segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Caminho da Beleza 37 - XVIII Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 37
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).


XVIII Domingo Tempo Comum                   05.08.2012
Ex 16, 2-4.12-15                Ef 4, 17.20-24                    Jo 6, 24-35


ESCUTAR

“Ao anoitecer, comereis carne e, pela manhã, vos fartarei de pão. Assim sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus” (Ex 16, 12).

“Revesti o homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4, 17.20-24).

“Em verdade, em verdade vos digo, estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos” (Jo 6, 26).


MEDITAR

“Em nossos dias, não sabemos mais o que o homem é porque não sabemos mais quem é Deus. Não queremos saber mais o que o homem é porque não queremos mais saber quem é Deus” (Cardeal Lustiger).

“Para que nos serve caminhar por caminhos difíceis e trabalhosos? O repouso não está onde vós procurais. Procurais a vida feliz na região da morte. Ela não está lá. Como poderia existir uma vida feliz lá onde nem há mesmo vida?” (Santo Agostinho).


ORAR

Existem buscas que são equivocadas desde o início e, tantas vezes, buscamos Jesus por razões que nada tem a ver com Ele. As mais perigosas são estas buscas redutivas, limitadas e mesquinhas. Jesus reprova os que não desejam outra coisa a não ser o alimento suficiente para contentarem-se ou aqueles que querem fazer Dele um rei para que sejam resolvidos os seus problemas econômicos e se realizem os seus sonhos nacionalistas. Jesus convida para a descoberta de outra fome e outra sede. Na sua cegueira imediatista, as pessoas insaciáveis não se deram conta do sinal acontecido. Encheram seus estômagos, retiveram o milagre como um meio de matar a fome e passaram ao largo da misericórdia do Pai. Não foram além da necessidade de um rei padeiro que lhes forneceria, sem cessar e sem nenhum custo, o pão de cada dia. E, apesar de tudo o que viram, exigem mais um sinal para que possam Nele acreditar e para que provasse a Sua autoridade. Jesus não lhes dá nenhum outro sinal e proclama: “EU SOU o pão da vida”. O mesmo EU SOU da revelação de Deus a Moisés: “EU SOU AQUELE QUE É e disse mais: ‘Assim dirás aos israelitas: EU SOU me enviou até vós’” (Ez 3, 14). É assim que Jesus se revela sempre. Ao curar o cego: “EU SOU a luz do mundo”; ao ressuscitar o amigo Lázaro: “EU SOU a ressurreição e a vida”; na sua despedida antes de voltar ao Pai: “EU SOU o caminho” e, finalmente, quando pela sua entrega total vai derramar o seu sangue: “EU SOU a verdadeira vinha”. O evangelista fala de sinais e não de milagres. O milagre tem o perigo de se paralisar num ponto fixo de deslumbramento que pode bloquear cada um de nós no assombro e no entusiasmo artificial. Os sinais são pontos interrogativos que nos obrigam a superar a materialidade dos fatos, a exterioridade deles, para captar a mensagem secreta e nos colocarmos perguntas fundamentais sobre a pessoa e a missão de Jesus. No entanto, o sinal não desemboca diretamente na fé. A ela só chegamos por meio do encontro com a Palavra. Jesus nos chama a uma superação permanente das posições cristalizadas, defendidas com unhas e dentes, e que nos impedem de nos convertermos em discípulos. Temos preferido manter a prudência, esta virtude muito utilizada nas igrejas, e continuar plantados em território conhecido e, por esta razão, nunca descobriremos que é somente do outro lado da fronteira que a palavra pode penetrar em nós : “Consta-me que sois da linhagem de Abraão; porém tentais matar-me por que a minha palavra não penetra em vós”(Jo 8, 37). Precisamos extirpar da nossa memória a nostalgia do maná que impede de morrer de fome, para acolher o Pão que garante a vida. Jesus propõe a lei da superação e continuamos a preferir os gestos conciliatórios que deixam tudo como está. Como diz a linguagem popular: “Trocamos, sempre, seis por meia dúzia”. Ao caminho novo da liberdade proposto por Jesus, temos respondido com a nostalgia da escravidão. Escutemos um judeu, como Jesus, que fez eco à reciprocidade do amor e da vida: “Se pressupomos o homem como homem e sua relação com o mundo como uma relação humana, só se por trocar amor por amor, confiança por confiança, etc. (...) Se amas sem despertar amor, isto é, se teu amor enquanto amor, não produz amor recíproco, se mediante tua exteriorização de vida como homem amante não te convertes em homem amado, teu amor é impotente, uma desgraça” (Karl Marx, Manuscritos Econômicos e Filosóficos).


CONTEMPLAR

A Última Ceia, Sieger Köder, Alemanha, 1989.




domingo, 22 de julho de 2012

O Caminho da Beleza 36 - XVII Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 36
Leituras para a travessia da vida

A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



XVII Domingo do Tempo Comum              29.07.2012
2 Rs 4, 42-44                     Ef 4, 1-6                   Jo 6, 1-15



ESCUTAR


“E Eliseu disse: ‘Dá ao povo para que coma’. Mas o seu servo respondeu-lhe: ‘Como vou distribuir tão pouco para cem pessoas?’. Eliseu disse outra vez: ‘Dá ao povo para que coma; pois assim diz o Senhor: ‘Comerão e ainda sobrará’” (2 Rs 4, 43).


“Eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a caminhardes de acordo com a vocação que recebestes: com toda a humildade e mansidão, suportai-vos uns aos outros com paciência, no amor” (Ef 4, 1-2).


“André, o irmão de Simão Pedro, disse: ‘Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?’” (Jo 6, 8).



MEDITAR


“No ventre em que o ódio se instalou primeiro, o amor não encontra lugar” (Provérbio da Costa do Marfim).


“O contrário da felicidade não é a tristeza, mas um coração endurecido. É recusar se deixar tocar pelos outros, colocar uma barreira para impedir o coração de se comover. Se quisermos ser feliz é preciso sair de nós mesmos e sermos vulneráveis”(Timothy Radcliffe).



ORAR


Jesus testemunha que a humildade, a mansidão, e a paciência devem caminhar juntas com a justiça. Não podemos nos contentar com apenas deixar cair migalhas da nossa mesa; nem entregar aos milhares de Lázaros, que batem à nossa porta, as sobras das nossas farturas. Não se distribuem as sobras antes do banquete e o Senhor nos convida para o banquete que nos sacia em plenitude e não para matar a fome com o que dele sobra. A eucaristia é a celebração da abundância e não uma mera lembrança facultativa dos pobres e famintos. Jesus impede que a comunidade dos que O seguem se feche sobre si mesma e nos ensina que somente uma igreja disposta a “perder” pode representar uma esperança concreta no deserto do mundo. O Cristo exige de nós a pobreza e o serviço, pois a pobreza coloca o mínimo à disposição de todos e o serviço exige que a Igreja de Jesus seja uma igreja despojada, modesta e sem importância aos olhos dos poderosos e abastados. Jesus testemunha que a desproporção das medidas se anula quando o pouco que se tem e o nada que se é se convertem no tudo que se dá e se dispõem. Ter fé não é acreditar em milagres, mas acreditar que o Cristo para fazer um milagre necessita do pouco que temos e oferecemos gratuitamente. Ter fé significa aceitar que Ele transforme nosso coração de pedra acostumado aos cálculos exatos em corações de carne capazes de saciar as pessoas com a irracionalidade das carências, das perdas e dos serviços fraternos. O evangelista nos coloca diante da pobreza simbolizada por cinco pães e dois peixes com os quais é impossível alimentar uma multidão. O menino frágil entrega tudo o que tinha para se alimentar e, na generosidade do seu coração, o mínimo se torna o ponto de partida para o máximo: um mínimo multiplicado. Jesus transmuta a pobreza e revela que somos infinitamente ricos quando, mesmo com as mãos vazias, as temos plenas de dons da compaixão. Jesus ensina que não há vida humana que, apesar de sua pequenez, não possa se transformar em riqueza divina e que esta bênção preenche o coração de felicidade. No “milagre da multiplicação” não há lugar para nenhum cálculo e, no entanto, tudo parece mais rico, mais bonito, mais frutuoso e mais transbordante do que antes. Os sete pães e os dois peixes restam como são e não mudam de forma e consistência e, no entanto, é nesta aparência exterior que Deus vem às nossas vidas. Somos convidados a comer todos juntos e nos fartar dos dons oferecidos pela fecundidade da vida, pois “há um só Deus Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos”. Jesus pede ao Pai que alimente a multidão assim como a comunidade eclesial pede ao Espírito Santo que transforme o pão e o vinho em Corpo e Sangue de Cristo que nos alimenta, salva e nos dá coragem. A eucaristia entrega, de mão em mão, o Corpo e o Sangue do Cristo e nos torna lúcidos para que saibamos que jamais O possuiremos como uma coisa agregada de valor sagrado, mas que O encontraremos como Pessoa elevando a nossa dignidade humana como um dom e uma bênção. Não podemos esquecer que a eucaristia é a proclamação de que a morte foi aniquilada e que Jesus revela que o amor pode ser multiplicado ainda que seja pouco o que ousamos dar de ternura e compaixão uns aos outros.



CONTEMPLAR


A santa ceia (detalhe), Arcabas (Jean-Marie Pirot), óleo sobre tela, 0,81m x 0,65m, Saint-Pierre-de-Chartreuse, França, 2003.











sexta-feira, 20 de julho de 2012

O Caminho da Beleza 35 - XVI Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 35
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



XVI Domingo do Tempo Comum                22.07.2012
Jr 23, 1-6                 Ef 2, 13-18              Mc 6, 30-34



ESCUTAR


“Vós dispersastes o meu rebanho, e o afugentastes e não cuidastes dele. E eu reunirei o resto de minhas ovelhas de todos os países para onde foram expulsas e as farei voltar a seus campos, e elas reproduzirão e multiplicarão. Suscitarei para elas novos pastores que as apascentam; não sofrerão mais o medo e a angústia, nenhuma delas se perderá, diz o Senhor” (Jr 23, 2-4).


“Ele, de fato, é a nossa paz: do que era dividido, ele fez uma unidade. Em sua carne ele destruiu o muro de separação: a inimizade” (Ef 2, 14).


“Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6, 34).



MEDITAR


“Se a Igreja for se apresentar como instituição de poder, ou sistema ideológico ou simples tradição religiosa, as pessoas não encontrarão mais nela as respostas para as suas verdadeiras ou mais profundas perguntas. Esta é uma das razões decisivas para o abandono do Cristianismo: seu modelo de vida, como parece claro, não convence. Parece limitar o homem em tudo, estragar a sua alegria de viver, limitar a sua liberdade tão preciosa e conduzi-lo não ao mar aberto, mas à angústia e ao sufocamento” (Bento XVI).


“Nós amamos a vida e nada somos. Ancoramos no amor e não amamos a não ser o que somos. E o que somos?” (Carlos Nejar).



ORAR


O profeta é incisivo e denuncia os pastores que dispersaram e afugentaram o rebanho; não tomaram conta dele e, agora, o próprio Deus o fará, dando novos pastores para que o rebanho não sofra mais de angústia e de medo. O Senhor revela que o pecado maior é descuidar das pessoas e da atenção que cada uma merece: “nenhuma delas se perderá”. Nosso pesado aparato burocrático nos deixa pouco tempo para as pessoas. Somos conclamados a orar pedindo pastores, mas esquecemos de que nada adiantará se nos faltam ovelhas numa messe quase nula e de idade avançada. Paulo é enfático e proclama que Cristo derrubou o ódio que era o muro que nos separava; não só os muros de pedra, mas os muros de defesa e exclusão. Cristo aniquilou todos os muros pelo primado do amor manifestado na sua morte violenta na cruz. A exigência radical do amor supera toda “a Lei com seus mandamentos e decretos” e destrói a inimizade aninhada no coração de cada um. Jesus nos apela, cotidianamente, a impedir que a vida se apague por causa de um ativismo sem alma que não liberta as forças vitais, mas as consome e as esgota: “havia, de fato, tanta gente chegando e saindo que não tinham tempo nem para comer”. O seguimento de Jesus implica em aceitar que seremos incomodados em nossos planos e em nossas lógicas individuais e, às vezes, excludentes. Não podemos negar a compaixão e nem subordinar a dor das pessoas ao ritmo dos nossos expedientes individuais para que não transformemos nossos irmãos e irmãs num estorvo que nos impedirá de reconhecer neles o Cristo Ressuscitado que nos interpela a todo instante: “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era estrangeiro e me acolheste, estava nu e me vestiste, estive enfermo e cuidaste de mim, preso e fostes ver-me” (Mt 25, 35-36). Devemos nos entregar inteiros, mas precisamos nos subtrair por um momento para esta aparente atividade improdutiva que é a oração. Jesus ensina que a solidão é um meio privilegiado de comunhão. Não podemos nos converter em pastores incapazes de apascentar porque nos autocondenamos ao esgotamento estéril e patético dos que, a todo custo, só sabem perseguir e correr atrás das ovelhas. Jesus revela que o pastor só perde suas ovelhas quando perde algo dentro de si mesmo e, então, os elos se rompem, voltam a serem erguidos os muros da separação, pois foi perdida a dinâmica do élan vital com o Pai, pelo Filho no Espírito Santo. Uma vida cristã é um aprendizado de estar com o coração aberto a todo instante. Jesus nos precedeu percorrendo as estradas poeirentas, entrando nas cidades, fazendo o bem, acolhendo os párias, sentando com os pobres e comendo à mesa com os pecadores. Jesus sofreu a malícia e os sarcasmos dos poderes religiosos e imperiais. Jesus testemunhou que fracassar não é crime e nem pecado. O crime e o pecado são, orgulhosamente, contentarmo-nos com os objetivos medíocres em toda a nossa travessia. Vamos tentar, mais uma vez, ensinar nossos jovens e as futuras gerações a destruir os muros da inimizade e as fronteiras da intolerância e, com ousadia, esperança e risco, fazê-los arrancar o grito preso na garganta e parado no ar: “Deixem o sol entrar!”.



CONTEMPLAR


Foto-montagem, autoria desconhecida, s.d.













terça-feira, 10 de julho de 2012

O Caminho da Beleza 34 - XV Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 34
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



XV Domingo do Tempo Comum                  15.07.2012
Am 7, 12-15            Ef 1, 3-14                 Mc 6, 7-13



ESCUTAR


“Não sou profeta nem sou filho de profeta; sou pastor de gado e cultivo sicômoros” (Am 7, 14).


“Ele nos fez conhecer o mistério da sua vontade (...) para levar à plenitude o tempo estabelecido e recapitular em Cristo, o universo inteiro: tudo o que está nos céus e tudo o que está sobre a terra” (Ef 1, 9).


“Quando entrares numa casa, ficai ali até vossa partida. Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!” (Mc 6, 10-11).



MEDITAR


“O primeiro cristão que entrou no céu e no paraíso foi um ladrão crucificado ao lado de Jesus. Isto é justo, pois a Igreja de Jesus deve acolher a todos, especialmente, os que a vida é um lodaçal” (Timothy Radcliffe).


“Não julgar. Todos os erros são iguais. Só há um erro: não ter capacidade para alimentar-se de luz. Pois, uma vez abolida esta capacidade, todos os erros são possíveis. ‘Meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que me enviou’. Não existe nenhum outro bem fora dessa capacidade.” (Simone Weil, A gravidade e a graça).



ORAR


Há sempre um risco a correr quando estamos confiantes de que o Senhor decidiu nos fazer conhecer o mistério da sua vontade: o de “levar à plenitude o tempo estabelecido e recuperar em Cristo o universo inteiro: tudo o que está nos céus e tudo o que está sobre a terra”. O Pai tudo nos deu no seu Filho Amado e este dom recapitula tudo o que Deus realizou, realiza e realizará em favor de todos os homens e mulheres. O Filho enviado é o portador não de ameaças e castigos, mas das bênçãos do Pai. As bênçãos de Deus nem sempre são carícias e, algumas vezes, seus dons podem ser pedras toscas lançadas pela boca dos profetas contra as consciências adormecidas ou acomodadas. As nossas instituições religiosas são avessas às críticas e nos mostram que as denúncias proféticas são boas e justas desde que dirigidas aos “de fora” e que as desordens existem sempre em casa alheia. O cardeal Martini hipotecou sua absoluta solidariedade ao Papa Bento XVI na sua visita à Milão, em maio de 2012: “Que a Igreja perca dinheiro, mas que não perca a si mesma. Porque o que aconteceu pode nos aproximar do Evangelho e ensinar a Igreja a não apontar para os tesouros da terra”. Somos ágeis em levantar a voz quando se trata de condenar os erros dos outros, mas lerdos quando se trata de fazê-la ouvir contra as castas entranhadas na hierarquia curial romana acostumada aos conchavos, adulações e conspirações.  O profeta será sempre um intruso, mas um intruso enviado por Deus. Jesus anuncia a condição para quem o segue: o risco da pobreza. O Cristo está mais preocupado com o que devemos levar do que com o que precisamos possuir. Jesus nos faz saber que o Evangelho não tem necessidade de meios humanos apelativos ou excessivamente chamativos, pois a força da Boa Nova está nela mesma e não nos meios usados nos espetáculos de massa orquestrados pelos padres e pastores da última geração high tech. A missão deve ser pobre para que a imponência dos meios não faça desaparecer a sua essência ao invés de multiplicá-la. Se nos perdermos na programação da missão, no definir de antemão as opções prioritárias, no público alvo, nas tarefas específicas, nas regras, nos conteúdos corretos, poderemos nos esquecer do mais importante da jornada: que é necessário partir. Somos exímios doutores na “invenção” de roteiros pré-estabelecidos que nos garantam sucessos, mas analfabetos nos roteiros que nos impulsionem às partidas. Vivemos numa eterna e visível contradição: pregamos o respeito às pessoas, mas as trituramos com as “nossas verdades”; produzimos toneladas de documentos sobre a pobreza e gastamos fortunas de dinheiro para publicá-los, ainda que saibamos que são poucos os que os leem, estudam e se regem por eles; fazemos prognósticos, mas estamos mergulhados no vazio do presente. Jesus nos alerta que o risco fundamental para os que O seguem é sempre o dos passos e não o das disputas e por esta razão “recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas”. Somos chamados a ir “dois a dois” para viver a realidade existencial de que só podemos falar de Deus se partilharmos os mesmos riscos, mas, sobretudo, o amor fraterno. Sempre serão necessárias, minimamente, duas pessoas que se apoiam, se acompanham e se conduzem mutuamente para que a experiência humana possa amadurecer em verdade, adquirir valor aos olhos de Deus e se tornar edificante para os outros. Este dar-se-o-que-se-é, ainda que seja pouco, multiplica-se ao cêntuplo como se o elo da partilha se tornasse uma espiral que se alarga sem cessar. Não vivemos somente de pão, mas do amor que ousa se afirmar e ao entrarmos neste universo de confiança e fraternidade, seremos capazes de transformar tudo em milagre de Deus: a angústia em certeza, a pobreza em riqueza, a necessidade em saciedade, a tristeza em alegria e a aridez interior em ternura. Jesus testemunha que o gesto de amor, por menor que seja, transforma e revoluciona tudo. E Paulo nos confirma: “Quem ama nunca desiste, porém suporta tudo com fé, esperança e paciência. O amor jamais acaba” (1 Cor 13, 7).



CONTEMPLAR


O Caminho para Emaús, Daniel Bonnell, óleo sobre tela, Georgia, Estados Unidos.









quinta-feira, 5 de julho de 2012

O Caminho da Beleza 33 - XIV Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 33
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



XIV Domingo do Tempo Comum                08.07.2012
Ez 2, 2-5                  2 Cor 12, 7-10                    Mc 6, 1-6



ESCUTAR


“Assim diz o Senhor Deus: Quer te escutem, quer não – pois são um bando de rebeldes – ficarão sabendo que houve entre eles um profeta”(Ez 2, 4-5).


“Irmãos: para que a extraordinária grandeza das revelações não me ensoberbecesse, foi espetado na minha carne um espinho, que é como um anjo de Satanás a esbofetear-me, a fim de que eu não me exalte demais (...). Pois, quando eu me sinto fraco, é então que sou forte” (2 Cor 12, 7.10).


“Jesus lhes dizia: Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (Mc 6, 4).



MEDITAR


“Ser um testemunho não implica fazer propaganda, nem despertar as pessoas, mas ser um mistério vivo. Isto significa viver de tal maneira que a nossa vida não teria nenhum sentido se Deus não existisse” (Cardeal Suhard).


“Nós falamos de amor, de liberdade, de felicidade, mas a menos que vejamos que nossas igrejas são lugares onde as pessoas são livres e corajosas, por que acreditaríamos nela?” (Timothy Radcliffe).



ORAR


Os textos das Escrituras deste Domingo nos conduzem a fazer um elogio da fraqueza: Ezequiel deve afrontar um povo rebelde; Paulo se debate com um espinho na carne e Jesus é desprezado e proscrito, em Nazaré, a sua própria terra. O profeta Ezequiel é incisivo: “E tu, filho de Adão, não tenhas medo deles, não tenhas medo do que disserem, mesmo quando te rodearem espinhos e te sentares sobre escorpiões” (Ez 2, 6). O Senhor não garante nenhum êxito, mas exige que se pronuncie a palavra, pois o seu resultado não depende da competência do profeta. A palavra do Senhor deve semear inquietudes e nenhum profeta pode reduzir a Palavra ao que as pessoas gostam de ouvir, pois a palavra profética é imperiosa, confrontadora e, na maioria das vezes, a sua glória vem da sua derrota. Jesus se depara com a mentalidade mais estreita, com a mesquinharia e com os preconceitos, mas sem se deixar bloquear ou paralisar por eles, “percorre os povoados da redondeza, ensinando”. Jesus dá o testemunho de que devemos nos libertar do entorno sufocante dos mesquinhos e semear a palavra em outra parte, em campos abertos onde sopra o vento que renova sempre o ar. Jesus testemunha ainda que o maior escândalo é o profeta que é sempre mais perseguido na sua própria terra, difamado pelos seus e proscrito pelos que O conheceram desde que nasceu: “Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?”. É mais fácil acolher a Palavra de Deus quando ela aparece de uma maneira prodigiosa; é muito mais difícil reconhecê-la na fragilidade e fraqueza de um homem. No entanto, ao profeta é perdoada a inteligência – “muitos que o escutavam ficaram admirados” -, mas nunca serão perdoados os desafios lançados e os transtornos que sua palavra causa. A palavra profética torna-se perigosa quando ameaça a estabilidade, a ordem existente e os equilíbrios enganosos. O profeta não teme a solidão e continuará a proclamar em alta voz, quase aos gritos, a Palavra. Ele assim o fará para que não ceda ao cansaço e ao desânimo; para que ele mesmo se converta sempre cada vez que a ouve sair da sua garganta, comprometendo a sua vida e existência. O verdadeiro profeta não se preocupa quando os ouvintes se afastam e, mesmo que não sobre ninguém, continuará a proclamar a Palavra. Deixemos gravado em nosso coração o poema de Drummond, musicado e cantado, profeticamente, por Milton Nascimento: “Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças”.



CONTEMPLAR



Cristo escarnecido por soldados, Georges Rouault, 1932, óleo sobre tela, 92,1 cm x 72,4 cm, Museu de Arte Moderna, Nova York, Estados Unidos.