quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 15 - VIII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

VIII Domingo do Tempo Comum   

Eclo 27, 5-8                        1 Cor 15, 54-58                 Lc 6, 39-45


ESCUTAR

Não elogies a ninguém antes de ouvi-lo falar, pois é no falar que o homem se revela (Eclo 27, 8).

Meus amados irmãos, sede firmes e inabaláveis, empenhando-vos, cada vez mais na obra do Senhor (1 Cor 15, 58).

“Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão e não percebes a trave que há no teu próprio olho” (Lc 6, 41).

 

MEDITAR

Quem fala muito, dá bom dia a cavalo.

(João Guimarães Rosa)

 

ORAR

            A luta contra a hipocrisia e a recuperação da sinceridade do coração são indispensáveis para o cristão porque o orgulho é o pecado fundamental que cega e que bloqueia a porta para o Cristo. A correção fraterna é possível só depois de uma longa pedagogia que passa pelo confronto de si mesmo. “Não julgues e não sereis julgados”: esta norma ética proposta por Jesus é um convite ao respeito pelos outros e pela cautela em sermos juízes do nosso próximo. “Quem pode conhecer o coração?” pergunta-se Jeremias e em seguida responde: “Só Deus perscruta o coração e os rins” (Jr 17, 9-10). A ajuda para retirar o cisco do olho do nosso irmão deve ser oferecida somente depois que o nosso olho ficar bem claro. A liturgia de hoje é um contínuo convite a reentrar em si mesmo para enriquecer o próprio coração e transformá-lo em uma “árvore de bons frutos”. Muitos autores místicos disseram: “Entra em ti e lá encontrarás Deus, os anjos e o reino”. O hipócrita tem medo de olhar para si mesmo e buscar a narcose de seu orgulho. O homem para ser guia de um outro deve ter em si uma luz e uma riqueza, de outra forma está destinado a ser causa de ruína não apenas para si, mas também para os outros. O verdadeiro discípulo não se arrogará o direito de julgar os outros, mas se humilhará “até a condição de servo”, como o Cristo, para salvar o irmão. Não apelará à sua dignidade para ser servido, mas se apresentará para servir. Do tesouro do seu coração ele não tirará veneno, mas doçura e gentileza, da árvore de sua vida não extrairá essências ou frutos mortíferos, mas será aquele que dará comida e matará a sede, como fez o Cristo durante sua existência terrena. Dos seus lábios não sairão palavras que atacam e intimidam, mas palavras que são “espírito e vida”. É um canto de amor, mas também uma celebração da sinceridade do coração contra todo orgulho e hipocrisia.  Bonhoeffer, na sua Ética, recordava que “a bondade não é uma qualidade da vida, mas a própria vida e que ser bom significa viver”. É por isso que Jesus definiu os hipócritas como “sepulcros caiados”, cadáveres ambulantes: eles se iludem pensando que estão vivos e animados, mas na realidade, têm um coração impuro, estão sem vida, são cegos e obtusos.

(Giafranco Ravasi)

 

CONTEMPLAR

Close up de dois homens étnicos diferentes, s. d., autoria desconhecida, acessado em freepik, 27/02/2025.




 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 14 - VII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

VII Domingo do Tempo Comum                

1 Sm 26, 2.7-9.12-13.22-23                  1 Cor 15, 45-49                  Lc 6, 27-38

 

ESCUTAR

“O Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e a sua fidelidade” (1 Sm 26, 23).

Como foi o homem terrestre, assim são as pessoas terrestres; e como é o homem celeste, assim também vão ser as pessoas celestes (1 Cor 15, 48).

“Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36).

 

MEDITAR

Não....

Permanecer e transcorrer

Não é perdurar, não é existir

E nem honrar a vida!

Há tantas maneiras de não ser

Tanta consciência sem saber, adormecida...

Merecer a vida, não é calar e consentir

Tantas injustiças repetidas...

É uma virtude, é uma dignidade

É a atitude de identidade mais definida!

Isto de durar e transcorrer não nos dá o direito

De presumir, porque não é o mesmo que viver

Honrar a vida.

 

Não....

Permanecer e transcorrer

Nem sempre quer sugerir

Honrar a vida!

Existe tanta pequena vaidade

Em nossa estúpida e cega humanidade.

Merecer a vida é erguer-se verticalmente,

Muito além do mal e das quedas...

É como dar à verdade e à nossa própria liberdade

As boas-vindas!

Isto de durar e transcorrer não nos dá o direito

De presumir, porque não é o mesmo que viver

Honrar a vida.

(Eladia Blazquez/Mercedes Sosa)

 

ORAR

            O Evangelho de hoje nos revela a condição do agir cristão: a generosidade. Ela é quem responde pela grandeza da alma e a nobreza do caráter. Jesus nos dá as referências de uma prática sem a qual seremos, como diz o Papa Francisco, cristãos hipócritas: “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles(...) Sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso”. O Pai nos apela a sermos loucamente generosos com todos, pois esta é a forma de justiça que Ele quer. Vivemos num ciclo de violência, do familiar ao religioso, que só será rompido em seus grilhões de morte quando formos capazes de criar elos de amor gratuitos e sem medidas: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados”. Somos nós, os cristãos, os que rogamos pragas, uns contra os outros, e amargamos o coração com as palavras que dele saem. Jesus nos previne que esta atitude pode nos levar ao limite da intolerância: “Chegará um tempo quando quem vos matar pensará oferecer culto a Deus” (Jo 16, 2). É a louca generosidade, o amar com toda gratuidade da oblação, que nos faz ir além da monotonia da vida cotidiana, dos gestos repetidos, dos sorrisos formais na representação diária no cenário do mundo. As bem-aventuranças são a desmedida de todos os limites que nos impomos: “Dai e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, será colocada no vosso colo; porque, com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos”. Temos que aniquilar as defesas que nos aprisionam na ilusória fortaleza da fé. A fé cristã é um espaço aberto e sem limites no qual vivemos sem nenhuma proteção.  O poeta dos tempos passados escreveu: “Quem passou pela vida em branca nuvem e em plácido repouso adormeceu (...) foi espectro de homem e não homem, só passou pela vida, não viveu” (Francisco Otaviano). Temos sido cristãos sem nervura e adormecidos como as igrejas que nos resguardam pela submissão e covardia. Somos chamados a ser cristãos com vértebras firmes e erguidas verticalmente; a darmos as boas-vindas à verdade e à própria liberdade. Somos cristãos para proclamar, profeticamente, que passar pela vida não é o mesmo que viver, pois além de estar vivo, é preciso, mais do que nunca, honrar a Vida.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Sem Título, sem data, autoria desconhecida, Pinterest, 2017.





quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 13 - VI Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

VI Domingo do Tempo Comum                   

Jr 17, 5-8                 1 Cor 15, 12.16-20            Lc 6, 17.20-26

 

ESCUTAR

“Maldito o homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana, enquanto o seu coração se afasta do Senhor” (Jr 17, 5).

Se os mortos não ressuscitam, então Cristo também não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé (1 Cor 15, 16).

“Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome por causa do Filho do homem!” (Lc 6, 22).

 

MEDITAR

Alguns cristãos (...) acham que têm o dever moral de estar sempre a sorrir porque Jesus nos ama. Seamus Heaney chama-lhe ‘o sorriso fixo de um lugar pré-reservado no Paraíso’, e nada há mais deprimente.

(Timothy Radcliffe, 1945- , Reino Unido)

 

ORAR

            “Bem-aventurados os pobres”. No evangelho de hoje aparecem quatro bem-aventuranças (bendições) e quatro maldições. O que significa “bem-aventurado”? Certamente não é “feliz” no sentido que os homens dão a essa palavra. Não se trata de um convite para que cada qual marche por seu caminho com tranquilidade e bom humor. Não significa realmente nada que pertença ao homem, que o homem sinta e experimente, mas sim algo em Deus que concerne a este homem. Jesus falará neste contexto de “recompensa”, mesmo que isso, por sua vez, não seja mais do que uma imagem; trata-se do valor que este homem tem para Deus e em Deus, de algo intemporal em Deus que se manifestará ao homem em seu devido tempo. E analogamente para as maldições. Os pobres aos quais pertence o reino de Deus, quer dizer, os pobres de Yahweh, como os chamava a Antiga Aliança, mostram que à sua pobreza corresponde uma possessão de Deus: Deus os possui e, por isso mesmo, eles possuem a Deus. O mesmo pode se dizer dos que têm fome e dos que choram, e também dos que são odiados por causa de Cristo: estes são amados pelo Pai em Cristo, que também foi odiado e perseguido pelos homens por causa do Pai. Se os pobres devem ser considerados como pobres em Deus, então também os ricos devem ser considerados como ricos sem Deus, ricos para si mesmos, saciados e sorridentes, louvados pelos homens; estes não têm tesouro no céu e por isso tudo o quanto possuem não é mais do que aparência passageira. Os Salmos repetem isso continuamente, as parábolas de Jesus (do rico glutão e do pobre Lázaro, do trabalhador avarento) também. Os pobres são em última palavra realmente pobres, aqueles que não possuem nada, e não ricos às escondidas que acumulam um capital no céu. Deus não é um banco; o abandono nas mãos de Deus não é uma companhia de seguros. É no próprio abandono, na confiança da entrega, que se encontra a bem-aventurança.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)


CONTEMPLAR

Coletando água, 2015, Stone Town, Tanzânia, Rob ONeill, San Diego, Califórnia, Estados Unidos.




 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 12 - V Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

V Domingo do Tempo Comum        

Is 6, 1-8                    1 Cor 15, 1-11                     Lc 5, 1-11


ESCUTAR

Ouvi, então a voz do Senhor que dizia: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” Eu respondi: “Aqui estou! Envia-me” (Is 6, 8).

Por último, apareceu também a mim, que sou como um aborto. Pois eu sou o menor dos apóstolos, nem mereço o nome de apóstolo, pois eu persegui a Igreja de Deus (1 Cor 15, 8-9).

“Não tenhas medo! De agora em diante tu serás pescador de homens!” (Lc 5, 10).

 

MEDITAR

Senhor, ensina-me a te descobrir sem cessar e seja a respiração de minha vida. Meu céu interior, meu sol escondido, minha ternura e que eu possa, por tua graça, refletir tua face a todos os meus irmãos.

(Maurice Zundel)

Ir na contracorrente: isso faz bem ao coração, mas nos falta coragem para ir na contracorrente e Ele nos dá essa coragem! Não há dificuldades, provas, incompreensões que devam nos amedrontar se ficarmos unidos a Deus como os ramos são unidos à vinha, se não perdermos a amizade com Ele, se sempre Lhe abrirmos, cada vez mais, lugar em nossas vidas.

 (Papa Francisco)

 

ORAR

O profeta ensina que a cada nova manhã devemos nos apresentar diante do Senhor não para conseguir a previsão do futuro, mas para recebermos o que nos foi consignado para este dia. O Senhor, imprevisível em suas decisões ao chamar alguém, é também imprevisível ao delegar tarefas cotidianas. Ele sempre nos surpreende com os pedidos mais audaciosos que sempre nos incomodam, pois sua palavra nunca é tranquilizadora. O Senhor nunca nos pedirá bagatelas, mas o que nos compromete para que não faltemos com os compromissos decisivos da vida. O evangelho de hoje revela que quando as palavras da nossa experiência se esgotam e ficamos desiludidos, ouviremos a Sua voz imperiosa: “Avança para águas mais profundas  e lançai vossas redes para a pesca”. Não somos chamados a ficar estacionados no raso da praia lamentando o eterno movimento dos barcos, mas a arriscarmos, largamente, confiantes na Palavra do Senhor que sempre nos recompensará abundantemente. O milagre da vida está em, apesar das aparências e do derrotismo, confiar na Palavra que vira tudo do avesso. Nos três relatos da vocação aquele que é chamado descobre a própria insuficiência e miséria. Isaías exclama: “Ai de mim, estou perdido. Sou um homem de lábios impuros”; Paulo se reconhece como uma espécie de aborto e Pedro suplica: “Afasta-te de mim, porque sou um pecador”. O Senhor quando envia alguém não faz nenhum exame das suas virtudes, mas reconhece e agradece a sua disponibilidade. A Palavra de Deus não age em nosso lugar, não consola as nossas frustrações e nem melhora, num passe de mágica, a nossa situação. Ela sempre nos desinstala e nos coloca a caminho. Somos chamados para viver, avançar nas ondas e nas tempestades do mundo e sempre recomeçar a pesca. O discipulado deve aprender a viver na insegurança de quem “nada tem, mas possui tudo”. Não podemos fincar os pés nas areias para que a espuma do mar os lave, mas arriscar a vida pelos outros e, por esta razão, Jesus invoca: “Vós deveis lavar os pés uns dos outros” (Jo 13, 14). Ele nos desvela que o único porto seguro em que devemos ancorar nossas vidas é o amor fraterno construído e conquistado na travessia dos nossos barcos. Estejamos sempre atentos e em posição de sentinelas para que em todo momento e em cada novo chamado possamos responder: “Aqui estou, envia-me!”.

(Manos da Terna Solidão/ Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Conversão de Paulo, 2004, Fiona Worcester, 35 cm x 35 cm, óleo e têmpera sobre madeira com gesso, Londres, Reino Unido.