Os transbordamentos de amor acontecem
sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e
humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa
autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa
Francisco).
V Domingo da Quaresma 21.03.2021
Jr 31, 31-34 Hb 5, 7-9 Jo 12, 20-33
ESCUTAR
“Imprimirei minha lei em suas entranhas e hei de inscrevê-la em seu coração” (Jr 31, 33).
Na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos (Hb 5, 9).
“Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto” (Jo 12, 24).
MEDITAR
Tu és, ó Cristo, o único
homem que sucumbiu por seu intento,
triunfador da morte, pois que a vida
por Ti se enalteceu. E desde então
tua morte por Ti nos vivifica,
por Ti a morte se fez nossa mãe,
por Ti a morte agora é amparo doce
que dulcifica esse amargor da vida;
por Ti, o Homem morto que não morre
branco qual lua em plena noite. A vida
é sonho, Cristo, e a morte é a vigília.
Enquanto a terra solitária sonha,
a branca lua vela, e vela o Homem
em sua cruz, enquanto os homens sonham;
vela o Homem sem sangue, o Homem branco
como a lua a velar na noite negra;
vela o Homem que deu todo o seu sangue
para que as gentes saibam que são homens.
Tu salvaste da morte. Abre teus braços
A essa noite, que é negra e muito bela,
porque o sol da vida a contemplou
com seus olhos de fogo e fez a noite
morena, sim o sol, e tão formosa.
Como é formosa a lua solitária,
a branca lua na estrelada noite
negra, igual à frondosa cabeleira
negra do nazareno. E a branca lua
como o corpo do Homem na cruz, espelho
do sol da vida, o sol que nunca morre.
Os raios, Mestre, de tua luz suave
nos guiam pela noite deste mundo,
a nós ungindo com a esperança régia
de um dia eterno. Noite carinhosa,
oh! noite, mãe de nossos brandos sonhos,
mãe da esperança, oh! nossa doce Noite,
noite escura da alma, és a nutriz
da esperança no Cristo salvador!
(Miguel de Unamuno, 1864-1936, Espanha)
ORAR
Deus não é primeiramente o Todo-Poderoso: ele é primeiramente
Amor. Eu digo isso balbuciando porque não há “primeiramente” em Deus; mas eu
procuro dizer, mais ou menos, que Deus só pode agir como Deus se ele age
conforme seu ser que é Amor. E o Amor não é violência nem despotismo, mas
sussurro, proximidade, excitação, chamado. O Amor não se estabelece por via de
decreto, nem por humilhação, mas por uma iniciativa que situa Deus ao lado dos
homens: pela encarnação redentora. Deus toma para si o sofrimento e o faz seu,
num gesto de abnegação de si... É no aniquilamento de si que ele se torna
senhor e vencedor do mal, do pecado e da morte. Ele não triunfa, mais uma vez,
pelo poder de sua majestade e esplendor de sua glória, mas pelo todo-poderoso
de sua impotência. O grão de trigo está morto na terra: Jesus aplicou sobre si
tudo o que disse sobre a morte como semente de vida. Em sua morte, celebramos a
ressurreição dos homens e do mundo. Em seu sofrimento, descobrimos a verdadeira
face de Deus. Por nossa parte, resistimos a aceitar o sofrimento como parte
integrante de nossa vida cristã e do nosso crescimento espiritual. Quando o
sofrimento se apresenta, não importa sob que forma, tenho a tentação de virar
logo a página, de não me deixar invadir por ele, de não beber o cálice até a
última gota. Não é preciso se envergonhar desta fraqueza: no Jardim das
Oliveiras, Jesus também foi tentado a fugir. Ele nos pede, a despeito de toda a
nossa repugnância, que acolhamos o sofrimento como um mensageiro de Deus e que
o assumamos como uma atitude de profunda humildade, em resposta ao convite
sagrado: “inclinai-vos sob a mão poderosa de Deus para que ele vos eleve no
tempo de sua visita”. Justificamos muito facilmente o recuo diante do
sofrimento, dizendo que não é necessário nos deixar imergir em águas amargas e
que há o perigo de ali se abrirem as comportas ao desencorajamento, à depressão
e à neurastenia. Seria com efeito um perigo se o sofrimento fosse recebido e
vivido como um fechamento sobre si mesmo; mas se ele é reconhecido como um
encontro misterioso com Alguém que nos ama, como um encontro secreto com Deus,
então é preciso deixar a Deus a solicitude de terminar o diálogo e de não
precipitar o fim. É preciso que a palavra de Deus, que se esconde nele, nos
burile pouco a pouco e nos livre de nós mesmos. Como se extrai o ouro do
minério bruto.
(Léon-Joseph Suenens, cardeal, 1904-1996, Bélgica)
CONTEMPLAR
Despertar, 2019, Eva, uma jovem refugiada da Armênia, Tomek Kaczor, Gazeta Wyborcza/World Press Photo 2020, Polônia.
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