terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

O Caminho da Beleza 15 - VIII Domingo do Tempo Comum

Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)

VIII Domingo do Tempo Comum                03.03.2019
Eclo 27, 5-8                        1 Cor 15, 54-58                 Lc 6, 39-45


ESCUTAR

Não elogies a ninguém antes de ouvi-lo falar, pois é no falar que o homem se revela (Eclo 27, 8).

Meus amados irmãos, sede firmes e inabaláveis, empenhando-vos, cada vez mais na obra do Senhor (1 Cor 15, 58).

“Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão e não percebes a trave que há no teu próprio olho” (Lc 6, 41).


MEDITAR

Quem fala muito, dá bom dia a cavalo.

(João Guimarães Rosa, 1908-1967, Brasil)


ORAR

            É seu coração que me interroga: Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão? É uma palavra de vida. É uma palavra de luz: iluminada, como Paulo no caminho de Damasco, torno-me cego. Começo a ver a trave. Aquiesço ao olhar interior. É a escuta que poderá me separar desses dois objetos imaginários: o cisco e a trave: projeções do Eu. É a escuta que me desorienta do eu e converte meu olhar. Escuta, minha filha, vê (Sl 44, 11). Hipócrita! Olhar pervertido! Tira primeiro a trave do teu olho e então poderás enxergar bem (Lc 6, 42). Assim: alguma coisa oculta meu olhar, dificulta a abertura, impede a luz de passar, entrava o livre élan dos olhos: esses olhos de pomba feitos para o voo, para a troca de olhares que se cruzam. E lá, por detrás de minha trave, o que vejo? Em que se ocupam meus olhos? Irmão, deixe-me retirar o cisco que está em seu olho. Sim, pode-se passar a vida nisso e reduzir o outro a este cisco em seu olhar. Hipócrita. Espírito pervertido. O olho do meu irmão não é uma tela onde se projeta o filme de meus fracassos, de meus sonhos, de meu ressentimento ou de meu ideal. Lá, no olho do meu irmão, não há nada a ver. O olho do meu irmão é feito para ver. Cego como eu, ele clama pela luz. É como se deixar guiar por Jesus ao escutar nosso irmão Alawi nos partilhando esta palavra de vida: “Por um olhar de alta consideração, sem perder de vista a imensidão do Deus Todo-Poderoso, deixar a luz em mim olhar a luz que está em ti”. Sim, há para nós aqui bem mais o que fazer do que olhar o cisco no olho do meu irmão muçulmano. Lá nesse olhar que só a humildade pode “merecer” encontrar. Lá nesse olhar crente e orante: Deus é visto e nesse exato momento sua Luz é dada. E o auxílio fraterno dos crentes será simplesmente: não reter em mim a luz recebida, não oferecer ao outro um olhar obstruído por uma trave. Acolher a luz do olhar do outro. Não há mais nem trave e nem cisco. A trave, é bem provável que as lágrimas a tenham arrancado. O cisco certamente o vento o varreu. Não há mais nada a “examinar”. Simplesmente ver como agora: ver a mesa dos irmãos em redor, inumeráveis, e o pão e o vinho, ver com um olhar de alta consideração sem perder de vista o imenso Amor.

(Frère Christophe Lebreton, 1950-1996, França, monge trapista do Mosteiro de Tibhirine, Argélia).


CONTEMPLAR

Monges de Tibhirine, 1989, Didier Contant (1960-2004),  Gamma-Rapho via Getty Images, Paris, França. Na foto, da direita para esquerda: Irmãos Luc (+), Christophe (+), Celestin (+), Bruno (+), Philippe, Jean-Pierre, Jean de la Croix, Michel (+) e Christian (+). Seis deles foram martirizados (+), em 1996. Paulo, o sétimo mártir, não está na foto.




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