.
            Pedro ainda não compreendera que o perdão não é um prêmio, uma imposição, mas uma estupenda possibilidade; não um peso, mas uma libertação. O perdão é uma inacreditável possibilidade que nos é oferecida de fazer o mesmo gesto misericordioso e sem limites do Pai que zera todas as contas e anula todas as dívidas.
            O perdão, e tão somente ele, nos garante a certeza de virar a regra do jogo marcada pela ofensa, pela violência, pelo ódio do adversário, pela vingança, pelo rancor e pelo ressentimento.
            Pedro e André não foram à escola. E Pedro só conseguiu contar até sete na tentativa de regulamentar o perdão ao fixar um teto limite. Pedro fez uma tentativa para dissimular a sua limitação de quantificar a misericórdia e, na maior das boas intenções, tinha medo de “exagerar” e se mostrar generoso e excessivo no perdão, pois, talvez, poderia enfraquecer com isto a sua autoridade.
            Jesus lhe revela que não há cifras para o amor, que não existe “a última vez”, mas somente limites continuamente superáveis. “Sim, o amor é êxtase; êxtase não no sentido de um instante de inebriamento, mas como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus” (Bento XVI, Deus Caritas Est). No calendário cristão todo o dia é sempre dia de amar e de perdoar sem medidas.
            É o momento de inverter as preocupações e perguntar quantas vezes fizemos danos aos outros, pois também podemos ofender e escandalizar os nossos irmãos e irmãs. Temos que aniquilar o perdão regulamentado porque ele é sempre de mão única e um perdão de superioridade: de cima para baixo e, portanto, um perdão sem as entranhas da compaixão.
            Pedro só descobriu o perdão quando se tornou um devedor insolvente pela negação que fez de Jesus: “Não conheço este homem!” (Lc 22, 57).
            O perdão cristão, como a misericórdia do Pai, não entra em nenhuma medida humana e, por isso, por mais que queiramos, será impossível tomar posse dele e reservá-lo para nós.
            Que não sejamos nós a perguntar ao Cristo: quantas vezes podemos ser generosos como fostes conosco?


CONTEMPLAR

O servo perdoado que não perdoa, Heinrich Füllmaurer, painel do Altar de Mömpelgard, c. 1530-1570, Kunsthistoriches Museum, Viena, Áustria.