Já não quero dicionários
consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode
inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro
do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.
(Carlos Drummond de
Andrade)
II Domingo da Quaresma 17.03.2019
Gn 15, 5-12.17-18 Fl 3, 17-4,1 Lc 9, 28-36
ESCUTAR
O Senhor conduziu Abrão para fora e
disse-lhe: “Olha para o céu e conta as estrelas se fores capaz!” E acrescentou:
“Assim será a tua descendência” (Gn 15, 5).
Há muitos por aí que se comportam
como inimigos da cruz de Cristo (Fl 3, 18).
Da nuvem, porém, saiu uma voz que
dizia: “Este é o meu Filho, o escolhido. Escutai o que ele diz!” (Lc 9, 35).
MEDITAR
Ah sim, o jasmim! Como é possível,
meu Deus, ele está ali exprimido entre o muro corroído dos vizinhos dos fundos
e a garagem. Ele paira sobre o teto raso, escuro e enlameado da garagem. No
meio de todo esse cinza e dessa penumbra enlameada, ele é tão radioso, tão
puro, tão exuberante e tão terno, uma jovem noiva audaciosa perdida em meio a
uma vizinhança infame. Não compreendo nada desse jasmim. Mas não há nada mais a
compreender... ainda é possível se acreditar em milagres.
(Etty Hillesum, 1914-1943, Holanda)
ORAR
A
luz da transfiguração de Cristo significa que já, hoje mesmo, a obra da
ressurreição começa em nós. Estamos em plena noite. No meio dessas trevas
brilha uma chamazinha. Basta-nos fixar os olhos nessa luz “até o raiar da
aurora, até o levantar da estrela matutina em nossos corações”. Para que
procurar tão longe o que está perto de nós? Por vezes, economizando a fé e a
paciência, exigimos prodígios e milagres, sinais imediatamente visíveis. E o
que nos cumpria fazer, era olhar com perseverança a chamazinha, até que a
estrela da manhã se levantasse. Conservando-nos diante de Deus, devemos ver
tudo à luz do Cristo. Considerar assim o próximo, o cristão, nossa pessoa, a
vida inteira. Ver o próximo na luz do Cristo. Saber que que em cada homem,
mesmo naquele que não confessa o Cristo, brilha o reflexo da imagem do Criador.
Nosso próximo não é estritamente o que nos é simpático, mas o homem ferido pela
existência, colocado à beira de nosso caminho. Nosso próximo não é aquele ao
qual consagramos amizade, mas precisamente aquele que, por nos ser indiferente,
merece, mais que outro, ser olhado com o olhar do Cristo. Considerar-nos
também, a nós mesmos, na luz de Cristo. Não perder ânimo ante o mal que
descobrimos em nós; ante as fraquezas, as trevas, as sombras que sempre
existirão, pois nos é impossível viver de nossa culpa ou do sentimento de nossa
culpabilidade. Só devemos viver do Cristo que brilha em nós, qual chama acesa
no meio das sombras. Considerar e olhar toda a vida e toda a criação à luz de
Deus, porque, em sua origem, toda a criação foi desejada por Deus, em sua
plenitude. A planta que não se volta para a luz, estiola-se. Assim, o cristão
que não fita a luz divina, querendo, pelo contrário, ver apenas as sombras,
condena-se à morte lenta. Não pode crescer, nem edificar-se no Cristo.
(Roger Schutz, 1915-2015, Suíça)
CONTEMPLAR
S. Título (sombras
e areia), 1995, Christian Cravo (1974-), Ensaio “Roma Negra”, Salvador, Bahia,
Brasil.
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