Peguei da mão do anjo o livrinho e comi-o. Na boca era doce como
mel, mas, quando o engoli, meu estômago tornou-se amargo (Ap 10, 10).
XXII Domingo do Tempo Comum 31.08.2014
Jr 20, 7-9 Rm
12, 1-2 Mt 16, 21-27
ESCUTAR
“Seduziste-me, Senhor, e deixei-me seduzir” (Jr 20,
7).
“Não vos conformeis com o mundo, mas transformai-vos, renovando
vossa maneira de pensar e de julgar” (Rm 12, 2).
“De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro,
mas perder a sua vida?” (Mt 16, 26).
MEDITAR
Um coração
puro é um coração vazio, um coração que não tem medo de perder sua própria
personalidade. O homem não pode permanecer na ponta dos pés e se cansa de
vestir máscaras. O coração puro não tem técnicas, não pode ser classificado. É
a vida que nos ensina, e o coração puro se deixa esvaziar pela vida. O perder liberta.
(Raimon
Panikkar)
Deus não me dá
sossego. É meu aguilhão. Morde meu calcanhar como serpente, faz-se verbo,
carne, caco de vidro, pedra contra a qual sangra minha cabeça. Eu não tenho
descanso neste amor. Eu não posso dormir sob a luz do seu olho que me fixa.
Quero de novo o ventre de minha mãe, sua mão espalmada contra o umbigo estufado,
me escondendo de Deus.
(Adélia Prado)
ORAR
O profeta Jeremias coloca a descoberto suas feridas. Não suspira, grita; não se resigna e não inventa bons sentimentos. Protesta violentamente e desafoga a sua raiva. Reza no limite da blasfêmia sem se sentir culpado por sua debilidade, mas acusa Deus de prepotência: “Não quero mais lembrar-me disso nem falar mais em nome Dele”. Jeremias não diz que foi fascinado, mas seduzido por Deus e está desiludido, amargurado e desesperado porque a admiração inicial acabara: “Quando recebia tuas palavras, eu as devorava, tua palavra era meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16). O profeta se deu conta que a Palavra de Deus o confrontou com a surdez alheia. Poderia ter sido menos coerente, menos apaixonado, ter-se limitado a uma mera e ordinária administração. Poderia ter pregado as suas palavras e não as do Senhor e assim agradado a seus ouvintes sem se tornar “fonte de vergonha e chacota o dia inteiro”. Jeremias está em crise por viver, até as últimas consequências, as exigências implacáveis da sua vocação profética. Está em crise por excesso de fidelidade. Tenta se libertar do Senhor, mas se dá conta de que era impossível, pois Deus havia tomado posse de sua pessoa como um fogo de uma paixão incontrolável e irremediável. Jesus também apresenta um caminho indigesto para os que querem segui-Lo: renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz e perder a vida como Ele mesmo fez quando decidiu ir para Jerusalém sabendo que iria sofrer muito. Pedro expressa o seu desacordo e pensa como todos ao desejar uma situação de vida tranquilizadora, perspectivas triunfalistas e amplas concessões à ambição pessoal e de poder. De repente, não mais que de repente, baixa da sua condição de bem-aventurado para a de Satanás. A pedra que deveria ser de coesão e unidade se torna pedra de tropeço: “vade retro, satan!”. A comunidade eclesial sempre corre o perigo se seguir a Cristo, falar Dele, mas continuar pensando em si mesma. Jeremias e Pedro nos garantem que seguir os desígnios do Senhor nunca será um destino confortável. Quem segue Jesus tem, muitas vezes, a sensação de estar perdendo a vida por uma utopia que nunca será realizada; de estar gastando os melhores anos da sua existência por uma causa inglória. Devemos gravar em nossos corações a disponibilidade total para servir o Senhor em nossos irmãos e irmãs e, alegres, só nos resta dizer: “somos servos inúteis, cumprimos nosso dever” (Lc 17, 10).
(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)
CONTEMPLAR
Pietà (detalhe), 1876, William Adolphe
Bouguereau (1825-1905), óleo sobre tela, 230 cm x 148 cm, Dallas Museum of Art,
Dallas, Texas, Estados Unidos.