Os transbordamentos de amor acontecem
sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e
humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa
autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa
Francisco).
XI Domingo do Tempo Comum 13.06.2021
Ez
17, 22-24 2 Cor 5,
6-10 Mc 4, 26-34
ESCUTAR
Todas as árvores do campo saberão que eu sou o Senhor, que abaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa; faço secar a árvore verde e brotar a árvore seca (Ez 17, 24).
Caminhamos na fé e não na visão clara (2 Cor 5, 7).
“O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra. Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece” (Mc 4, 26-27).
MEDITAR
Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando
os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus
– ou foi talvez o Diabo – deu-me este amor maduro,
e
a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.
Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e
outros acrescento aos que amor já criou.
Eis
que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e
talhado em penumbra sou e não sou, mas sou...
Deus
me deu um amor porque o mereci.
De
tantos que já tive ou tiveram em mim,
o
sumo se espremeu para fazer um vinho
ou
foi sangue, talvez, que se armou em coágulo...
Hoje
tenho um amor e me faço espaçoso
para
arrecadar as alfaias de muitos
amantes
desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e
ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o
sagrado terror converto em jubilação.
Seu
grão de angústia amor já me oferece
na
mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os
cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e
o mistério que além faz os seres preciosos
à
visão extasiada.
Mas,
porque me tocou um amor crepuscular,
há
que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar
minhas mãos. E talvez a ironia
tenha
dilacerado a melhor doação.
Há
que amar e calar.
Para
fora do tempo arrasto meus despojos
e
estou vivo na luz que baixa e me confunde.
(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987, Brasil)
ORAR
Deus quis apenas ser um Semeador.
Ele aceitou por si mesmo e por seu Messias os limites e os perigos que regem a
condição humana. Ele aceitou que sua palavra fosse submetida às metamorfoses e
às limitações pelas quais se batem todas as palavras humanas. Ele aceitou que o
pássaro a devore, o sol a mate e a sarça a sufoque. Em outras palavras, ele
aceitou que sua palavra fosse também uma palavra humana, plenamente
humana. Isso tem consequências das quais nem sempre nos livramos. a) É preciso
compreender, por exemplo, que não se tira da Bíblia ou da pregação um fluido
mágico que investiria e penetraria fatalmente os que leem ou escutam. Para
alguns, a Bíblia será e permanecerá simplesmente uma compilação de história das
religiões. Eles lerão sem entender e sem compreender (Mc 4, 10ss). b) É preciso
tomar cuidado para não “divinizarmos” esta palavra, não a transformar em
propaganda, não fazer dela uma palavra indiscutível e inevitável. Deixemos isso
às outras palavras... humanas (cf. debates políticos) que precisamente querem
se apresentar como palavras “divinas”, palavras que devem convencer todo mundo;
estas têm a necessidade de se acreditar infalíveis. A Palavra de Deus não.
Logo, não temos que provar a Palavra de Deus, mas anunciá-la,
semeá-la. c) Mas não negligenciemos as semeaduras. Porque é humana, esta
palavra (quando das semeaduras) reclama os nossos cuidados. É uma outra maneira
de divinizá-la, renunciar a toda preparação ou não colocar ali sua convicção e
seu coração. Aquele que acredita que o Espírito sopra quando um verso bíblico é
pronunciado comete o mesmo erro daquele que pensa que a fidelidade a esta
humanidade da palavra significa monotonia, objetividade e tédio. Mas então uma
questão se coloca: se anunciamos uma palavra que se quer humana e nada mais que
humana, não estamos reduzidos a nós mesmos? Dito de outro modo: “A semente não
depende somente de nós, de nossos esforços, de nossa vigilância, de nossos
cuidados, de nossas obras? Se é humana, sem nós ela pode germinar,
crescer e amadurecer? Não devemos conduzir uma caça desenfreada aos pássaros
(transformando-nos rapidamente em espantalhos como acontece a todos os cristãos
que agem assim)? Não devemos achar sombras para as plantas frágeis? Arrancar as
sarças e espinhos? Não precisamos trabalhar sem cessar, noite e dia, nas
festas, nos domingos, nos dias de trabalho, para que a semente cresça?” É a
questão que fatalmente a parábola do Semeador nos coloca. É por isso que, após
nos ter mostrado que o Reino de Deus é estranhamente fraco (quando das
semeaduras), o Cristo irá nos mostrar nesta nova parábola que o Reino de Deus é
estranhamente forte (quando da germinação). Após nos ter mostrado que
esse Reino de Deus estava a mercê do homem, ele irá nos mostrar que esse mesmo
Reino não depende de nossas obras e que de toda maneira não devemos nos
inquietar por ele... Porque há uma frase chave na parábola: v. 27 “ele não
compreende nada disso”. É o grande sorriso de Deus sobre a Igreja, que deve ser
o nosso: “Nunca compreenderemos nada disso”. Nunca compreenderemos por que tal
semente que devia brotar não brotou e aquela outra que não podia
brotar deu um fruto maravilhoso. Nunca compreenderemos por que num terreno
mau (aos nossos olhos), uma semente mal lançada, mal cultivada, cresceu bem; e
porque alhures, a despeito dos sermões sublimes, dos sociólogos experientes,
dos psicólogos sutis, dos teólogos fora do comum, tudo morreu. Nunca
compreenderemos, pois isso não nos diz respeito. Finalmente esse texto nos
mostra o extraordinário poder da semente. Pois ela pode brotar ali onde nada
devia crescer. E nós poderemos então descobrir a razão desta fraqueza e deste
poder conjuntos. É o Amor de Deus. Pois se é por amor que Deus torna-se fraco,
este amor é também o que há de mais forte. O amor é o que pode transformar o
Saara numa região fértil. É o que torna possível o impossível. Mas o amor nos
permanecerá sempre incompreensível, não saberemos nunca nem de onde vem nem
para onde vai. Ora a ciência, ela só se ocupa com o possível. Sociólogos,
psicólogos, teólogos, estrategistas estão condenados ao estudo do possível. E
eles fazem bem o que têm que fazer. Que eles se lembrem apenas, e possamos nós
também lembrar com eles, que quando se trata do amor de Deus: “Nunca
compreenderemos nada disso”, “Não sabemos como ele age”.
(Alphonse Maillot, 1920-2003, França)
CONTEMPLAR
S. Título, 2015, da série Família, Ivan Makarov, Moscou, Rússia.
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