quarta-feira, 27 de setembro de 2023

O Caminho da Beleza 45 - XXVI Domingo do Tempo Comum

Peguei da mão do anjo o livrinho e comi-o. Na boca era doce como mel, mas, quando o engoli, meu estômago tornou-se amargo (Ap 10, 10).

XXVI Domingo do Tempo Comum            

Ez 18, 25-28                      Fl 2, 1-5                   Mt 21, 28-32

 

ESCUTAR

“Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida” (Ez 18, 27).

 “Nada façais por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro” (Fl 2, 3-4).

“Em verdade vos digo que os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no reino de Deus” (Mt 21, 31).

 

MEDITAR

Se eu fosse um demônio, para tentar a um grupo religioso sério, pedir-lhe-ia que criasse muitas leis e regras e que logo organizassem sua vida. Os membros desse grupo poderiam pensar que a observância destas leis é o caminho para servir a Deus, mas gradualmente Deus se retiraria. Logo após isto, em nome da busca da verdade, eles propagariam essas leis mediante palavras e ideias... tudo isso em nome de Deus. Pouco a pouco, eles mesmos tomariam o lugar de Deus.

(Shigeto Oshida)

 

ORAR

O profeta nos faz saber da nossa responsabilidade individual e cada um de nós é responsável pelo momento presente, dono do seu próprio destino e artífice do seu futuro. Se somos o que somos devemos a nós mesmos. Se não somos o que queríamos ter sido não é justo descarregar as culpas nos DNAs familiares. É muito cômodo responsabilizar a sociedade, as estruturas, o ambiente familiar e o sistema. Atualmente as pessoas não se arrependem nem do bem e nem do mal que fazem e continuam sem se perguntar sobre os conteúdos da vida e da direção que caminham. O Evangelho nos mostra dois filhos arrependidos. O primeiro não quis ir para vinha, mas depois foi; o segundo quis ir, mas não foi. A Igreja de hoje deve temer mais os consensos superficiais, as aprovações entusiastas, as declarações que nada custam e as aclamações hipócritas. Muita gente diz sempre Sim, em qualquer circunstância e em todas as partes, mas a sua prática é um redondo Não. Toda obediência ostensiva é suspeita, pois pode ser um recurso sutil para se esquivar das tarefas mais ingratas. Os aplausos dificilmente abrem para um compromisso concreto e silencioso. Nós, cristãos do século XXI, não inventamos absolutamente nada. Continuamos a viver numa sociedade e em igrejas nas quais cada um busca o próprio interesse e o próprio êxito; pisando uns sobre os outros para ascender em status e poder. A mensagem da parábola é clara: diante de Deus, o importante não é falar, mas fazer. O decisivo não é prometer ou confessar, mas cumprir a Sua vontade. A tradição rabínica repete: “Os justos dizem pouco e fazem muito; os ímpios dizem muito e não fazem nada”. Os escribas falam constantemente da Lei e o nome de Deus está sempre em seus lábios. Os sacerdotes do Templo louvam a Deus sem descanso e suas bocas estão cheias de salmos. Ninguém duvidaria de que estivessem fazendo a vontade do Pai. Mas as coisas não são sempre como parecem. Os cobradores de impostos e as prostitutas não falam a ninguém de Deus e Jesus tem compaixão para com eles. O Credo que pronunciamos repetitivamente é inócuo se vivemos sem compaixão. Nossos pedidos de paz e justiça são estéreis se nada fazemos para construir uma vida mais digna para todos. Nós, cristãos, construímos magníficos sistemas de pensamento para recolher a doutrina cristã com profundidade. No entanto, a verdadeira vontade do Pai é vingada pelos que traduzem em atos de compaixão o Evangelho de Jesus.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)


 CONTEMPLAR

O Bom Samaritano, 1885, Ferdinand Hodler (1853-1918), óleo sobre tela, Museu de Arte Moderna de Zürich, Suíça.




quarta-feira, 20 de setembro de 2023

O Caminho da Beleza 44 - XXV Domingo do Tempo Comum

 Peguei da mão do anjo o livrinho e comi-o. Na boca era doce como mel, mas, quando o engoli, meu estômago tornou-se amargo (Ap 10, 10).

XXV Domingo do Tempo Comum  

Is 55, 6-9                 Fl 1, 20-24.27                    Mt 20, 1-16

 

ESCUTAR

“Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor” (Is 55, 8).

“Só uma coisa importa: vivei à altura do evangelho de Cristo” (Fl 1, 27).

 “Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja, porque estou sendo bom? Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (Mt 20, 15-16).

 

MEDITAR

O grão de trigo da individualidade humana deve cessar de querer existir por si mesmo; deve esgotar a existência da vida, não pelo desejo de ser autônomo, mas pelo dom amoroso, o dom de si mesmo.

(Christos Yanarras)

 

ORAR

“Ide para a minha vinha”, diz o Senhor e tudo se joga num instante, numa ocasião que não se pode deixar passar. Se não abrirmos os olhos, nos colocarmos de pé e não respondermos ao chamado, faltaremos ao encontro decisivo da nossa vida. Este é o momento favorável e o dia da salvação (2 Cor 6, 2) e não haverá outros mais favoráveis. Não podemos pedir “um tempo” para considerar a oferta, para avaliar o convite e responder numa próxima vez. O Senhor nos quer encontrar hoje, pois qualquer hora é hora para Ele desde que seja a hora do nosso Sim. Os caminhos do Senhor e seus pensamentos podem não coincidir, rigorosamente, com os nossos. Ao encontrarmos o Senhor, a entrega há de ser inteira e despojada. Para encontrá-Lo, devemos, primeiro, renunciar aos nossos pensamentos sobre Ele. A deformação da imagem de Deus é o perigo que correm as pessoas religiosas. Quanto mais o Senhor se revela tanto mais se faz misterioso e sempre sua revelação nos desconcerta e nos escandaliza. O chamado à vinha é graça e o prêmio é dom, pois a alegria do Senhor é dar sem medida. Deus nos fala da gratuidade e nós respondemos a Ele, falando da “justiça” com suas cláusulas, códigos e regras. A generosidade de Deus sempre cria problemas e, muitas vezes, se torna um obstáculo para a fé e um perigo para a moral daqueles que rechaçam os que consideram indignos e pecadores. A parábola não se dirige aos pecadores, mas aos bons e justos que devem se questionar sobre suas reações diante dos comportamentos surpreendentes e escandalosos de Deus. Não é fácil acreditar nesta bondade insondável de Deus que nos fala Jesus. Podemos nos escandalizar que Deus seja bom para com todos, mereçam ou não; sejam crentes ou agnósticos; invoquem seu nome ou vivam de costas para Ele. Deus é assim e o melhor que podemos e devemos fazer é deixar que Ele seja o que é, sem apequená-Lo com nossas ideias, esquemas e frustrações.

(Manos da Terna Solidão/ Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

No Templo Dourado, o local mais sagrado dos Sikhs, um peregrino segura uma folha para receber o darsham matinal (oferenda de comida), Amritsar, India, Abbas Attar (1944-2018), Irã.




sexta-feira, 15 de setembro de 2023

O Caminho da Beleza 43 - XXIV Domingo do Tempo Comum

 Peguei da mão do anjo o livrinho e comi-o. Na boca era doce como mel, mas, quando o engoli, meu estômago tornou-se amargo (Ap 10, 10).

XXIV Domingo do Tempo Comum            

Eclo 27, 33-28, 9             Rm 14, 7-9              Mt 18, 21-35

 

 ESCUTAR

“Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura? Se não tem compaixão do seu semelhante, como poderá pedir perdão dos seus pecados?” (Eclo 27, 3-4).

“Irmãos, ninguém dentre nós vive para si mesmo ou morre para si mesmo. Se estamos vivos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Portanto, vivos ou mortos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14, 7-8).

“Senhor, quantas vezes devo perdoar se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18, 21-22).

 

MEDITAR

Nosso grande erro é tentar obter de cada um em particular as virtudes que ele não tem e negligenciar o cultivo das virtudes que ele possui.

(Marguerite Youcenar)

Todo grupo humano se enriquece na comunicação, na ajuda mútua e na solidariedade visando o bem comum: o desabrochar de cada um no respeito das diferenças.

(Françoise Dolto)

 

ORAR

            Após recomendar o amor fraterno como constitutivo da comunidade, Jesus convida os seus discípulos para ir mais longe, até o perdão das ofensas, sem limites e sem voltas. Setenta vezes sete é a vingança extrema citada nos velhos contos épicos: “Se a vingança de Caim valia por sete, a de Lamec valerá por setenta e sete” (Gn 4, 24). Pedro ainda não compreendera que o perdão não é um prêmio, uma imposição, mas uma estupenda possibilidade; não um peso, mas uma libertação. O perdão é uma inacreditável possibilidade que nos é oferecida de fazer o mesmo gesto misericordioso e sem limites do Pai que zera todas as contas e anula todas as dívidas. O perdão, e tão somente ele, nos garante a certeza de virar a regra do jogo marcada pela ofensa, pela violência, pelo ódio do adversário, pela vingança, pelo rancor e pelo ressentimento. Nem Pedro e nem André, seu irmão, frequentaram a escola, pois desde cedo tiveram que aprender, com o seu pai, o ofício de pescador. E Pedro só conseguiu contar até sete na tentativa de regulamentar o perdão ao fixar um teto limite. Jesus lhe revela que não há cifras para o amor, que não existe “a última vez”, mas somente limites continuamente superáveis. “Sim, o amor é êxtase; êxtase não no sentido de um instante de inebriamento, mas como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus” (Bento XVI, Deus Caritas Est). No calendário cristão todo o dia é sempre dia de amar e de perdoar sem medidas. É o momento de inverter as preocupações e perguntar quantas vezes fizemos danos aos outros, pois também podemos ofender e escandalizar os nossos irmãos e irmãs. Temos que aniquilar o perdão regulamentado porque ele é sempre de mão única e um perdão de superioridade, de cima para baixo e, portanto, um perdão sem as entranhas da compaixão. Pedro só descobriu o perdão quando se tornou um devedor insolvente pela negação que fez de Jesus: “Não conheço este homem!” (Lc 22, 57). O perdão cristão, como a misericórdia do Pai, não entra em nenhuma medida humana e, por isso, por mais que queiramos, será impossível tomar posse dele e reservá-lo para nós. Que não sejamos nós a perguntar ao Cristo: quantas vezes podemos ser generosos como fostes conosco?

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Emoção, 2015, Londres, Kevin Mullins, Wiltshire, Inglaterra.




quarta-feira, 6 de setembro de 2023

O Caminho da Beleza 42 - XXIII Domingo do Tempo Comum

Peguei da mão do anjo o livrinho e comi-o. Na boca era doce como mel, mas, quando o engoli, meu estômago tornou-se amargo (Ap 10, 10).

XXIII Domingo do Tempo Comum           

Ez 33, 7-9                Rm 13, 8-10                       Mt 18, 15-20

 

ESCUTAR

“Quanto a ti, filho do homem, eu te estabeleci como vigia para a casa de Israel. Logo que ouvires alguma palavra da minha boca, tu os deve advertir em meu nome” (Ez 33, 7).

“Não fiqueis devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo, pois quem ama o próximo está cumprindo a lei” (Rm 13, 8).

“Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí, no meio deles” (Mt 18, 20).

 

MEDITAR

Nossa experiência de Deus é como o ato de nadar num eterno oceano de amor ou interagir com a presença despercebida do ar: inspiramos amor e expiramos amor. Essa experiência é onipresente, onisciente e onipotente. Jamais se esgota, sempre se expande. Quando procuro descrever essa realidade, as palavras me falham, então simplesmente digo o nome Deus.

(John Shelby Spong)

 

ORAR

“Não fiqueis devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo”. As dívidas mais importantes e vitais que temos são dívidas de amor. Sempre estaremos em débito, porque ao pagar as dívidas do presente as do futuro surgirão. O cristão sempre ficará, por amor, a dever alguma coisa para alguém. O amor é um crédito que os outros exibem diante de nós sempre e em todas as partes. Quando servimos os pobres não fazemos mais do que pagar nossas dívidas de amor. O profeta nos apela a sermos sempre sentinelas do amor. Não vigias da disciplina e da intolerância e nem vigias que não dormem para acusar os inimigos, mas se tornam sonolentos quando se trata de defender a prática do amor. O cristão age em comunidade sob o signo da corresponsabilidade. Cada um é sentinela do seu irmão para aniquilar a prepotência assassina de Caim: “Sou eu o guarda do meu irmão? Quem não ama é assassino e as vozes do sangue dos não-amados clamarão aos céus” (Gn 4, 10). Ser sentinela não significa comportar-se como espião ou polícia do outro, pois antes de julgar o próximo é necessário demonstrar nosso cuidado, nossa atenção, e fazê-lo acreditar que é amado, apesar de tudo. O amor, a paciência, a misericórdia e o respeito são a luz indispensável para a correção fraterna dos nossos irmãos. Mais do que discipliná-lo é preciso chamá-lo a deixar-se amar. A correção fraterna exige o abandono de qualquer superioridade, pois todos partilhamos da mesma fragilidade e miséria. Nunca dizer: “Olha o que você fez!”, mas “Veja o que somos capazes de fazer”. E para aquele que se auto exclui da comunidade devemos ainda mais amor. Na Igreja de Jesus, não podemos estar por inércia nem por costume ou medo. Devemos estar reunidos em seu nome e alimentando-nos do seu Evangelho. Reunir-se em nome de Jesus é criar um espaço para viver a existência em torno Dele e do Seu horizonte. Um espaço definido não pelos limites das doutrinas, dos costumes e práticas, mas pelos horizontes de amor. O cristão não conhece limites, mas horizontes. Devemos ser uma luz no meio de uma Igreja debilitada pela rotina e paralisada pelos medos. A renovação da Igreja começa sempre no coração de dois ou três que se unem em nome de Jesus: a presença de Deus está onde existe a presença fraterna. Meditemos em nosso coração o livro do Eclesiástico: “há amigos de um momento que não duram em tempo de perigo. O amigo fiel é refúgio seguro; quem o encontra, encontra um tesouro” (Eclo 6, 8.14).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O padre Júlio Lancellotti abraça Cassiano, que vive nas ruas de São Paulo, 2020, Wanezza Soares/El País, Brasil.