Peguei da mão do anjo o livrinho e comi-o. Na boca era doce como
mel, mas, quando o engoli, meu estômago tornou-se amargo (Ap 10, 10).
III Domingo da Quaresma
Ex 17, 3-7 Rm 5, 1-2.5-8 Jo 4, 5-42
ESCUTAR
“Então o
povo começou a disputar com Moisés, dizendo: ‘Dá-nos água para beber!’. Moisés
respondeu-lhes: ‘Porque disputais comigo? Por que tentais o Senhor’. Mas o
povo, sedento de água, murmurava contra Moisés e dizia: ‘Por que nos fizestes
sair do Egito? Foi para nos fazer morrer de sede, a nós, nossos filhos e nosso
gado’” (Ex 17, 2-3).
“E a
esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Com efeito, quando éramos ainda
fracos, Cristo morreu pelos ímpios, no tempo marcado. Dificilmente alguém
morrerá por um justo; por uma pessoa muito boa, talvez alguém se anime a morrer.
Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando
éramos ainda pecadores” (Rm 5, 5-8).
“Mas quem
beber da água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água que eu lhe
der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna... Mas está
chegando a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em
espírito e verdade” (Jo 4, 14.23).
MEDITAR
Morrer ou amar Deus: não tenho outro desejo. A morte ou o amor: pois viver sem amor é pior que a morte e isto me seria mais insuportável do que a vida presente.
(Pe.
Pio)
ORAR
Esta é a primeira cena de intimidade de
Jesus com uma mulher; a outra é com Maria Madalena no jardim da Ressurreição.
Jesus está só com estas mulheres e para elas revela o seu ser mais profundo. O
evangelho acentua a insistência de Jesus sobre o dom, pois com o Deus de Amor
tudo é entrega e compaixão. A samaritana simplesmente acolhe o dom e o perdão.
Jesus ao falar da fonte transbordante quer dizer que a água que jorra dos
corações, doravante, saciará a todos. A samaritana, ao declarar que encontrou o
Messias, revela ao mundo que o Messias esperado é aquele que é capaz, sem
nenhuma discriminação, do dom e do perdão. Jesus escolhe este momento de
fragilidade para declarar o seu verdadeiro título e revelar a sua missão. Do
presépio à cruz, passando por um pedaço de pão ázimo, Jesus desconcerta sempre
e o ponto culminante disto é quando reconhece sua proclamação como rei, quando
interrogado no cárcere: “És tu o rei dos judeus?” e Jesus declara: “Tu o dizes”
(Mt 27, 11). Jesus desvela para esta mulher a chave do mistério da existência:
“Se tu conhecesses o dom de Deus”. Ele é o depositário do segredo que os homens
não conhecem. Ele, fatigado, sedento, que solicita um pouco de água para se
refrescar, é o mesmo que oferece a água viva. O detalhe sutil sobre as bodas e
o esposo pode nos passar desapercebido. Jesus pede que a samaritana chame o seu
marido, pois um homem não podia prolongar uma conversa com uma mulher fora da
presença do seu esposo. O evangelista acentua o significado profundo desta
ausência do marido. Jesus, em Caná, assumiu o papel do esposo ao proporcionar aos
convidados o vinho que faltara; João, o Batista, lhe confere o título de esposo
e se auto-intitula “o amigo do Esposo”. Os tempos messiânicos são os tempos da
renovação da Aliança esponsal de Deus com o seu povo. Jesus, na sua liberdade
ousada, propõe uma Nova Aliança e a oferece a todos, sem discriminação: aos
pecadores, aos excluídos da Sinagoga, aos proscritos da sociedade, aos
não-judeus e aos samaritanos. A Samaria, que fora desligada da Aliança, vai,
neste momento, realizá-la graças a esta mulher que anunciará a toda cidade que
encontrara o “Salvador do Mundo”. É pela Samaria que se iniciará a
evangelização fora da Palestina e será um sucesso (cf. At 8, 5). O evangelista
encerra o seu relato evocando o título que os primeiros samaritanos convertidos
dão a Jesus: Salvador do Mundo. Mais uma vez são os proscritos que nos revelam
e anunciam a universalidade da salvação. A Igreja de Jesus deve saber que
somente o transbordamento do amor – o servir a todos sem discriminação – rompe
o círculo de uma comunidade limítrofe, medíocre e isolada que bebe de qualquer
coisa para iludir a sua sede. Paulo nos reitera que “a esperança não
decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo
Espírito Santo que nos foi dado”. Nesta quaresma, somos chamados a manter viva
a nossa esperança e a nossa sede de viver para proclamar como o poeta: “Cheio
de Deus não temo o que virá, pois venha o que vier nunca será maior do que a
minha alma” (Fernando Pessoa).
(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)
CONTEMPLAR
Cristo e a
Mulher da Samaria, 1828, George Richmond (1809-1896), têmpera e ouro sobre mogno, 410 x
498 mm, Tate Gallery, Reino Unido.
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