segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

O Caminho da Beleza 11 - IV Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


IV Domingo do Tempo Comum                   03.02.2019
Jr 1, 4-5.17-19                    1 Cor 12, 31-13,13             Lc 4, 21-30


ESCUTAR

“Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes de saíres do seio de tua mãe, eu te consagrei e te fiz profeta das nações” (Jr 1, 5).

Se eu tivesse o dom da profecia, se conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, se tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, mas se não tivesse amor, eu não seria nada (1 Cor 12, 2).

“Em verdade eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria” (Lc 4, 24).


MEDITAR

Não é essencial para o cristão estar presente nos lugares de sofrimento, nos lugares de desamparo, de abandono? O que seria da Igreja de Jesus Cristo, ela mesma corpo do Cristo, se não estivesse aí desde o início? A Igreja se engana e ela engana o mundo quando se apresenta como um poder entre outros, como uma organização mesmo humanitária ou como um movimento evangélico de grande espetáculo. Ela pode brilhar, mas ela não brilha do fogo do amor de Deus “forte como a morte”, como diz o Cântico dos Cânticos.

(Dom Pierre Claverie, beato, 1938-1996, Algéria)


ORAR

            Esta página de São Lucas é como um resumo dramático de toda a vida de Jesus. O fim do relato deixa pressentir a rejeição final de Jesus pelas autoridades religiosas. A razão dessa rejeição nos é também dada: Jesus testemunha um Deus sem fronteiras que acolhe os pagãos. Ao longo de toda sua vida, Jesus irá revelar o verdadeiro Deus, seu Pai, como aquele que está sempre pronto a acolher todo o mundo e, em primeiro, os doentes, os pobres, aqueles que estão dilacerados pela infelicidade e pelo desprezo dos outros. Jesus se deixa aproximar pelos leprosos, os intocáveis. Ele come com os publicanos e os pecadores, sem se preocupar com as reprovações que lhe poderiam ser feitas. Mas ele acolherá da mesma forma os Doutores da lei, o oficial romano ou o chefe da sinagoga. Ele revela um Deus aberto a todos. Seu primeiro cuidado não é fazer respeitar os regulamentos e a Lei, mas o de salvar os homens. Jesus é um apaixonado. Apaixonado por Deus seu Pai, ele não podia suportar todas as mesquinharias em que nos revestimos. Apaixonado por todos os que são rejeitados pelos que falam em nome de Deus, os pecadores e infelizes, ele não podia suportar a estreiteza de espírito dos fariseus que dividiam o mundo em bons e maus. Jesus sabia que era mau visto pelos responsáveis religiosos, os especialistas da moral e dos regulamentos; mas ele queria muito romper a carapaça de orgulho dos que se diziam bem pensantes, os bons praticantes, as pessoas regradas; ele desejava muito liberá-las de sua boa consciência. Ele sabe que arrisca sua vida, mas ele não recuará diante de nada para revelar seu Pai, Deus de coração sem fronteiras, Deus Amor. Ele não pode suportar esta prática religiosa sem amor que constata um pouco por todo lado. “Estou muito bem de acordo com todas as observâncias religiosas, mas se me falta o amor, eu não sou nada, de nada me servem”, adverte-nos São Paulo a toda hora. Somos apaixonados pelo verdadeiro Deus revelado por Jesus? Estamos suficientemente atentos para colocar o amor em primeiro lugar em toda nossa vida? Temos ainda a tendência de aprisionar Deus em uma Igreja muito rígida e fechada, quando ele é o Pai de todos os povos do mundo, o Deus escondido no coração de todo homem? Quando lemos o Evangelho, aceitamos colocar em questão nossos julgamentos e nossas mentalidades, para sair de nossas estreitezas de espírito e fazer nosso coração sem fronteiras, à imagem do coração de Deus?

(Bernard Prévost, 1913-, França)


CONTEMPLAR

Bombeiro retoma as buscas por sobreviventes..., Brumadinho-MG, 2019, (publicada no Estadão, em 26/01/2019), Fernando Moreno, Futura Press, Brasil.





segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O Caminho da Beleza 10 - III Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


III Domingo do Tempo Comum                   27.01.2019
Ne 8, 2-6.8-10                   1 Cor 12, 12-30                  Lc 1, 1-4;4, 14-21


ESCUTAR

“Este é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus. Não fiqueis tristes nem choreis” (Ne 8, 9).

Os membros do corpo que parecem ser mais fracos são muito mais necessários do que se pensa (1 Cor 12, 22).

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova” (Lc 4, 18).


MEDITAR

Para muitos homens hoje, a Igreja na sua forma concreta representa mais um empecilho do que uma ajuda para a fé.

(Cardeal Walter Kasper, 1933-, Alemanha)


ORAR

            Seria muito normal para nós sentir indignação contra os concidadãos (de Jesus). É, porém, uma indignação a que não temos direito. Pelo simples motivo de que nós somos tão culpados quanto eles. Também nós somos vítimas do mesmo equívoco. Também nós conhecemos o Cristo. Mas somos incapazes de reconhecê-lo. Obstinamo-nos em construir uma imagem diferente de Deus. E se Deus apresentar-se “diferente” daquela nossa imagem, nós não o aceitamos. Procuramos Deus “por fora”, enquanto que ele está presente em nossa vida. Aguçamos os olhos porque o julgamos muito distante. E ao invés, ele está tão perto, passa ao nosso lado. Imaginamos que ele esteja nas nuvens. E cruzamos a todo o momento com ele em nosso caminho. Estamos sempre à espera do milagroso, do extraordinário. E ele usa roupa comum, de todos os dias. Simples, ao nosso alcance, diria até corriqueiro. Em suma, nossa recusa, é uma recusa da encarnação. Recusa de ver a Deus que se revela com um rosto de homem. O verdadeiro perigo, para um cristão, reside precisamente na distração. Em nossas confissões costumamos acusar-nos de “distrações durante a oração”. E não pensamos nas distrações durante nossa caminhada. E, todavia, milhares de vezes passamos pertinho de Cristo e nem percebemos. Não o reconhecemos. Seu erro é de ter um rosto “conhecido” demais. O rosto do pobre, do menino, do colega, da cozinheira, do mendigo que dorme embaixo da ponte, do desocupado, do marido, da esposa, do superior, da mulher que faz a limpeza da casa, do estrangeiro, do doente, do indivíduo que está em situação difícil, do preso. Nós que conhecemos aqueles rostos, não sabemos reconhecê-lo. E ele continua a viver no exílio. Em sua casa.

(Alessandro Pronzato, 1932-, Itália)


COMTEMPLAR

Dominós. Corredor da Morte, Texas, 1979, Bruce Jackson (1936-), Nova Iorque, Estados Unidos.



segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

O Caminho da Beleza 09 - II Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


II Domingo do Tempo Comum                     20.01.2019
Is 62, 1-5                 1 Cor 12, 4-11                     Jo 2, 1-11

ESCUTAR

Não me calarei, por amor de Jerusalém, não descansarei, enquanto não surgir nela, como um luzeiro, a justiça e não se acender nela, como uma tocha, a salvação (Is 62, 1).

A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum (1 Cor 12, 4-11).

“Tu guardaste o vinho melhor até agora!” (Jo 2, 10).


MEDITAR

Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais conta. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que esmaga os vossos ombros e vos faz pender para a Terra, deveis embriagar-vos sem tréguas. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de ternura, à vossa escolha. Mas embriagai-vos. E se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na erva verde de uma vala, na solidão baça do vosso quarto, acordais já diminuída ou desaparecida a embriaguez, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, à ave, ao relógio, a Deus, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, a ave, o relógio e Deus vos responderão: "São horas de vos embriagardes! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de ternura, à vossa escolha.

(Charles Baudelaire, 1821-1867, França)

ORAR

            Jesus mostra-se nas bodas de Caná construtor de uma outra casa, de uma morada espiritual. Além do mais, foi aí que ele experimentou uma transformação revolucionária. Para todos os participantes, quaisquer que sejam seu sexo e idade, os jovens esposos, nesse dia de suas núpcias, encarnam a imagem realizada ou futura de seus sonhos e destinos. Então, que jorre em abundância o líquido mágico e luminoso da vinha! Por quê? Porque a embriaguez vivida em comum é uma possibilidade de sair em comum da realidade e ter alegria juntos. Esta alegria é também o que redime a embriaguez. Junta-se a isso, o fato do inconsciente liberar-se... in vino veritas! Aquele que bebe sozinho se fecha. Ele teme sair da realidade tangível com os outros. Só pode haver troca, se ele estiver sóbrio, assim sendo ele só pode comunicar o que for racional, judicioso, sensato, razoável. Fora dessa categoria, só existe para ele o deserto. Em Caná, dá-se o contrário... A água clara que os servidores trazem em jarras transforma-se em bebida fermentada, fonte de risos, de esquecimento dos males e preocupações cotidianas. É o leite da alegria que na alma dos convivas faz recomeçar a festa, florir os sorrisos e que despoja o cacho maduro das fantasias suaves de sabor embriagante. Bebido em comum, esse líquido excitante da vinha libera as línguas e os corações. Sim, na véspera de sua morte, na refeição de seu adeus, será o vinho que Jesus consagrará como a realidade viva de seu sangue, esse sangue da nova aliança. Em Caná, pelo dom de um sangue vegetal para bodas carnais, para uma aliança humana, ele começa sua vida pública. Em Jerusalém, ele terminará sua vida com o dom de seu sangue carnal para bodas espirituais, nova aliança entre os homens e Deus.

(Françoise Dolto, 1908-1988, França)


CONTEMPLAR

Um caminho para o céu, Stéphane Berla (1975-), Lyon, França, acessada em http://stephaneberla.com, em 14/01/2019.




quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O Caminho da Beleza 08 - Batismo do Senhor


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


Batismo do Senhor                   
Is 42, 1-4.6-7                      At 10, 34-38                       Lc 3, 15-16.21-22


ESCUTAR

“Eis o meu servo – eu o recebo; eis o meu eleito – nele se compraz minha alma” (Is 42, 1).

“Deus não faz distinção entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10, 34).

Enquanto rezava, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma visível, como pomba (Lc 3, 21-22).


MEDITAR

Quando dispomos da missão de Deus, como se fosse nossa, consumimos inutilmente a graça, ignoramos o amor que existe na vontade divina e nos atiramos no abismo do nosso próprio eu. Quanto mais esta autonomia adota uma atitude piedosa, tanto mais se distancia do Espírito Santo. 

(Hans Urs von Balthasar, 1905-1988, Suíça).


ORAR

            No meio desse bando de pecadores, que vão ver João para lhe confessar seus pecados e aceitar o sinal escatológico do batismo, há Jesus, plenamente solidário aos pecadores e confundido inteiramente entre eles. É a primeira imagem pública de Jesus que nos relatam os quatro evangelhos: Jesus iniciou seu ministério em meio a este abismo do aniquilamento e da humilhação (cf. Fl 2, 6-8), o que foi julgado escandaloso a tal ponto que certos cristãos de gerações mais antigas, não podendo ignorar esse acontecimento, trataram de edulcorá-lo ou minimizá-lo. É inteiramente estranho que Jesus, aquele que está “sem pecado” e vem de Deus, se apresente no meio de pecadores e tome lugar entre eles para ir receber uma imersão em vista da remissão dos pecados. Todavia, é bem assim que as coisas se passaram na história! E justamente, no momento em que Jesus ressurge dessa água carregada de pecados da humanidade, “ele vê o Espírito de Deus descer sobre ele sob a forma de pomba. E eis que veio do céu uma voz que dizia: ‘Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem querer”. Assim, enquanto Jesus está em oração, como diz Lucas, enquanto ele escuta a voz de seu Pai, as Escrituras se cumprem em toda profundidade (cf. Sl 22, 7; Gn 22, 1; Is 42, 1) como se Deus dissesse a Jesus: “Eu te amo de um amor eterno porque, desde já, tu revelas o meu verdadeiro rosto, minha misericórdia para com os pecadores!”. Era dificilmente concebível que Deus amasse os pecadores mas, a fim de que não pairasse mais dúvidas, Jesus nos mostrou isso por meio do primeiro gesto que realizou na vida pública! Este acontecimento, a imersão de Jesus, antecipa mesmo todo o sentido de sua vida, de sua missão e de sua pregação, até a sua morte. Com efeito, encontramos sempre Jesus em meio aos pecadores, infundindo-lhes o amor e a comunhão de Deus, e sobre a cruz “dois malfeitores, um à direita e outro à esquerda” (Lc 23, 33), serão crucificados a seu lado.

(Enzo Bianchi, 1943-, Itália)

           
CONTEMPLAR

Crianças banhando-se na água..., 2016, Nova Delhi, Índia, Roberto Schmidt (1966-), AFP/Getty Images, Colômbia/Alemanha.






quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

O Caminho da Beleza 07 - Solenidade da Epifania do Senhor


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


Solenidade da Epifania do Senhor
Is 60, 1-6                 Ef 3, 2-3.5-6                       Mt 2, 1-12


ESCUTAR

Levanta os olhos ao redor e vê, todos se reuniram e vieram a ti; teus filhos vêm chegando de longe com tuas filhas, carregadas nos braços (Is 60, 4).

Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo por meio do evangelho (Ef 3, 6).

“Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2, 2).


MEDITAR

Os ministros do Evangelho devem ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de saber dialogar e mesmo de descer às suas noites, na sua escuridão, sem perder-se. O povo de Deus quer pastores e não funcionários ou “clérigos burocratas”.

 (Francisco, 1936-, Bispo de Roma e Servo de Deus)


ORAR

            Pertencemos a uma época em que é mais fácil ver a escuridão da noite do que os pontos luminosos que brilham em meio a uma treva qualquer. Não deixa de ser comovente pensar naquele velho escritor cristão que, ao elaborar o relato midráshico dos magos, imaginou-os no meio da noite, seguindo a pequena luz de uma estrela. A narração transpira a convicção profunda dos primeiros crentes após a ressurreição. Em Jesus se cumpriram as palavras do profeta Isaías: “O povo que caminha nas trevas viu uma enorme luz. Habitavam numa terra de sombras e uma luz brilhou para seus olhos”. Seria uma grande ingenuidade pensar que não estamos vivendo uma hora especialmente obscura, trágica e angustiante. Mas não é precisamente esta obscuridade, frustração e impotência, que captamos nesse momento, um dos traços que quase sempre acompanham o caminhar do homem sobre a terra? Não é estranho que se diga que “ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração”. Mas isso não é toda a verdade. Apesar dos fracassos e frustrações, o homem volta a se recompor, volta a esperar, volta a se colocar em marcha em alguma direção. Há no ser humano algo que lhe chama recorrentemente à vida e à esperança, há sempre nele uma estrela que volta a se acender. Para os crentes, essa estrela conduz sempre a Cristo. O cristão não acredita em qualquer messianismo e, por isso, não cai tampouco em qualquer desencanto. O mundo não é um “caso desesperado”, não está em completa treva. O mundo, mesmo que esteja mal, deve mudar, pois o mundo está reconciliado com Deus e pode se transformar. Hoje só o vemos em uma humilde estrela que nos guia até Belém, mas Deus será num dia o fim do exílio e das trevas, a luz total.

(José Antonio Pagola, 1937-, Espanha)


CONTEMPLAR

S. Título, Agoes Antara, Denpasar, Bali, Indonésia.





terça-feira, 8 de janeiro de 2019

O Caminho da Beleza 06 - Sagrada Família de Jesus, Maria e José


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


Sagrada Família de Jesus, Maria e José              30.12.2018
Eclo 3, 3-7.14-17               Cl 3, 12-21               Lc 2, 41-52


ESCUTAR

Quem honra o seu pai alcança o perdão dos pecados (Eclo 3, 4).

Amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição (Cl 3, 14).

Todos os que ouviam o menino estavam maravilhados com sua inteligência e suas respostas (Lc 2, 47).


MEDITAR

Nasci no plano do eterno,
Nasci de mil vidas superpostas,
Nasci de mil ternuras desdobradas.
Vim para conhecer o mal e o bem
E para separar o mal do bem.
Vim para amar e ser desamado.
Vim para ignorar os grandes e consolar os pequenos.
Não vim para construir minha própria riqueza
Nem para destruir a riqueza dos outros.
Vim para reprimir o choro formidável
Que as gerações anteriores me transmitiram.
Vim para experimentar dúvidas e contradições.
Vim para sofrer as influências do tempo
E para afirmar o princípio eterno de onde vim...
Vim para conhecer Deus meu criador, pouco a pouco,
Pois se O visse de repente, sem preparo, morreria.

(Murilo Mendes, 1901-1975, Brasil)


ORAR

Nós falamos muito frequentemente da evasão de Jesus ao Templo e de maneira incorreta. Porque esse título sugere a ideia de uma fuga, insinua que Jesus, durante três dias, teria se subtraído voluntariamente à autoridade de seus pais. Entretanto, nós raciocinamos aqui segundo os nossos hábitos ocidentais que fazem da família uma célula fechada e da maioridade civil uma coisa tardia. Em Israel, ao contrário, a idade de doze anos é a da maioridade religiosa e civil, em que rapazes e meninas tornam-se responsáveis por seus atos e ditos. O Evangelho deste domingo não narra, portanto, nem evasão e nem fuga, mas simplesmente o primeiro gesto e a primeira palavra de Jesus. Qual é esse primeiro gesto, senão o de habitar no Templo de Jerusalém, na casa de Deus, para ensinar e dialogar com os doutores da Lei? Jesus o atestará durante a semana santa, mas desta vez em face a uma oposição crescente. Qual é esta primeira palavra, senão para manifestar a Maria e José, tentados a fechar seu Segredo sob o nome que lhe deram: “meu filho” (v. 48), qual é o seu verdadeiro Pai e qual o destino lhe foi entregue: “estar na casa – ou nas coisas – de meu Pai” (v. 49)? Essa maneira única de chamar a Deus seu próprio Pai, Jesus a retomará em sua última oração na Cruz: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (23, 46). Desde então, seu primeiro gesto corresponde a seu último gesto, sua primeira palavra remete à sua última palavra; Jesus mostra que toda a sua vida pública está colocada sob o nome de um Pai do qual deve revelar a face de ternura situada sob a livre necessidade de fazer a sua vontade, marcada pela presença íntima Daquele que habita “nele”, como ele mesmo habita “em seu Pai” (Jo 14, 10). Do começo até o fim do caminho que ele traça entre nós e de nós em direção ao Pai “maior”, Jesus é o filho bem amado. Ele é somente e plenamente Filho.

(Michel Corbin, 1936-, França)


CONTEMPLAR

Infância nua, 2015, Nikki Boon, Marlborough, Nova Zelândia.