quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O Caminho da Beleza 40 - Assunção de Nossa Senhora

O Caminho da Beleza 40
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



Assunção de Nossa Senhora             21.08.2011
Ap 11, 19; 12, 1.3-6.10                1 Cor 15, 20-27                  Lc 1, 39-56


ESCUTAR
“Abriu-se o Templo de Deus que está no céu e apareceu no Templo a arca da Aliança. Então apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap 11, 19.12, 1).
“Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram (...) O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Cor 15, 20.26).
“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do seu ventre”(Lc 1, 42).

MEDITAR
“Ser grande é prosseguir; prosseguir é estar longe e estar longe é voltar” (Lao Tsé).
“Pai, rogo-te que me guardes nesse silêncio para que eu aprenda dele a palavra da tua paz, a palavra da tua misericórdia e a palavra da tua mansidão para com o mundo. E que por mim, talvez, tua palavra de paz possa ser ouvida onde, por muito tempo, não foi possível a ninguém ouvi-la” (Thomas Merton).

ORAR
            A encarnação de Jesus é nupcial e significa uma nova criação esponsal: “Já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19, 5). Maria é fecundada pelo Espírito do Senhor e faz uma só carne, como uma união nupcial, com o seu Filho Jesus e de Deus com a humanidade.
            A festa de hoje nos assegura que não estamos caminhando para a morte, mas para a ressurreição e a vida eterna. O céu não representa uma ameaça nem uma chantagem, pois é uma possibilidade inaudita e uma chamada à liberdade.
            Hoje celebramos a festa do corpo e um corpo destinado à imortalidade. Os maniqueísmos estão derrubados e a totalidade do nosso ser – corpo, alma e mente (soma, pneuma e psique) – participa da glória. Maria, no seu Magnificat, recupera o sentido do corpo nessa experiência do céu na terra que é a oração.
            Orar significa desatar-se. Significa virar do avesso nosso corpo: arrancar a máscara da sisudez dos rostos e rir; estender as mãos encolhidas e retesadas num gesto de dom; caminhar com os pés na direção do amor, da amizade, da paz e não mais em qualquer direção. Orar é desatar-se, pois uma oração que nos mantenha rígidos, endurecidos pelo hábito, entediados com o reto tono das invocações não é uma oração. Deus não quer mais rituais de devoção com holocaustos e sacrifícios. Ele quer o homem e a sua resposta pela oração. Bento XVI nos diz: “a oração, a abertura do espírito humano para Deus é o verdadeiro culto. Quanto mais o homem se torna palavra – ou melhor, se torna resposta a Deus com a sua vida inteira –, tanto mais ele realiza o culto justo” (Jesus de Nazaré, vol. 2).
            Davi dançou diante da Arca (2 Sm 6, 14) e nós que proclamamos ter encontrado Deus nos assemelhamos a múmias enfaixadas e sem rosto. A Sabedoria exclama, ao estar com Deus, no momento da criação, que “dançava sem cessar” (Pv 8, 30-31). Mesmo João, o Batista, o homem austero que caminhava pelo deserto e se alimentava de gafanhotos e mel, deu cambalhotas no ventre de sua mãe Isabel assim que sentiu, no abraço visceral entre elas, a presença do mistério escondido no corpo de Maria.
            A Arca da Aliança não está mais colocada no marco solene do Templo, rodeada de símbolos quase indecifráveis e objeto de ritos solenes. A Arca da Aliança é, desde a encarnação, uma mulher de carne e osso que leva um filho em suas entranhas. O encontro de Isabel e Maria, grávidas, acontece conforme os ritos cotidianos da hospitalidade, mas significa muito mais do que isto. O encontro de Maria e Isabel é uma silenciosa cumplicidade e um diálogo de entranhas. O corpo de Maria se faz tabernáculo da divindade, pois Deus tem pressa para vir ao encontro dos homens e mulheres concretos e caminhar, lado a lado, com eles. O Emmanuel – Deus Conosco – tem urgência para entrar em casa e estar no meio de Deus como uma tenda de luz armada no meio do sofrimento e das trevas do mundo e dar a conhecer o Seu rosto de compaixão, de ternura e de misericórdia.
            Seguirá os nossos passos para que possamos seguir os Dele; chorará as nossas lágrimas para que possamos chorar com os nossos irmãos e irmãs que são Ele próprio; amará o nosso amor para que jamais esqueçamos Dele em cada ser humano que nos interpela: “Tive fome...tive sede...estava nu...sem casa...; me deste de comer...me deste de beber...me vestiste...me hospedaste!” (Mt 24, 31-46). E nos congrega em torno da Eucaristia para que nos alimentando com o Pão da Vida e o Cálice da Salvação, ingressemos, eternamente, com nossos amados e amadas, no Reino preparado para nós.
            O corpo de Maria resplandece o Espírito de Ternura por ela ter consentido com o desígnio do Senhor e, na sua Assunção, ela não entra na posse da sua própria glória, mas da glória do Senhor. E esta glória do Senhor será de geração em geração, pois Maria esposou a misericórdia de Deus em profunda comunhão com as gerações e seu destino.
            O Livro do Apocalipse desvela que a Arca da Aliança apareceu no Templo de Deus, que está no céu, e nos deu um grande sinal: “uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”.
            Maria nos entrega este Cristo presente em todos os momentos da história dos homens e nos permite tocar o Alfa e contemplar o Ômega, o começo e o fim desta “travessia perigosa, mas é a da vida”(Guimarães Rosa).
            Está na hora de sermos nós mesmos o nosso próprio milagre e virarmos do avesso nossas vidas ao converter a nossa escuridão e angústia numa grande luz; a nossa secura de amar em encontros férteis de amor e a nossa desesperança em horizontes sem fim. Basta que aprendamos, com Maria, a dizer: “Que a sua palavra se cumpra em mim”(Lc 1, 38).

CONTEMPLAR
O Encontro de Maria e de Elizabeth (Isabel), Jean-Marie Pirot (Arcabas), 1986, acetato de polivinil, óleo sobre tela de linho, 65 x 54 cm, França.



terça-feira, 9 de agosto de 2011

O Caminho da Beleza 39 - XX Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 39
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



XX Domingo do Tempo Comum                 14.08.2011
Is 56, 1.6-7             Rm 11, 13-15.29-32                     Mt 15, 21-28



ESCUTAR

“A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos” (Is 56, 7).

“Pois os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis (...)Com efeito, Deus encerrou todos os homens na desobediência, a fim de exercer misericórdia para com todos” (Rm 11, 32).

“Jesus lhe disse: “Não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos”. A mulher insistiu: “É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos”. Diante disso, Jesus lhe disse: “Mulher, grande é a tua fé! Seja feito como tu queres” (Mt 15, 26-27).


MEDITAR

“O homem tem a consciência de ser Deus, e tem razão, pois Deus está nele. Ele tem consciência de ser um porco e tem igualmente razão porque o porco está nele. Mas ele se engana cruelmente quando ele toma o porco por um Deus” (Leon Tolstoi).

“Nós somos somente grãos de areia, mas nós estamos juntos. Nós somos como grãos de areia sobre a praia, mas sem os grãos de areia, a praia não existiria” (Bernard Werber).

“Eu sonho com comunidades cristãs em que outros crentes poderiam vir, mas também pessoas que não têm fé, e que se diriam: ‘O que podemos fazer juntos? Há coisas que gostaríamos de suprimir ou de corrigir, ou outras que teríamos vontade de inventar?’; pessoas que refletiriam sobre tudo isso e que decidiriam o que fazer. É assim que se poderá espalhar o espírito do Evangelho” (Joseph Moingt).


ORAR

            Havia em Jerusalém e na Judéia um grande número de estrangeiros. A Lei previa para os estrangeiros – os gerim (prosélitos, os que se aproximam) – um estatuto favorável e eles usufruíam de certo número de direitos. O Levítico os assimila como o “próximo” que deve ser “amado como a si mesmo” (Lv 19, 33-34). Ao contrário, os imigrantes instalados por um tempo limite – os nokrin (ambulantes) – só tinham como proteção os costumes da hospitalidade e eram apenas tolerados. Eram, algumas vezes, assimilados aos inimigos, excluídos do culto e privados de inúmeras vantagens.
 O profeta denuncia estas discriminações em nome do direito e da justiça, pois a salvação do Senhor está próxima. Esta expressão significa que o Senhor está pronto a intervir, pois Ele é o protetor dos fracos. O profeta anuncia a universalidade da mensagem: “Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos”.
 No cristianismo atual, se fosse somente a questão de abrir a porta das igrejas para “os estrangeiros”, tudo poderia se resolver, mas isto não basta e nem é o problema. O problema é que os “estranhos” sintam o desejo de entrar, encontrem um atrativo e algo mais do que uma simples curiosidade. A questão não é manter abertas as portas do templo, nem colocar a Bíblia ao alcance de todos, multiplicando ao máximo a comodidade dos fiéis. A fronteira mais difícil de ser superada é a da nossa mentalidade que nos coloca numa situação de risco: a de exercermos, no encontro com os estrangeiros, as atitudes de uma mal dissimulada superioridade e, às vezes, de desprezo e condescendência diante deles.
Não é uma atitude justa, ao abrir as portas das igrejas, querer impor aos “diferentes” os nossos gostos e cerimônias; transplantar nossos esquemas mentais, nossas repugnâncias, medos e obsessões. Só existe a acolhida verdadeira de uma pessoa se nos abrirmos a ela e tentarmos descobrir seus valores, até o ponto em que se possam colocar em xeque as nossas posições e se possam abalar as nossas certezas ou falsas seguranças. As discriminações mais odiosas são as que acontecem entre os irmãos de fé. Não basta abrir as portas da casa se antes não abrimos as portas em casa. O papa Paulo VI declarava, em 1964: “O diálogo da salvação ficou ao alcance de todos; foi destinado a todos sem qualquer discriminação”(Ecclesiam Suam 44).
Jesus ultrapassou as fronteiras da Palestina e entrou em território pagão (O Líbano atual). Num primeiro momento, Ele parece não querer ouvir a súplica da mulher e responde-lhe com uma frieza inesperada: “não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos”. A mulher não se ofende, pois está segura do que pede: “Os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos”. Jesus que parecia tão seguro de sua missão de ser enviado “somente às ovelhas perdidas da casa de Israel” deixa-se ensinar e corrigir por esta mulher pagã e a presenteia com o milagre solicitado com obstinada doçura: “Mulher, grande é a tua fé! Seja feito como tu queres!”.
O sofrimento não conhece fronteiras e a compaixão de Deus deve chegar a qualquer pessoa que está sofrendo. Saibamos que, ao encontrarmos uma pessoa que está sofrendo, o desígnio de Deus resplandece ali com toda a claridade. Isto é o primeiro, todo o resto vem por acréscimo, pois este foi o caminho de Jesus para ser fiel ao Pai: a compaixão irrestrita pelos que sofrem.


CONTEMPLAR

Jovem Mulher Cananeia da Galileia, Abdel Rahman Al Muzain, 1979, 13,5” x 20”, The Palestine Project Poster Archives, Palestina.






segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Caminho da Beleza 38 - XIX Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 38
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



XIX Domingo do Tempo Comum                07.08.2011
1 Rs 19, 9.11-13                 Rm 9, 1-5                Mt 14, 22-33


ESCUTAR

“Ouviu-se um murmúrio de uma leve brisa. Ouvindo isto, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da gruta” (1 Rs 19, 12).

“Não estou mentindo, mas, em Cristo, digo a verdade, apoiado no testemunho do Espírito Santo e da minha consciência. Tenho no coração uma grande tristeza e uma dor contínua” (Rm 9, 1).

“Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro caminhando sobre a água. E Jesus respondeu: ‘Vem!’. Mas, quando sentiu o vento ficou com medo e começando a afundar, gritou: ‘Senhor, salva-me!’. Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro, e lhe disse: ‘Homem fraco na fé, por que duvidaste?’” (Mt 14, 28.30-31).


MEDITAR

“Nosso corpo é o primeiro evangelho, pois é por meio da expressão do nosso rosto, da nossa abertura, da nossa terna cordialidade e nosso sorriso que se deve passar o testemunho da Presença Divina. O que devemos viver é permitir Deus passar, comunicar a sua Luz, permitir Deus dar aos outros, por meio da nossa solicitude humana, a Presença adorável do Eterno Amor” (Maurice Zundel).

“Nossa maior ameaça é o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja, no qual, aparentemente, tudo procede com normalidade, mas na verdade a fé vai se desgastando e degenerando em mesquinhez” (Cardeal Joseph Ratzinger).


ORAR

            O profeta Elias vê desaparecer o seu velho Deus do Terror: uma imagem deformada a que estava apegado. O silêncio lhe entrega o verdadeiro Deus que estava no murmúrio de um silêncio sutil. Deus é silêncio, paz, intimidade e uma presença serenante. E Elias sai desta experiência transformado, transfigurado. O profeta guerreiro se converte num homem pacificado e, desde então, pode falar de Deus sem vociferar e invocar o fogo do céu: “O Senhor enviou um raio que incendiou a vítima, a lenha, as pedras e o pó, secando a água do canal (...) Eles os prenderam [os profetas de Baal], Elias os fez descer à torrente Quison e aí os degolou”(1 Rs 18, 38.40).
            O silêncio não profana o mistério, pois somente na calma de um ânimo sereno é possível vislumbrar, como num espelho, a imagem de Deus. Como afirma Raimon Panikkar: “A Palavra é o êxtase do Silêncio”.
            Deus é paz, mas os apóstolos devem atravessar a tempestade e a sua frágil embarcação parece não suportar a fúria de um vento que levanta ondas cada vez mais altas. Na tradição do Antigo Testamento, a expressão vento forte evoca tirania política e, simbolicamente, os apóstolos temem o enfrentamento político e religioso decorrente do seu seguimento a Jesus.
 O encontro de Jesus traz paz; no entanto Pedro, o pescador profissional de outras tempestades, corre o perigo de afundar nas águas que lhe faltaram debaixo dos pés. Pedro/pedra se torna pesado pelo medo e tendo pouca fé é arrastado pelo próprio peso da ambição de se sobressair e se distinguir dos outros.
            O segredo de Jesus é a oração. A oração derrota o medo, liberta de tudo o que pesa. Jesus despede a multidão e se afasta para orar porque sabia que “pensavam proclamá-lo rei” (Jo 6, 15). E retirado para rezar a sós, não se separou das dificuldades e problemas da multidão, pois pela oração estava próximo do Pai e dos homens e mulheres.
            Jesus afirma a sua identidade divina: “Sou eu/Eu sou”: “O mar te viu, ó Deus, o mar te viu e tremeu, as ondas estremeceram” (Sl 77, 17). Devemos caminhar para Jesus ainda que não tenhamos terra firme sob os pés, mas água; ainda que não possamos nos apoiar em argumentos seguros, mas na debilidade da nossa fé, com a certeza e a segurança que, no limite, Jesus sempre nos estenderá a mão.
            Devemos enfrentar nossas crises de secura interior, de indiferença e ceticismo, quando temos a sensação de termos nos perdido de Deus, ou, pior ainda, que Ele tenha se perdido de nós. Nestes momentos e nestas horas, basta uma súplica orante: “Senhor, salva-me!” e sentiremos, como Pedro, a mão estendida a nos segurar e a nos pedir que não duvidemos mais da Sua presença em nós e conosco. Jesus não chama ninguém de incrédulo, mas de ter pouca fé e é esta pouca fé que nos faz duvidar de nós mesmos e, consequentemente, de Deus.
            Temos que aprender esta postura vital de nos prostrar diante do Senhor em oração e dizer com o coração sereno: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus”. Assim poderemos nos aventurar a dar alguns passos pelo caminho dos homens sem que nos falte terra debaixo dos pés.
            Sejamos ou não fracos na fé, covardes diante do pecado do mundo, omissos perante os enfrentamentos, dissimulados por medo da verdade, Jesus sempre nos estenderá a mão para que na travessia do mar da vida possamos ter a oportunidade da reconciliação.
            Abrir as mentes, abrigar nos corações uma ternura visceral, pois, no meio dos despossuídos, a fome é uma realidade concreta e, por isso, Jesus rejeita a piedade do jejum em favor da prática de ir ao encontro das necessidades humanas reais. Jesus foi orar a sós depois de saciar, pela multiplicação dos pães, a multidão que o seguia e que parecia aos olhos do seu coração como um rebanho de ovelhas sem pastor (Mc 6, 34).


CONTEMPLAR

Cristo andando sobre a água, depois da “Navicella” de Giotto, Antoniazzo Romano, c. 1485, óleo sobre madeira, 190 x 179 cm, Museu do Petit Palais, Avignon, França.




terça-feira, 26 de julho de 2011

O Caminho da Beleza 37 - XVIII Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 37
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



XVIII Domingo do Tempo Comum            31.07.2011
Is 55, 1-3                 Rm 8, 35.37-39                Mt 14, 13-21


ESCUTAR

“Ó vós todos que estais com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite sem nenhuma paga” (Is 55, 1).

“Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada? Em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou!” (Rm 8, 35-37)

“Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14, 16).


MEDITAR

“O templo tornou-se uma vasta companhia de seguros para a vida eterna, com o mínimo de risco, com uma técnica de consolação e de truques apropriados para cada caso. Prega-se a fé cristã como o melhor investimento da vida, oferece-se a Santa Ceia como um comprimido de eternidade. O que pôs a perder o cristianismo histórico foi o otimismo da beatice vazia de toda a existência trágica” (Paul Evdokimov, O amor louco de Deus).

 “A vocação de toda criatura não é suportar a sua existência, mas fazer dela uma oferenda e um dom” (Maurice Zundel, Le problème que nous sommes).


ORAR

            Deus pede a todos os homens e mulheres que peçam: “Ó vós todos...”, pois devemos nos dar conta de que a fome e a sede nos conduzem ao risco de morrer por sermos incapazes de pedir o que precisamos para viver. Estar sedento é provocar um desejo intenso. Deus é gratuito, mas não é supérfluo e oferece seus dons sob o signo da gratuidade: “Comprai sem dinheiro... comei e bebei sem pagar”.
            Quantos de nós O temos considerado supérfluo e decorativo na nossa existência? Quantos de nós O consideramos custoso e difícil e tentamos pagar por Sua proteção com uma sobretaxa monetária depositada nos envelopes do dízimo ou nas caixas dominicais como se a sua bênção estivesse na razão direta da quantia dada?
            Para os que pensam que tudo e todos têm um preço, um Deus gratuito, mas não supérfluo é embaraçoso e até insuportável. Enquanto tentamos regatear com Ele num infindável toma lá dá cá. Ele apenas nos conclama: “Vinde todos!”.
            O Evangelho de hoje revela que os cristãos não podem assumir uma postura demissionária, como a dos apóstolos, de indiferença e estranheza: “Despede as multidões, para que possam comprar comida”. O desejo mais profundo de Jesus, cheio de compaixão, antes de efetivar a multiplicação dos pães, é realizar o milagre da multiplicação de discípulos responsáveis e solidários: “Dai-lhes vós mesmos de comer!”. Ele os faz cair em contradição e os deixa indignados. Jesus sabia que haviam contrariado a sua ordem e que teriam que gastar as moedas de prata que angariaram para comprar os alimentos e saciar a fome das pessoas
            Jesus no deserto conheceu a fome e por esta razão quer que a sua Igreja nunca coma primeiro do que os outros que têm tanta fome quanto ela. A Igreja de Jesus depois de ter servido a todos os outros, quaisquer que sejam, deve comer por último do que sobrou, pois o milagre de Deus é fazer sobrar sempre em abundância.
            Milagre é se deixar envolver na situação do outro, comover-se pela dor alheia, sentir-se questionado por suas necessidades, compadecer-se de suas misérias e ser sensível a uma situação desesperadora. Jesus nos testemunha que cada um de nós é responsável pela fome do outro: fome de pão, fome de amor, fome de amizade, fome de compreensão, fome de escuta e fome de justiça. Não temos o direito de fazer do culto a Deus um espetáculo e enterrarmos nas catacumbas dos nossos corações os nossos desmazelos inconfessáveis.
            Para o cristão jamais soa a hora de despedir quem quer que seja, porque sempre será a hora de acolher, de estar vigilante e de se comprometer. Paulo revela que se estamos ligados ao amor do Cristo, este vínculo é mais forte do que qualquer contrariedade ou divisão. Por esta razão nenhum cristão será alguém que despede, pois para os cristãos jamais existe a hora da separação. Se dermos as costas aos famintos do mundo, aos que não sabem o que é viver com pão e dignidade, perderemos a nossa identidade samaritana, seremos desleais ao Cristo, desonraremos a sua Palavra e nos converteremos em réus nas celebrações eucarísticas.
            Escutemos as palavras de João Crisóstomo: “Quereis honrar o Corpo do Salvador? Então não O desprezeis quando O virdes coberto de andrajos. Depois de O teres honrado na igreja com vestes de seda, não O deixes do lado de fora, sofrendo frio, miséria e abandono. Deus não precisa de cálices de ouro, mas de almas e vidas de ouro. Que importa que a mesa do Cristo cintile com cálices de ouro se Ele próprio morre de fome e sede? Aliás, saibam que o templo deste irmão é mais precioso do que o de Deus”.


CONTEMPLAR

A Alimentação dos Cinco Mil, Daniel Bonnell, s.d., óleo sobre tela, 24” x 48”, Coleção Particular, Estados-Unidos.




segunda-feira, 18 de julho de 2011

O Caminho da Beleza 36 - XVII Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 36
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).


XVII Domingo do Tempo Comum              24.07.2011
1 Rs 3, 5.7-12                     Rm 8, 28-30                      Mt 13, 44-52


ESCUTAR

“Dá, pois, ao teu servo um coração compreensivo, capaz de governar o teu povo e de discernir entre o bem e o mal” (1 Rs 3, 9).

“Tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação, de acordo com o desígnio de Deus” (Rm 8, 28).

“O Reino de Deus é como um tesouro escondido... uma pérola de grande valor... uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo” (Mt 13, 44.45.47).


MEDITAR

“Na sua natureza, a fé é a acolhida de uma verdade que nossa inteligência não pode atingir; ela repousa de maneira simples e indispensável sobre o testemunho” (John Henry Newman, cardeal).

 “Quem rompe a amizade com Jesus, quem se recusa a carregar o seu ‘jugo suave’, não chega à liberdade, não se torna livre, pelo contrário torna-se escravo de outras potências” (Papa Bento XVI, Jesus de Nazaré, vol 2).


ORAR

            O Senhor, na sua delicadeza, aparece em sonhos a Salomão porque nos sonhos este poderia pedir, sem enrubescer, riquezas imensas, êxitos, glórias, honras, uma vida longa e, sobretudo, o extermínio dos inimigos. Salomão não pensa que basta estar refastelado no trono para fazer justiça em qualquer circunstância, nem que o poder de rei lhe confere, automaticamente, a capacidade de distinguir entre o bem e o mal. Salomão, na sua sabedoria, pede ao Senhor um coração dócil e não súditos dóceis e submissos.
            O evangelho pede para sermos servos e discípulos antes de sermos letrados: “Todo mestre da lei que se torna discípulo do reino dos céus é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”. O cristão é o homem da alegria por descobrir o fluxo da vida que é sempre marcado pelos encontros sem anonimatos.
            Os que seguem a Cristo e que tudo abandonam não podem fazer os outros pagarem o preço do que, livremente, decidiram. Deus nos livre dos desafortunados, dos frustrados, dos insatisfeitos, dos que se deleitam em fazer o maior mal possível aos seus próximos ou à sua comunidade por viverem amargos e enfurecidos nos seus secretos pesares das coisas que não abandonaram de verdade e que os tornariam capazes de um amor que liberta. Jesus fala que devemos esvaziar o cofre das nossas riquezas, mas nunca deixar secar o coração.
            Paulo nos relembra que a pedra mais dura da existência, quando suavemente roçada com a pedra do amor de Deus, produz uma fagulha que acende o fogo que ilumina e acalenta a nossa vida e a de todos que nos circundam, pois “tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus”.
            O mais triste é encontrarmos tantos cristãos e cristãs cujas vidas não estão marcadas pela alegria, pelo encantamento e pela surpresa de Deus. São vidas que nunca tiveram estas marcas em seus corpos e seus corações. São vidas encerradas em sua religiosidade individual; são vidas que jamais encontraram, por terem passado ao largo, nenhum tesouro que lhes valeria mais do que a própria vida.
            Para os que seguem a Jesus, cuidar da vida interior, como um grande tesouro que os conduz à vida fraterna e comunitária, não é uma coisa a mais no seu cotidiano. É o imprescindível para que possam viver abertos e disponíveis às surpresas de Deus.
            Ainda é tempo de compreender o diálogo entre o papa e o santo: “Um dia, o papa Inocêncio IV, estava a contar peças de ouro e disse a São Tomás de Aquino: ‘Veja, Tomás, a Igreja não está mais obrigada a dizer, como no seu nascimento: ‘Eu não tenho ouro e nem prata!’ São Tomás , com modéstia, respondeu: ‘Santo Padre, eu reconheço esta riqueza, mas também a Igreja não pode mais dizer hoje, como antes, ao aleijado: ‘Levanta-te e anda!’” (Cornelius Lapide, Commentaires sur l’Ecriture Sainte, J.C.C. Ed., 1856, pp. 158-9).


CONTEMPLAR

Descobrindo a Pérola de Grande Valor, Daniel Bonnell, s.d., óleo sobre tela, 24” x 48”, Coleção Particular, Estados-Unidos.


segunda-feira, 11 de julho de 2011

O Caminho da Beleza 35 - XVI Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 35
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



XVI Domingo do Tempo Comum                17.07.2011
Sb 12, 13.16-19                  Rm 8, 26-27                      Mt 13, 24-43

ESCUTAR
“A tua força é princípio da tua justiça, e o teu domínio sobre todos te faz para com todos indulgente” (Sb 12, 13).
“E aquele que penetra o íntimo dos corações sabe qual é a intenção do Espírito. Pois é sempre segundo Deus que o Espírito intercede em favor dos nossos santos” (Rm 8, 27).
“Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e foi embora” (Mt 13, 25).

MEDITAR
“Sabemos ao menos que não lutamos contra a vida mas por ela, e que a pureza é justamente a resposta da vida, como a impureza é a nossa ignorância e o desprezo por ela (Maurice Zundel, A Ternura de Deus).
 “Não temos nenhum poder sobre o passado e nenhuma ideia do futuro: só nos resta o presente. O instante presente é uma janela aberta para a eternidade, um piscar d’olhos de Deus no qual vivemos. Só podemos atingir Deus no instante presente, neste e no seguinte: é o perpétuo sacramento da presença e da ação de Deus” (Jean Lafrance).

ORAR
            Tudo indica que Deus permaneceu na estação da semeadura, que é a estação da esperança e da paciência e nós ainda insistimos em queimar etapas e nos mantermos na estação da impaciência. O Reino de Deus é sempre um início, um minúsculo e insignificante início. Jesus é, ao mesmo tempo, semeador e semente e este abnegado semeador não hesitará em se converter em grão caído na terra, no sulco manchado de sangue do Calvário para morrer: “Asseguro-vos que, se o grão caído na terra não morrer, ficará só; se morrer, dará muito fruto” (Jo 12, 24).
            O grão de mostarda se converte em árvore e celebra a sua grandeza, não pela sua imponência, mas porque faz viver os pássaros do céu. Jesus nos revela que a política de Deus é a misericórdia e a sua diplomacia, a compaixão. Devemos aprender e a decorar a delicadeza de Deus, a sua solicitude, a sua benevolência e a sua vigilante espera. A parábola do joio é o mais categórico desmentido aos fanatismos, às intolerâncias e às visões apocalípticas. Com a justificativa ilusória de impedir o contágio com o trigo, se propaga a aniquilação pela aparência; com o pretexto de eliminar os galhos secos, matam-se os rebentos verdes neles quase que invisíveis.
            O que devemos temer é a descarada hipocrisia. Com o falso propósito de aniquilar o mal do joio, queremos apenas nos livrar do que nos molesta, nos enfadonha e ameaça as nossas ambições. E, no momento mesmo em que julgamos, condenamos e desprezamos os outros, por nos considerarmos puros, tornamo-nos feixes de erva daninha para serem queimados. Os verdadeiros malvados são os que em vez de empenhar-se no humilde esforço da prática do evangelho, arrogam-se uma tarefa que é da exclusiva competência de Deus: “Quando chegar aquele dia, muitos me dirão: Senhor, Senhor! Não profetizamos em teu nome?, não expulsamos demônios em teu nome?, não fizemos milagres em teu nome? E eu lhes declararei: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, malfeitores” (Mt 7, 22-23).
            Os que nos faz vacilar na fé são certos campeões de uma fé arrogante, presunçosa, afetada, que não aceitam ser confrontados e, por princípio, suspeitam, com atrevida ignorância, dos outros. Deus é paciente porque cuida de todos. A parábola do joio e do trigo nos remete à colheita final: a ninguém é dado antecipar as tarefas e quem não entregar a sua vida pelos outros não tem e nunca terá o direito de julgar ninguém.
            A frase do samba da Estação Primeira da Mangueira sintetiza o evangelho de hoje: “A vida não é só isso que se vê”. Para Ezequiel, o Senhor é um cedro magnífico plantado numa montanha elevada e em sua ramagem se aninharão todas as aves (Ez 17, 22-23). Para Jesus, a vida é mais do que se vê, é o ínfimo grão de mostarda, pequeno e insignificante, a menor de todas as sementes, que ao crescer fica maior do que as outras plantas, uma árvore na qual os pássaros fazem ninhos em seus ramos.
            Oxalá aprendamos, de uma vez por todas, que o Pai de Jesus não se encontra no poder e na superioridade. A sua presença salvadora está no pequeno, no ordinário e no cotidiano.

CONTEMPLAR
Grãos e Ervas Daninhas, James B. Janknegt, 2001, óleo sobre tela, 40” x 30”, Texas, Estados-Unidos.



terça-feira, 5 de julho de 2011

O Caminho da Beleza 34 - XV Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 34
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



XV Domingo do Tempo Comum                  10.07.2011
Is 55, 10-11             Rm 8, 18-23                      Mt 13, 1-23

ESCUTAR

“A palavra que sair de minha boca: não voltará para mim vazia” (Is 55,11)

“De fato, toda a criação está esperando ansiosamente o momento de se revelarem os filhos de Deus” (Rm 8, 19).

“Felizes sois vós porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem” (Mt 13, 16).


MEDITAR

“Quando tomamos consciência de que existe em nós o desejo de Deus e o desejo de um além; de um mundo que supera nosso mundo, estamos a ponto de nos reconciliar com a realidade, muitas vezes tão banal, da nossa vida” (Anselm Grün).

“A paciência tem a face tranquila e calma, uma fonte serena sobre a qual nem a tristeza e nem a cólera imprimem rugas; seus olhos se inclinam pelo sentimento da humildade e não da infelicidade; sua boca fechada presta homenagem ao cotidiano do silêncio” (Tertuliano, Livro da paciência, 15).


ORAR

            Vivemos momentos em que a palavra da Igreja tem sido caricaturada, relativizada e, muitas vezes, rejeitada. Muitos se perturbam na sua fé, como nos primeiros tempos do cristianismo, diante da aparente lentidão do avanço do Reino de Deus e dos inúmeros fracassos do anúncio do Evangelho. Apesar de tudo, a palavra de Deus guarda uma eficácia inusitada para os que apresentam um coração disponível.
            O evangelho nos revela que ¾ da semente se reduziram a nada e sugere que a missão de Jesus e de seus seguidores poderá ser frequentemente infrutífera. Mesmo assim, Jesus nos apela a sermos, ao mesmo tempo, semeador e terreno fértil; anunciadores da mensagem e, por sua vez, seus destinatários.
            Nos dias de hoje, devemos semear a esperança e semear com abundância, generosidade, sem cálculos mesquinhos e sem exclusões preconceituosas. Não é tempo de ceifar, mas de semear. Não nos cabe decidir o terreno da semeadura e proclamar de antemão qual o melhor terreno, o mais receptivo, o mais merecedor e o que pode oferecer perspectivas alentadoras. O salmista evoca: “Os que semeiam com lágrimas colhem com júbilo. Indo, ia chorando, levando a sacola de semente; voltando, volta cantando, trazendo seus feixes” (Sl 126, 5-6).
            Como semeadores da Palavra, não podemos estar desiludidos de antemão. É a semente que deve nos consolar e nos encher de alegria, porque não sabemos qual é o bom terreno, quais as circunstâncias favoráveis e o tempo justo para germinar, frutificar e colher.
            Somos também terrenos que devem estar predispostos à acolhida da Palavra e ser fecundados pela chuva benéfica. A Palavra de Deus apenas fica depositada em nós quando não a interiorizamos para que alguma coisa mude em nosso coração e em nosso agir. Ela pode ficar ali dentro, estratificada, inútil, intacta, mas, sobretudo, expressão de uma recusa ou de inúmeras recusas que fazemos ao largo do caminho.
            A Palavra vem mandada pelo Senhor para nos anunciar alguma coisa e nos interpelar a uma resposta que não seja evasiva e nem esteja reduzida a gostos pessoais: “Assim a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia; antes realizará tudo o que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi ao enviá-la” (Is 55, 11). Só o Senhor pode prever aonde chegará a semente e o que está destinada a produzir.
            O Evangelho é lúcido ao afirmar que não basta ter olhos e ouvidos: “Felizes sois vós porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem”. A Criação, como Deus, também está “aguardando a plena manifestação dos filhos de Deus”. Até agora, a Criação tem, tragicamente, pago, as consequências dos nossos descuidos, omissões e indiferenças, frutos da ganância e da voracidade do lucro e da acumulação que desfiguram a obra belíssima saída das mãos de Deus. As dores do parto têm se prolongado até o infinito, porque os filhos de Deus não respondem, nem se revelam porque se escondem e se evadem das suas responsabilidades.
            Jesus encontrou todas as dificuldades e rejeições para semear a sua Palavra e até entre os seus seguidores mais próximos despertava desalento e desconfiança: valia a pena seguir este homem de Nazaré? Não podemos ceder ao desalento, ao contrário, devemos continuar semeando na esperança de que haverá uma colheita abundante.
            Na Igreja de Jesus não precisamos de colhedores de êxito, nem dos que dominam a sociedade, dos que enchem os prédios das igrejas e tentam impor a sua crença religiosa. A Igreja de Jesus precisa de semeadores, dos que semeiam palavras de esperança, gestos de compaixão e abraços de solidariedade. Mais do que nunca, devemos romper a obsessão de colher para o presente e valorizar o trabalho do semear. Jesus nos deixou, como herança, a parábola do semeador e não a parábola do que colhe o que ceifou.


CONTEMPLAR

O Semeador, Edy-Legrand (Edouard Léon Louis Warschawsky), obra a carvão em Bíblia editada por François Amiot e Robert Tamisier, França, 1950.