Peguei da mão do anjo o livrinho e comi-o. Na boca era doce como
mel, mas, quando o engoli, meu estômago tornou-se amargo (Ap 10, 10).
IV Domingo da Quaresma
1 Sm 16, 1.6-7.10-13a Ef 5, 8-14 Jo 9, 1-41
ESCUTAR
“Não olhes
para a sua aparência nem para a sua grande estatura, porque eu o rejeitei. Não
julgo segundo os critérios do homem: o homem vê as aparências, mas o Senhor
olha o coração” (1 Sm 16, 7).
“O que esta
gente faz em segredo, tem vergonha até de dizê-lo. Mas tudo que é condenável
torna-se manifesto pela luz; e tudo o que é manifesto é luz” (Ef 5, 12-13).
“Eu vim a
este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem vejam e os
que veem se tornem cegos. Alguns fariseus, que estavam com ele, ouviram isso e lhe
disseram: ‘Porventura também nós somos cegos?’. Respondeu-lhes Jesus: ‘Se
fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas, como dizeis ‘nós vemos’, o vosso pecado
permanece’” (Jo 9, 39-41).
MEDITAR
É o amor das riquezas que causa a cegueira, a
loucura dos homens e a sua perversidade.
(Théognis de
Mégare)
“O pior cego
é o que quer ver”.
(João
Guimarães Rosa)
ORAR
A unção de Davi se passa em Belém, o
lugar onde mil anos mais tarde nascerá Jesus, um lugar insignificante entre os
clãs de Judá. Davi, pastor, era o mais jovem dos filhos de Jessé. Foi o
escolhido pelo Senhor, mesmo não sendo o primogênito conforme a lei. Toda
eleição divina é sempre desconcertante, pois a sua dileção recai sobre os
humildes e os pequenos. O Evangelho narra o episódio da cura do cego na maior
festa judaica, a festa das Tendas, impregnada de uma espera impaciente e
fervorosa do Messias. Os filhos das trevas não abrem nenhuma exceção, mas fazem
todas as concessões uma vez que se consideram seus próprios salvadores. No
entanto, o Cristo exige exceções para que possamos amar os outros. Jesus abre
uma exceção na regra intransigente do sábado para curar o cego. Não concede uma
polegada aos defensores aguerridos da Lei e testemunha que só os que decidem
praticar o amor abrem e fazem exceções. O Evangelho de Jesus encontra o tom da
verdade nos humilhados, nos machucados e nos que são considerados um nada por
aqueles que só sabem calcular seus “custos e benefícios” e investem as suas
vidas para “agregar valor” aos sistemas políticos e religiosos da exclusão.
Curar um cego é um ato de Deus e esta crença está na raiz do mundo judaico que
a sabia de cor! No livro do Êxodo, quando Moisés se inquieta com a missão que
Deus lhe confiava, disse: “Perdão, meu Senhor. Eu não tenho facilidade de
falar, nem antes nem agora que falastes ao teu servo; tenho boca e língua
travados. O Senhor replicou: ‘Quem dá a boca ao homem? Quem o torna mudo ou
surdo, o que vê ou o cego? Não sou eu, o Senhor?” (Ex 4, 10-11). O evangelista
é incisivo: “Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os
que não veem vejam e os que veem se tornem cegos”. A cura da cegueira coincide
com o nascimento da fé: “Eu creio, Senhor”, afirma o que agora vê. O que era
cego sai, pouco a pouco, da sua noite, enquanto os fariseus chafurdam nas
trevas da inveja, da mentira, da contradição e fazem de Jesus, apesar das
evidências, um possuído que não respeita o sábado e dissipa o mal pelo mal.
Paulo reconhece esta cisão e exclama: “Somos o aroma de Cristo oferecido a Deus
para os que se salvam e para os que se perdem. Para estes, cheiro de morte que
mata; para aqueles, fragrância de vida que vivifica” (2 C0r 2, 15). A
declaração pública de Jesus: “Eu sou a Luz do Mundo” (Jo 8, 12) é uma
declaração afrontosa aos filhos das trevas espalhados em todas as instituições
políticas, sociais e religiosas que só se preocupam com o poder para serem
servidos e dele se servir. Jesus veio para remover a cegueira dos homens e,
sobretudo, a pior cegueira, a soberba, que é a do cego que quer ver. Os
corações interesseiros são e serão sempre movidos pelo veneno da ingratidão e,
revestidos da hipocrisia das belas almas,
“participam nas obras estéreis das trevas”. Somos nós que nos julgamos diante
da Palavra da Verdade: uns se enclausuram na revolta e na mentira e outros se
abrem cada vez mais à vida, à verdade e à liberdade de amar. A Igreja de Jesus
deve ser humilde para reconhecer, muitas vezes, a sua cegueira no meio do Povo
de Deus que se sente perdido com tanta pompa e com tanta circunstância. Que o
Santo Espírito nos alinhe entre os cegos, os surdos e os paralíticos, pois é a
única condição para que sejamos renovados pela Páscoa do Senhor e, admiravelmente,
recriados para a vida eterna.
(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)
CONTEMPLAR
Cura do homem
cego, c. 1950, Edy-Legrand (1892-1970), obra a
carvão em Bíblia editada por François Amiot e Robert Tamisier, França, 1950.
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