segunda-feira, 11 de março de 2019

O Caminho da Beleza 17 - II Domingo da Quaresma


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


II Domingo da Quaresma                   17.03.2019
Gn 15, 5-12.17-18             Fl 3, 17-4,1              Lc 9, 28-36


ESCUTAR

O Senhor conduziu Abrão para fora e disse-lhe: “Olha para o céu e conta as estrelas se fores capaz!” E acrescentou: “Assim será a tua descendência” (Gn 15, 5).

Há muitos por aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo (Fl 3, 18).

Da nuvem, porém, saiu uma voz que dizia: “Este é o meu Filho, o escolhido. Escutai o que ele diz!” (Lc 9, 35).


MEDITAR

Ah sim, o jasmim! Como é possível, meu Deus, ele está ali exprimido entre o muro corroído dos vizinhos dos fundos e a garagem. Ele paira sobre o teto raso, escuro e enlameado da garagem. No meio de todo esse cinza e dessa penumbra enlameada, ele é tão radioso, tão puro, tão exuberante e tão terno, uma jovem noiva audaciosa perdida em meio a uma vizinhança infame. Não compreendo nada desse jasmim. Mas não há nada mais a compreender... ainda é possível se acreditar em milagres.

(Etty Hillesum, 1914-1943, Holanda)


ORAR

            A luz da transfiguração de Cristo significa que já, hoje mesmo, a obra da ressurreição começa em nós. Estamos em plena noite. No meio dessas trevas brilha uma chamazinha. Basta-nos fixar os olhos nessa luz “até o raiar da aurora, até o levantar da estrela matutina em nossos corações”. Para que procurar tão longe o que está perto de nós? Por vezes, economizando a fé e a paciência, exigimos prodígios e milagres, sinais imediatamente visíveis. E o que nos cumpria fazer, era olhar com perseverança a chamazinha, até que a estrela da manhã se levantasse. Conservando-nos diante de Deus, devemos ver tudo à luz do Cristo. Considerar assim o próximo, o cristão, nossa pessoa, a vida inteira. Ver o próximo na luz do Cristo. Saber que que em cada homem, mesmo naquele que não confessa o Cristo, brilha o reflexo da imagem do Criador. Nosso próximo não é estritamente o que nos é simpático, mas o homem ferido pela existência, colocado à beira de nosso caminho. Nosso próximo não é aquele ao qual consagramos amizade, mas precisamente aquele que, por nos ser indiferente, merece, mais que outro, ser olhado com o olhar do Cristo. Considerar-nos também, a nós mesmos, na luz de Cristo. Não perder ânimo ante o mal que descobrimos em nós; ante as fraquezas, as trevas, as sombras que sempre existirão, pois nos é impossível viver de nossa culpa ou do sentimento de nossa culpabilidade. Só devemos viver do Cristo que brilha em nós, qual chama acesa no meio das sombras. Considerar e olhar toda a vida e toda a criação à luz de Deus, porque, em sua origem, toda a criação foi desejada por Deus, em sua plenitude. A planta que não se volta para a luz, estiola-se. Assim, o cristão que não fita a luz divina, querendo, pelo contrário, ver apenas as sombras, condena-se à morte lenta. Não pode crescer, nem edificar-se no Cristo.

(Roger Schutz, 1915-2015, Suíça)


CONTEMPLAR

S. Título (sombras e areia), 1995, Christian Cravo (1974-), Ensaio “Roma Negra”, Salvador, Bahia, Brasil.



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