quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O Caminho da Beleza 50 - XXXI Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXXI Domingo do Tempo Comum             31.10.2021

Dt 6, 2-6                  Hb 7, 23-28                        Mc 12, 28-34

 

ESCUTAR

“Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6, 5).

Cristo, porém, uma vez que permanece para a eternidade, possui um sacerdócio que não muda (Hb 7, 24).

“Amá-lo de todo o coração, de toda a mente e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo, é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (Mc 12, 33).

 

MEDITAR

escute: eu bato à porta (Ap 3, 20); eu te falo pelo meu olhar: ame.

 

escute: eu bato à porta

                 abra-me               minha amada

                                               minha pomba

                                               meu eu (Ct 5, 2)

 

escute, abra teu coração

     e nós cearemos juntos

                 eu em ti e tu em mim (Ap 3, 20)

 

escute: eu me calo

                 e no silêncio eterno

                 tu te tornarás uma palavra engendrada pelo Pai

                                               esta palavra emitida no Sopro

                                               seu Eu te amo por todos.

 (Christophe Lebreton, 1950-1996, França)

 

ORAR

   O Evangelho deste domingo nos repropõe o ensinamento de Jesus sobre o maior Mandamento: o Mandamento do Amor, que é duplo: amar a Deus e amar ao próximo... O Mandamento do Amor só pode ser plenamente posto em prática por aquele que vive numa relação profunda com Deus, precisamente como a criança se torna capaz de amar a partir de uma boa relação com a mãe e com o pai. São João de Ávila escreve assim no início do seu Tratado do amor de Deus: “A causa – diz – que em maior medida estimula o nosso coração ao Amor de Deus é considerar profundamente o amor que Ele teve por nós... Este, mais que os benefícios, estimula o coração a amar; porque aquele que presta um benefício a outro, dá-lhe algo que possui; mas aquele que ama, dá-se a si mesmo com tudo o que tem, sem que lhe reste algo mais para dar”. Antes de ser um Mandamento – o amor não é uma ordem – é um dom, uma realidade que Deus nos faz conhecer e experimentar, de modo que, como uma semente, possa germinar também dentro de nós e desenvolver-se na nossa vida. Se o amor de Deus ganhou raízes profundas numa pessoa, ela torna-se capaz de amar até quem não o merece, como faz precisamente Deus em relação a nós... Aprendemos a olhar para o próximo não só com os nossos olhos, mas com o olhar de Deus, que é o olhar de Jesus Cristo. Um olhar que parte do coração e não se detém na superfície, vai além das aparências e consegue captar as expectativas profundas do outro: expectativas de ser recebido, de uma atenção gratuita, numa palavra: de amor. Mas verifica-se também o percurso contrário: que abrindo-me ao outro tal como ele é, indo ao seu encontro, pondo-me à disposição, abro-me também ao conhecimento de Deus, a sentir que Ele existe e é bondoso. Amor de Deus e amor ao próximo são inseparáveis e estão em relação recíproca. Jesus não inventou nem um nem outro, mas revelou que eles são, no fundo, um único Mandamento, e fê-lo não só com palavras, mas sobretudo com o seu testemunho: a própria Pessoa de Jesus e todo o seu Mistério encarnam a Unidade do Amor de Deus e do próximo, como os dois braços da Cruz, vertical e horizontal. Na Eucaristia Ele doa-nos este amor duplo, doando-se a Si mesmo, para que, alimentados por este Pão, nos amemos uns aos outros como Ele nos amou.

(Bento XVI, 1927-, Alemanha)

 

CONTEMPLAR

Sem Fim, 2017, praia do Moçambique, Santa Catarina, Juliana Freitas (1988-), Brasil.




 

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

O Caminho da Beleza 49 - XXX Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXX Domingo do Tempo Comum              24.10.2021

Jr 31, 7-9                 Hb 5, 1-6                 Mc 10, 46-52

 

ESCUTAR

Eu os conduzirei por torrentes de água, por um caminho reto onde não tropeçarão, pois tornei-me um pai para Israel (Jr 31, 9).

Cristo não atribuiu a si mesmo a honra de ser sumo sacerdote, mas foi aquele que lhe disse: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei” (Hb 5, 5).

No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho (Mc 10, 52).

 

MEDITAR

Para mim, é praticamente impossível construir a vida sobre um alicerce de caos, sofrimento e morte. Vejo o mundo ser transformado aos poucos numa selva, ouço o trovão que se aproxima e que, um dia, irá nos destruir também, sinto o sofrimento de milhões. E, mesmo assim, quando olho para o céu, sinto de algum modo que tudo mudará para melhor, que a crueldade também terminará, que a paz e a tranquilidade voltarão. Enquanto isso, devo me agarrar aos meus ideais. Talvez chegue o dia em que eu possa realizá-los!

(Anne Frank, 1929-1945, Alemanha)

 

ORAR

   A lição é forte e até mesmo violenta. Jesus se dirige a Jerusalém. Ele encabeça uma caminhada que ninguém compreende. Mesmo seus amigos, que o cercam, e que lhe são favoráveis. Eles ficam muito inquietos pelo que consideram uma loucura. Subir a Jerusalém é se colocar inutilmente numa armadilha. E por que fazê-lo? Atrás dele, as pessoas que o seguem têm medo. Simplesmente medo...  Mas eis o cego que nos mostra como Deus age. Este cego renunciou a toda pretensão diante de Deus. É um indigente, um excluído. Dizem-lhe que Jesus de Nazaré está no caminho e que vai passar. Ele não o vê; ele não o conhece. Pôs-se a gritar de modo insuportável. Os que cercavam Jesus, o serviço de segurança, dizem: “Façam-no calar”. Jesus diz: “Chamai-o”. E a multidão compreende e muda de opinião: “Tenha confiança! Levanta-te, ele te chama” ...  E eis que se passa um acontecimento totalmente inesperado e único neste Evangelho. Quando todos os outros estavam prestes a deixar o Cristo, de caminhar para trás dizendo: “Ele está louco. Ele vai a Jerusalém, para a morte”, o cego segue Jesus. E Jesus não o impede. Talvez te pareça impossível, se tua vida te parece medíocre, que ela possa mudar. Talvez te pareça impossível, se está preso em becos sem saída, que possa se livrar deles. Talvez te pareça impossível, se não tem fé, de ousar acreditar no que está apenas vislumbrando. Talvez te pareça impossível que o que há de melhor em ti apareça e aja em vez da amargura, do rancor e do ódio... Talvez te pareça impossível estar feliz e deixar qualquer um feliz...  Mas talvez, como o cego, você dê um passo além. Talvez, em sua cegueira, é a comunidade que hoje te diz: “Tenha confiança! Levanta-te, ele te chama”. Talvez ela te diga também: “Porque para Deus tudo é possível”. Se não acredita nisso, que esperança você poderá transmitir às suas crianças? Que esperança você poderá transmitir que não seja uma mentira? Nossa convicção não é a de que o mundo esteja perfeito, mas a de que, na descoberta de nossa fraqueza, um mais poderoso do que nós coloque em nossas bocas o sorriso e a alegria quando a experiência da vida e o sofrimento nos conduzem justamente para o oposto.

(Jean-Marie Lustiger, 1926-2007, França)

 

CONTEMPLAR

Artista de rua no metrô durante a covid, Portugal, Gabriele Guadagnini (1988-), Monochrome Awards 2020, Itália.



 

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

O Caminho da Beleza 48 - XXIX Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXIX Domingo do Tempo Comum             17.10.2021

Is 53, 10-11             Hb 4, 14-16             Mc 10, 35-45

 

ESCUTAR

O Senhor quis macerá-lo com sofrimentos (Is 53, 10).

Temos um sumo sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus (Hb 4, 14).

“Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim” (Mc 10, 42).

 

MEDITAR

Essa palavra do Cristo em que ele se proclama “servo” nos faz compreender que a paixão não deve ser entendida de modo dolorista. O caminho da cruz não é “sofrer”, mas, primeiro, “servir”. Há um crescendo: a primeira instrução convidava o discípulo a tomar a sua cruz, a arriscar a sua vida pelo Evangelho; depois, a ênfase era sobre a vida entre irmãos, sobre o espírito de serviço e a vida fraterna; agora, põe-se em destaque o motivo de tudo isso: é preciso seguir o Cristo-Servo, que serve até ao dom de sua vida pela multidão.

(Jean Delorme, 1920-2005, França)

 

ORAR

        O problema capital que este evangelho coloca não é a rejeição da soberba, mas a rejeição do poder. Para que os discípulos entendam o que o Evangelho lhes pede, Jesus não coloca, como exemplo, que se deve evitar aos orgulhosos, mas sim aos poderosos... O problema que a Igreja tem com o Evangelho não está no possível orgulho, vaidade ou soberba que podem ter alguns de seus membros, mas no poder que o “ministério apostólico” exerce sobre os demais católicos.  Ao dizer isso, não se trata de afirmar que na Igreja não deve haver presbíteros, bispos e Papa. O problema não está na existência do poder, mas no exercício desse poder. Jesus não quer que os apóstolos (e seus sucessores ou colaboradores) exerçam o poder como exercem os chefes políticos. No entanto, resulta chocante que o texto evangélico em que Jesus proíbe isso, de forma taxativa (Mt 20, 26; Mc 10, 43), não é citado uma vez sequer nos principais documentos do Magistério da Igreja (Denzinger-Hünermann, pp. 1583 ss). Resulta inevitável pensar que o Magistério eclesiástico escolheu do Evangelho o que justificava seu poder e sua forma de exercer o poder, ao mesmo tempo em que marginalizou o que colocava o mais sério problema ao exercício do poder eclesiástico. Os documentos eclesiásticos sobre o poder na Igreja não são a última palavra sobre este assunto. A Igreja tem o direito e o dever de seguir buscando o modo de exercer o poder que seja coerente com o Evangelho. Um poder nunca baseado na submissão incondicional de uns (os leigos) para com os outros (presbíteros, bispos, Papa), mas baseado no seguimento de Jesus, o Senhor. Porque o seguimento gera, por si só e por si mesmo, exemplaridade e felicidade. É urgente que a Igreja ofereça a este mundo (de tantos poderes opressores) outro modelo de exercer a autoridade.

(José María Castillo, 1929-, Espanha)

 

CONTEMPLAR

Quarto de Dom Pedro Casaldáliga, 2014, Wilson Dias, Agência Brasil, Brasil.




 

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

O Caminho da Beleza 47 - XXVIII Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXVIII Domingo do Tempo Comum                     10.10.2021

Sb 7, 7-11                 Hb 4, 12-13             Mc 10, 17-30

 

ESCUTAR

Preferi a sabedoria aos cetros e tronos e, em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza; a ela não igualei nenhuma pedra preciosa, pois, a seu lado, todo o ouro do mundo é um punhado de areia (Sb 7, 8-9).

A Palavra de Deus é viva, eficaz e mais cortante do que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

Jesus olhou para ele com amor e disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!” (Mc 10, 21).

 

MEDITAR

O Evangelho é o livro da vida do Senhor. Ele é feito para se tornar o livro de nossa vida. Ele não é feito para ser compreendido, mas para ser abordado como um limiar do mistério. Ele não é feito para ser lido, mas para ser acolhido em nós. Cada uma de suas palavras é espírito e vida. Ágeis e livres, elas só esperam a avidez de nossa alma para se fundir a elas. Vivas, elas são como um levedo inicial que processará nossa massa e a fará fermentar de um modo de vida novo.

(Madeleine Delbrêl, 1904-1964, França)

 

ORAR

    A história do jovem rico que não quer renunciar a seus bens e a dos discípulos que deixaram tudo para seguir a Cristo formam uma unidade no evangelho. Entre os dois episódios aparecem as palavras de Jesus sobre a dificuldade dos ricos para entrar no reino de Deus. Quem são esses ricos para Jesus? Os que se apegam a suas posses ou riquezas. A quantia das riquezas carece de importância. Pode haver ricos que não estão apegados a suas riquezas (Jesus conheceu seguramente alguns deles; presumidamente as mulheres que o ajudavam com seus bens eram de famílias abastadas: Lc 8, 3), do mesmo modo pode também haver pobres que não estão dispostos a renunciar ao pouco que têm. Quando vê que o jovem rico não está disposto a renunciar a seus bens, Jesus fala primeiro da dificuldade e depois, com a imagem do buraco da agulha, da impossibilidade prática de entrar no reino de Deus para o que não está disposto a renunciar a suas riquezas, para, finalmente, diante do espanto dos discípulos, confiar tudo ao poder soberano de Deus. E quando Pedro afirma que ele e os demais discípulos deixaram tudo para segui-lo, Jesus radicaliza a questão em vários aspectos: em primeiro lugar enumerando as pessoas e os bens que é preciso deixar, depois sublinhando que essas pessoas e bens se hão de deixar “por mim e pelo Evangelho – portanto: não por menosprezo dos bens terrenos, mas sim postergando-os por um motivo muito concreto – e, finalmente, mediante a cláusula “com perseguições”: o que se desprende de seus bens não chega necessariamente a um porto seguro, o “cêntuplo” que receberá se promete apenas para a vida futura. O seguimento que é falado por Pedro consiste nisso: cruz neste mundo, ressurreição além dele.

(Hans Urs Von Balthasar, 1905-1988, Suíça)

 

CONTEMPLAR

Robert James Carlson, 25, da cidade de Jersey, N. J., protesta no lado leste do Parque Zuccotti, 2011, Ashley Gilbertson (1978-),  100% Wall Street Project, VII Agency, Austrália.




sexta-feira, 1 de outubro de 2021

O Caminho da Beleza 46 - XXVII Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXVII Domingo do Tempo Comum                       03.10.2021

Gn 2, 18-24             Hb 2, 9-11               Mc 10, 2-16

 

ESCUTAR

O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne (Gn 2, 24).

Sim, pela graça de Deus em favor de todos, ele provou a morte (Hb 2, 9).

“O que Deus uniu, o homem não separe!” (Mc 10, 9).

 

MEDITAR

Grava-me como selo em teu braço,

como selo em teu coração,

pois o amor é forte como a morte,

a paixão é cruel como o abismo;

é centelha de fogo, labareda divina;

as águas torrenciais

não poderão apagar o amor,

nem os rios afogá-lo.

Se alguém quisesse comprar o amor

com todas as riquezas de sua casa,

se tornaria desprezível.

(Cântico dos Cânticos, c. 500 a.C., Reino de Judá)

 

ORAR

     As palavras de Jesus nos ajudam a descobrir ainda hoje a verdade do casamento cristão: ele é uma aventura, uma história e como tal pressupõe a difícil capacidade de perseverança e de perdão recíproco. É preciso medir a relação conjugal sob os tempos longos de uma história de amor, que pode conhecer quedas e crises, mas onde deve sempre persistir a vontade de uma união renovada, a tensão para a fidelidade a todo custo. É a única possibilidade que têm os esposos de se tornarem sinais de Deus que é fiel à sua aliança apesar das traições de seu povo adúltero: Deus não se divorcia de Israel e da Igreja apesar de sua infidelidade (cf. Ez 16; 2 Tm 2, 13)! Sim, a união conjugal é indissolúvel porque ela é o sinal de uma realidade que transcende o casamento: as bodas, a aliança irrevogável entre Deus e seu povo (cf. Dt 7, 9), entre o Cristo e a Igreja (cf. Ef 5, 31-33). Mas há mais, Jesus revela que o homem e a mulher que se casam devem correr o risco de se desligar de maneira completa de sua família de origem; em caso contrário, sua união está ameaçada por perigosas recaídas no passado... Unindo-se pelo casamento, os dois se engajam numa relação interpessoal que é mais profunda que a relação de parentesco: uma relação que não é apenas uma união carnal, mas uma união conjugal em toda amplitude do termo, quer dizer que tende a fazer deles uma só pessoa, um só corpo, até formar com o Cristo um só espírito (cf. 1 Cor 6, 16-17)! Só uma verdadeira separação das ligações carnais do passado pode fazer nascer uma união estável e definitiva, capaz de falar da fidelidade de Deus, pelo Cristo, a todo ser humano e a toda humanidade.

(Enzo Bianchi, 1943-, Itália)

 

CONTEMPLAR

Beijo, 2017, Evelyn Lauper, Texas, Estados Unidos.