Os transbordamentos de amor acontecem
sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e
humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa
autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa
Francisco).
X Domingo do Tempo Comum 06.06.2021
Gn
3, 9-15 2 Cor 4, 13-5, 1 Mc 3, 20-35
ESCUTAR
“Ouvi tua voz no jardim e fiquei com medo, porque estava nu; e me escondi” (Gn 3, 10).
Voltamos os nossos olhares para as coisas invisíveis e não para as coisas visíveis. Pois o que é visível é passageiro, mas o que é invisível é eterno (2 Cor 4, 18).
Os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si (Mc 3, 21).
MEDITAR
Nossa Igreja, que nesses anos só lutou por sua autoconservação, como se fosse um fim em si mesma, é incapaz de ser portadora da Palavra da Reconciliação e Redenção para a humanidade e para o mundo... Um dia há de chegar em que os homens novamente serão chamados a proferir a palavra Deus, de tal maneira, que o mundo, sob sua influência, se transforme e se renove. Será uma linguagem nova, talvez completamente a-religiosa, mas será uma linguagem libertadora e redentora como a fala de Jesus. Então os homens hão de se espantar com ela, mas mesmo assim serão dominados por seu poder.
(Dietrich Bonhoeffer, 1905-1944, Alemanha).
ORAR
Esse relato, profundamente instigante, segue imediatamente aos primeiros milagres. Ao chamado de Jesus, os paralíticos ousaram se levantar e redescobriram o uso de seus membros. O que se passa então em seu entorno? Mesmo seus relacionamentos mais próximos deixaram bem claro que sentiam esses fatos e gestos como uma ameaça, precisamente pelo fato de colocar as pessoas de pé. Desde os primeiros sinais sérios de eficácia de sua intervenção, eles encontraram uma explicação inteiramente pronta para o mistério de sua pessoa: “ele estava fora de si”, e: “é pelo poder do príncipe dos demônios que ele tem poder sobre os demônios”. Jesus passa ao mesmo tempo por um louco e por um praticante de magia negra... Jesus ignorou a violência e o terror. Pouco lhe importava o que diziam os outros, as autoridades, a sociedade, o Estado. Ele era totalmente estranho a esse gênero de intimidação. Ele pretendia que, após milênios de angústia, seria enfim possível começar a acreditar em Deus. Ele chamava o homem a viver de cabeça erguida, conforme sua vocação profunda, a caminhar pela vida sem se deixar jamais prender por aqueles que tentam lhe impor a ideia que fazem dele: verdadeiro-falso, inteligente-imbecil, sábio-insensato, fracassado, etc., todos os estereótipos pelos quais se oprime, se diminui, se julga exteriormente, e se tenta violentar os sentimentos, a liberdade e a alma do outro. Se há uma atitude da qual devemos dizer que é “demoníaca”, é bem esta: ela não deixa mais lugar a nenhuma convicção verdadeira, a nenhuma ideia original, a nenhuma experiência pessoal. O segredo desta força demoníaca consiste precisamente em que nada a faz tanto tremer do que alguém que começa a dizer “eu” e a tornar-se verdadeiramente um indivíduo. O reino desses “demônios” é o da multidão, o da coletividade, onde cada um mergulha para se subtrair a si mesmo, escapando de suas próprias decisões, livrando-se do peso de suas responsabilidades existenciais. É um sistema que força a se renegar, o de uma programação imposta desde o berço até o túmulo. Ele pode até chegar a afirmar que toda a busca de nossa liberdade é apenas uma contradição em si, uma charlatanice, uma magia da qual se deve fugir a todo custo, em nome de Deus e do diabo: não se há nada a fazer com homens livres, felizes, independentes, efusivos – homens que sejam simplesmente homens! Em virtude desta lógica, considera-se que aquele que fala livremente do homem, com independência e coragem, da maneira como Deus quis, já deve, portanto, pactuar com o diabo... Jesus sonhou com um vínculo familiar novo. Ele esperava suscitar uma família fundada sobre a evidência do amor, da liberdade de espírito, da pureza do sentimento, da alegria forjada pelo respeito ao sagrado, do vínculo tecido por convicções comuns e depurado dos compromissos oriundos da angústia. A única coisa que ele não admitia mais era a letargia do coração, aquela que nos impede de decidir a nossa vida. Nós devemos escolher entre a verdade e a rigidez, entre a liberdade da intuição e a angústia instituída. Escolher? Se ao menos pudéssemos fazê-lo.
(Eugen Drewermann, 1940-, Alemanha)
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