Já não quero dicionários
consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode
inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro
do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.
(Carlos Drummond de
Andrade)
IV Domingo da Quaresma 31.03.2019
Js 5, 9-12 2 Cor 5, 17-21 Lc
15, 1-3.11-32
ESCUTAR
O Senhor disse a Josué: “Hoje tirei
de cima de vós o opróbrio do Egito” (Js 5, 9).
Irmãos, se alguém está em Cristo, é
uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo (2 Cor 5, 17).
“Quando ainda estava longe, seu pai o
avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e o cobriu de
beijos” (Lc 15, 20).
MEDITAR
Deus não investiga com repulsa, de
modo inflexível e implacável, o coração do pecador para aí verificar a “coisa”
ou o “ser” que detesta. Compreende o pecador com misericórdia, todo o ser do
pecador, a partir de dentro, de modo que sua realidade mais íntima não é mais a
culpa, mas sua ligação filial.
(Thomas Merton, 1915-1968,
França/Estados Unidos)
ORAR
Muitas
vezes, sentimos que Deus nos trai. Esperávamos isto e aquilo, rogamos,
prometemos e as nossas mãos enchem-se sucessivamente de um silêncio que não
conseguimos ler. É verdade que a Sagrada Escritura testemunha: “Mesmo que
sejamos infiéis, Deus permanecer-nos-á fiel, pois não pode negar-se a si mesmo”
(2 Tm 2, 13). Mas nem sempre conseguimos abraçar com esperança os seus
silêncios. A religiosidade natural do homem remete-o para o divino através da
necessidade: o homem precisa de um Deus que lhe seja útil, que tenha poder no
mundo, que o proteja. Rapidamente, Deus torna-se um ídolo, que serve para
garantir-nos um funcionamento favorável do grande sistema do mundo.
Contrariamente, a Bíblia encaminha-nos para a revelação de um Deus pessoal, e o
faz de um modo cada vez mais surpreendente (por vezes, até escandalosamente
surpreendente). Por exemplo, o Deus que Jesus Cristo nos anuncia ajuda-nos não
por um entendimento mágico ou providencialista da sua onipotência, mas pela sua
paternidade, pelo dom de seu amor. Quando o irmão mais velho, na parábola do
filho pródigo, censura o pai por nunca lhe haver dado um cabrito para festejar
com os seus amigos (cf. Lc 15, 29), o pai explica-lhe o que nos explica também
a nós: “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu (Lc 15, 31). O
grande desafio da espiritualidade cristã inscreve-se precisamente nesta virada
de atitude, nesta conversão: mais do que aquilo que Deus nos dá temos de
aprender a valorizar a profundidade e a intensidade da sua presença: “Tu estás
sempre comigo, e tudo o que é meu é teu”. Tudo se joga numa relação gratuita, e
não num vaivém interesseiro. Esta é a diferença decisiva em relação ao quadro
tradicional do fenômeno religioso.
(José Tolentino Mendonça, 1965-,
Portugal)
CONTEMPLAR
Emoção, 2015, Londres,
Kevin Mullins, Wiltshire, Inglaterra.
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