segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O Caminho da Beleza 46 - XXVII Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

            (Carlos Drummond de Andrade)


XXVII Domingo do Tempo Comum                       06.10.2019
Hab 1, 2-3;2, 2-4              2 Tm 1, 6-8.13-14             Lc 17, 5-10


ESCUTAR

“Quem não é correto vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2, 4).

Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e sobriedade (2 Tm 1, 7).

“Quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’” (Lc 17, 10).


MEDITAR

A fé é um fio de cabelo seguro com os dentes, no abismo!

(Madre Belém, 1909-2011, Brasil)


ORAR

   Esta esplêndida meditação sobre a oferecida pelo lecionário bíblico aponta alguns aspectos fundamentais do crer bíblico. Crer é conseguir ler a história segundo a ótica mesma de Deus, é compartilhar as esperas e os juízos. Crer é receber uma força de vida porque a fé é a abertura para a irrupção de Deus que transforma a criatura: “o justo viverá por sua fé”. Crer é a superação da religião “economicista” e meritocrática pela escolha do amor e da doação. A mãe ama por espontânea efusão interior sem calcular as vantagens que receberia disso. A parábola do evangelho é um convite à superação da práxis religiosa conduzida por hábito, tradição, conveniência, medo da morte etc. para poder alcançar a doação alegre da fé. Crer é trabalhar com empenho e humildade pelo Reino, um trabalho humilde e simples, sem exigência, mas percorrido pelo amor. Um trabalho que requer um testemunho corajoso: “Não te envergonhes do testemunho dado ao nosso Senhor, mas sofre comigo pelo evangelho, ajudado pela força de Deus” (2 Tm 1, 8). Crer é conquistar a serenidade e a infância do espírito. Eis uma bela oração do célebre filósofo danês S. Kierkegaard. Está relatada em seu Diário: “Pai celeste, quando o pensamento de ti desperta em nossa alma, faça que não se desperte como uma ave transtornada e desorientada que voa para lá e para cá, mas como uma criança que acorda com seu sorriso celeste” (6 de janeiro de 1839).

(Gianfranco Ravasi, 1942-, Itália)


CONTEMPLAR

Srebrenica, 2018, mulher conta membros da família Hasanovic (311 deles, por serem muçulmanos, foram assassinados pelos sérvios), Michat Leja, Monochrome Photography Awards, 2018, Polonia.  



           

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O Caminho da Beleza 45 - XXVI Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XXVI Domingo do Tempo Comum             29.09.2019
Am 6, 1.4-7             1 Tm 6, 11-16                     Lc 16, 19-31


ESCUTAR

“Ai dos que vivem despreocupadamente em Sião, os que sentem seguros nas alturas de Samaria!” (Am 6, 1).

Tu que és um homem de Deus, foge das coisas perversas, procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão (1 Tm 6, 11).

Quando o pobre morreu, os anjos levaram-no para junto de Abrãao. Morreu também o rico e foi enterrado (Lc 16, 22).


MEDITAR

Quando nos convenceremos todos nós de que o homem é unidade de alma e de corpo, e de que Deus nos entregou, a nós pastores, não almas desencarnadas, mas criaturas humanas, com alma e corpo, com necessidades espirituais e materiais? Como pregar verdades sublimes a quem está com fome? Como dizer a quem está sem casa, sem trabalho, sem esperança, que nossa missão não é cuidar de problemas terrenos, mas cuidar da alma e de sua salvação eterna? Quem não sabe, quem não sente, quem não vê que a eternidade começa agora e aqui?

(Dom Hélder Câmara, 1909-1999, Brasil)


ORAR

     Quando se despreza o pobre, é a Cristo que se despreza; por isso, é enorme a falta. O próprio Paulo perseguiu a Cristo, perseguindo os seus e por isso é que ouviu: “Por que me persegues?” (At 9, 4). Toda vez que damos, devemos ter as mesmas disposições que teríamos se déssemos ao próprio Cristo, pois suas palavras são mais dignas de ser acreditadas que nossos próprios olhos. Quando vês um pobre, lembra-te, então, daquelas palavras em que Cristo te revela que é a ele que podes nutrir. De que serve ornar com vasos de ouro a mesa do Cristo se ele próprio morre de fome? Começa por lhe dar de comer quando ele tem fome, e depois poderás ornar sua mesa com o supérfluo. Dize-me: se, vendo a alguém sem o alimento indispensável, tu o deixasses faminto e fosses enfeitar a mesa com vasos de ouro, seria ele agradecido a ti? Não ficaria antes indignado? Ou, então, se vendo-o coberto de andrajos e tiritando de frio tu o deixasses sem roupa para lhe erigir colunas de ouro, pretendendo assim honrá-lo, não diria que estás zombando dele, com a pior das ironias? Convence-te bem de que é para Cristo que assim ages quando ele anda errante, estrangeiro, sem teto e tu, sem o receberes, ornas o pavimento, as paredes e os capitéis das colunas. Suspendes as lâmpadas com correntes de prata, enquanto a ele, quando está prisioneiro, não queres ir ver. Não digo isso para condenar esses ornatos. Mas digo que se deve fazer isto sem omitir aquilo, e mesmo por aquilo começar. “Aquele que recebe um destes pequeninos, é a mim que recebe” (Mt 18, 5), diz Jesus. Quanto menor é o irmão, mais, através dele está presente o Cristo. Quem recebe um grande, muitas vezes o faz por vanglória; mas quem recebe um pequenino é unicamente por causa do Cristo que o faz.

(São João Crisóstomo, 347-407, Turquia)


CONTEMPLAR

Menino da Chuva, 2014, Ngorongoro, Tanzânia, Goran Jovic (1977-), Monochrome Photography Awards 2014, Imotski, Croácia.




terça-feira, 17 de setembro de 2019

O Caminho da Beleza 44 - XXV Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

             (Carlos Drummond de Andrade)


XXV Domingo do Tempo Comum               22.09.2019
Am 8, 4-7                1 Tm 2, 1-8             Lc 16, 1-13


ESCUTAR

Jurou o Senhor: “Nunca mais esquecerei o que eles fizeram” (Am 8, 7).

Isso é bom e agradável a Deus, nosso salvador; ele quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2, 3-4).

“Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes” (Lc 16, 10).


MEDITAR

Somente na ação é que se encontra a liberdade. Abandona o vacilar medroso e enfrenta a tempestade dos acontecimentos, sustentado somente pelo mandamento de Deus e por tua fé, e a liberdade envolverá jubilosa o teu espírito.

(Dietrich Bonhoeffer, 1906-1945, Alemanha)


ORAR

       A parábola que tem como protagonista o administrador desonesto (ou esperto) não deve ser lida como uma narração edificante e nem dominado por uma obsessão de “salvar a moral” (incluindo a leiga). Se trata ademais de captar a lição principal. Jesus, convidado provavelmente a expressar um juízo ético a cerca de um episódio de corrupção que circulava de boca em boca e desencadeava os comentários mais indignados, louva provocadoramente o administrador injusto, não por suas operações ilegais (hoje, entre outras coisas, sua astúcia apareceria como uma ingenuidade em comparação com certas práticas refinadas de corrupção), mas por sua rapidez em captar a dramaticidade da situação e buscar uma saída com êxito. Uma vez mais Jesus convida os “filhos da luz”, mais atordoados e indolentes, a captar a urgência da hora e a tomar a decisão de que depende o futuro. Pede que tenham ao menos a mesma presença de espírito, a engenhosidade, a fantasia que os espertos deste mundo manifestam ao perseguir seus interesses. “Ganhai amigos com o dinheiro injusto, para que quando lhes falte, eles os recebam nas moradas eternas”. O dinheiro não tem uso corrente no além. Ele se gasta antes. Não certamente para pagar a entrada ou reservar um posto. Mas sim para semear um pouco de amizade (se trata de “fazer amizade” mais do que “fazer caridade”), para distribuir um pouco de amor neste mundo que periga se converter em uma selva. Assim, quando faltar o dinheiro (e faltará para todos!), não faltarão os pobres, ou seja, os amigos que estenderão uma mão para entrar, apesar de uma ou outra dificuldade. Cristo estabelece uma incompatibilidade absoluta entre o serviço a Deus e ao dinheiro (mamon). Não é possível adorar a Deus e adorar ao dinheiro. Não se pode fundar a vida sobre um e sobre outro que a ele se opõe radicalmente. É uma pena que esta página evangélica não tenha deixado espaço para a última linha que capta a reação de um certo público: “... ouviam tudo isso os fariseus, muito amigos do dinheiro, e caçoavam dele”. Há que ter em conta que os fariseus eram “fiéis” exemplares e modelo das pessoas religiosas da época. E, no entanto..., o apego às práticas religiosas e à disciplina escondia o apego ao dinheiro. Sempre existe o perigo de que pessoas “piedosas” tenham um coração que bate fora de seu lugar natural, isto é, nas proximidades imediatas da carteira. Então, seu falar incessante de Deus se converte em um escárnio dele.

(Alessandro Pronzato, 1932-, Itália)


CONTEMPLAR

Migrantes em Roma, 2015, Monochrome Photography Awards 2017, Danilo Balducci, 1971-, Itália.




sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O Caminho da Beleza 43 - XXIV Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XXIV Domingo do Tempo Comum             15.09.2019
Ex 32, 7-11.13-14              1 Tm 1, 12-17                      Lc 15, 1-32


ESCUTAR

E o Senhor disse ainda a Moisés: “Vejo que este é um povo de cabeça dura” (Ex 32, 9).

Agradeço àquele que me deu força, Cristo Jesus, nosso Senhor, pela confiança que teve em mim ao designar-me para o seu serviço, a mim, que antes blasfemava, perseguia e insultava (1 Tm 1, 12-13).

“Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos” (Lc 15, 20).


MEDITAR

Deixar escapar a ternura é deixar escapar a vida. E como não há vida sem riscos, assim também não há ternura sem riscos. Mas o risco maior é o de não viver a ternura.

(Carlo Rocchetta, 1943-, Itália)


ORAR

            Uma distância para a ternura. Quando se aproximou da casa, ele ouviu a música e as danças... Sigamos mais de perto a letra do evangelho: ele ouviu a sinfonia... Com isso, meus irmãos, nada mais que isso, nós encontramos nossa felicidade. Quando se aproximou... Aproximemo-nos, então, nós também e, para isso, tiremos partido – bom partido - da distância que nos separa ainda dos mais afastados. Se temos bom ouvido, se temos o ouvido fino e amável do coração, é bom estar mais longe. Mantenhamos nosso ouvido límpido, preservando, corrigindo nosso coração das dissonâncias que poderiam produzir nele todo sentimento de amargura, de cólera e de inveja. Porque de nada serviria ouvir de longe a sinfonia se a escutamos com um ouvido embrutecido... O ouvido se exercita e se encanta, antes, pela distância do som que lhe chega como um clarão, como um cheiro logo reconhecido de terra natal. Talvez não haja música a não ser aquela da qual se foi exilado e que se reconhece por tê-la antes escutado, mesmo que as circunstâncias desse antes, no fogo da emoção, nos escapem. Desejo e Memória são os anjos guardiões da música, suas musas, se preferirem. E a música? A música, em uma palavra, é a Colheita, mais distante. Há decididamente, ao largo dessa história, o espaço. Na realidade, são três. Há a distância que ainda separa o filho mais velho da sinfonia: quando se aproximou, ele escutou... Há a distância que ainda separa o pai do filho que retorna: quando ele ainda estava longe, seu pai o viu. E depois, certamente, no início, há a distância – definitivamente concreta – que o filho colocou entre o pai e ele: ele partiu para uma região longínqua. Tudo isso anda junto: retire essa última distância e as duas outras não têm mais razão de ser e, certamente, isso seria prejudicial aos olhos, à alegria dos olhos, porque não haveria mais o filho a se ver acorrer; prejudicial ao ouvido, à alegria do ouvido, porque não haveria mais a sinfonia a se pressentir ao longe. Não haveria mais toda essa história da Ternura. A Ternura (outro nome natural para o pai), a Ternura não pode cumular seu bem amado a não ser que haja uma certa distância a se percorrer para o reencontro; esta distância aumenta seu mistério e lhe é mesmo essencial, e vital, pois a Ternura passa o que há de mais luminoso em sua vida – até perdê-la – a percorrer esta distância. A distância não é uma fatalidade, mas este espaço entre dois onde a graça tem razão de ser: ela se mede e se avalia pela régua deste abraço e desse beijo profundo que a anula em um instante, mas sem que se perca a sua memória, porque nunca se esquece uma pessoa que retorna de longe.

(François Cassingena-Trévedy, 1959-, França)

           
CONTEMPLAR

Amizade de Infância, 2018, Sony World Photography Awards 2018, Tofazzal Hossain, Bangladesh, Índia.




segunda-feira, 2 de setembro de 2019

O Caminho da Beleza 42 - XXIII Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


XXIII Domingo do Tempo Comum            08.09.2019
Sb 9, 13-18              Fm 9b-10.12-17                 Lc 14, 25-33


ESCUTAR

Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? (Sb 9, 13).

Ele é como se fosse o meu próprio coração... , se estás em comunhão de fé comigo, recebe-o como se fosse a mim mesmo (Fm 12.17).

“Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27).


MEDITAR

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes.

(Carta aos Hebreus 4, 12).


ORAR

            A mensagem de Jesus anuncia o amor do Pai e o advento do Reino. Chama os homens para a paz e para a concórdia na vontade santa. Contudo a sua palavra não começa por produzir a união, mas a divisão. Quanto mais um homem se torna profundamente cristão, mais a sua vida se distingue da vida dos outros que não querem tornar-se cristãos, ou na medida em que se recusam a sê-lo.  Esta diferença subsiste apesar de todos os laços de proximidade; pois não se é cristão natural ou hereditariamente, mas em consequência de uma decisão interior e pessoal. Um toma esta decisão, um outro não. Eis porque pode assim haver uma cisão entre pai e filho, amigo e amigo ou entre os moradores de uma mesma casa. Neste caso, o homem deve colocar Jesus acima de todos os outros, sejam eles os mais próximos...Decerto é duro. É a “cruz”. Tocamos aqui no mistério mais difícil do cristianismo. Cristianismo e cruz são inseparáveis. Depois de Cristo haver feito o caminho da cruz, há uma cruz na estrada de quem quiser ser cristão. É para cada um a “sua” cruz. A natureza protesta contra isso. Ela quer “guardar-se”. Recusa-se a passar por aí. Mas Jesus diz, e é lei fundamental da sua religião: aquele que quiser guardar a sua pessoa, a sua vida, a sua alma, perde-las-á. Aquele, pelo contrário, que se entrega à cruz que aqui ou ali é erigida para ele, encontra-las-á e guarda-las-á sempre – para, então, nunca mais as perder, como o eu eterno que participa de Cristo... O homem deve tomar a sua cruz, renunciar a si, dar a sua vida por Cristo para a encontrar verdadeiramente. A ideia aqui é mais nítida e vai mais a fundo. Não estabelece uma linha de demarcação entre tal e tal homem, mas entre o crente e tudo o mais: entre o mundo e eu, entre eu e eu próprio. É a grande doutrina da dádiva de si e da abnegação.

(Romano Guardini, 1885-1968, Itália)


CONTEMPLAR

A Alameda de Butterfield, estudo 3, 2014, Cemitério de guerra americano, Taguig, Filipinas, Michel de Guzman (1956-), Filipinas.