segunda-feira, 23 de março de 2015

O Caminho da Beleza 19 - Semana Santa

O Caminho da Beleza 19
Leituras para a travessia da vida


“O conceito de sabedoria é aquele que reúne harmonicamente diversos aspectos: conhecimento, amor, contemplação do belo e, também, ao mesmo tempo, uma ‘comunhão com a verdade’ e uma ‘verdade que cria comunhão’, ‘uma beleza que atrai e apaixona’” (Francisco).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



SEMANA SANTA



Ramos e Paixão do Senhor                29.03.2015
Is 50, 4-7                 Fl 2, 6-11                 Mc 15, 1-39


ESCUTAR

“O Senhor Deus deu-me língua adestrada para que eu saiba dizer palavras de conforto à pessoa abatida” (Is 50 4).

“Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2, 7-8).

“Nesse momento a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes” (Mc, 38).


MEDITAR

Jesus de Nazaré não morreu como um estoico, com uma serenidade desprovida de paixões, o mais possível sem dor. Muito pelo contrário, experimentou grandes tormentos, expressos no grito final. O cristão não tem que esconder o seu medo e pode estar certo – ouvindo ainda o grito de Jesus – de que o seu medo será abraçado por um Deus, pelo Deus do amor (Hans Kung).

Quando o amor vos chamar, segui-o, embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados; e quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe, embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos; e quando ele vos falar, acreditai nele, embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos como o vento devasta o jardim. Pois, da mesma forma que o amor vos coroa, assim ele vos crucifica. E da mesma forma que contribui para vosso crescimento, trabalha para vossa poda (Kalil Gibran).


ORAR

Sempre nos referimos a “uma entrada triunfal de Jesus” reforçada na nossa alma pelos espetáculos cinematográficos, teatrais e televisivos: manifestação das massas, adornos, palmas, faustos e cantos de aclamação. A grandeza , para muitos, só pode ser celebrada por meio de coreografias faraônicas e cortejos imponentes. No entanto, tudo desmoronou num final deplorável e se houve algum triunfo foi o da humildade, modéstia e mansidão. Para Jesus, o que conta são os corações e as convicções e não os aplausos. O nome que invocamos é um nome desacreditado e desprezado. Diante da Cruz do Cristo desfila uma humanidade com as suas respostas: a traição de Judas, a negação covarde Pedro, o ódio implacável dos sumos sacerdotes. Mas, desfila também o vértice do amor e da fé que encerra o itinerário da proscrição pública com a palavra reveladora do oficial romano ao pé da Cruz: “Na verdade, este homem era Filho de Deus”. É um pagão que faz a sua profissão de fé não num momento arrebatador de triunfo, mas no escândalo e na loucura da derrota. Seu coração descobre a identidade do Cristo no fracasso da Cruz de Jesus. Ele nos ensina a capacidade que temos de ver além das coisas pontuais e de se projetar um futuro possível, pois para nós, humanos, só existe uma maneira de ver bem e mais ao longe: é ver de outra maneira.


CONTEMPLAR


Domingo de Ramos, 2012, Ani Todd Smith, óleo e pastel sobre papel, Charlotte, Carolina do Norte, Estados Unidos.






Quinta Feira da Semana Santa                    02.04.2015
Ex 12, 1-8.11-14                 1 Cor 11, 23-26                  Jo 13, 1-15


ESCUTAR

“Comereis a carne nessa mesma noite... com os rins cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão. E comereis às pressas, pois é Páscoa, isto é, a ‘passagem’ do Senhor!” (Ex 12, 8.11).

“Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória” (1 Cor 11, 24).

“Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1).


MEDITAR

Não iremos nos encontrar com Deus estando uns separados dos outros./Há que pensar um pouco nos outros, há que trabalhar um pouco pelos outros./Que nos diria Deus se chegássemos até Ele uns sem os outros? (Charles Péguy).

Muitas vezes a Igreja tem se revelado como um dos principais obstáculos à criação e preservação da verdadeira Ecclesia, e particularmente, quando ela tem se orgulhado de ser idêntica à comunidade cristã e tem tratado Cristo e a Igreja como a mesma coisa (Emil Brunner).


ORAR

A liturgia de hoje nos lembra que somos chamados, como romeiros e peregrinos, à travessia da vida. Precisamos abandonar tudo o que nos instala, acomoda, enraíza e escraviza, impedindo-nos de encontrar, pelo serviço aos outros, a plenitude do Amor e a vida eterna prometida aos que amam. A vida só é um milagre quando os sonhos não são estreitos e quando a felicidade conquistada é partilhada. Deus sempre nos abala para que possamos nos aventurar nos vastos espaços da Sua misericórdia. Nesta celebração, paradoxalmente, a comunidade se reúne em torno do altar para relembrar o momento em que a comunidade dos discípulos de Jesus começava a se desintegrar: Judas trai, Pedro nega e os demais fogem e se dispersam. Restam apenas Madalena, Maria, João, o discípulo amado, e poucas outras mulheres que acompanhavam Jesus. A história fundadora da travessia cristã é aquela do desmoronamento comunitário. No entanto, Jesus parte o pão e a sua inesperada e íntima iniciativa de lavar os pés dos seus amigos funda, para sempre, o que deverá ser a sua Igreja: uma comunidade de iguais, atenta, disponível e pronta para servir. Um serviço que nasce da gratuidade do amor comunicada pelo Espírito de Liberdade, que não nos curva e nos faz olhar para o chão, mas que nos mantém alertas e sentinelas –“rins cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão” – para superarmos as fronteiras e contemplarmos horizontes. A Igreja de Jesus é chamada a lavar os pés sem se importar com os rostos diversos do Povo de Deus, porque, pela ternura, pelo amor e pela acolhida, nosso olhar descortinará, em todos eles, a face do Ressuscitado: “O que fizestes ao menor dos menores, a mim o fizestes” (Mt 25, 40). Esta atitude de serviço, da qual fazemos memória, devolve-nos a esperança de que a vida tem um sentido, apesar de todos os sinais de morte do nosso cotidiano. Uma esperança que não é uma certeza passiva e fatalista de que tudo estava escrito e, portanto, tudo acabará bem. Uma esperança alicerçada na convicção de que um dia, pelo Espírito, tudo será revelado e que esta revelação é a vitória final sobre a morte e a conquista da vida eterna. Para Paulo, a eucaristia significa compaixão e entrega a ponto de nos convertermos em comida e em bebida que alimentam a esperança e as convicções. Jesus entrega nas mãos da comunidade o poder de interceder ao Espírito que santifique a natureza e a cultura e transforme o pão e o vinho – frutos da terra e do trabalho – em Pão da Vida e Vinho da Salvação: Corpo e Sangue de Cristo. As palavras de Jesus são de um dinamismo vital: “Fazei isto!” e não de inércia e passividade omissa: “Recebei isto!”. Jesus nos impele a sempre estarmos prontos para partir e a deixarmos nos conduzir pelo seu Espírito. Nesta tarde de memória e presença nunca é demais repetir com o sertanejo: “Esta horária vida não nos deixa encerrar parágrafos, quanto mais terminar capítulos” (Guimarães Rosa).


CONTEMPLAR

Cristo lavando os pés de Pedro, 2004, Ghislaine Howard (1953-), acrílico sobre tela, Coleção Metodista de Arte Cristã Moderna, Oxford Brookes University, Grã-Bretanha.






Sexta Feira da Paixão do Senhor                03.04.2015
Is 52, 13-53, 12                 Hb 4, 14-16;5,7-9             Jo 18, 1-19,42


ESCUTAR

Ele espalhará sua fama entre os povos. Diante dele os reis se manterão em silêncio, vendo algo que nunca lhes foi narrado e conhecendo coisas que jamais ouviram (Is 52, 15).

Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno (Hb 4, 16).

Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz (Jo 18, 37).


MEDITAR

Através de nossas respostas mais profundas e íntimas ao nosso mundo – à fome e à tortura, e à ameaça de aniquilação – nós alcançamos o coração ilimitado. O coração que se abre pode conter todo o universo. Seu coração é grande assim: confie nele. Continue respirando (Joanna Macy).

Resta acima de tudo, essa capacidade de ternura/ Essa intimidade perfeita com o silêncio/ Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo/ Perdoai-vos! Porque eles não têm culpa de ter nascido... (Vinícius de Moraes).


ORAR

Nesta tarde de sexta-feira, escutamos a narrativa do simulacro do processo espetacular contra Jesus. Era impossível escapar do complô arquitetado pelo poder civil e religioso. Jesus arrancara a máscara do poder tanto de um como do outro ao denunciar: “Vós examinais as Escrituras, pensando que nelas possuís a vida eterna. No entanto, as Escrituras dão testemunho de mim (...) Mas eu sei que não tendes em vós o amor de Deus (...) Como podereis acreditar, vós que recebeis glória uns dos outros e não buscais a glória que vem do único Deus?”. Jesus aceita beber o cálice, o mesmo cálice conhecido nas antigas escrituras como cheio da ira e da cólera de Deus que deve ser esvaziado pelos pecadores. O Justo de Deus cumpre o seu destino e assume os pecados do mundo: “A punição a ele imposta era o preço da nossa paz e suas feridas o preço da nossa cura” (Is 23, 44). Aqui se situa o nó da sua Paixão: Jesus não morreu de suas feridas, ainda que fossem atrozes e nem morreu da sede que O consumia. Jesus morreu desta morte interior, desta morte espiritual e da coexistência Nele da suprema inocência e da infinita culpabilidade. Os carrascos se espantaram ao perceber que Ele estava morto e que os supliciados ao Seu lado ainda não haviam expirado: “Os soldados foram e quebraram as pernas aos dois crucificados com ele. Ao chegar a Jesus, vendo que estava morto, não lhe quebraram as pernas”. O sacrifício de Jesus foi oferecido fora dos muros da cidade para ensinar que é um sacrifício universal feito por toda a humanidade, sem discriminação alguma. Depois desta sua entrega de amor, todo lugar do universo tornou-se um oratório. A comunidade destroçada renasce aos pés da cruz: a mulher recebe um filho e o amigo amado recebe uma mãe para que a hostilidade e a intolerância não rompam os vínculos da comunhão humana. Esta comunidade restabelecida em vínculos de amor é a comunidade da Ternura Trinitária: “O Pai amou tanto o mundo que entregou o seu Filho (Jo 3, 16); o Cristo “amou a Igreja e se entregou por ela” (Ef 5, 25) e o “Espírito Santo nos ensinará tudo e nos recordará tudo o que Ele nos disse” (Jo 14, 26). Nestes tempos de sofrimento e espoliação, fala-se muito de compaixão. É a palavra da moda, mas a ajuda mais fraternal tem se tornado um paliativo e não atinge o sofrimento dos outros na sua raiz. Temos ficado na exterioridade do mistério daqueles que sofrem. A compaixão de Jesus é única e devemos segui-la. Ele partilha o sofrimento de cada pessoa no seu interior mais profundo e lhe oferece a Sua vida e o Seu amor que a libertará da escravidão do mal. Tereza d’Ávila compreendeu a dimensão deste mistério ao escrever: “O rosto morto, a face morta de Jesus nos chama à responsabilidade porque não existem outros pés que os nossos, outras mãos que as nossas e outras bocas que as nossas”. Nesta sexta-feira, devemos contemplar Jesus com o olhar do coração e entrarmos nas dimensões misteriosas do seu amor: “Peço-vos que não desanimeis diante do que sofri por vós, pois redunda em vossa glória” (Ef 3, 13). Contemplar Jesus nos deixando seduzir pela sua grandeza de coração; sua adorável tolerância para com todos e com cada um; sua largueza de espírito que dilata os corações avaros de amor; sua densidade que nos atinge e nos cura na cruz do nosso próprio mistério pessoal. Nesta tarde de paixão, em meio a este mundo obscurantista que nos rodeia, é preciso manter a fé e fazer brotar toda a luz interior, toda a alegria e toda a confiança no Cristo, pois quanto mais somos humildes tanto mais Ele nos eleva, pelo seu Espírito, junto ao Pai e nos ressuscita. Ele nos precede nesta travessia e nos previne para que estejamos preparados: “Chegará um tempo quando quem vos matar pensará oferecer culto a Deus” (Jo 16, 2).


CONTEMPLAR

Abendmahl (Ceia), 1994, Michael Triegel (1968-), técnica mista e folha de ouro sobre tela, Museum am Dom, Würzburg, Alemanha.





Sábado Santo                   04.04.2015
Gn 1, 1.26-31; Gn 22, 1-18; Ex 14, 15-15; Is 54, 5-14; Is 55, 1-11; Br 3, 9-15.32-4,4; Ez 36, 16-28                Rm 6, 3-11                Mc 16, 1-7


ESCUTAR

Por um breve instante eu te abandonei, mas com imensa compaixão volto a acolher-te. Num momento de indignação, por um pouco ocultei de ti minha face, mas com misericórdia eterna compadeci-me de ti, diz teu salvador, o Senhor (Is 54, 7-8).

Como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também nós levemos uma vida nova (Rom 6, 4).

“Não vos assusteis! Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui.” (Mc 16, 6).


MEDITAR

Lá, em meio às trevas afortunadas, ninguém a observar-me, escuridão em toda parte; nenhum sinal que eu possa registrar, nenhuma luz, nenhum guia exceto meu coração – a chama, a chama interior! (São João da Cruz).

Sai do círculo do tempo e entra no círculo do amor. Entra na rua das tavernas e senta entre os beberrões. Se queres a visão secreta, fecha teus olhos. Se desejas um abraço, abre teu peito. Se anseias por uma face com vida, rompe esse rosto de pedra... Vamos aceita esta pechincha: dá uma única vida e leva uma centena (Jalal ud-Din Rumi)


ORAR

Com a morte de Jesus, a Palavra de Deus chega ao fim. Agora é preciso manter o silêncio para que possamos acolher, outra vez, a revelação da Palavra, que jorra do seio da linguagem humana, encarnada nos escritos dos Evangelhos. A paixão de Jesus pode ser recontada, mas, a partir de agora, somente pela esperança e pela fé se mergulha na Sua vida. Nossas vidas surgem da Sua ressurreição e partilham com Ele a fecundidade sem medida dada por Deus. Somos conduzidos por uma força que nos supera e que precisamos testemunhar ao mundo. Somos os cegos ofuscados pela luz que devem proclamar que a luz existe. Somos os pecadores banhados de perdão que devem ousar perdoar. Somos estes seres mortais aos quais, sem cessar, a vida é dada para que conquistem a vida eterna. Somos fecundados, como as mulheres discípulas, por esta nova anunciação. Se antes os homens receberam a ordem de silenciar não contando nada a ninguém, agora as mulheres recebem a ordem de falar, anunciando e testemunhando o que viram: Jesus vive, O Cristo morto ressuscitou! É preciso deixar o túmulo da morte para trás e se voltar totalmente para o Ressuscitado. Ele nos impele a seguir a radicalidade do amor, pois, pela alegria infundida pelo Espírito, o mundo não mais nos destruirá com as suas perseguições. O corpo de Jesus ausente em sua morte real continua vivo e atuante nos corpos dos que O seguem, alimentados pelo seu Espírito. O poder da morte reside na força dos pecados que nos habitam, num coração violento e homicida: “Quem não ama permanece na morte” (1 Jo 3, 14). A compaixão de Jesus não é uma simpatia mórbida que nada muda. Ela é a sua força de amar que esposa a nossa humanidade até às últimas consequências deste sofrimento. Seu amor é mais forte do que este anti-amor e esta anti-vida que é o nosso pecado. Sua morte é a morte da morte, pois é o dom da vida do Deus vivo. Somos sepultados com Ele para que possamos ressurgir e o seu amor é o vencedor da morte. O grande silêncio do Sábado Santo é o tempo misterioso do coração no qual a insolência da presunção humana é reduzida a nada. Nosso sepultamento com Jesus é o momento da pobreza do coração. Quando o coração consente em ser pobre começamos a nascer, pelo Espírito, do Pai para o Pai: “Felizes os pobres de coração, porque verão a Deus” (Mt 5, 3). Neste sábado santo, devemos identificar o nosso coração com o de Jesus, o Verbo encarnado – corpo sepultado no silêncio – para que se torne um coração humilde. Devemos acolher Jesus na profundidade do nosso abismo para que o nosso coração se dilate em confiança e então ressuscitarmos. Neste silêncio abismal do Sábado Santo, quase madrugada da Páscoa da Ressurreição, todos os nossos ancestrais – Adão, Abraão, Noé, Moisés e os profetas – são chamados a esta “descida” de Jesus aos “infernos”. Na nossa travessia, não podemos esquecer que, antes de entregar o seu sopro de vida, Jesus nos confiou à sua mãe e fomos entregues a ela para que possamos viver este mistério do amor crucificado que nos ressuscita.


CONTEMPLAR

Dentro da Sepultura, 2011, J. Kirk Richards (1976-), óleo sobre tela, 9” x 9”, Utah, Estados Unidos.





Domingo de Páscoa                   05.04.2015
At 10, 34a.37-43               Cl 4, 1-4                   Jo 20, 1-9


ESCUTAR

“Ele andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo demônio, porque Deus estava com ele” (At 10, 38).

Vós morrestes e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl 3 3).

Entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu e acreditou.


MEDITAR

Para o cristão, não há um meio de se amar a Deus sem se amar a humanidade; não há um meio de se amar a humanidade sem se amar a todos os homens; não há um meio de se amar a todos os homens sem se amar os homens que se conhece, com um amor concreto, com um amor ativo (Madeleine Delbrêl).

A grande tragédia da vida não é que o homem pereça, mas que ele cesse de amar (Somerset Maugham).


ORAR

      Neste domingo da Ressurreição, é proclamado que só quem ama é capaz de acreditar e ter esperança. O primeiro dia se inicia num cenário nupcial: “Procurei o amado da minha alma. Procurei-o pelas ruas e pelas praças... procurei-o e não o encontrei” (Ct 3, 1). O papa Bento XVI escreve: “Agora o amor torna-se cuidado do outro pelo outro. Já não se busca a si próprio, não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, em vez disso, o bem amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes, procura-o” (Deus caritas est). Pedro, ao ver “as faixas de linho deitadas no chão”, compreende que o próprio Jesus deixara o sinal de que estava vivo: dobrara o pano que cobria a sua cabeça e não o seu rosto, como era costume fazer com os mortos. A totalidade da humanidade de Jesus incluiu também a sua morte. Jesus morreu, mas não é um cadáver. Madalena, Pedro e João sabem que será inútil buscá-Lo no sepulcro. Ele não está mais ali. A nossa vida, como a Dele, quando entregue por amor aos outros, supera e vence a morte. A ressurreição de Jesus não deve ser compreendida como uma volta à vida biológica que enraizaria a existência humana numa dependência do mundo físico. Devemos ir, com a fé e a esperança no mais íntimo de nós, além da visibilidade dos corpos inertes, dos corpos devorados pela esclerose e dos olhares perdidos em espaços vazios. Jesus é Presença como Dom absoluto e a sua ressurreição nos garante que podemos atingir o segredo interior, o espaço ilimitado e a presença que faz da própria existência um dom. Somos chamados a sermos eternos e não imortais. Deus promete aos que amam a ressurreição da carne e a vida eterna e não a imortalidade da alma. O Espírito nos transforma, cotidianamente, em fonte e dom. Cada menor gesto de solidariedade, cada abandono da estabilidade pessoal, cada passo em direção aos que sofrem é uma ressurreição vingada, pois “se em minha vida negligencio completamente a atenção ao outro, importando-me apenas com ser “piedoso” e cumprir meus “deveres religiosos”, então definha também a relação com Deus. Nesse caso, trata-se de uma relação “correta”, mas sem amor”(Bento XVI, Deus caritas est). Somente como fonte e dom, poderemos viver no Espírito do Ressuscitado e nos tornarmos o círio pascal que ilumina a todos com o esplendor da vida. Poderemos ser os artesãos que carregam em seus gestos e tramas do viver cotidiano a Luz do triunfo do Cristo sobre a morte e proclamar que não somos herdeiros de um túmulo vazio e que “Deus não é um Deus dos mortos, mas um Deus dos vivos”(Mt 22, 32). Neste domingo de Páscoa devemos responder, no mais íntimo de nós, a pergunta de Jesus à Marta: “Crês nisto?...Se creres verás a glória de Deus”(Jo 11, 40) e, então, deixarmos nosso espírito balbuciar em gemidos de amor: “Eu sou para o meu amado e meu amado é para mim, ele que apascenta entre os lírios”(Ct 6, 3).


CONTEMPLAR

O Túmulo Vazio, 2010, Anne Cameron Cutri, óleo sobre tela, Waterford, Pensilvânia, Estados Unidos.





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