A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).
Sagrada Família
Gn 15, 1-6; 21, 1-3 Hb
11, 8.11-12.17-19 Lc 2,
22-40
ESCUTAR
Sara concebeu e deu a Abraão
um filho na velhice, no tempo em que Deus lhe havia predito (Gn 15, 2).
Foi pela fé que Abraão
obedeceu a ordem de partir para uma terra que devia receber como herança, e
partiu, sem saber para onde ia (Hb 11, 8).
O menino crescia e
tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele (Lc 2,
40).
MEDITAR
Deus diz: “Eu
sou a bondade soberana de todas as coisas. Eu sou o que faz você amar. Eu sou o
que faz você durar e desejar. Eu sou isto – o cumprimento sem fim de todos os
desejos”.
(Julian de Norwich)
Prefiro uma
Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma
Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias
seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro, e que acaba presa
num emaranhado de obsessões e procedimentos.
(Francisco, Bispo de Roma)
Neste domingo, a liturgia
nos faz contemplar Abraão e Maria e as suas respostas de fé alicerçadas numa
esperança absoluta. Abraão tinha noventa e nove anos e o Senhor lhe promete um
filho com Sara que, ao ouvir a promessa do Senhor, diz: “Eu já estou seca, será que irei sentir
prazer, com um marido tão velho?” (Gn 18, 12). O Senhor anuncia a Maria,
a favorecida, um filho ainda que ela não convivesse com o seu noivo José.
Abraão responde “Eis-me aqui” e
antecipa a resposta da Virgem: “Eis
aqui a serva do Senhor, que sua palavra se cumpra em mim”. As
descendências prometidas ultrapassam a carne, pois o Senhor desafia: “Olha para o céu e conta as estrelas, se fores
capaz! Assim será tua descendência”. E Deus não trapaceia! Para Deus, não existe uma vida leiga, pois
toda a vida é totalmente e eternamente consagrada. E esta vida consagrada ao
amor conduz todos os homens e mulheres que a escolhem a uma santidade mais
radical e mais essencial: a de não
trapacear! Os que trapaceiam com a vida e com Deus se afastam da justiça
e da verdade e neste cego afastamento testemunham que trapacear é necessariamente trair e matar. É no silêncio que esta família de Deus se
expande e que o Espírito do Senhor a conduz. É nos braços acolhedores de
Simeão, movido pelo Espírito, que a fragilidade do Menino se confia à
humanidade e se cumpre a última profecia: “Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixas teu servo ir em paz, porque
meus olhos viram a tua salvação, que preparastes diante de todos os povos: luz
para iluminar as nações e glória de Israel, teu povo”. Deus se faz dom para que possamos nos doar uns aos outros, especialmente
aos que ainda não conhecem o Cristo, e só assim O encontramos. Caso contrário,
ainda que sejamos batizados, não conheceremos Aquele que é puro Dom e nos
esconderemos em aconchegos imaturos armados pela mediocridade das nossas
instituições religiosas. No silêncio é que Maria quer ser acolhida por nós,
pois é por ela que Jesus nos é dado e que o Espírito nos habita. No silêncio,
José acolhe o Mistério e se coloca peregrino para que o dom de Deus não se
esvaia e o Menino seja a Luz das Nações. No silêncio, Simeão soube esperar e
ultrapassar os limites do seu próprio eu que poderia se opor à passagem
da Luz, que tudo transforma em visibilidade e transparência. No silêncio, tudo
o que somos, temos e fazemos, recebemos do Espírito que nos ensina a vigiar,
como José e Maria, contemplando a face do Menino que nos foi confiado. É nesta
contemplação silenciosa que Ele abrirá nossos corações para que, olhando os
outros, não a nós mesmos nem a nossa igreja, saibamos “ver a salvação”. Aprendamos da sabedoria africana que “a palavra digna de veneração é o silêncio”,
pois aquele que não sabe guardar o silêncio, não sabe falar. Os Padres da
Igreja chamam os que não sabem guardar e zelar pelo silêncio de “Stabulum sine janua” – estábulos sem porta. A Sagrada Família
nos ensina o recíproco zelo para que não se esmoreça o cumprimento do destino
pleno de Deus. Temos que ir às últimas consequências, pois o amor é o vínculo
da perfeição e o nosso primeiro próximo é esta Vida Divina colocada em nossas
mãos para que, como manjedouras de Deus, desde agora e para sempre, tornemo-nos
uma autêntica maternidade divina. Esta é a razão porque Jesus nos deixou uma
pequena frase perturbadora, mas irresistível: “Vede minha mãe e meus irmãos. Pois, quem cumpre a vontade de meu Pai do
céu, esse é meu irmão, irmã e mãe” (Mc 3, 34-35).
(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe.
Eduardo Spiller, mts)
CONTEMPLAR
A Fuga no
Egito, s.d.,
Arcabas (Jean-Marie Pirot) (1926-), óleo sobre tela, 81 cm x 100 cm, França.