A palavra de
Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).
XV Domingo do Tempo Comum 12.07.2020
Is 55, 10-11 Rm
8, 18-23 Mt 13, 1-23
ESCUTAR
Assim
será a minha palavra, que sai de minha boca: não voltará vazia para mim, mas
realizará a minha vontade (Is 55, 11).
A
humanidade inteira geme com dores de parto. E não somente ela; também nós, que
possuímos as primícias do Espírito (Rm 8, 22-23).
Um
semeador saiu a semear. Ao semear, algumas sementes caíram junto ao caminho,
vieram os pássaros e as comeram. Outras caíram em terreno pedregoso... (Mt 13,
4).
MEDITAR
Cada
homem experimenta seu destino no mundo. Deus se pinta a si mesmo em cada homem
mostrando uma gama de traços e cores infinitos. Mas o faz sem apego, como um
asceta que esquece sua aparência e descuida de seu corpo. Todos nos convertemos
no que desejamos, somos livres ao fim e por isso distintos uns dos outros. O
bem, o mal, suas zonas intermediárias: ao elegê-las, fica escrita já a página
de nossas alegrias e sofrimentos.
(Tukaram,
-1650, Índia)
ORAR
Que terreno nós somos? Temos um
coração que compreende... ou somos esse caminho árido no qual nos arrastamos,
esse coração no qual se arrastam a sensibilidade, a afetividade, a generosidade?
Temos ouvidos que escutam... ou somos esse solo pedregoso, esse deserto
erodido, que não retém a chuva, esse ouvido duro que não conhece mais a
Palavra? Temos olhos que veem... ou somos esse mirante abandonado às sarças,
esse olho irritado, esse olhar emaranhado em que a luz não mais atravessa.
Apesar de tudo, sabemos e Jesus nos anuncia, a Igreja nos confirma e os outros
frequentemente nos falam quando confiam em nós, sabemos que há também em nós a
terra boa... porém o resto também aí se encontra e às vezes parece ocupar todo
o lugar, inútil negar isso. Então? Eu hesitaria logo em vos confiar que, ao meu
ver, o SEMEADOR foi bem inábil... Semear assim inteiramente pelo ar, mesmo
sobre o caminho, sobre a pedra e sobre os espinhos. Evidentemente, nunca semeei
e não sei se poderia controlar esse gesto largo que é mais fácil de admirar do
que imitar. Mas, enfim, João Crisóstomo permitiu-se a mesma reflexão. Eis o
comentário que nos deu... “É razoável, indago, espalhar o grão sobre a pedra,
no meio dos espinhos, ao longo do caminho?... Reprovar-se-ia com justiça o
cultivador que o fizesse: a pedra não saberia se tornar terra, os espinhos não
podem ser senão espinhos, o caminho não pode ser senão o caminho. Na ordem das
coisas do espírito, não se dá assim: a pedra pode ser transformada em uma terra
fértil, o caminho pode não ser pisado pelos passantes e se tornar um campo
fecundo; os espinhos podem ser arrancados e permitir que uma boa semente, ao
ser desvencilhada, frutifique.” Assim o caminho no qual nos arrastamos, o solo
erodido, a sarça abandonada, podem tornar-se parábolas do Reino em
construção... tão verdade como o coração é feito para compreender, os ouvidos
para escutar, os olhos para ver. A semente que está morta no caminho, que foi
rejeitada pelas pedras, sufocada pelos espinhos, mesmo esta semente pode SURGIR
vitoriosa... a Palavra de Deus não é sem efeito (1ª leitura). As pedras, os
espinhos e o caminho gemem também com o mesmo grito inefável que a terra boa na
qual o grão caiu, para morrer ali, no desejo de ser fruto. Pois eis que um
companheiro se juntou a nós em nossos caminhos ásperos... ele os lavrou e nós
reconhecemos sua VOZ e nosso coração que era lento para compreender tornou-se
todo iluminado, ali, no caminho. A Palavra voltou ao Pai enriquecida com
nossa alegria. Ela nos dizia: Eu sou o caminho... O caminho também tem
um coração: “Sigam-me!”. E ficamos sabendo que o alimento do caminho não é
apenas para os pássaros, que há um pão inteiro preparado em cada etapa. É
porque o caminho também é uma terra boa. Assim a estrada ao largo tomou o lugar
das cerejeiras em flor. Lavrem esta estrada, as cerejeiras podem florir ali, o
grão gemer novamente. Lavrem vosso coração, haverá pão para todos os nômades do
amor... Sabemos que a pedra rejeitada se tornou pedra angular e que todos nós
temos vocação de pedras vivas. É porque a pedra também pode ser terra boa: seja
quando a cobrimos ou quando a pulverizamos... há até flores que se acomodam
sobre a rocha. Deus não se inquieta com a rocha: ele a escrutina... e dela sai
água e também sangue. E eis, enfim, que um estranho messias restabelece a língua
aos espinhos. Ele lhe disse: Tu és Rei? Ele respondeu: Tu o dizes...
mas meu Reino não é como esse mundo. E como para provar, ele se deixou
coroar pelo mundo: coroado de espinhos. A Palavra voltou assim para o Pai,
coroada de espinhos, enriquecida do nosso sofrimento, de nossas lutas, de nossa
vitória pela esperança. Os espinhos não puderam sufocar esta Palavra. Ela
ressurgiu, guerreira. Os espinhos podem revelar o grão: Lembre-se de mim em
teu Reino! É porque os espinhos torcidos podem, eles próprios, tornar-se
húmus. Não nos desesperancemos da nossa paisagem interior: Deus pode se
acomodar em nossos ouvidos, em nossos olhos, em nosso coração, é preciso que
aspiremos com todas as nossas forças à revelação do Filho de Deus. Bem mais do
que um arado, ele pode restaurar a tudo. Tudo canta e clama de ALEGRIA! (Salmo
64).
(Christian
de Chergé, 1937-1996, França)
CONTEMPLAR
Quieto, 2019, Ebru
Sidar (1975-), Istambul, Turquia.
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