quarta-feira, 5 de março de 2025

O Caminho da Beleza 16 - I Domingo da Quaresma

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

I Domingo da Quaresma                    

Dt 26, 4-10              Rm 10, 8-13           Lc 4, 1-13

 

ESCUTAR

“Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egito com um punhado de gente e ali viveu como estrangeiro” (Dt 26, 5).

“Essa é a palavra da fé que pregamos. Se, pois, com tua boca confessares que Jesus é Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10, 8-9).

“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do rio Jordão e, no Espírito, era conduzido pelo deserto. Ali foi posto à prova pelo diabo, durante quarenta dias” (Lc 4, 1-2).

 

MEDITAR

Ser cristão é se reconhecer salvo por Jesus, vivendo uma aventura de amizade pessoal com ele, acolhendo o amor com que nos ama, a ponto de dar sua vida por nós, e nos empenhando pessoalmente em amá-lo, vivendo entre nós no amor uns dos outros, o mesmo amor com que Jesus nos ama.

(Francisco Catão)

Não nos transformamos de repente em corruptos; existe um longo caminho de declínio, para o qual se desliza... A corrupção não é um ato, mas uma condição, um estado pessoal e social, no qual a pessoa se habitua a viver.

(Papa Francisco)

 

ORAR

    As leituras desta liturgia oferecem as três bases necessárias para a quaresma: a ação de graças, a confissão de fé e a purificação por meio da Palavra. O sacerdote oferece o cesto com as primícias: uma pequena parte da colheita. Para o Senhor não importa a quantidade, mas o significado, pois a colheita dos campos, antes de ser fruto do trabalho do homem, é dom e bênção de Deus. Ao confessarmos que Jesus é o Senhor que morreu e ressuscitou, devemos fazê-lo com a boca e com o coração numa profunda adesão pessoal. O evangelista apresenta o relato das tentações a Jesus. Elas não são propriamente de ordem moral, mas propostas claras das maneiras falsas de se compreender e viver a missão: as tentações de um atalho, de um triunfo fácil e da popularidade pelos gestos espetaculares. Jesus rechaça todas as propostas do Divisor, citando as palavras da Escritura e ratificando a sua determinação de cumprir, unicamente, o desígnio do Pai. O tempo da Quaresma deve ser um tempo propício para avaliarmos e constatarmos se as nossas vidas correspondem aos desígnios do Senhor. É o tempo de purificarmos, por meio da Palavra de Deus, as superstições, os desvarios, as ostentações com as quais vestimos a nossa pretensa prática cristã. É o tempo para rechaçar os comprometimentos que traem a mensagem evangélica. É o tempo para recusar uma religiosidade construída à nossa medida e nos convertermos aos caminhos propostos por Jesus. É o tempo de elevarmos à consciência a nossa hipocrisia, que no sentido bíblico é a cegueira inconsciente sobre nós mesmos. Isto será possível se tivermos a coragem de nos confrontarmos com a Palavra de Deus. Na Quaresma, devemos ser capazes de um pouco de deserto, de um pouco de silêncio e de um mínimo de coragem para irmos às raízes mais profundas da fé e do amor. A conversão a que somos convidados não é outra coisa que dar as costas aos nossos medíocres projetos, às nossas míopes aspirações e voltarmos, de peito aberto e corpo inteiro, ao desígnio original do Senhor: amar! A penitência é a nostalgia da nossa autêntica grandeza. A Quaresma nos chama a abandonarmos todos os ídolos que se apresentam sob a aparência de objetos de adoração. Os ídolos são sempre novos, mas as raízes que os produzem são as tentações da riqueza, do poder e do orgulho. E elas, como o diabo, sempre retornam no tempo oportuno.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Argentina, Peninsula Valdes, 2001, Elliott Erwitt (1928-), Magnum Photos, franco-americano.




 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 15 - VIII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

VIII Domingo do Tempo Comum   

Eclo 27, 5-8                        1 Cor 15, 54-58                 Lc 6, 39-45


ESCUTAR

Não elogies a ninguém antes de ouvi-lo falar, pois é no falar que o homem se revela (Eclo 27, 8).

Meus amados irmãos, sede firmes e inabaláveis, empenhando-vos, cada vez mais na obra do Senhor (1 Cor 15, 58).

“Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão e não percebes a trave que há no teu próprio olho” (Lc 6, 41).

 

MEDITAR

Quem fala muito, dá bom dia a cavalo.

(João Guimarães Rosa)

 

ORAR

            A luta contra a hipocrisia e a recuperação da sinceridade do coração são indispensáveis para o cristão porque o orgulho é o pecado fundamental que cega e que bloqueia a porta para o Cristo. A correção fraterna é possível só depois de uma longa pedagogia que passa pelo confronto de si mesmo. “Não julgues e não sereis julgados”: esta norma ética proposta por Jesus é um convite ao respeito pelos outros e pela cautela em sermos juízes do nosso próximo. “Quem pode conhecer o coração?” pergunta-se Jeremias e em seguida responde: “Só Deus perscruta o coração e os rins” (Jr 17, 9-10). A ajuda para retirar o cisco do olho do nosso irmão deve ser oferecida somente depois que o nosso olho ficar bem claro. A liturgia de hoje é um contínuo convite a reentrar em si mesmo para enriquecer o próprio coração e transformá-lo em uma “árvore de bons frutos”. Muitos autores místicos disseram: “Entra em ti e lá encontrarás Deus, os anjos e o reino”. O hipócrita tem medo de olhar para si mesmo e buscar a narcose de seu orgulho. O homem para ser guia de um outro deve ter em si uma luz e uma riqueza, de outra forma está destinado a ser causa de ruína não apenas para si, mas também para os outros. O verdadeiro discípulo não se arrogará o direito de julgar os outros, mas se humilhará “até a condição de servo”, como o Cristo, para salvar o irmão. Não apelará à sua dignidade para ser servido, mas se apresentará para servir. Do tesouro do seu coração ele não tirará veneno, mas doçura e gentileza, da árvore de sua vida não extrairá essências ou frutos mortíferos, mas será aquele que dará comida e matará a sede, como fez o Cristo durante sua existência terrena. Dos seus lábios não sairão palavras que atacam e intimidam, mas palavras que são “espírito e vida”. É um canto de amor, mas também uma celebração da sinceridade do coração contra todo orgulho e hipocrisia.  Bonhoeffer, na sua Ética, recordava que “a bondade não é uma qualidade da vida, mas a própria vida e que ser bom significa viver”. É por isso que Jesus definiu os hipócritas como “sepulcros caiados”, cadáveres ambulantes: eles se iludem pensando que estão vivos e animados, mas na realidade, têm um coração impuro, estão sem vida, são cegos e obtusos.

(Giafranco Ravasi)

 

CONTEMPLAR

Close up de dois homens étnicos diferentes, s. d., autoria desconhecida, acessado em freepik, 27/02/2025.




 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 14 - VII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

VII Domingo do Tempo Comum                

1 Sm 26, 2.7-9.12-13.22-23                  1 Cor 15, 45-49                  Lc 6, 27-38

 

ESCUTAR

“O Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e a sua fidelidade” (1 Sm 26, 23).

Como foi o homem terrestre, assim são as pessoas terrestres; e como é o homem celeste, assim também vão ser as pessoas celestes (1 Cor 15, 48).

“Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36).

 

MEDITAR

Não....

Permanecer e transcorrer

Não é perdurar, não é existir

E nem honrar a vida!

Há tantas maneiras de não ser

Tanta consciência sem saber, adormecida...

Merecer a vida, não é calar e consentir

Tantas injustiças repetidas...

É uma virtude, é uma dignidade

É a atitude de identidade mais definida!

Isto de durar e transcorrer não nos dá o direito

De presumir, porque não é o mesmo que viver

Honrar a vida.

 

Não....

Permanecer e transcorrer

Nem sempre quer sugerir

Honrar a vida!

Existe tanta pequena vaidade

Em nossa estúpida e cega humanidade.

Merecer a vida é erguer-se verticalmente,

Muito além do mal e das quedas...

É como dar à verdade e à nossa própria liberdade

As boas-vindas!

Isto de durar e transcorrer não nos dá o direito

De presumir, porque não é o mesmo que viver

Honrar a vida.

(Eladia Blazquez/Mercedes Sosa)

 

ORAR

            O Evangelho de hoje nos revela a condição do agir cristão: a generosidade. Ela é quem responde pela grandeza da alma e a nobreza do caráter. Jesus nos dá as referências de uma prática sem a qual seremos, como diz o Papa Francisco, cristãos hipócritas: “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles(...) Sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso”. O Pai nos apela a sermos loucamente generosos com todos, pois esta é a forma de justiça que Ele quer. Vivemos num ciclo de violência, do familiar ao religioso, que só será rompido em seus grilhões de morte quando formos capazes de criar elos de amor gratuitos e sem medidas: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados”. Somos nós, os cristãos, os que rogamos pragas, uns contra os outros, e amargamos o coração com as palavras que dele saem. Jesus nos previne que esta atitude pode nos levar ao limite da intolerância: “Chegará um tempo quando quem vos matar pensará oferecer culto a Deus” (Jo 16, 2). É a louca generosidade, o amar com toda gratuidade da oblação, que nos faz ir além da monotonia da vida cotidiana, dos gestos repetidos, dos sorrisos formais na representação diária no cenário do mundo. As bem-aventuranças são a desmedida de todos os limites que nos impomos: “Dai e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, será colocada no vosso colo; porque, com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos”. Temos que aniquilar as defesas que nos aprisionam na ilusória fortaleza da fé. A fé cristã é um espaço aberto e sem limites no qual vivemos sem nenhuma proteção.  O poeta dos tempos passados escreveu: “Quem passou pela vida em branca nuvem e em plácido repouso adormeceu (...) foi espectro de homem e não homem, só passou pela vida, não viveu” (Francisco Otaviano). Temos sido cristãos sem nervura e adormecidos como as igrejas que nos resguardam pela submissão e covardia. Somos chamados a ser cristãos com vértebras firmes e erguidas verticalmente; a darmos as boas-vindas à verdade e à própria liberdade. Somos cristãos para proclamar, profeticamente, que passar pela vida não é o mesmo que viver, pois além de estar vivo, é preciso, mais do que nunca, honrar a Vida.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Sem Título, sem data, autoria desconhecida, Pinterest, 2017.





quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 13 - VI Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

VI Domingo do Tempo Comum                   

Jr 17, 5-8                 1 Cor 15, 12.16-20            Lc 6, 17.20-26

 

ESCUTAR

“Maldito o homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana, enquanto o seu coração se afasta do Senhor” (Jr 17, 5).

Se os mortos não ressuscitam, então Cristo também não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé (1 Cor 15, 16).

“Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome por causa do Filho do homem!” (Lc 6, 22).

 

MEDITAR

Alguns cristãos (...) acham que têm o dever moral de estar sempre a sorrir porque Jesus nos ama. Seamus Heaney chama-lhe ‘o sorriso fixo de um lugar pré-reservado no Paraíso’, e nada há mais deprimente.

(Timothy Radcliffe, 1945- , Reino Unido)

 

ORAR

            “Bem-aventurados os pobres”. No evangelho de hoje aparecem quatro bem-aventuranças (bendições) e quatro maldições. O que significa “bem-aventurado”? Certamente não é “feliz” no sentido que os homens dão a essa palavra. Não se trata de um convite para que cada qual marche por seu caminho com tranquilidade e bom humor. Não significa realmente nada que pertença ao homem, que o homem sinta e experimente, mas sim algo em Deus que concerne a este homem. Jesus falará neste contexto de “recompensa”, mesmo que isso, por sua vez, não seja mais do que uma imagem; trata-se do valor que este homem tem para Deus e em Deus, de algo intemporal em Deus que se manifestará ao homem em seu devido tempo. E analogamente para as maldições. Os pobres aos quais pertence o reino de Deus, quer dizer, os pobres de Yahweh, como os chamava a Antiga Aliança, mostram que à sua pobreza corresponde uma possessão de Deus: Deus os possui e, por isso mesmo, eles possuem a Deus. O mesmo pode se dizer dos que têm fome e dos que choram, e também dos que são odiados por causa de Cristo: estes são amados pelo Pai em Cristo, que também foi odiado e perseguido pelos homens por causa do Pai. Se os pobres devem ser considerados como pobres em Deus, então também os ricos devem ser considerados como ricos sem Deus, ricos para si mesmos, saciados e sorridentes, louvados pelos homens; estes não têm tesouro no céu e por isso tudo o quanto possuem não é mais do que aparência passageira. Os Salmos repetem isso continuamente, as parábolas de Jesus (do rico glutão e do pobre Lázaro, do trabalhador avarento) também. Os pobres são em última palavra realmente pobres, aqueles que não possuem nada, e não ricos às escondidas que acumulam um capital no céu. Deus não é um banco; o abandono nas mãos de Deus não é uma companhia de seguros. É no próprio abandono, na confiança da entrega, que se encontra a bem-aventurança.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)


CONTEMPLAR

Coletando água, 2015, Stone Town, Tanzânia, Rob ONeill, San Diego, Califórnia, Estados Unidos.




 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 12 - V Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

V Domingo do Tempo Comum        

Is 6, 1-8                    1 Cor 15, 1-11                     Lc 5, 1-11


ESCUTAR

Ouvi, então a voz do Senhor que dizia: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” Eu respondi: “Aqui estou! Envia-me” (Is 6, 8).

Por último, apareceu também a mim, que sou como um aborto. Pois eu sou o menor dos apóstolos, nem mereço o nome de apóstolo, pois eu persegui a Igreja de Deus (1 Cor 15, 8-9).

“Não tenhas medo! De agora em diante tu serás pescador de homens!” (Lc 5, 10).

 

MEDITAR

Senhor, ensina-me a te descobrir sem cessar e seja a respiração de minha vida. Meu céu interior, meu sol escondido, minha ternura e que eu possa, por tua graça, refletir tua face a todos os meus irmãos.

(Maurice Zundel)

Ir na contracorrente: isso faz bem ao coração, mas nos falta coragem para ir na contracorrente e Ele nos dá essa coragem! Não há dificuldades, provas, incompreensões que devam nos amedrontar se ficarmos unidos a Deus como os ramos são unidos à vinha, se não perdermos a amizade com Ele, se sempre Lhe abrirmos, cada vez mais, lugar em nossas vidas.

 (Papa Francisco)

 

ORAR

O profeta ensina que a cada nova manhã devemos nos apresentar diante do Senhor não para conseguir a previsão do futuro, mas para recebermos o que nos foi consignado para este dia. O Senhor, imprevisível em suas decisões ao chamar alguém, é também imprevisível ao delegar tarefas cotidianas. Ele sempre nos surpreende com os pedidos mais audaciosos que sempre nos incomodam, pois sua palavra nunca é tranquilizadora. O Senhor nunca nos pedirá bagatelas, mas o que nos compromete para que não faltemos com os compromissos decisivos da vida. O evangelho de hoje revela que quando as palavras da nossa experiência se esgotam e ficamos desiludidos, ouviremos a Sua voz imperiosa: “Avança para águas mais profundas  e lançai vossas redes para a pesca”. Não somos chamados a ficar estacionados no raso da praia lamentando o eterno movimento dos barcos, mas a arriscarmos, largamente, confiantes na Palavra do Senhor que sempre nos recompensará abundantemente. O milagre da vida está em, apesar das aparências e do derrotismo, confiar na Palavra que vira tudo do avesso. Nos três relatos da vocação aquele que é chamado descobre a própria insuficiência e miséria. Isaías exclama: “Ai de mim, estou perdido. Sou um homem de lábios impuros”; Paulo se reconhece como uma espécie de aborto e Pedro suplica: “Afasta-te de mim, porque sou um pecador”. O Senhor quando envia alguém não faz nenhum exame das suas virtudes, mas reconhece e agradece a sua disponibilidade. A Palavra de Deus não age em nosso lugar, não consola as nossas frustrações e nem melhora, num passe de mágica, a nossa situação. Ela sempre nos desinstala e nos coloca a caminho. Somos chamados para viver, avançar nas ondas e nas tempestades do mundo e sempre recomeçar a pesca. O discipulado deve aprender a viver na insegurança de quem “nada tem, mas possui tudo”. Não podemos fincar os pés nas areias para que a espuma do mar os lave, mas arriscar a vida pelos outros e, por esta razão, Jesus invoca: “Vós deveis lavar os pés uns dos outros” (Jo 13, 14). Ele nos desvela que o único porto seguro em que devemos ancorar nossas vidas é o amor fraterno construído e conquistado na travessia dos nossos barcos. Estejamos sempre atentos e em posição de sentinelas para que em todo momento e em cada novo chamado possamos responder: “Aqui estou, envia-me!”.

(Manos da Terna Solidão/ Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Conversão de Paulo, 2004, Fiona Worcester, 35 cm x 35 cm, óleo e têmpera sobre madeira com gesso, Londres, Reino Unido.




 

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

O Caminho da Beleza 11 - Apresentação do Senhor

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

Apresentação do Senhor                    

Ml 3, 1-4                  Hb 2, 14-18             Lc 2, 22-32


ESCUTAR

Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar a prata: assim ele purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata, e eles poderão assim fazer oferendas justas ao Senhor (Ml 3, 1-3).

Pois, tendo ele próprio sofrido ao ser tentado, é capaz de socorrer os que agora sofrem a tentação (Hb 2, 18).

Foram também oferecer o sacrifício – um par de rolas ou dois pombinhos – , como está ordenado na lei do Senhor (Lc 2 24).

 

MEDITAR

Não há uma moral cristã. Há uma mística cristã. A imensa maioria dos cristãos não se apercebe disso [...] No Cristo, não há lei. No Cristo começa um regime novo, o regime da graça, que é o regime da liberdade, que é o regime do amor.

(Maurice Zundel)

Com Jesus, a justificação do desejo se transforma em amor. A ternura infinita do coração de Deus – falo evidentemente com palavras humanas – explodiu em nós. Seu filho, Jesus, assim nos mostrou e inicia quem o queira no desejo libertado pelo amor.

(Françoise Dolto)

 

ORAR

    Maria e José cumprem a Lei de Moisés: a que pariu deve ser purificada aos quarenta dias do nascimento do varão e o primogênito deve ser consagrado a Deus. Como não tinham dinheiro para comprar um cordeiro, foi colocado no altar a oferenda mínima prescrita aos mais pobres, dois pombos. A luz que Simeão vê não desce do alto e nem do monte Sinai, mas jorra intensamente do próprio Menino. É o prenúncio da Luz da Páscoa que não apaga da memória as trevas da Paixão, mas que as ilumina ao revelar que a loucura de Deus é mais sábia que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte que os homens” (1 Cor 1, 25). Na Cruz, Deus se desvela, infinitamente, mais forte que todos os seus inimigos. Bernardo de Claraval pregava: “O que é mais violento que o Amor e, no entanto, o que existe de menos violento? Qual é esta força tão violenta para alcançar a vitória e tão vencida para suportar a violência?” (Sermão 64 sobre o Cântico dos Cânticos). A comunidade eclesial deve estar segura de que tudo acontece por Ele, com Ele e Nele, pois “como Ele próprio sofreu a prova, pode ajudar os que são provados”. Esta é a festa da Luz que brota dos menores e simples, dos que vivem à margem da vida e que nós desviamos o olhar para não encontrá-los. Nosso coração continua nas sombras porque está fechado em si mesmo e sem saber que a luz do Cristo é de outra ordem. Ela vem da abertura absoluta do coração e de sua disponibilidade absoluta para servir. O Papa Francisco dizia: “A paz não se vende e nem se compra. Ela é um dom de Deus. Um cristão, mesmo nas provas mais dolorosas, jamais perde a paz e a presença de Jesus”. Nas comunidades eclesiais, quando não vivemos para os outros, somos atormentados pelas falsas imagens que fazemos de Jesus Cristo para nos poupar dos encontros vitais com os diferentes de nós. Fechados sobre nós mesmos, encastelados nas instituições forjadas por nós e para nós esvaziamos a força vital do Espírito e perdemos o dom de Deus. A eucaristia é o sacramento do dom para os outros e com os outros, pois não somos cristãos para nos salvarmos sozinhos, como os antigos missionários pregavam “salva a tua alma”. Se assim fosse, a Eucaristia seria uma atroz imitação e uma pérfida dissimulação. Hoje é a festa da Luz que brota no mais íntimo dos menores e dos bem-aventurados do Reino, pois Jesus disse: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequeninos, que são meus irmãos, foi a Mim que o fizestes” (Mt 25, 40). Meditemos as palavras do Papa Francisco: “O Senhor que viveu humildemente nos ensina que nem tudo é mágica em nossa vida e que o triunfalismo não é cristão. A justa atitude do cristão é perseverar no caminho do Senhor, até o fim, todos os dias. Eu não digo recomeçar de novo todos os dias: não, perseguir o caminho, um caminho com dificuldades, mas com tantas alegrias. O caminho do Senhor”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

 @padrejulio.lancellotti, 27 de dezembro de 2024.




 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

O Caminho da Beleza 10 - III Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

III Domingo do Tempo Comum                  

Ne 8, 2-6.8-10                   1 Cor 12, 12-30                  Lc 1, 1-4;4, 14-21

 

ESCUTAR

“Este é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus. Não fiqueis tristes nem choreis...porque a alegria do Senhor será a vossa força” (Ne 8, 8.10).

Todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito (1 Cor 12, 13).

Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele (Lc 4, 20).

 

MEDITAR

Minha vida é só um instante, uma hora passageira. Minha vida é somente um dia que me escapa e foge. Tu sabes, ó meu Deus! Para te amar sobre a terra não tenho nada a não ser hoje!

(Santa Teresa do Menino Jesus)

Não tenham medo da ternura.

(Papa Francisco)

 

ORAR

Os textos desta liturgia nos falam do dia consagrado, um hoje permanente em que devemos celebrar o proclamado: “a alegria do Senhor será a vossa força”. O Senhor nos pede uma coerência irredutível entre palavra e ação. O evangelista apresenta Jesus no centro da sinagoga recebendo o livro do profeta Isaías. Jesus não o abriu a esmo, como se tirasse a sorte para que Deus lhe falasse magicamente. Ao contrário, abriu o livro e “achou a passagem” que o colocava na estatura de profeta e de sacerdote: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a boa nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor”. O hoje de Deus é proclamado, pleno de graça e julgamento, para os homens do seu tempo e o Ressuscitado, continua proclamando-o, como amor salvador, em todas as épocas e situações. Jesus coloca em seu lugar, como centro de irradiação, os mais necessitados de compaixão e misericórdia que são, segundo o Evangelho, o próprio Deus conosco: “Senhor, quando foi que o vimos com fome, ou com sede, como estrangeiro, nu, doente ou na cadeia?” (Mc 25, 37). Jesus, na sinagoga, era um rosto comum como tantos outros e hoje ele ainda é comum porque é o rosto conhecido de tantos pobres, cativos, cegos e oprimidos. Por mais avanço nos meios de difusão e comunicação ao nosso alcance, não conseguimos superar a cisão entre fé e vida porque nos recusamos a ver o Deus que se revela com um rosto humano. Mesmo com os “olhos fixos nele”, não o enxergamos porque tentamos vê-lo com as lentes do proselitismo e do poder e não com os olhos humanos da compaixão. Apesar de todos os slogans utilizados nas nossas propagandas religiosas, Deus continua a viver no exílio em sua própria casa. O Papa Francisco nos exorta: “Sou eu o guardião do meu irmão? Sim, tu és o guardião do teu irmão! Ser uma pessoa humana significa sermos guardiões uns dos outros! E, ao contrário, quando se rompe a harmonia, segue uma metamorfose: o irmão a guardar e a amar se torna o adversário a combater e a suprimir. Em cada violência e em cada guerra, fazemos renascer Caim”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Cristo Crucificado, 1632, Diego Rodrigues da Silva y Velásquez (1599-1660), óleo sobre tela, 250 cm x 170 cm, Museu do Prado, Madri, Espanha.






quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

O Caminho da Beleza 09 - II Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


II Domingo do Tempo Comum                    

Is 62, 1-5                 1 Cor 12, 4-11                     Jo 2, 1-12

 

 

ESCUTAR

 

Assim como o jovem desposa a donzela, assim teus filhos te desposam; e como a noiva é a alegria do noivo, assim também tu és a alegria de teu Deus (Is 62, 5).

 

Há diversidades de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum (1 Cor 12, 4-7).

 

Como o vinho veio a faltar, a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais vinho” (Jo 2, 3).

 

 

MEDITAR

 

Aquele que vê sofrer o seu irmão na necessidade e lhe fecha seu coração exclui Deus do seu próprio coração. O amor de Deus e o do próximo são como duas portas que só podem ser abertas e fechadas ao mesmo tempo.

 

(Søren Kierkegaard)

 

 

ORAR

 

A inauguração da vida pública de Jesus é colocada, pelo evangelista, num contexto de festa de bodas. Aos nossos olhos, não parece ser o melhor lugar para os seus discípulos iniciarem o seu noviciado. Tudo começa numa festa para que nossa alegria não se empobreça. É um grande equívoco unir a Sua presença aos momentos de dor e de dificuldades em nossa existência. Jesus revela que nossas festas são tímidas e frágeis; que a algazarra esconde um vazio e uma angústia; que o vinho é insuficiente e de baixa qualidade. Com Jesus, a festa encontra a sua plenitude e não está limitada ao tempo. Com Ele, o vinho é novamente colocado sobre a mesa e nunca mais faltará. Todos se beneficiarão dos seus dons, inclusive os que não esperam nada Dele. Maria intervém não porque falta o pão, mas falta o vinho que é o símbolo da alegria. As seis talhas de pedra significam o número inacabado da imperfeição em oposição ao número sete que expressa a totalidade e a plenitude. As talhas estão vazias e o ritual complexo das purificações esconde sua ineficácia, pois a relação entre Deus e o homem só pode se restabelecer por meio do amor. Na festa, todos os rituais de purificação foram cumpridos conforme a Lei e, no entanto, só produziram ansiedade, medo e tristeza. Faltara o vinho do amor e Jesus vai oferecer a todos, em abundância, a degustação do seu vinho de ternura e alegria, pois “No amor não há lugar para o temor; ao contrário, o amor desaloja o temor. Pois o temor se refere ao castigo, e quem teme não alcançou um amor perfeito” (1 Jo 4, 18). O cardeal Ravasi é enfático: “O amor que existe sobre a face da terra e que reaparece cada vez que duas criaturas se encontram e se amam é o sinal do amor que Deus tem pela humanidade inteira”. Em Caná da Galileia, Jesus começou os seus sinais para manifestar a sua glória e João não nos fala de “milagres”, mas de sinais. Na festa das bodas, o sinal é dado pela preocupação de Alguém para que a festa seja completa. O Senhor sempre faz sinais, esboça sussurros de ternura e alegria para nos fazer, com o pudor do amor, suspeitar que Ele nos ama e quer intervir na trama ordinária da nossa vida para nos convidar à festa. O mundo contemporâneo permanece indiferente à mensagem das igrejas cristãs porque as pessoas necessitam que elas apontem sinais que toquem as suas existências e corações. Sinais de compaixão, sinais de acolhida sem discriminação de pessoas, sinais que possam fazer descobrir nos cristãos a capacidade de se encontrar com Jesus que alivia os sofrimentos e nos sustenta a esperança nas dificuldades cotidianas da vida. Não podemos evangelizar a torto e a direito, como uma catequese de talhas de pedra, numa verborragia que só faz crescer o temor e a ansiedade e que é estéril e inexistente de sinais de vida, de alegria e comunhão compassiva. Escutemos Simone Weil: “Acima da infinidade do espaço e do tempo, o amor infinitamente mais infinito de Deus vem apoderar-se de nós. Ele vem na sua hora. Nós temos o poder de consentir na acolhida ou na recusa. Se ficamos surdos, ele vem e volta novamente como um mendigo, mas também como um mendigo um dia ele não retorna mais”.

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

Competição de casais de dançarinos no salão de dança, Shutterstock, stock foto ID: 621830753, shutterstock.com, acessado em 15.01.2025.




quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

O Caminho da Beleza 08 - Batismo do Senhor

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Batismo do Senhor                    

Is 42, 1-4.6-7                     At 10, 34-38                       Lc 3, 15-16.21-22

 

ESCUTAR

“Eis o meu servo – eu o recebo; eis o meu eleito – nele se compraz minha alma” (Is 42, 1).

“Deus não faz distinção entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10, 34).

Enquanto rezava, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma visível, como pomba (Lc 3, 21-22).

 

MEDITAR

Um homem que caminha, um pássaro que voa, uma folha que tomba: tudo anuncia o começo de uma dança. No coração do átomo e no ballet dos astros, o ritmo e a harmonia são semeados por nossos Criador e Pai. Escutar a música, olhar a dança são verdadeiras orações.

(D. Helder Câmara)

 

ORAR

Jesus não se enquadra nos esquemas e nos escaninhos que os homens predispuseram para Ele. Jesus desmente a própria imagem apresentada pelo Batista: um Messias cheio de ira e que colocaria ordem “na casa”. O estilo de Jesus não casa com os gostos e as previsões dos que O esperavam. O seu modo diferente de ser é o de Servo (Is 42, 1ss): que não faz publicidade, não enche as praças com uma voz potente e sonora cheia de retóricas e ameaças. Ele é solidário com os perdedores, com os fracos; com os capazes de dar confiança e sustentar a esperança. Ele se coloca ao lado dos pobres e daqueles que não contam para a sociedade da opulência e do consumo. O batismo prefigura a morte e a ressurreição de Jesus. A imersão no rio simboliza a ação de morrer e o seu emergir a vida nova que surge e é selada pelo abrir do céu e a voz do seu Pai que declara o seu bem querer. O céu aberto para sempre traz o novo dia e nos faz saber que o muro entre Deus e os homens foi destruído: Deus não é mais o Inacessível. Jesus tem preferência por todos e “andava por toda a parte fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo demônio, porque Deus estava com ele”. Jesus manifesta o seu poder ao se ocupar dos fracos e se revelar como manso e humilde de coração. O nosso batismo deve ultrapassar os registros dos arquivos paroquiais numa prática cristã que honre os compromissos que outros assumiram por nós. Não basta delegar à certidão paroquial a prova de que somos batizados. É necessário que o batismo seja assumido por nós para que não se sepulte como um ato convencional e social. Caso contrário, seremos demissionários do nome de cristãos que nos deram. Antes, quando crianças, não podíamos ler o Evangelho. Agora, podemos e devemos, pois temos o direito de saber o que somos e qual a prática de vida que nos qualifica como cristãos. Batismo e manifestação de Jesus de Nazaré coincidem. O que agrada o Senhor não são os ritos carentes de amor, mas uma vida “em espírito e em verdade” no Espírito de Jesus. O cardeal Ratzinger escrevia: “O batismo é o arco-íris de Deus sobre nossa vida, a promessa do seu grande Sim, a porta da esperança e o caminhar numa união viva e pessoal com Jesus Cristo pelos seus caminhos. Olhando para Ele sabemos que Deus é maior que o nosso coração” (Homilia do Batismo, 07.01.1990). Paulo nos exorta: “Não matem o Espírito de Deus” (1 Ts 5, 19) e uma igreja com o Espírito apagado ou esvaziada do Espírito de Jesus não pode viver e nem comunicar sua verdadeira novidade e, muito menos, saborear e proclamar a Boa Nova.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O Batismo do Cristo, s.d., Daniel Bonnell, óleo sobre tela, 92” x 46”, Igreja Missionária Baptista do Monte Calvário, Carolina do Sul, Estados Unidos.





quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

O Caminho da Beleza 07 - Epifania do Senhor

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Epifania do Senhor                   

Is 60, 1-6                 Ef 3, 2-3a.5-6                    Mt 2, 1-12

 

ESCUTAR

 “Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor” (Is 60, 1).

“Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo por meio do evangelho” (Ef 3, 6).

“O rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a cidade de Jerusalém” (Mt 2, 3).

 

MEDITAR

A Igreja Católica exorta seus filhos ao diálogo e à colaboração com os seguidores das outras religiões, para que deem o testemunho da fé e da vida cristã, reconhecendo, servindo e promovendo os bens espirituais e morais assim como os valores socioculturais presentes nelas.

(Nostra Aetate, 2)

Temos de renunciar ao cristianismo, se nos obrigarem a renunciar a essas dialéticas esquartejadoras dos sentimentos cristãos, reduzindo-as à escala das sentimentalidades cômodas. Temos que romper a puerilidade de um cristianismo que produz homens delicados e frágeis que nunca avançam para uma fé comprometida, pois "vivem tremendo e murados em suas defesas"

(Emmanuel Mounier)

 

ORAR

Hoje é a festa da luz porque a manifestação do Senhor, a sua epifania, é inseparável da luz. Quando o Senhor se manifesta, existem os que ao responder se colocam em caminho e buscam. Há outros, porém, que se escondem e dissimulam as suas vidas e os seus encontros. Os magos foram tomados de uma imensa alegria enquanto Herodes ficou perturbado assim como a Jerusalém do poder e do saber. Os sumos sacerdotes e os escribas foram convocados para uma reunião de emergência e nela manifestam o seu incômodo e desconfiança. É significativo que a aparição da “bondade de Deus, nosso Salvador, e seu amor pelos homens” (Tt 3, 4) suscite perturbação nos que detêm o poder civil e religioso. A presença de Deus que se manifesta na fraqueza surge como um perigo e uma ameaça para a ordem estabelecida e para as posições consolidadas. O Cristo constitui uma ameaça para o nosso reino privado ao colocar em xeque nossos equilíbrios cansados e nossas falsas seguranças. O Papa Francisco afirma: “Preferem uma vida enjaulada em seus preceitos, em seus compromissos, em seus planos revolucionários ou em sua espiritualidade desencarnada” (Homilia 20.12.2013). O cristão lúcido sabe que é melhor a perturbação do que a indiferença; é melhor o compromisso do que a neutralidade; é melhor a recusa do que a ambiguidade. O cristão sabe que é necessário um coração para assombrar-se e alargar-se. O profeta desvela a expansão da luz e a sua alegria contagiosa. O evangelista, por sua vez, dá a conhecer o medo dos sábios cuja busca finda em suas bibliotecas palacianas, no meio dos pergaminhos cobertos de pó nos quais procuram sentenças definitivas. O caminho, com as suas imprevisibilidades e surpresas, não é o seu assunto. O coração dos magos é o coração dos que buscam, apaixonadamente, abrigar o mistério. O coração dos detentores do poder é árido, mesquinho e intolerante. Os magos nos revelam que entre o relâmpago do surgimento da estrela e o seu acompanhamento até o último trecho do caminho seremos assomados por dúvidas, cansaços, perdas e desilusões, mas, sobretudo, por esperanças. A estrela surge como uma chispa de fogo, acende o desejo e só volta a brilhar intensa e permanentemente no final quando o encontro se realiza. A busca não é nunca uma marcha triunfal: implica numerosas partidas e recomeços e não devemos dela esperar manifestações espetaculares. O que conta é a perseverança: a capacidade de não desertar, de não ceder ao desalento, de não se desviar para cômodos refúgios e nem se contentar com conquistas provisórias; a obstinação para caminhar quando tudo parece inútil, absurdo e impossível. E o que mais conta ainda é o discernimento de que para adorar a Deus é preciso nos deter diante do mistério do mundo e saber olhá-lo com amor. Quem olha a vida amorosamente começará a vislumbrar as vibrações de Deus antes mesmo de ser envolvido por elas. 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR 

Viagem perigosa, 2018, Jacob Ehrbahn (1970-), Dinamarca, Siena International Awards Photo.