quarta-feira, 18 de junho de 2025

O Caminho da Beleza 31 - XII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XII Domingo do Tempo Comum                            

Zc 12, 10-11; 13, 1             Gl 3, 26-29             Lc 9, 18-24

 

ESCUTAR

“Derramarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém um espírito de graça e de oração; eles olharão para mim” (Zc 12, 10).

“O que vale não é mais ser judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Jesus Cristo” (Gl 3, 28).

“Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9, 24).

 

MEDITAR

Não é o heroísmo que será enaltecido, mas a oferenda obscura e aparentemente inútil de uma vida que não é senão o amor, sinal do amor de Deus em meio ao inferno que os homens, às vezes, sabem organizar.

(Cardeal Jean-Marie Lustiger)

Peço a Deus que te esteja sempre presente. A todo instante. E que te ensine a gozares do Amor. Isto é de te deixares amar. Porque não sabemos como nos abrir às ternuras divinas.... e só Ele nos pode ensinar isso.

(Madre Belém)

Viver aspirando a conservar a própria vida é uma mutilação da vida, uma esterilização culposa dela, uma versão da existência unicamente orientada para a segurança. Significa viver tendo medo da vida e permanecer paralisado diante da iminência inevitável da morte.

(Massimo Recalcati)

 

ORAR

Quando o evangelista Lucas apresenta Jesus “rezando num lugar retirado” é para que saibamos que a oração sempre prepara e antecede algo decisivo nas nossas vidas. Ao ouvir a resposta de Pedro de que Ele era o Cristo de Deus, Jesus anuncia a própria paixão iminente, a sua morte e ressurreição. Tudo isto constituirá um motivo de escândalo e por esta mesma razão Jesus “proíbe severamente que contassem isso a alguém”. O sentido do caminho não é triunfal uma vez que passa pela proscrição dos três poderes constituídos e aliados entre si: o civil-econômico, o político e o religioso. Devemos aceitar, como cristãos, esta decisão de Jesus de ir até as últimas consequências (inclusive a morte!) para que possamos afirmar quem é o Messias, pois como diz Paulo “a loucura de Deus é mais sábia que os homens, a fraqueza de Deus é mais forte que os homens” (1 Cor 1, 25). Somente se compreendermos que a Sua vida é uma vida dada pelos demais é que provaremos ter descoberto o segredo de Sua vinda no meio de nós. Para nós, cristãos, não basta definirmos corretamente quem é Jesus e muito menos aceitar a sua travessia pouco triunfal. É necessário ter a lucidez sobre as condições do seguimento a Jesus. “Quem quiser me seguir” significa que estamos todos no mesmo caminho e que não é uma decisão fácil, pois é necessária uma eleição existencial precisa, corajosa, lúcida e livre. O caminho de Jesus não é acompanhado de um cortejo imponente, mas implica na renúncia de si mesmo. A partir de então, o único sinal autêntico de reconhecimento do discípulo é o da Cruz. Desejar seguir ao Cristo é assumir a perda da garantia que isso comporta, pois a alternativa entre “salvar” e “perder” a sua vida é a alternativa entre a vontade de “levar vantagem” em seus interesses individuais e a disponibilidade de fazer da vida um dom, para gastá-la, como o Cristo, em favor dos outros. O cristão não é o herói do excepcional, do gesto heroico, porque o verdadeiro heroísmo é o servir aos outros por meio de uma fidelidade sofrida, silenciosa e cotidiana. Paulo nos faz saber que no povo de Deus são abolidas as diferenças religiosas, culturais e sociais. A condição de filhos elimina qualquer discriminação porque confere a todos um mesmo valor e uma idêntica dignidade. Para o Senhor, vale somente a pessoa que crê, que ama e que decide assumir a cruz com amor e entrega aos outros, pois este é o sinal do Filho e dos seus filhos e filhas que constituem as pedras vivas da sua comunidade eclesial.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O Preço da Guerra, 2023, Diego Herrera (1992-), Espanha, foto premiada como “altamente elogiada” no Siena International Photo Awards, 2023.






quarta-feira, 11 de junho de 2025

O Caminho da Beleza 30 - Santíssima Trindade

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

Santíssima Trindade               

Pv 8, 22-31              Rm 5, 1-5                Jo 16, 12-15

 

ESCUTAR

“Assim fala a sabedoria de Deus: O Senhor me possuiu como primícias de seus caminhos, antes de suas obras mais antigas; desde a eternidade fui constituída, desde o princípio, antes das origens da terra” (Pv 8, 22-23).

A tribulação gera a constância, a constância leva a uma virtude provada, a virtude provada desabrocha em esperança (Rm 5, 3-4).

“Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora. Quando, porém, vier o Espírito da verdade, ele vos conduzirá à plena verdade” (Jo 16, 12-13).

 

MEDITAR

Alguns de nós acreditam que Deus é Todo-Poderoso e que pode fazer tudo, e que Deus é Todo-Sabedoria e sabe como fazer tudo. Mas que Deus é Todo-Amoroso e quer amar tudo, aqui nós nos contemos. E essa ignorância atrapalha a maioria dos amantes de Deus, como eu vejo (...) Deus quer ser pensado como nosso Amante.

(Julian de Norwich)

O amor é o único ímpeto que é suficientemente avassalador para nos forçar a deixar o confortável abrigo da nossa individualidade bem protegida, a pôr de lado a concha inexpugnável da autossuficiência e rastejar nus para a zona do perigo, lá para a frente, para o cadinho em que a individualidade se purifica para aparecer a personalidade.

(Mark Patrick Hederman, OSB)

 

ORAR

       Neste domingo é preciso nos deixar envolver pelo ritmo terno deste dinamismo de amor no qual se concretiza o mistério: 1+1= 3. A reciprocidade entre o Eu do Pai e o Tu do Filho gera o Espírito de liberdade e de amor que nos faz comungar da intimidade entre o Pai e o Filho: “Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará é meu”. A Trindade nos desvela e comunica o ilimitado deste amor gerado, pois “o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. A plena revelação da sabedoria de Deus é estar junto aos homens e mulhares no sofrimento e na doação até o fim para que possamos conhecer e enfrentar “as tramas do mundo”, pois a sabedoria penetra tudo como “um reflexo da luz eterna, espelho nítido da atividade de Deus e imagem de sua bondade” (Sb 7, 26). O mundo é a morada da Trindade, pois Deus no mundo e o mundo em Deus são a transfiguração do mundo pelo Espírito. “Tudo o que acontece, acontece em Deus”, como afirmava Mère Belém. Basta a nós sermos dóceis a esta dança trinitária – a pericorese – que nos envolve e nos conduz. Basta deixar que ela abra nossos olhos e coloque nossos corpos em movimento, apontando-nos o caminho a seguir. Abramos o nosso existir aos seus conselhos para que não aconteça de endurecermos a cabeça e o coração, insistindo em caminhar em sentido contrário ao que nos mostra a Trindade (cf. Sl 32). Somos chamados à explosão de Vida que emerge desta comunhão pessoal, trinitária e nupcial, sem gêneros, pois “Deus é Amor”, não é homem nem mulher, e por isso mesmo temos que viver essa dimensão amorosa que é a única que nos salva da loucura e do desalento. Ironia ou não do Transcendente, a Santíssima Trindade, feminina, contém o Pai, o Filho e o Espírito Santo, masculinos. Paulo nos garante que o Espírito intercede em nosso favor, a todo tempo e a todo instante, pois circulando visceralmente nas nossas veias ama e se entrega à sua comunidade eclesial, como os amados clamam em êxtase: “Beija-me com os beijos da sua boca” (Ct 1, 1). Jamais poderemos esquecer que é no silêncio de sua plenitude amorosa e do seu gozo infinito que o Pai, revelado pelo Filho, escuta o Espírito Santo “interceder em nosso favor com gemidos inefáveis” (Rm 8, 26). A dança da Trindade é como o êxtase dos noivos ao se entregarem, em mútua oferenda, para a realização plena de suas núpcias. Neste exato momento, único e intransferível, a vida ordinária se esgota, transformando-se no mistério extraordinário de ser e existir.

(Manos da Terna Solidão/ Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Os Três Dançarinos, 2015, coreografia de Didy Veldmann (1967-), Rambert Dance Company, foto de Stephen Wright (1960-), Wallingford, Inglaterra.




 

quarta-feira, 4 de junho de 2025

O Caminho da Beleza 29 - Pentecostes

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

Pentecostes           

At 2, 1-11                  1 Cor 12, 3b-7.12-13                    Jo 20, 19-23

 

ESCUTAR

“Todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua” (At 2, 6).

“A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1 Cor 12, 7).

“E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20, 22).

 

MEDITAR

Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais conta. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que esmaga os vossos ombros e vos faz pender para a Terra, deveis embriagar-vos sem tréguas. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de ternura, à vossa escolha. Mas embriagai-vos. E se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na erva verde de uma vala, na solidão baça do vosso quarto, acordais já diminuída ou desaparecida a embriaguez, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, à ave, ao relógio, a Deus, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, a ave, o relógio e Deus vos responderão: “São horas de vos embriagardes! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de ternura, à vossa escolha”.

(Charles Baudelaire)

É isto, o espírito. Esta capacidade de não submeter sua existência, mas de assumi-la no amor para fazer dela uma oferenda luminosa e universal.

(Maurice Zundel)

 

ORAR

     Tentemos deixar fluir, ao menos uma vez na vida, o sopro do Espírito dentro e no meio de nós. Deixemos que sejam varridos das cabeças todos os símbolos do poder: coroas, solidéus, mitras, com todas as máscaras e disfarces que ornam e corrompem as liturgias. Permitamos que o sopro arranque as páginas dos nossos códigos, que leve para o mais longe as sandices dos nossos discursos políticos, sociais e religiosos e assistamos ao fogo se ocupar de queimá-los para que nunca mais pretendam nos submeter. Com certeza, será um ganho para todos nós. Ele não sopra para garantir a ordem, para avalizar decisões que prejudiquem o Bem Comum e nem desempenha a função de juiz em nossos jogos com as regras determinadas por nós e para o nosso sucesso. Façamos, ao menos uma vez, com plena confiança no Espírito da Liberdade, a prova de acolher este mesmo Espírito como elemento perturbador, verdadeira inspiração, desmonte das regras fixadas de antemão e portador de coisas jamais vistas, ouvidas e experimentadas antes. Tenhamos a coragem de sermos habitados pelo vento e pelo fogo. É o Espírito da Verdade que vem a nós e nos produz como homens e mulheres que não temem as travessias plurais da vida. O Ressuscitado abre o futuro, abre a porta e abre a esperança do possível. Pentecostes é a festa de todos os possíveis. O Espírito acende em nós uma paixão e uma nova criação nasce de um colossal incêndio que nos deixa enamorados e nos surpreende com as palavras apaixonadas que por falso pudor nunca nos permitimos, publicamente, dizer. O Espírito – vento e fogo – rompe os limites das alcovas e das salas e brinca, diverte-se e ri da nossa sisudez e pretensa seriedade. Vento e fogo são incontroláveis, imprevisíveis e a nova aliança que trazem nos faz orbitar fora de nós e encontrar os outros conhecidos e desconhecidos num abraço amoroso e livre. Os discípulos foram considerados embriagados, pois novamente despertavam entusiasmados, cheios de Deus, para anunciar, em todas as línguas, as maravilhas do Senhor. Toda a tentativa hipócrita de administrar a ação do Espírito e falar em seu nome será um contrassenso. O Espírito de Jesus se encontra na oração, na solidariedade, no perdão, na palavra comprometida e na misericórdia que superam todas as fórmulas e as frases de conveniência, os conselhos moralizantes e as respostas pré-fabricadas. Jesus nos fala de um pecado contra o Espírito que nunca terá perdão. É a blasfêmia de conceder ao Espírito apenas uma sutil e vigiada fissura ao invés de janelas e portas abertas dos corações. O pecado irreparável é a pretensão de falar da coragem cristã e oferecer ao Espírito um pouco menos da metade de todo o resto que concedemos ao medo e a angústia. O pecado sem perdão é falar de Pentecostes sem nunca nos permitir experimentar e viver até as últimas consequências a sua embriaguez.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Nuvens de Fogo em Pôr-do-Sol, 2013, autor e local desconhecidos.




quarta-feira, 28 de maio de 2025

O Caminho da Beleza 28 - Ascensão do Senhor

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Ascensão do Senhor                 

At 1, 1-11                  Ef 1, 17-23               Lc 24, 46-53

 

ESCUTAR

“Recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós para serdes minhas testemunhas” (At 1, 8).

Irmãos, o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer (Ef 1, 17).

“Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu (Lc 24, 49).

 

MEDITAR

Senhor Deus, Uno e Trino, comunidade estupenda de amor infinito, ensinai-nos a contemplar-Vos na beleza do universo, onde tudo nos fala de Vós. Despertai o nosso louvor e a nossa gratidão por cada ser que criastes. Dai-nos a graça de nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe.

(Papa Francisco)

A espiritualidade não pode ser aprendida por uma fuga do mundo, fugindo-se das coisas ou se tornando solitário e afastando-se do mundo. Pelo contrário, nós devemos aprender uma solidão interior onde e com quem estivermos. Nós devemos aprender a penetrar nas coisas e achar Deus lá.

(Mestre Eckhart)

 

ORAR

           Com a ascensão de Jesus começa o tempo da Igreja, um tempo de testemunho público e corajoso que, progressivamente, alcançará todos os homens. A ascensão é a linha divisória entre a história de Jesus e a da comunidade pós-pascal. A comunidade eclesial pode iniciar o seu próprio caminho histórico sem nostalgias e sem fugas apocalípticas graças à força do Espírito prometido pelo Senhor. O banquete eucarístico, convivência íntima, é o lugar por excelência em que os amigos podem estar em comunhão com o Cristo. A Igreja surge como uma comunidade de oração para depois ser apostólica, quando a sua prática passa a ser animada pelo Espírito. A comunidade eclesial tem necessidade do sopro vital que lhe será dado pelo Espírito do Senhor, pois sem Ele não existe vida, nem força de expansão e nem capacidade de testemunho para a Igreja. Jesus se “separa” dos amigos com o sinal da benção e esta é a última imagem que fica: a do Cristo glorioso que abençoa. Os apóstolos saúdam a partida do Senhor não com prantos, mas com alegria ainda que devam afrontar um mundo hostil para levar a paz, o amor e o perdão. Não celebramos uma despedida, mas uma nova maneira de estar presente no mundo, pois a presença definitiva do Ressuscitado entre nós e na história da humanidade está assegurada pelo seu Espírito que conduz a comunidade eclesial até o fim dos tempos, por meio da concretização do amor fraterno, símbolo emblemático dos cristãos e dos homens e mulheres de boa vontade. Somos herdeiros de seu testemunho e neste seguimento devemos reinventá-lo a cada novo momento histórico, como pedia o Papa João XXIII, lendo e compreendendo os “sinais dos tempos”. A celebração da eucaristia anuncia e realiza a proibição de toda estatização da Igreja e de todo o clericalismo na política. A Igreja peregrina não funda a cidade terrena, mas a habita apontando para o futuro. Devemos nos guiar pela prática de Jesus: a sua maneira de acolher os pecadores – porque Deus não faz acepção de pessoas – de elevar os humildes, desnudar os orgulhosos e arrogantes. Devemos lembrar que a conversão proposta por Ele é a mudança radical nas nossas relações com Deus, com o próximo e, sobretudo, com o dinheiro. A novidade dos seus ensinamentos e do seu testemunho lhe valeu, como valerá para nós, a hostilidade dos governantes e do poder religioso, causa da sua condenação e assassinato. O evangelista enfatiza que são “fatos que nos aconteceram” (Lc 1, 1) e não qualquer mistificação maravilhosa inventada e difundida ao bel prazer de qualquer um. Meditemos as palavras de Bento XVI: “Nós devemos estar seguros de que, por mais pesadas e turbulentas as provas que nos esperam, não seremos jamais abandonados a nós mesmos. As mãos do Senhor não nos largarão, pois estas são mãos que nos criaram e que, todo o dia, nos acompanham no itinerário de nossas vidas”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Ascensão, 1958,  Salvador Dali (1904-1989), óleo sobre tela 115 x 123 cm, Coleção Simon Perez, México.




quarta-feira, 21 de maio de 2025

O Caminho da Beleza 27 - VI Domingo da Páscoa

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


VI Domingo de Páscoa

At 15, 1-2.22-19                 Ap 21, 10-14.22-23                      Jo 14, 23-29                                  

 

ESCUTAR

“Ficamos sabendo que alguns dos nossos causaram perturbações com palavras que transtornaram vosso espírito” (At 15, 24).

“A cidade não precisa de sol nem de lua que a iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro” (Ap 21, 23).

“Não se perturbe nem se intimide o vosso coração” (Jo 14, 27).

 

MEDITAR


Onde falta o desejo de se encontrar com Deus, ali não há crentes e sim pobres caricaturas de pessoas que se dirigem a Deus por medo ou por interesse.

(Simone Weil)

O culto que pretende honrar o Senhor é necessário. Mas se é praticado para assegurar-se o favor de Deus sem se mudar a vida, torna-se uma farsa. O culto em si não tem consistência própria: é apenas a vida que lhe dá consistência.

(Bruno Maggioni)

 

ORAR

     A desgraça dos puristas de todos os tempos é a pretensão de impor cargas opressoras e inúteis. De acrescentar ao jugo libertador do Cristo, um jugo suplementar e opressor feito de bagatelas sufocantes, pois alguns indivíduos sentem um gosto sádico ao exigir sacrifícios absurdos e são refratários às ações inovadoras do Espírito. O livro do Apocalipse nos revela que Deus, por meio do Cordeiro, não reside em edificações, pois Ele é o próprio templo numa Igreja transfigurada. O novo santuário é o corpo ressuscitado de Jesus, o Cristo. Este mesmo Cristo será, ao mesmo tempo, ponto de conjunção da humanidade com Deus e ponto de união da humanidade inteira. A Igreja quando pretende exibir a própria luz e a própria glória, termina, inevitavelmente, obscurecendo a Fonte da luz e vende como esplendor celeste as luzes do êxito e do prestígio humano. A Igreja de Jesus Cristo há de ser fiel à sua dinamicidade que a impede de ser nostálgica; à sua fidelidade que a impede de desviar-se da sua razão de ser e à sua profecia que a faz compreender os sinais dos tempos. A Igreja deve cultivar a tolerância e o diálogo que a livram das enfermidades do poder e a esperança que a faz superar dúvidas e incertezas. A Cidade de Deus não é uma cristandade sociologicamente organizada, mas uma dinâmica do Espírito que age e transforma o mundo por meio de nós. Antes de ser uma estrutura, a Igreja é uma comunidade, fruto do acolhimento do Espírito no coração dos fiéis, pois “somente a recepção acolhedora da Palavra, no Espírito, é formadora da comunidade cristã” (Francisco Catão). Na Igreja, deve prevalecer a fé no Espírito, guia da Igreja, que deve desaparecer para brilhar a luz do Cristo. A fé e o compromisso com Jesus Cristo são um produto da ação do Espírito sobre nós, pois é este mesmo Espírito que nos ensina a reconhecer sua ação no mundo atual, na sociedade conflitiva em que vivemos e na realidade que nos rodeia.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Sem Título, Newcastle, 1999, Peter Marlow (1952-2016), Londres, Reino Unido.

 






quarta-feira, 14 de maio de 2025

O Caminho da Beleza 26 - V Domingo da Páscoa

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


V Domingo da Páscoa              

At 14, 21-27                        Ap 21, 1-5                Jo 13, 31-35

 

ESCUTAR

“Chegando ali, reuniram a comunidade. Contaram-lhe tudo o que Deus fizera por meio deles e como havia aberto a porta da fé para os pagãos” (At 14, 27).

“Eis que faço nova todas as coisas” (Ap 21, 5).

“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13, 35).

 

MEDITAR

Deus saiu de si mesmo para vir ao meio de nós, armou a Sua tenda entre nós, para nos trazer a Sua misericórdia que salva e dá esperança... Recordai bem: sairmos de nós, como Jesus, como Deus saiu de si mesmo em Jesus, e Jesus saiu de si próprio por todos nós.

(Papa Francisco)

Acho a vida bela e me sinto livre. Os céus se estendem dentro de mim, assim como acima de mim. Acredito em Deus e nos homens, e ouso dizer isso sem falso pudor. Uma coisa é certa: deve-se contribuir para aumentar a reserva de amor sobre esta terra. Cada migalha de ódio que se acrescenta ao ódio exorbitante que já existe torna este mundo inóspito e inabitável.

(Etty Hillesum)

 

ORAR

    Os textos desta liturgia falam do amor fraterno que é o centro da vida da comunidade do Cristo. Este amor fraterno é um protesto da ternura do Senhor, pois o Senhor se faz presente por uma ternura acolhedora que, nos iluminando, faz nascer uma maior liberdade de ação frente às doutrinas e às normas caducas que nada têm a ver com a vida teologal – a vida de fé, esperança e amor – do povo de Deus. Desde os tempos de Jesus, os doutores da Lei não tinham autoridade, só tinham poder e com ele impunham a doutrina oficial. Temos que ter a lucidez de que nenhuma outra peculiaridade das igrejas poderá convencer o mundo da verdade e da necessidade da pessoa do Cristo e dos seus ensinamentos: o amor fraterno é o sinal indispensável do seguimento do Cristo. O eremita Ernesto Cardenal escreveu: “Estas bodas de amor serão as núpcias eternas de toda a Igreja com Cristo e de cada ser particular com Cristo, porque em cada ser está reunida toda a Igreja; como o corpo de Cristo está todo completo em cada hóstia e nos corpos de todos os homens e todas as mulheres”. É o amor fraterno que nos sustenta em todas as adversidades da travessia. E por este mesmo amor podemos converter a violência do mundo, como pregava João Crisóstomo: “Não teriam convertido o mundo se não tivessem amado tanto”. A nova aliança selada por Jesus com sua vida, morte e ressurreição contempla uma única cláusula e um único compromisso decisivo: o amar com um dinamismo expansivo de um amor universal cujas ondas e vibrações nos empurram cada vez mais para longe. Uma prática amorosa que não olha o mérito das pessoas; que se traduz em serviço; que valoriza a liberdade e aniquila qualquer discriminação. Um amor desarmado e desarmante, como afirma o papa Leão XIV, que se revela mais forte do que o ódio e um amor cuja visibilidade poderá ser reconhecida por qualquer pessoa que busque vibrar na mesma sintonia amorosa. Um amor alternativo às trevas e que nos revela que a utopia é o não-ainda possível: se Deus é Pai, os homens poderão se produzir como irmãos. “Vede como eles se amam”, afirmava Tertuliano. É este amor que derrotará o egoísmo e o ódio, forças de destruição, e este amor está à disposição de todo aquele que pretenda, desde agora, viver “neste novo céu e nesta nova terra”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

        

CONTEMPLAR

A Ajuda do Padre, 1962, Puerto Cabello, Venezuela, Héctor Rondón Lovera (1933-), Venezuela.





quarta-feira, 7 de maio de 2025

O Caminho da Beleza 25 - IV Domingo da Páscoa

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


IV Domingo da Páscoa

At 13, 14.43-52                  Ap 7, 9.14b-17                    Jo 10, 27-30

 

ESCUTAR

“Eu te coloquei como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra” (At 13, 47).

“Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14b).

“As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem (Jo 10, 27).

 

MEDITAR

Eu sou o Amor sem limites. Não conheço nenhum limite no tempo. Não conheço nenhum limite no espaço. Não há nenhum lugar em que eu não me encontre. Não há nenhum momento em que eu não exprima o que sou, quem eu sou. Eu sou a origem e a raiz mais profunda, e o impulso do que vós sois. Eu sou a vossa verdadeira vida.

(Um monge da igreja oriental)

Não me lembro de um só instante da minha vida em que tenha duvidado de Deus. Duvidei e duvido da possibilidade do pensamento humano conhecer e nomear adequadamente a sua existência, duvidei e duvido das pretensões das religiões de encerrá-lo nas suas doutrinas, duvidei e duvido de muitas outras coisas, mas de Deus e da possibilidade de participar no seu mistério de vida infinita que Jesus-Yeshua chamava ‘reino’ nunca duvidei e espero que nunca duvide até o último dos meus dias.

(Vito Mancuso)

 

ORAR

O Pastor conhece as suas ovelhas, não genericamente, mas pessoalmente, uma a uma. Cada um de nós, aos seus olhos, é um absoluto e não uma minúscula parte de um todo. “Escutar a voz” é uma ligação de pertença mútua numa atmosfera de liberdade e reciprocidade. Shemá Israel!. Mas esta voz não está fora de nós! A voz do Pastor não é algo estranho para nós. Nós nascemos nela. É preciso escutá-la nas entranhas. São Jerônimo, comentando a sabedoria do profeta Isaías, afirmava que “não era o ar movido pela voz que chegava aos ouvidos do profeta, mas Deus que falava em seu íntimo”. Devemos repousar em nós mesmos, escutar Deus/Amor em nosso íntimo, em nossa respiração, fazê-Lo brotar no sopro da nossa vida e expandi-Lo para o mundo. O Pastor não vem de fora. Não percorre um caminho paralelo ou justaposto, nem visita o seu rebanho de vez em quando, mas participa intimamente de sua vida. Ele compartilha a vida de todos. Ele é Pastor, mas também Ele é Cordeiro. Seu testemunho (de amor) será o nosso testemunho, sua proscrição (ante o poder) será a nossa proscrição, como foi a de Paulo e Barnabé e a de todos “os que lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro”. O povo de Deus não é poupado de nenhuma prova ou desafio. Não é privilegiado, mas amado. Só pode desfrutar da tenda aquele que sabe, por experiência, o que é o deserto. Jesus não se limita a proclamar a palavra do Pai, mas revela o Pai na sua própria pessoa e no seu modo de agir. Toda a prática do Cristo se faz revelação de Deus. Ao escutarmos a sua voz em nós e ao fazermos ressoá-la, alcançamos essa identitas christi. Eu e o Pai somos Um! Aprisionar o dinamismo vigoroso da Palavra em nossas igrejas exclusivistas faz com que ela abandone o nosso território. O Evangelho, quando aprisionado, caminhará em outra direção e deixará em nossa porta um montinho de pó como testemunho de que se cansou de nossa mesquinhez. Deixará os que se consideram “puros” na poeira de sua casa para se dirigir aos distantes, aos diferentes de nós, entre os quais armará a sua tenda. A voz de Deus em nós sempre nos empurrará para o mais-além-de-nós-mesmos. Como afirma o Papa Francisco: “A presença de Deus na nossa vida nunca nos deixa tranquilos, sempre nos impele a mover-nos. Quando Deus visita, sempre nos tira para fora de casa: visitados para visitar, encontrados para encontrar, amados para amar” (Homilia em Santiago de Cuba, 2015).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Papa Francisco com um cordeiro sobre os ombros. AP Photo, Osservatore Romano, http://roma.repubblica.it, 01/06/2014.













 

terça-feira, 29 de abril de 2025

O Caminho da Beleza 24 - III Domingo da Páscoa

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

III Domingo da Páscoa           

At 5, 27-32.40-41             Ap 5, 11-14              Jo 21, 1-9

 

ESCUTAR

“Os apóstolos saíram do conselho muito contentes por terem sido considerados dignos de injúrias por causa do nome de Jesus” (At 5, 41).

“O Cordeio imolado é digno de receber o poder, a riqueza, a sabedoria e a força, a honra, a glória e o louvor” (Ap 5, 12).

“Então Jesus disse: ‘Moços, tendes alguma coisa para comer?’” (Jo 21, 5).

 

MEDITAR

A relação com Deus torna possível o impossível.

(Soeur Emmanuelle)

Jesus é chamado de Cordeiro: ele é o Cordeiro que tira o pecado do mundo. Pode-se pensar: mais como um cordeiro, tão frágil, um pequeno cordeiro frágil, como ele, pode tirar tantos pecados e tantas maldades? Pelo Amor. Por sua ternura. Jesus jamais cessou de ser um cordeiro: terno, bom, pleno de amor, próximo dos pequenos, próximo dos pobres.

(Papa Francisco)

 

ORAR

    Neste domingo, diferente do episódio com Tomé que se desenvolveu no interior de uma casa, com as portas fechadas, estamos ao ar livre: encontramos a comunidade eclesial em atitude de missão. Na paisagem familiar do lago Tiberíades, a barca e os pescadores parecem repetir o contexto da primeira chamada três anos antes. Desta vez, no entanto, Jesus não é simplesmente o Mestre, mas o Senhor e a fé pascal nos permite reconhecê-Lo. As ocupações mais ordinárias podem ser veículos para a difusão da mensagem evangélica e o estar junto dos discípulos indica que a missão é sempre comunitária e não um gesto isolado e autônomo. E a luz do Ressuscitado vence a noite e toda a autossuficiência que conduz ao fracasso e à infelicidade. Faltam os peixes porque falta a união com Ele. Não podemos nos esquecer da advertência do Cristo: “Sem mim não podeis fazer nada” (Jo 15, 5). Jesus lhes revela à luz do novo dia o fracasso do seu trabalho noturno: “Moços, tendes alguma coisa para comer?”. A pesca abundante se converte no fruto da generosidade divina e não do trabalho dos homens. É João quem diz a Pedro: “É o Senhor!” e, mais uma vez, é o amor quem vê melhor e chega primeiro. Pedro demora a compreender e na sua impetuosidade se atira nu nas águas, decidido a ser o primeiro a encontrar o Senhor. A sua nudez significa que ele ainda não vestira a veste do discípulo para fazer o que Jesus fez: cingir-se com a toalha e lavar os pés dos outros. Jesus, apesar de ter acendido as brasas e colocado peixes e pão para assar, revela, ao pedir que os discípulos trouxessem mais peixes, que Ele necessita do agir da comunidade. Não tem sentido e nem razão de ser comer com Ele se não nos entregarmos em favor dos outros. A indagação do Ressuscitado a Pedro sobre o seu amor para com Ele desvela que a qualidade do amor é proporcional à responsabilidade do serviço. O evangelista, ao mostrar a unidade profunda entre o ministério e o amor, entre Pedro e João, revela que sem amor o ministério pode se tornar agressivo e ditatorial. João, o discípulo amado, continuará, até o fim dos tempos, íntegro na sua lealdade e velando para que a Igreja de Jesus, apascentada por Pedro, não esmoreça, por omissão ou covardia, no seu amor incondicional aos outros. Peçamos ao Cristo com as palavras emprestadas do poeta Maiakóvski: “Ressuscita-me ainda que mais não seja porque sou poeta e ansiava o futuro. Ressuscita-me lutando contra as misérias do cotidiano, ressuscita-me por isso. Ressuscita-me quero acabar de viver o que me cabe, minha vida, para que não mais existam amores servis. Ressuscita-me para que ninguém mais tenha que sacrificar-se por uma casa, um buraco. Ressuscita-me para que a partir de hoje a família se transforme e o pai seja pelo menos o universo e a mãe seja no mínimo a terra”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Uma estória do peixe, da série “Crescendo na Escuridão”, 2012-2015, Mário Macilau (1984-), Maputo, Moçambique.



quarta-feira, 23 de abril de 2025

O Caminho da Beleza 23 - II Domingo da Páscoa

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

II Domingo da Páscoa             

At 5, 12-16               Ap 1, 9-13.17-19                Jo 20, 19-31

 

ESCUTAR

Chegavam a transportar para as praças os doentes em camas e macas, a fim de que, quando Pedro passasse, pelo menos a sua sombra tocasse alguns deles (At 5, 15).

“Não tenhas medo. Eu sou o Primeiro e o Último, aquele que vive” (Ap 1, 17-18).

“Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20, 29).

 

MEDITAR

Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que uma vida exteriormente correta de quem passa os seus dias sem enfrentar grandes dificuldades.

(Papa Francisco)

Quando pensamos em salvação, pensamos sempre no além, em algo depois da morte. Mas, a salvação começa no aqui e agora da história. E a salvação no aqui e agora se traduz em viver a vida de uma forma que vale a pena.

(Juan Antonio Estrada)

 

ORAR

A aparição do Cristo no livro do Apocalipse não é para a morte, mas para a vida: Ele é o Vivente, a fonte da vida. Ele não está confinado ao passado, mas é o Cristo hoje e sempre: “Estive morto, mas agora estou vivo para sempre e tenho as chaves da morte”. Como disse o Papa Francisco na sua homilia da Vigília Pascal: “Jesus é o ‘hoje’ eterno de Deus”. O Ressuscitado caminha com a Igreja também no meio das trevas e das tempestades as mais violentas. A Igreja antes de ser um lugar de culto, de doutrina, de moral e da própria religião é, essencialmente, o lugar da fé no Cristo ressuscitado. O evangelista revela justamente esse elemento vital para a comunidade eclesial: o crescimento na fé. Não só Tomé, mas também os outros discípulos têm dificuldade para crer. O evangelista concentra em Tomé esta resistência à fé, porque a fé não é fruto de uma fácil exaltação. Toda fé madura é carregada de dúvidas e isso é bom! Toda comunidade eclesial, de todos os lugares e tempos, chega progressivamente, em meio a dúvidas, perplexidades, proscrições, ao grito de fé de Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”. Este homem, que duvida e questiona, é o primeiro a confessar a divindade de Jesus. Crescer na fé não significa se submeter a adestramentos catequéticos, mas compreender que ser Católico é estar preparado para dizer que nós não possuímos todas as respostas. O teólogo Walter Kasper disse que a Igreja teria muito mais autoridade se algumas vezes dissesse com mais frequência: “Eu não sei”. A comunidade eclesial deve, prioritariamente, acolher os que buscam, questionam, lutam, se debatem nas incertezas e perseguem, aos tropeções, um raio de luz. É uma busca dolorosa que pode ser mais autêntica que a posse de uma certeza que provoca a acomodação e a esclerose. Na comunidade eclesial, há espaço para os que chegam primeiro, mas, sobretudo, para os retardatários como Tomé. A comunidade eclesial deve manter suas portas escancaradas para todos e nunca mais fechadas para preservar os que se consideram “perfeitos na fé”. A advertência nos é, cotidianamente, lançada: “Crês que Deus existe? Muito bem! Também os demônios creem e tremem de medo” (Tg 2, 19). Meditemos as palavras da teóloga alemã Dorothee Sölle no seu poema Credo: “Eu creio em deus que não criou um mundo imutável, algo incapaz de se modificar, que não governa de acordo com leis que permanecem invioladas (...) eu creio em deus que deseja conflito na vida e quer que nós transformemos o status quo, pelo nosso trabalho, por nossas políticas [e por nossos sonhos]”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Marcha pela Paz, Washington, 1967, Marc Riboud (1923-), França. Foto tirada em frente ao Pentágono numa manifestação contra a guerra do Vietnã, em março de 1967.






quinta-feira, 17 de abril de 2025

O Caminho da Beleza 22 - Domingo da Páscoa: Ressurreição do Senhor

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor                

At 10, 34.37-43              Cl 3, 1-4                 Jo 20, 1-9                               

 

ESCUTAR

“E Jesus nos mandou pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu Juiz dos vivos e mortos” (At 10, 42).

“Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória” (Cl 3, 3-4).

“Ele viu e acreditou. De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos” (Jo 20, 8-9).

 

MEDITAR

Toda história da salvação poderia ser descrita como um drama de amor, como um imenso Cântico dos cânticos. Porém é menos a noiva que procura o noivo que o Deus fiel que procura seu povo adúltero, que procura a humanidade que se desviou dele; ele a procura para ‘lhe falar ao coração’ e reconduzi-la ao seu primeiro amor. Na Páscoa, as bodas são consumadas e no Ressuscitado é a humanidade inteira e o cosmos que se encontram secretamente recriados e transfigurados: o corpo do Ressuscitado é vida pura e não esta mistura de vida e de morte, esta ‘vida morte’ que chamamos de vida.

(Atenágoras de Constantinopla)

 Se olharmos nossa vida nesta luz, se nós pensarmos que somos chamados pelo Amor a ser o Templo de Deus, o Santuário do Espírito e o Corpo de Jesus, teremos, frente a nós mesmos, uma atitude de respeito que fará de nós o altar, o tabernáculo onde Deus se revela, onde Deus manifesta Sua vida, transfigurando a nossa para que a nossa comunique a Sua.

(Maurice Zundel)

 

ORAR

    Celebramos hoje a alegria pascal, a aleluia de termos sido criados e renovados na inocência, na liberdade e na gratuidade. A Páscoa não trata de uma vida após a morte e nem de finais felizes. Jesus é o SIM de Deus contra os poderes que O mataram. O Ressuscitado se identifica com a totalidade e a densidade da vida verdadeiramente humana. Ao contrário, os mentirosos, os de falso testemunho, os pervertidos, os ávidos pela acumulação do poder e do dinheiro respondem pelas mortes cotidianas e imperceptíveis que corrompem o Espírito e o Sopro da Vida. São os que se contentam com a psicologia do túmulo, com uma visão de Cristo que lhes apraz e se transformam em múmias de museu. Eles se apegam a uma tristeza melosa que se apodera do coração como o mais precioso “elixir do demônio”. (cf. Evangelii Gaudium, 83). Estão arraigados numa teologia que cheira a naftalina e não a fragrância do nardo puro que enche a casa de perfume (Jo 12, 3). Suas vidas ao invés de ser aromas de Cristo (2 Cor 2, 15) são bafos de sacristia. Somos chamados a um agir cristão que coloca os sinais da Ressurreição para abrir caminhos de liberdade e expansão na história dos homens. Caminhos para a dimensão divino/humana construídos pela coragem de lutar contra todas as formas de morte. Ressuscitar é transcender... A Páscoa é o SIM de Deus a Jesus para que nos tornemos Vida no Cristo e deste SIM de Deus ninguém é excluído, pois o Cristo nos revela uma fé que não conhece fronteiras. No interior do túmulo, um Vivo; no interior da Escritura, o Verbo que se encarna, no interior do Pão partido, uma Presença Real e no interior de Deus, um amor palpitante. No interior de cada um de nós, a sabedoria de que Jesus acolhe nossos passos, nossos caminhos, nossos sonhos, nossas escolhas e nossos segredos. E a alegria do Cristo é saber falar a linguagem plural dos homens, permanecer entre nós por ser Espírito e de ser para todos concretamente, o pão de cada dia. É Páscoa todos os dias em que escolhemos viver pela graça do Cristo Vivo, pois a morte foi aniquilada e nossa vida está, para sempre, escondida, com Cristo em Deus. O Ressuscitado, o Deus que em Jesus se tornou homem, guia a nossa existência e deve nos conduzir a criar um mundo progressivamente mais humano, onde a dignidade, a liberdade e a diversidade de toda criatura são sagradas e invioláveis.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Anastasis, 2003, Arcabas (Jean-Marie Pirot) (1926-), óleo sobre tela, ouro fino 23 quilates, 1,62 m x 1,35m, Saint-Pierre-de-Chartreuse, França.




quarta-feira, 9 de abril de 2025

O Caminho da Beleza 21 - Ramos da Paixão do Senhor

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

Ramos da Paixão do Senhor             

Is 50, 4-7                 Fl 2, 6-11                 Lc 22, 14-23, 26

 

ESCUTAR

O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás (Is 50, 5).

Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o nome que está acima de todo o nome. Assim, ao nome de Jesus, todo joelho se dobre (Fl 2, 9-10).

Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo, proibindo pagar impostos a César e afirmando ser ele mesmo Cristo, o rei (Lc 23, 2).

 

MEDITAR

Vivemos em plena cultura da aparência: o contrato do casamento importa mais que o amor, o funeral mais do que o morto, a roupa mais do que o corpo e a missa mais do que Deus.

(Eduardo Galeano)

 

ORAR

Nesta entrada triunfal, revela-se toda a ambiguidade do povo em relação a Jesus. O mesmo povo que O aclama se aliará às autoridades romanas e judaicas exigindo a sua morte na Cruz: “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Jesus sempre quis que os lugares santos não fossem interditos aos pagãos, nem às mulheres e nem aos que eram considerados indignos. Jesus pregava que o Templo fosse um espaço aberto, um espaço de compaixão, de bondade, sem discriminação e oferecido a todos. Esta era a razão da ferrenha oposição dos sacerdotes, dos anciãos e dos fariseus a este “filho de carpinteiro”. Nesta narrativa da Paixão, todos os homens se comportam de uma maneira que contradiz a sua vontade. Ninguém faz e nem diz o que realmente pensa. Pedro não quer renegar o seu Mestre, mas o faz por medo de uma serviçal; Pilatos lava as mãos e pressionado pelo povo acaba sendo um joguete em suas mãos; Judas o trai por trinta dinheiros, mas pelas suas últimas palavras amaria salvá-Lo: “Pequei, entregando à morte um inocente” (Mt 24, 4). O profeta Isaías exclamava: “Ai dos que tomam as trevas por luz e a luz por trevas” (Is 5, 20). O Reino de amor, de justiça e de paz continuará infinitamente frágil e ameaçado enquanto consentirmos em nossos corações neste impulso perverso de dominação sobre os mais fracos. Nós cristãos, mais do que os outros, devemos fazer o máximo para aniquilar a miséria atual e futura da humanidade e nos indagarmos: que tipo de existência individual e coletiva queremos, que não se feche na busca vã de uma “felicidade” reduzida à maximização do prazer, do poder, do dinheiro, do corpo ou do conforto? De onde deriva o fato de que as condições de acesso ao bem-estar tenham se transformado em fins tirânicos? Neste domingo de Ramos, sejamos como o jumentinho e desatados de todos os nós que nos prendem, sobretudo, os do escrúpulo, da ignorância e da superstição, não desperdicemos as nossas vidas, mas façamos delas marcos de fraternidade e gratuidade ainda que, como Jesus, o padecimento nos espere a fim de “completar, a favor de seu corpo que é a Igreja, o que falta aos sofrimentos de Cristo (Cl 1, 24)”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Sem Título, 1993, Chien-Chi Chang (1961-), da coleção de fotos “A Corrente”, feitas num asilo mental, Ilha Formosa, Taiwan.

 


 


quinta-feira, 3 de abril de 2025

O Caminho da Beleza 20 - V Domingo da Quaresma

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

V Domingo da Quaresma       

Is 43, 16-21             Fl 3, 8-14                 Jo 8, 1-11

 

ESCUTAR

“Eis que farei coisas novas e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis?” (Is 43, 19).

“Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente” (Fl 3, 13).

“Então Jesus lhe disse: Eu também não te condeno. Podes ir e, de agora em diante, não peques mais” (Jo 8,11).

 

MEDITAR

Tudo o que é votado à morte vem terminar na minha vida; tudo o que se torna outono encalha na praia da minha primavera; tudo o que se desfaz em podridão vem nutrir as minhas flores.

(Hans Urs von Balthasar)

 

ORAR

     As leituras de hoje têm um tema em comum: Deus como produtor da novidade. O Senhor é aquele que sempre faz uma coisa nova. E a novidade nunca pode ser separada do risco. Não se dão explicações velhas para os novos desafios: “Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos antigos” e nem existe uma única e segura resposta que seja válida para todos os casos. Para cada desafio existem várias respostas e elas sempre deverão ser dadas por plenitude e nunca por carência. A resposta dada apressadamente e por carência se converterá em fracasso, aumentará a desilusão e a angústia e poderá se transformar num caminho sem volta. O Senhor mostra que o caminho se descobre caminhando; sua revelação só chega quando nos colocamos em movimento nele e não antes. Paulo reafirma esta dinâmica: “esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente” e a novidade é sustentada pela esperança e não por uma entorpecida e restrita acomodação. É inútil parar para termos a certeza de que estávamos caminhando assim como é inútil afirmar certezas para garantir que acreditamos. O Senhor nos faz saber que a fé não se possui, mas que somos possuídos e alcançados por Alguém. O Evangelho revela esta novidade por meio da contraposição entre as exigências implacáveis da Lei e a estratégia de misericórdia traçada por Jesus. Os acusadores negam à mulher a possibilidade de um novo começar e querem, com pedras, não só sepultar o passado desta pecadora, mas ela própria. Cristo, com seu perdão, liquida definitivamente o passado e entrega à mulher um futuro imaculado a ser construído por ela mesma. O castigo dos algozes se tornou estéril, pois a não condenação pelo Cristo reinventa a vida. As frias exigências se gravam sobre a pedra, mas a misericórdia não está escrita sobre nenhuma matéria dura. A nova lei – a do amor – se traça no terreno maleável do coração, sobre a tenra e terna carne da terra. Resta apenas matar a nossa curiosidade de saber o que escrevia Jesus, com o dedo, no chão do Templo. Jesus escrevia a condenação aos escribas e fariseus e continua até hoje escrevendo em silêncio aos moralistas de plantão que se evadem e se esquivam da barbárie do mundo degenerado que construíram: “As prostitutas vos precedem no Reino do meu Pai" (Mt 21, 31).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

A mulher apanhada em adultério, c. 1805, William Blake (1757-1827), pena e aquarela em grafite sobre papel, 35,6 x 36,8 cm, Museum of Fine Arts, Boston, Estados Unidos.



 

 

quarta-feira, 26 de março de 2025

O Caminho da Beleza 19 - IV Domingo da Quaresma

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


IV Domingo da Quaresma     

Js 5, 9-12                 2 Cor 5, 17-21                    Lc 15, 1-3.11-32

 

ESCUTAR

“Hoje tirei de cima de vós o opróbio do Egito” (Js 5, 9).

Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo (2 Cor 5, 17).

“‘Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’” (Lc 15, 32).

 

MEDITAR

Somente graças a esse encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da auto referencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser verdadeiro.

(Papa Francisco)

Perdoar a uma cascavel: exercício de santidade.

(João Guimarães Rosa)

 

ORAR

A conversão não se reduz a um pequeno ajuste, a um retoque de fachada, a uma minúscula mudança que não incomoda demais, a uma modificação insignificante. A conversão implica uma transformação radical nos pensamentos, palavras, mas, sobretudo, nos atos. O tema da novidade radical, representada pela conversão, é destacada por Paulo: “Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo”. Na parábola, o filho mais novo é um abusado e o mais velho, um insuportável possuidor de direitos, enjaulado nas leis e na estrita observância. Não cometeu faltas graves, mas vive sem amor e sua justiça o amargou. Necessita de proteção e se sente seguro ao cumprir os seus deveres sem jamais se arriscar. Tornou-se um calculista, um burocrata da virtude sem nenhum brilho de vida, de alegria ou espontaneidade. Há um abismo entre ele e o irmão mais novo, mas um abismo ainda maior entre ele e seu pai. Ele fala de novilhos, cabras, bois, justo e injusto; o pai fala de gente encontrada e ressuscitada. Ele fala a língua da lei, da intolerância e do castigo e o pai se exprime na língua do perdão, da ternura e da misericórdia. O pai se coloca numa dimensão de gratuidade e o filho mais velho permanece na trincheira de uma mentalidade de justiça distributiva. O filho mais velho, ao se julgar justo, se coloca distante do amor do pai a quem serve com um espírito de escravo e não com a gratidão e alegria de filho amado: “Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu”. Jesus narra esta parábola para os justos fariseus e não para os pecadores. Não há final feliz nela. Este final feliz só acontecerá quando o justo não excluir o irmão que mostre algum sinal de conversão. Na Boa Nova de Jesus, mais vale o risco da conversão do que a mesmice de uma vida certa, segura e débil. Quando o justo se abrir e se converter à misericórdia, descobrirá que a fidelidade não é simplesmente um permanecer irredutível, mas aceitar cotidianamente as novidades, a lógica paradoxal e as iniciativas desconcertantes de Deus. Como declara o Cristo: “Haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento” (Lc 15, 7).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O Pai que perdoa, 1998, Frank Wesley (1923-2002), pintura em bloco de madeira impressa em papel de seda, Índia.