quinta-feira, 17 de junho de 2021

O Caminho da Beleza 31 - XII Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XII Domingo do Tempo Comum                 20.06.2021

Jó 38, 1.8-11                      2 Cor 5, 14-17                    Mc 4, 35-41

 

ESCUTAR

“Até aqui chegarás, e não além; aqui cessa a arrogância de tuas ondas?” (Jó 38, 11).

Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo (2 Cor 5, 17).

“Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (Mc 4, 40).

 

MEDITAR

Minha consciência é produto de meu deleite e está ligada ao amor e à beleza que me gera o prazer de produzir. Até que meu corpo pare, ele terá produzido uma vida tão rica, com tamanho acúmulo de beleza vista e sentida, que nada vai destruir o que eu vi e vivi, deixando em mim a certeza de viver eternamente. Sou um homem muito rico, mas minha riqueza não é dinheiro. Meu pai nunca morreu, ele vive em mim e eu sempre vou viver em algum filho, em algum discípulo... A vida não nasce comigo: eu apenas a continuo.

(José Zanine, 1919-2000, Brasil)

 

ORAR

    Para aqueles que os contemplam da areia em que se encontram fixados, os pores do sol sobre o mar apresentam os atrativos de um espetáculo suntuoso. Mas para aqueles que têm o mar como métier, ao cair da noite, ou bem antes dos primeiros clarões da aurora, eles se tingem de nuanças mais obscuras, acompanhados de uma emoção que os outros, sem dúvida, jamais conhecerão. A vereda de centelhas que aponta no horizonte – a indescritível escada de ouro e púrpura que vai por ali, em direção às sombras das quais não se sabe de que tempestade a vir elas estão prenhes – desperta a inquietude e suscita nos corações mais aguerridos um indizível temor.  Ao cair da tarde, ele lhes disse: “Passemos à outra margem”. Tal é seu desejo, tal é a sua decisão. Como é a nossa, uma vez que ele compartilha a sua conosco, uma vez que ele nos convida e nos conduz a bordo para a sua. Nós embarcamos. Sim, somente por essas palavras que ele diz. Passemos então, atravessemos com ele, porque ele o quer e porque está conosco, porque acedeu, essa tarde, ao pedido vagamente inquieto que lhe exprimimos: Fique conosco, pois a noite se aproxima e o dia já finda (Lc 24, 29). Passemos, porque ele está de passagem e porque toda sua história é de passagem e de nos fazer passar com ele. Cristo, nossa Páscoa... Figura viva na popa, o Carpinteiro tateia a madeira, como em sua primeira noite de homem, sob a chuva de anjos e constelações: a barca é irmã da manjedoura tanto como da cruz. Das feições plácidas do que dorme, abstraído em suas próprias profundezas, emana uma espécie de claridade, como de uma tocha. Longe de assinalar defeitos ou renúncias, os sonos de Jesus – como suas fadigas e seus silêncios – são na realidade recolhimentos, preparações, operações profundas... A seus bem-amados, ele dá o sono (Sl 126, 2). O sono é o preâmbulo de suas intervenções mais essenciais no coração de seus amigos, no sentido da fecundidade: é assim que naquele que consente em “passar”, se passa alguma coisa. Em suma, Jesus não dorme apenas: ele dança. Ele abraça o ritmo do mar, ele o esposa sem reticência, enquanto nossa rigidez nos expõe ao perigo. Jesus está em companhia das ondas do mar como estava em companhia das feras selvagens no deserto: umas como as outras são para ele animais familiares. A embarcação não sofrerá nenhuma avaria: sua Presença, sua única Presença está em seu lastro. A tripulação não conhecerá nenhum dissabor: antes mesmo de qualquer manobra, sua Presença, sua única Presença ali é a segurança. Na respeitosa reprovação dos discípulos, ouve-se a antiga queixa de Israel: Levanta-te, por que dormes Senhor? Desperta-te, não rejeites mais! Por que escondes tua face? (Sl 43, 24-25). Respondendo à vigília de seu povo antigo e novo – seu “povo que cai e que procura se levantar” – Jesus desperta (tal é a raiz do verbo deste evangelho evidentemente pascal), ele se eleva em toda sua estatura de homem, como um só homem conosco. Jesus ressuscitado e princípio de nossa própria ressurreição. E se fez uma grande calma. Facta est tranquillitas magna... Mantenhamos em consequência nossa calma, nossa grande Calma que é o próprio Jesus. O termo usado pelo evangelista para designar essa “grande calma” não é sem importância: ele evoca o cintilar do mar disperso sob o sol, que Ésquilo chamava de seu “inumerável sorriso”. Nas intempéries de nossas vidas como nas da história, mantenhamos seriamente nosso Sorriso, nosso grave Sorriso que é o próprio Jesus: sorriso que a morte expande, em lugar de o apagar. Um de nossos poetas tomou inopinadamente algumas palavras miraculosas desse momento onde, com o mar uma vez entrando em graça, Jesus estava cedo na praia (Jo 21, 4) – estado de graça matinal: “Ela encontrou./O Quê? – A Eternidade./É o mar avançando/Com o sol.” (Arthur Rimbaud).

 (François Cassingena-Trévedy, 1959- , França)

 

CONTEMPLAR

Refugiados vietnamitas fugindo do Vietnã, 1979, National Archives, foto tirada do USS Wabasch, Estados Unidos.




 

 

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