quarta-feira, 8 de outubro de 2025

O Caminho da Beleza 47 - Nossa Senhora Aparecida

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Nossa Senhora Aparecida                 

Est 5, 1b-2; 7, 2b-3           Ap 12, 1-5                Jo 2, 1-11

 

ESCUTAR

“Concede-me a vida, eis o meu pedido, e a vida do meu povo, eis o meu desejo!” (Est 7, 3).

“Apareceu no céu um grande sinal” (Ap 12, 1).

“Eles não têm mais vinho” (Jo 2, 3).

 

MEDITAR

A mesa em comum com o hóspede é o espaço em que o alimento é compartilhado, e o comer se torna ‘convívio’, ocasião de comunhão vital: é à mesa, à mesa compartilhada, que o ser humano tem a oportunidade, todas as vezes renovada, de se libertar do seu ser ‘devorador’ – do alimento e do outro – e de se tornar mais uma vez, a cada dia, uma pessoa de comunhão.

 (Enzo Bianchi)


 ORAR

O tema das Bodas é marcante em toda a nossa tradição judaico-cristã. Ele realça a dimensão amorosa e terna da Aliança do Senhor com a abundância proclamada pelo profeta Joel: “Acontecerá naquele dia que as serras estarão suando vinho novo, os morros escorrendo leite (Jl 4, 18). O evangelista revela que todo rito legalista é estéril. A água só se converte em vinho depois de retirada das talhas, pois antes era apenas uma água que lavava o exterior das pessoas que cumpriam a norma rígida da Lei. Jesus nos faz saber que não podemos jamais nos fechar num ritualismo legalista que endurece os corações e entristece os espíritos. Agora a água, transformada em vinho, é oferecida aos borbotões para todos na festa nupcial. Este vinho representa o cumprimento da promessa de abundância: “Vinde comer meus manjares e beber o vinho que misturei” (Pr 9, 4-5) e “Vinde a mim vós que me amais, e saciai-vos de meus frutos; recordar-me é mais doce do que o mel, possuir-me é melhor que os favos” (Eclo 24, 20-21). O vinho é a alegria do homem reconciliado consigo mesmo, com seu próximo e com seu Deus. A festa de Caná é o momento de um novo parto tanto para Jesus como para Maria que auxilia o rito de passagem de seu Filho que sai do silêncio para o início da vida pública. Confiante que o Filho, embriagado pelo Espírito, estava cumprindo a vontade do Pai, Maria ordena sem hesitar: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Como escreve a psicanalista Françoise Dolto: “Talvez, tenha sido nesse momento, nas bodas de Caná, que Maria se tornou a Mãe de Deus!”. A água convertida em vinho é, simbolicamente, o novo parto em que a Mãe – água e sangue – gera o Filho para o mundo e para a vida em abundância – pão e vinho – sendo Ele mesmo a Vinha da qual somos os ramos. A essência deste milagre está na revelação de que Jesus tem compaixão pela necessidade dos outros e que o amor fraterno é sempre estar pronto a responder a estas necessidades, sejam quais forem. Com Maria se antecipa o milagre da fé pascal e se antecipa para nós, seus filhos e filhas, a mesma fé para que ninguém duvide de que Jesus seja capaz de renascer e expandir a alegria das Bodas do Cordeiro para toda a humanidade convidada, agora e sempre, para o Seu banquete nupcial. O gesto de entrega de Jesus será glorificado na Cruz como uma exaltação embriagada de amor e de amar que foi iniciada em Caná.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Bodas em Caná, 2014, Katie Hoffman, óleo sobre tela, 18” x 18”, Denver, Colorado, Estados Unidos.




quarta-feira, 1 de outubro de 2025

O Caminho da Beleza 46 - XXVII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXVII Domingo do Tempo Comum                      

Hab 1, 2-3; 2, 2-4             2 Tm 1, 6-8.13-14             Lc 17, 5-10

 

ESCUTAR

“Quem não é correto vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2, 4).

“Pois Deus não nos deu um espírito de covardia, mas de força, de amor e sobriedade” (2 Tm 1, 7).

“Assim também vós: quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos simples servos; fizemos o que devíamos fazer’” (Lc 17, 10).

 

MEDITAR

O Ocidental não aceita o ‘sofrimento’ como parte de sua vida e desse modo ele nunca pode retirar dele uma força positiva.

(Etty Hillesum)

Dai-me Senhor, a liberdade de aceitar as coisas que não posso mudar. Dai-me a coragem de mudar aquelas que posso mudar. Dai-me a sabedoria de distingui-las umas das outras.

(Friedrich Christoph Oetinger)

 

ORAR

     A fé cristã é um compromisso de transformação estrutural de um mundo marcado pela opressão. Esta revolução, pela fé, está simbolizada no Evangelho de hoje: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar”. A mínima fé torna possível o impossível, pois “nada é impossível para Deus” (Lc 1, 37). A fé testemunhada por Jesus não se reduz a piedosos conselhos e, muito menos, a um programa de vida virtuoso. Essa foi a medida utilizada pelos apóstolos ao pedirem uma recompensa pela vida virtuosa que acreditavam levar: ao pedirem o aumento de sua fé, faltou-lhes a humildade. Jesus, o Cristo, dá-se a si mesmo, pois, para Deus, este dar-se gratuitamente, sem esperar recompensas, é a única medida que conta para a salvação dos homens e das mulheres. Jesus não manteve distâncias e, derrubando todas as barreiras, desprezou as fronteiras humanas fossem quais fossem. “Onan, quando se deitava com Tamar, derramava o seu sêmen na terra” (Gn 38, 9). O onanismo da fé nos condena a almejar certezas definitivas, a violar a ideia de comunhão e a ressaltar uma Igreja desencarnada que serve apenas para a salvação das almas. O onanismo da fé revela-se quando acreditamos e investimos no espetáculo público e televisivo de nós mesmos, expresso na manipulação, no utilitarismo e na exploração sentimentalista da fé, deitando por terra a potencialidade evangélica de honrar compromissos que valem mais do que uma vida. Nesta nossa travessia não podemos nos contentar com a autossatisfação de uma fé acomodada aos limites impostos por nós mesmos. O Evangelho de Jesus nos oferece o paradoxo do risco, pois confrontaremos o impossível e o inimaginável e, por esta razão, podemos dizer sem nenhum medo que nos esterilize e sem nenhuma expectativa de recompensa pelo que fizemos: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”. Jesus nos garante que para Deus nada é impossível. Tenhamos, pois, a humildade de apresentar diante do seu altar a nossa fé e a fé das igrejas que, nestes tempos, em que se agiganta o onanismo intimista do fastio, tem sido menor, bem menor do que um grão de mostarda.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Jesus lavando os pés de Pedro, 1852-56, Ford Madox Brown (1821-1893), óleo sobre tela, 1168 x 1333 mm, Galeria Tate, Londres, Reino Unido.




 

 

terça-feira, 23 de setembro de 2025

O Caminho da Beleza 45 - XXVI Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXVI Domingo do Tempo Comum            

Am 6, 1.4-7             1 Tm 6, 11-16                     Lc 16, 19-31

 

ESCUTAR

“Ai dos que vivem despreocupadamente em Sião, os que se sentem seguros nas alturas de Samaria!” (Am 6, 1).

“Tu que és um homem de Deus, foge das coisas perversas, procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão” (1 Tm 6, 11).

“Há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós” (Lc 16, 26).

 

MEDITAR

Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível e de repente estarás fazendo o impossível.

(São Francisco de Assis)

Somente quando não se poupam as mãos no serviço de amor e de misericórdia na disposição diária de ajudar, pode a boca anunciar com alegria e credibilidade a palavra do amor e da misericórdia de Deus.

(Dietrich Bonhoeffer)

 

ORAR

     Há um momento da vida que é preciso “acertar as contas” e na maioria das vezes o cenário é desagradável: uma existência fútil e inútil; uma ostentação descarada do luxo, um alarde das riquezas acumuladas por meios inconfessáveis. O profeta não poupa as palavras, a orgia dos dissolutos acabará de uma maneira trágica: “Eles irão agora para o desterro, na primeira fila, e o bando dos gozadores será desfeito”. Na parábola de Jesus, o rico não tem nome e nem o necessita, pois de todas as maneiras seria abusivo uma vez que a sua vida é vazia, fútil e se gasta unicamente em favor próprio. O mendigo não possui nada e nada recebe além da compaixão dos cachorros que vinham lamber as suas feridas. Mas, tem um nome importante – Lázaro – que significa Deus trouxe auxílio. A narrativa evangélica não pretende descrever o além-da-morte, nem nos informar sobre a decoração e a temperatura do inferno. Ela quer nos fazer entender a mudança radical das perspectivas no momento da morte, quando o teatro termina, as cortinas se fecham e as luzes se apagam. Em síntese, a parábola afirma que a Palavra de Deus basta e sobra!!! Não há aparições, nem de mortos ou fantasmas, que podem substitui-la e nem sinais extraordinários que sejam mais convincentes. Os mais pobres exigem que façamos justiça às suas vidas e que transformemos as estruturas sociais e religiosas que os condenam à mendicância. Neles, o Cristo mendiga a cada instante e deste Cristo encarnado nos pobres não podemos nos envergonhar, pois o evangelho de Jesus revela que quanto menor é o irmão tanto maior é nele a presença do Cristo: “Aquele que recebe um destes pequeninos é a mim que recebe” (Mc 9, 37). Ironicamente, o evangelista mostra que Lázaro não teve um funeral e, no entanto, “os anjos levaram-no para junto de Abraão”. E o rico anônimo acostumado às pompas foi, simplesmente, enterrado. Devemos ter a lucidez de que um Lázaro qualquer de nossas vidas, o menor entre os menores, é e sempre será o que poderá interceder por nós diante Daquele que vive e reina com o Pai, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos. Amém.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

S. Título, início da década de 1960, São Francisco, Estados Unidos, Nacio Jan Brown, Berkeley, Estados Unidos.

 




quinta-feira, 18 de setembro de 2025

O Caminho da Beleza 44 - XXV Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXV Domingo do Tempo Comum              

Am 8, 4-7                1 Tm 2, 1-8             Lc 16, 1-13

 

ESCUTAR

“Ouvi isto, vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra... ‘Nunca mais esquecerei o que eles fizeram’” (Am 8, 4.7).

“Quero, portanto, que em todo lugar os homens façam a oração, erguendo mãos santas, sem ira e sem discussões” (1 Tm 2, 8).

“Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16, 13).

 

MEDITAR

Sonhei que o papa enlouquecia. E ele mesmo ateava fogo ao Vaticano e à Basílica de São Pedro. Loucura sagrada, porque Deus atiçava o fogo que os bombeiros, em vão, tentavam extinguir. O papa, louco, saía pelas ruas de Roma, dizendo adeus aos embaixadores, credenciados junto a ele; e espalhando pelos pobres o dinheiro todo do Banco do Vaticano. Que vergonha para os cristãos! Para que um papa viva o Evangelho, temos que imaginá-lo em plena loucura.

(Dom Hélder Câmara)

 

ORAR

     A lição de hoje é de uma visibilidade inconfundível: não se pode misturar religião e injustiça; culto e fraude; glória de Deus e aviltamento do homem; louvor ao Pai e exploração do fraco. Deus esquece as nossas práticas religiosas ainda que as conciliemos com uma conduta desonesta, mas jamais esquece as práticas de trapaça enganosas: “Dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias”. Os que governam e não conduzem o povo a uma vida digna são maus administradores e “filhos das trevas”. São os que idolatram o dinheiro e acumulam riquezas injustas porque não partilhadas. Os “filhos da luz” devem testemunhar um mundo totalmente diferente, um mundo em que os valores sejam os da acolhida, os da amizade e os da partilha. O gerente fraudulento acaba agindo de uma maneira sensata e toma uma decisão imediata: fazer amigos como um investimento para o futuro, pois considerou as relações humanas mais importantes do que o dinheiro injusto acumulado pelo patrão. Só devemos servir a Deus e devemos servi-Lo com mais astúcia, audácia, espírito inventivo, sendo generosos com os bens que nos foram confiados e não mais avarentos. Tudo nos foi dado por Deus para todos. O Senhor sente repugnância pelo avarento, mas ama receber das pessoas generosas que servem a Deus ao servir os seus irmãos. Meditemos as palavras de São Basílio: “Não és acaso um ladrão, tu que te apossas das riquezas cuja gestão recebestes? Ao faminto pertence o pão que guardas; ao homem nu, o manto que mantém guardado; ao descalço, os sapatos que estão estragando em tua casa; ao necessitado, o dinheiro que escondestes. Cometes assim tantas injustiças quantos são aqueles a quem poderias dar”. Nossas igrejas e comunidades estão sempre em julgamento, pois dizer e não fazer é uma impostura e com ela continuaremos a “diminuir medidas, aumentar pesos, adulterar balanças, maltratar os humildes e causar a prostração dos pobres da terra”. O Papa Paulo VI advertia: “Um cristão não pode sentir-se tranquilo enquanto houver um homem que sofre; que é tratado injustamente; que não tem o necessário para viver”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Calçada na época do Natal, Atenas, 1980, Chris Steele-Perkins (1947-), Magnum Photos, Rangum, Myanmar.


 


 

 

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

O Caminho da Beleza 43 - Exaltação da Santa Cruz

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Exaltação da Santa Cruz         

Nm 21, 4-9              Fl 2, 6-11                 Jo 3, 13-17

 

ESCUTAR

“Por que nos fizestes sair do Egito para morrermos no deserto? Não há pão, falta água e já estamos com nojo desse alimento miserável” (Nm 21, 5).

“Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação” (Fl 2, 6).

“Deus não enviou o Seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3, 17).

 

MEDITAR

O Deus meu e de todos,

Que tenho feito até hoje no mundo,

Senão te invocar para que surjas,

Senão me desesperar porque sou pó?

Dilata minha visão,

Dilata poderosamente minha alma,

Faze-me referir todas as coisas ao teu centro,

Faze-me apreciar formas vis e desprezíveis,

Faze-me amar o que não amo.

 

(Murilo Mendes)

 

Esse é justamente o tema maravilhoso da Bíblia que assusta a tantos: que o único sinal visível de Deus no mundo seja a cruz. Cristo não é arrebatado gloriosamente da terra para o céu, seu destino é a cruz. E precisamente lá onde está a cruz está próxima a ressurreição. Onde todos ficam desconsertados diante de Deus, onde todos se desesperam com Deus, é exatamente lá que Deus está bem perto e Cristo está vivamente presente.

(Dietrich Bonhoeffer)

 

ORAR

No mito africano-egípcio da origem da Vida, a serpente Atum será apresentada como o primeiro Deus que emergindo das águas primordiais cuspia outros deuses e toda a criação. Para os egípcios, no meio dos quais Moisés foi criado, a serpente representava a conservação da vida, a vida salvaguardada e reencontrada. A serpente colocada num lenho e levantada por Moisés era feita de uma liga trinitária de estanho, cobre e zinco e brilhava intensamente refletindo a luz do sol. É uma serpente dos ares e de luz e, segundo os mitos primevos africanos, carrega o vento e fogo e, por isso, neutraliza a doença e a morte. No Evangelho de João, a imagem reaparece com outra densidade simbólica: a de um Jesus Serpente que cura e regenera e que sintetiza toda a humanidade levantada e libertada. Levantado na Cruz, expira sobre o mundo todo o seu sopro de vida e o seu corpo é como o bronze brilhante – símbolo solar que reflete a luz divina do alto. De Jesus, levantado e ungido pelo sol, procede a vida e sua luz coloca às claras a bondade e a maldade do proceder de cada um de nós. O Filho da Luz irradia uma verdade que desarma todas as víboras da conspiração e da hipocrisia que nos espreitam. O Homem Levantado, este Jesus Serpente, é destinado a ser visto como presença salvadora do Pai e ponto de convergência do encontro divino/humano, de onde flui a Vida em abundância. No prólogo de João, a luz brilhava no meio das trevas e chegava até o mundo iluminando todo homem (Jo 1, 9). Antes, podíamos aceitar ou não a luz; agora podemos ou não praticar o amor, pois o Corpo Crucificado de Jesus ainda continua sofrendo nos corpos fustigados dos nossos irmãos e irmãs. O Cristo espera de nós que sejamos capazes de sujar de vida os olhos claros de morte que nos rodeiam e espreitam para que, ao expirarmos nosso sopro de vida, consumemos as obras de amor e justiça que conseguimos.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Pietá, c. 1592, El Greco (1541-1614), óleo sobre tela, 120 cm x 145 cm, Starvos Niarchos Collection, Paris, França.





quarta-feira, 3 de setembro de 2025

O Caminho da Beleza 42 - XXIII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXIII Domingo do Tempo Comum           

Sb 9, 13-19              Fm 9-10.12-17                   Lc 14, 25-33

 

ESCUTAR

“Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Ou quem pode imaginar o desígnio do Senhor” (Sb 9, 13).

“Assim, se estás em comunhão de fé comigo, recebe-o como se fosse a mim mesmo” (Fm 9,17).

“Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27).

 

MEDITAR

Deus é amor. Mas o amor pode também ser odiado, quando exige do homem que saia de si próprio para ir além de si mesmo. O amor não é um romântico sentimento de bem-estar. Redenção não é wellness, bem-estar, um mergulho na autocomplacência, mas uma libertação do auto-fechamento no próprio eu. 

(Bento XVI)

Deixamos pouco espaço para que esse poema que é Jesus Cristo se organize em nós e se torne verdadeiramente o canto de nossa vida.

(Maurice Zundel)

 

 ORAR

    As igrejas se exaurem cada vez mais pela quantidade de pessoas que alardeiam, com uma segurança assombrosa, conhecer a “vontade de Deus”. E a “vontade de Deus” sempre está de acordo com seus interesses, caprichos e atos duvidosos. Os dogmatismos mais vergonhosos celebram triunfos inenarráveis pelas suas intolerâncias e discriminações. O Papa Francisco denuncia que “a incoerência dos fiéis e dos pastores entre aquilo que dizem e o que fazem, entre a palavra e a maneira de viver mina a credibilidade da Igreja” (A Igreja da Misericórdia). Urge suplicar ao Senhor que nos envie um suplemento de sabedoria. Jesus ensina no seu Evangelho uma sabedoria que vai contra a corrente. Nenhuma decisão pode ser tomada às pressas e, num momento de euforia, é preciso ter uma disposição para enfrentar o cansaço, uma aceitação da cruz e uma determinação de ir até as últimas consequências. Jesus não legitima nenhuma comodidade. Ele propõe uma reviravolta na escala de valores: a renúncia de todos os bens, a disponibilidade para entrar na lógica louca do amor, da doação, no abandono dos cálculos egoístas e das reservas ditadas pelo desejo de “administrar” prudentemente a própria vida. A decisão fundamental de seguir a Cristo exclui as meias medidas, as cômodas desculpas e os caprichos pessoais. Jesus testemunha que a única eleição equivocada é a neutralidade, o único compromisso imperdoável é não se comprometer e a única posição intolerável é a indiferença.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Madre Teresa com uma criança do orfanato que ela dirige em Calcutá, Índia, 1974, Nik Wheeler (1939-), Reino Unido.




 

 

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

O Caminho da Beleza 41 - XXII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXII Domingo do Tempo Comum             

Eclo 3, 19-21.30-31          Hb 12, 18-19.22-24          Lc 14, 1.7-14

 

ESCUTAR

É aos humildes que ele revela seus mistérios (Eclo 3, 20).

Mas vós vos aproximastes do monte Sião e da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste (Hb 12, 22).

“Porque quem se eleva será humilhado e quem se humilha será exaltado” (Lc 14,11).

 

MEDITAR

O mal do nosso tempo é a superioridade. Há mais santos do que nichos.

(Honoré de Balzac)


Vaidade das vaidades, tudo é vaidade.

(Eclesiastes 1, 2)

 

 ORAR

    No banquete do Reino não sentarão os que praticam o carreirismo e o escárnio mais desenfreados, a vaidade mais descarada e a ostentação mais vergonhosa. Muito menos os que buscam as posições de privilégio e os que ostentam suas torpes autopromoções. No banquete do Reino será considerada a pequenez e a humildade valerá como a titulação mais acreditada. As precedências serão invertidas e sentarão à mesa os que nada têm para dar em troca, os pobretões que não nos garantem nenhuma promoção social. Temos que nos acostumar a oferecer sem nada esperar e sem nada conceder aos interesses e vaidades. A hospitalidade oferecida aos segregados e proscritos constitui uma garantia para não sermos excluídos do Reino. Jesus apresenta duas dimensões que confrontaram os costumes religiosos de sua época: a humildade e a gratuidade do amor. A humildade cristã não é nos desprezar e nem nos diminuir diante dos outros, pois isto pode ser uma forma de orgulho. A soberba e o orgulho são os maiores obstáculos para o amor. Jesus nos faz conhecer a chave de todo o seu discurso: “Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos”. Haverá uma recompensa divina de uma qualidade completamente diferente do que esperamos. A experiência cristã é, antes de tudo, compartilhar o amor que vem de Deus e que cumula de alegria e ternura o nosso coração. Jesus conhece a deplorável tendência de nos colocarmos acima de todos por querer simplesmente aparecer poderosos aos olhos dos outros. Jesus revela o sentimento louco de Deus que, no banquete do Reino, reserva os melhores lugares para os pobres e para os últimos: “Há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão os últimos” (Lc 13, 30).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Cordeiro recém-nascido se aconchega com menino dormindo, 1940, Foto de Williams/Fox, Getty Images, Inglaterra.




 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

O Caminho da Beleza 40 - XXI Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXI Domingo do Tempo Comum               

Is 66, 18-21            Hb 12, 5-7.11-13                Lc 13, 22-30

 

ESCUTAR

“Eu, que conheço suas obras e seus pensamentos, virei para reunir todos os povos e línguas; eles virão e verão minha glória” (Is 66, 18).

“Pois o Senhor corrige a quem ele ama e castiga a quem aceita como filho” (Hb 12, 6).

“Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (Lc 13, 24).

 

MEDITAR

Uma religiosidade que conceba Deus como o defensor dos próprios privilégios e da própria riqueza, não merece o nome de religiosidade senão o de superstição ou idolatria.

(A. Pieris)

Perdão, pedir, não peço: que eu acho que quem pede, para escapar com vida, merece é meia-vida e dobro de morte.

(João Guimarães Rosa)

 

ORAR

    Devemos aprender a viver na imprevisibilidade: não querer saber nem “o dia e nem a hora”; nem se são “poucos os que se salvam” e nem assegurar os “primeiros lugares” (Mt 18, 1). Jesus se recusa a satisfazer este tipo de curiosidade e para isto introduz, nas nossas vidas, o elemento surpresa. A surpresa está não só na proveniência insólita, e para muitos suspeita, dos que serão admitidos ao banquete, mas também no tipo de categoria dos excluídos: “Nós comemos e bebemos diante de ti e tu ensinaste em nossas praças”. Corremos o perigo dos que se consideram privilegiados e se dão conta de que a ordem das precedências foi invertida: “Há últimos que serão os primeiros e primeiros que serão os últimos”. A salvação é universal, mas não deve ser confundida com facilidade. Se o horizonte é sem medidas, o Evangelho nos surpreende com a imprevisibilidade de uma porta estreita e ninguém está autorizado a alargá-la, nem muito menos eliminá-la. Precisamos nos desapegar de tudo o que pode criar obstáculos pela estreiteza da porta de entrada. Uma porta construída exclusivamente com material evangélico: amor e justiça alicerçados na humildade e no serviço. Tudo está colocado à luz do amor, tanto o horizonte imenso como a porta estreita; tanto o banquete universal quanto a dura exclusão dos que forçam a entrada por meio de suas pretensões farisaicas de uma fidelidade puramente exterior. O Senhor nos faz saber que, paradoxalmente, só passaremos pela porta estreita ampliando os horizontes e dilatando o coração.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O Caminho Estreito, 2002, David Hayward (1957-), lápis, guache e giz sobre papel, Toronto, Canadá.




 

 

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

O Caminho da Beleza 39 - Assunção de Maria

 Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

Assunção de Maria  

Ap 11,19;12, 1.3-6.10                   1 Cor 15, 20-27                  Lc 1, 39-56

 

ESCUTAR

E ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro (Ap 12, 5).

O último inimigo a ser destruído é a morte (1 Cor 15, 26).

“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (Lc 1, 42).

 

MEDITAR

A única propriedade de Deus é a desapropriação... Se Deus é verdadeiramente essa desapropriação infinita, essa liberdade total em relação a si, ele não poderia desejar na Criação a não ser seres livres.

(Maurice Zundel)

O Abbá Poemen dizia: todas as provas que se precipitarem sobre você podem ser suplantadas pelo silêncio.

(Thomas Merton)

 

ORAR

O poeta se refere a Maria como “a catedral do grande silêncio” (David Turoldo) e reafirma o Evangelho que nos apresenta Maria de Nazaré como uma criatura do silêncio que escolhe não aparecer em primeiro plano. Sua presença está sob o signo da discrição. A Mãe desaparece totalmente no Filho: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). O Evangelho está mais pontuado pelo silêncio de Maria do que por palavras e aparições. Sua figura não é chamativa porque seus contornos se esboçam na ilimitada transparência do silêncio. Não temos o direito, sob hipótese alguma, de reduzir Maria a um rumor ensurdecedor para agregar as pessoas. O Concílio Vaticano II advertia que devemos nos “abster tanto do falso exagero quanto da estreiteza do espírito” para evitar a instrumentalização, as retóricas e os sentimentalismos (Lumen Gentium 67). Maria não necessita de sinais mirabolantes, pois confia na Palavra, abandona-se e se declara disponível. Seu silêncio expressa plenitude. A devoção à Virgem é autêntica se nos faz frequentar o terreno profundo da interioridade, da meditação, da contemplação, do compromisso concreto e da cotidianidade do mistério. Devemos, para não cair num fragoroso vazio, identificar-nos com o silêncio de Maria e termos a lucidez de que aplaudir não significa escutar. No silêncio, Deus emerge e voltamos a perceber a sua voz. Maria nos faz saber que Jesus não prega uma religião para mentalidades infantis nem para incorrigíveis entusiastas. Jesus não é um pregador sombrio, um profeta tristonho. Sua história começa com a infindável alegria de sua mãe: “A minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Madona e Criança, Marianne Stokes (1855-1927), data da obra, dimensões e locação desconhecidas.

 


quarta-feira, 6 de agosto de 2025

O Caminho da Beleza 38 - XIX Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XIX Domingo do Tempo Comum               

Sb 18, 6-9                Hb 11, 1-2.8-19                  Lc 12, 32-48

 

ESCUTAR

“A noite da libertação fora predita a nossos pais para que, sabendo a que juramento tinham dado crédito, se conservassem intrépidos” (Sb 18, 6).

“A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem” (Hb 11, 1).

“Porque onde está o vosso tesouro aí estará também o vosso coração” (Lc 12, 34).

 

MEDITAR

Somente na ação é que se encontra a liberdade. Abandona o vacilar medroso e enfrenta a tempestade dos acontecimentos, sustentado somente pelo mandamento de Deus e por tua fé, e a liberdade envolverá jubilosa o teu espírito.

(Dietrich Bonhoeffer)

Os nossos sonhos são demasiado pequenos e, se Deus os desfaz, é para que nos possamos aventurar no espaço mais vasto da sua Vida. Deus liberta-nos de pequenas ambições para que possamos aprender a ter uma esperança mais extravagante.

(Timothy Radcliffe)

 

ORAR

    Nossos hinos de louvor a Deus não podem ser confundidos com os Te Deum entoados com excessiva frequência pelos tiranos nos seus regimes autoritários e nem deveríamos celebrar a missa em praça pública no aniversário das cidades destruídas pela corrupção dos seus governantes. Perdemos a denúncia profética e não temos autoridade religiosa para denunciar, como o papa Francisco, “os que exploram a pobreza dos outros, e para quem a pobreza dos outros é uma fonte de lucro” (Homilia em Lampedusa, 08.07.2013). A luz da Páscoa e a sua alegria brilham somente quando nenhum homem é pisoteado em sua dignidade e em sua liberdade. A vigilância, especialmente quando a noite parece que nunca vai terminar, se sustém pela esperança e exige: uma mentalidade de peregrinos, com nossos rins cingidos e lâmpadas acesas; a lucidez ante os perigos que nos ameaçam; uma fidelidade constante e uma grande sabedoria para aprender a ler os sinais, interpretar a mudança dos ventos e a coragem de responder aos novos desafios. O passado passou ainda que seja importante para nos fazer avançar cada vez mais. Recebemos em abundância para sermos ousados e não paralisados pelo medo. A fé é viver como se víssemos o invisível; como se possuíssemos o que não temos; como se apostássemos sobre o impossível. A fé não se encontra segura nos templos, nos palácios do governo, nas universidades, como um selo de garantia. A fé está em casa quando está em tendas cuja dinâmica é marcada pelo provisório e pelo transitório que respondem por uma peregrinação constante. Como afirma o cardeal Walter Kasper: “Deus se revela como Deus do caminho e como guia no percurso de uma história que não pode ser consolidada na partida, mas na qual Ele estará sempre presente de uma maneira imprevisível e na qual é sempre novamente o futuro de seu povo”. Os cristãos, ao invés de ficarem instalados, preferem a espera de contínuas e incômodas saídas para desafiadoras viagens. Os cristãos não se consideram depositários e guardiões dos pensamentos de Deus ou de uma doutrina sobre Deus, mas se sentem tocados por suas promessas. Por isso, debaixo de suas tendas não se preocupam em doutrinar-se, mas em contar estórias e causos de suas travessias. Peçamos também nós o perdão, como o Papa Francisco, “por termos nos acomodado, nos fechado em nosso próprio bem-estar que leva à anestesia do coração”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

A Ceia, Ben Willikens, 1976-1979, acrílico sobre tela (tríptico), 300 cm x 200 cm (cada painel), Museu Alemão de Arquitetura, Frankfurt, Alemanha.

 



quarta-feira, 30 de julho de 2025

O Caminho da Beleza 37 - XVIII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XVIII Domingo do Tempo Comum                       

Ecl 1, 2; 2, 21-23               Cl 3, 1-5.9-11                      Lc 12, 13-21

 

ESCUTAR

“Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (Ecl 1, 2).

“Pois vós morrestes e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus” (Cl 3, 3).

“Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12, 15).

 

MEDITAR

Eu tenho mais apreço pelo desprendimento do que pelo amor. Em primeiro lugar, porque o melhor do amor é que ele me força a amar a Deus, enquanto o desprendimento força Deus a me amar.

(Mestre Eckhart)

Esquecer de si e passar por cima das regras habituais regidas pelo ‘respeito humano’, esse tipo de autocensura social que paralisa, para apostar tudo, para tudo arriscar, até mesmo a nossa lógica habitual, deslocada pela força de nossa fé no outro – eis o começo de outra vida, de uma cura.

(Françoise Dolto)

 

ORAR

    Que sentido tem a vida? É a pergunta que perpassa os textos deste domingo. O provisório da vida, a finitude da existência são as certezas únicas que temos. E ainda acreditamos que as posses materiais conseguem acrescentar um segundo a mais nas nossas vidas. Paulo exortava: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” (1 Tm 6, 10) e Tomás de Aquino dava o retoque final: “A avareza reside no coração e seus frutos são a inquietude, a violência, o perjúrio, a fraude, a corrupção e a traição”. Nada muda no decorrer do mundo e resistimos em aprender. O dinheiro é sempre a extensão das nossas crenças e atitudes e medimos a vida das pessoas pelo dinheiro que entra e pelo que sai. Para a alma do capitalista, quem não acumula bens não tem nenhum valor e nem poder e, no entanto, para o Evangelho aquele que acumulou riquezas perdeu a vida. A regra de ouro do Cristo em relação ao dinheiro é não acumular, mas repartir: “Não acumuleis riquezas na terra, onde roem a traça e o caruncho, onde os ladrões arrombam e roubam” (Mt 6, 19) e mais uma vez Tomás de Aquino completa: “O homem avarento endurece o seu coração para evitar que, movido pela compaixão, venha ajudar alguém à custa de suas posses e de seus bens”. O coração endurecido transforma a vida numa sucessão interminável de mesquinharias e sovinices e acredita que todo homem tem seu preço e que, por esta razão, o dinheiro pode comprar tudo: da consciência pessoal à vida cotidiana. Algumas pessoas sofrem porque não têm o que herdar, outras sonham com uma herança que possa resolver seus problemas, mas a vida tem nos ensinado que é justamente no acerto de contas da herança que a ganância e a ambição aparecem com suas garras devoradoras que destroem a suposta harmonia familiar. A ganância não conhece limites e condena o que deseja riquezas a utilizar todos os meios ao seu alcance para saciar a sua ambição de ser o mais rico possível. Tudo o que fazemos por ambição acaba em destruição e morte: “Não te inquietes vendo o outro se enriquecer no roubo, na maldade e na desonestidade. Nada poderá levar consigo ao morrer: nem sua glória, nem seu sucesso! Terão companhia no cemitério: mortos, defuntos sem vida onde jamais verão a luz, apenas a escuridão” (Sl 49). A cobiça empobrece o homem e o torna desumano e o converte num cego desprovido de uma única luz capaz de clarear a sua noite inevitável. Meditemos o provérbio árabe: “Não tente e nem se esforce para mostrar as estrelas a um cego: ele não as pode ver”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Agnus, 2022, Konstantin Korobov (1985-), óleo sobre tela, 60 cm x 60 cm, Rússia.





quarta-feira, 23 de julho de 2025

O Caminho da Beleza 36 - XVII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XVII Domingo do Tempo Comum             

Gn 18, 20-32                      Cl 2, 12-14               Lc 11, 1-13

 

ESCUTAR

“Estou sendo atrevido em falar a meu Senhor, eu que sou pó e cinza” (Gn 18, 27).

“Com Cristo fostes sepultados no batismo; com ele também fostes ressuscitados por meio da fé no poder de Deus, que ressuscitou a Cristo dentre os mortos” (Cl 2, 12).

“Portanto, eu vos digo, pedi e recebereis; procurai e encontrareis; batei e vos será aberto. Pois quem pede recebe; quem procura encontra; e, para quem bate, se abrirá” (Lc 11, 9-10).

 

MEDITAR

Não era o ar movido pela voz que chegava aos ouvidos do profeta, mas Deus que falava em seu íntimo.

(São Jerônimo)

A oração é o secreto absoluto. É totalmente oposta à publicidade. Quem ora já não conhece a si mesmo, mas somente a Deus a quem invoca.

(Dietrich Bonhoeffer)

 

ORAR

    Duas cenas ficam gravadas na memória: a estupenda negociação entre Abraão e Deus e o colóquio noturno entre o indivíduo inoportuno e o amigo despertado de sobressalto à meia noite. Uma oração de intercessão e a outra de petição e ambas sob o signo da insistência, da coragem, da confiança e, inclusive, do enfrentamento. Ambas são escutadas. Até então, as culpas de um ou de poucos eram pagas por toda a coletividade e agora Abraão pede com humildade, mas com decisão, para que a inocência de uma minoria seja motivo de perdão para todos os outros pecadores. Abraão descobre que no Senhor encontra-se uma justiça disposta a dar espaço ao perdão e que, em Deus, a vontade de salvar prevalece sobre a de castigar. No Evangelho, a oração é um apelo não ao juiz da terra, mas a um Deus que é Pai. Cristo autoriza a nos dirigirmos a Deus como Pai, esta palavra-chave que abre de par em par todas as portas, inclusive as mais inacessíveis e legitima as aspirações as mais impossíveis. Não se trata de colocar na balança o peso dos justos, mas a nossa condição de filhos e filhas. Podemos pedir ousadamente e, ao mesmo tempo, neste pedido, nos comprometemos. No Pai Nosso escutamos o que Deus espera de nós, ou seja, exatamente as mesmas coisas que pedimos a Ele. O Pai nos escuta, mas não nos tempos e nos modos fixados por nós. Podemos estar seguros que “o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem” e o Espírito Santo é o princípio da liberdade e da imprevisibilidade. O Pai nos escuta, certamente, mas do seu modo que é o da generosidade infinita de um pai e não do nosso modo que é sempre redutivo e restritivo. Nós cristãos, devemos preferir sempre um Deus que nos surpreenda a um Deus que nos satisfaça e nos contente, pois devemos confiar mais em suas respostas do que em nossas perguntas, mais nos seus dons do que em nossos pedidos. A oração ensinada por Jesus deve nos conduzir a um silêncio de escuta do nosso ser que vibra em sintonia com a humildade da entrega – “Seja feita a tua vontade”, e com a permanente insistência – “Mas livrai-nos do mal”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Reflexões da Fé, 2014, Celso II Creer (1979-), Monochrome Photography Awards 2014, Abu Dhabi, Emirados Árabes.





 

quarta-feira, 16 de julho de 2025

O Caminho da Beleza 35 - XVI Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XVI Domingo do Tempo Comum               

Gn 18, 1-10             Cl 1, 24-28              Lc 10, 38-42

 

ESCUTAR

“Meu Senhor, se ganhei tua amizade, peço-te que não prossigas viagem sem parar junto a mim, teu servo” (Gn 18, 3).

“Alegro-me de tudo o que já sofri por vós e procuro completar na minha própria carne o que falta das tribulações de Cristo” (Cl 1, 24).

“Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas” (Lc 10, 41).

 

 MEDITAR

Muitos homens religiosos, à força de observâncias e renúncias, se tornam duros de coração. Porque se tratam de observâncias e renúncias que apontam justamente ao coração. E em lugar de fazê-lo bondoso, o endurecem, o secam e o fazem indiferente ao que passa na vida.

(José M. Castillo)

Mesmo nos momentos mais trágicos, o cristão não tem outro direito senão o de criar alegria. Dele é exigida permanentemente a arte de transfigurar as horas mortas, as ações medíocres, a monotonia cotidiana. Seu dever é resgatar toda a sua participação na náusea do mundo.

(Emmanuel Mounier)

 

ORAR

    A hospitalidade é um dos sinais de fidelidade ao mandamento do amor sem fronteiras. Aquele-que-chega é sempre uma presença misteriosa e pode mudar, radicalmente, a nossa vida. A hospitalidade verdadeira é sempre acompanhada com frutos de fecundidade, basta escutarmos o que o hóspede tem a nos dizer. A hospitalidade cristã tem sua expressão maior no mistério eucarístico: os que recebem o pão divino descobrem que, na realidade, são recebidos pela Trindade amorosa que neles faz a sua morada. A hospitalidade rompe o anonimato e o isolamento, pois nela somos e existimos para alguém e para uma comunidade. A palavra de Jesus é dada gratuitamente desde que estejamos disponíveis para escutá-la e cumpri-la. Escutar a palavra de Jesus é acolher a mensagem de envio para o serviço ao outro. O evangelista mostra Jesus soberano na sua liberdade ao abolir a exclusão sócio-religiosa e ser recebido na casa de duas mulheres. Marta fica atribulada em hospedar o Mestre que sempre chegava sem aviso prévio e acompanhado de muita gente. Maria, no entanto, transgride duplamente: primeiro, deixa de lado o papel tradicional da mulher ao não ajudar a sua irmã na acolhida aos hóspedes; segundo, senta-se aos pés de Jesus, como os discípulos sentavam-se, nos banquetes, aos pés de seus mestres. O erro de Marta é um erro de perspectiva. O de não entender que a chegada do Cristo significa, principalmente, a grande ocasião que não se pode perder e, consequentemente, a necessidade de sacrificar o importante pelo urgente. Devemos sempre nos perguntar quem está no centro da casa: o Senhor ou Marta. Ao nos dedicarmos às coisas do Senhor, esquecemos da acolhida profunda e silenciosa da sua palavra, como fez Marta, que viu a si mesma. Mestre Eckhart escrevia: “Quanto menos alguém procurar a si mesmo no ser amado tanto mais o prazer de se unir a ele”. O afã cotidiano deste mundo pode abafar a escuta e nos fazer sucumbir nas preocupações diárias. E Jesus alerta: “A cada dia basta a sua preocupação”. A hospitalidade nos conduz às aragens do sagrado, pois “graças à hospitalidade alguns, sem o saber, acolheram anjos” (Hb 13, 2). A hospitalidade nos liberta do narcisismo, de olharmos somente para nós, pois quanto mais temos necessidade de espelhos tanto mais Deus passa a vida a quebrá-los.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Santa Trindade (A Hospitalidade de Abraão), anônimo, ícone de meados do século XVI, escola de Novgorod, Rússia.