quinta-feira, 10 de junho de 2021

O Caminho da Beleza 30 - XI Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XI Domingo do Tempo Comum                   13.06.2021

Ez 17, 22-24                       2 Cor 5, 6-10                      Mc 4, 26-34

 

ESCUTAR

Todas as árvores do campo saberão que eu sou o Senhor, que abaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa; faço secar a árvore verde e brotar a árvore seca (Ez 17, 24).

Caminhamos na fé e não na visão clara (2 Cor 5, 7).

“O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra. Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece” (Mc 4, 26-27).

 

MEDITAR

Deus me deu um amor no tempo de madureza,

quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.

Deus – ou foi talvez o Diabo – deu-me este amor maduro,

e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

 

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos

e outros acrescento aos que amor já criou.

Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso

e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou...

 

Deus me deu um amor porque o mereci.

De tantos que já tive ou tiveram em mim,

o sumo se espremeu para fazer um vinho

ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo...

 

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso

para arrecadar as alfaias de muitos

amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,

e ao vê-los amorosos e transidos em torno,

o sagrado terror converto em jubilação.

 

Seu grão de angústia amor já me oferece

na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia

os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura

e o mistério que além faz os seres preciosos

à visão extasiada.

 

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,

há que amar diferente. De uma grave paciência

ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia

tenha dilacerado a melhor doação.

Há que amar e calar.

Para fora do tempo arrasto meus despojos

e estou vivo na luz que baixa e me confunde.


(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987, Brasil)

 

ORAR

        Deus quis apenas ser um Semeador. Ele aceitou por si mesmo e por seu Messias os limites e os perigos que regem a condição humana. Ele aceitou que sua palavra fosse submetida às metamorfoses e às limitações pelas quais se batem todas as palavras humanas. Ele aceitou que o pássaro a devore, o sol a mate e a sarça a sufoque. Em outras palavras, ele aceitou que sua palavra fosse também uma palavra humana, plenamente humana. Isso tem consequências das quais nem sempre nos livramos. a) É preciso compreender, por exemplo, que não se tira da Bíblia ou da pregação um fluido mágico que investiria e penetraria fatalmente os que leem ou escutam. Para alguns, a Bíblia será e permanecerá simplesmente uma compilação de história das religiões. Eles lerão sem entender e sem compreender (Mc 4, 10ss). b) É preciso tomar cuidado para não “divinizarmos” esta palavra, não a transformar em propaganda, não fazer dela uma palavra indiscutível e inevitável. Deixemos isso às outras palavras... humanas (cf. debates políticos) que precisamente querem se apresentar como palavras “divinas”, palavras que devem convencer todo mundo; estas têm a necessidade de se acreditar infalíveis. A Palavra de Deus não. Logo, não temos que provar a Palavra de Deus, mas anunciá-la, semeá-la. c) Mas não negligenciemos as semeaduras. Porque é humana, esta palavra (quando das semeaduras) reclama os nossos cuidados. É uma outra maneira de divinizá-la, renunciar a toda preparação ou não colocar ali sua convicção e seu coração. Aquele que acredita que o Espírito sopra quando um verso bíblico é pronunciado comete o mesmo erro daquele que pensa que a fidelidade a esta humanidade da palavra significa monotonia, objetividade e tédio. Mas então uma questão se coloca: se anunciamos uma palavra que se quer humana e nada mais que humana, não estamos reduzidos a nós mesmos? Dito de outro modo: “A semente não depende somente de nós, de nossos esforços, de nossa vigilância, de nossos cuidados, de nossas obras? Se é humana, sem nós ela pode germinar, crescer e amadurecer? Não devemos conduzir uma caça desenfreada aos pássaros (transformando-nos rapidamente em espantalhos como acontece a todos os cristãos que agem assim)? Não devemos achar sombras para as plantas frágeis? Arrancar as sarças e espinhos? Não precisamos trabalhar sem cessar, noite e dia, nas festas, nos domingos, nos dias de trabalho, para que a semente cresça?” É a questão que fatalmente a parábola do Semeador nos coloca. É por isso que, após nos ter mostrado que o Reino de Deus é estranhamente fraco (quando das semeaduras), o Cristo irá nos mostrar nesta nova parábola que o Reino de Deus é estranhamente forte (quando da germinação). Após nos ter mostrado que esse Reino de Deus estava a mercê do homem, ele irá nos mostrar que esse mesmo Reino não depende de nossas obras e que de toda maneira não devemos nos inquietar por ele... Porque há uma frase chave na parábola: v. 27 “ele não compreende nada disso”. É o grande sorriso de Deus sobre a Igreja, que deve ser o nosso: “Nunca compreenderemos nada disso”. Nunca compreenderemos por que tal semente que devia brotar não brotou e aquela outra que não podia brotar deu um fruto maravilhoso. Nunca compreenderemos por que num terreno mau (aos nossos olhos), uma semente mal lançada, mal cultivada, cresceu bem; e porque alhures, a despeito dos sermões sublimes, dos sociólogos experientes, dos psicólogos sutis, dos teólogos fora do comum, tudo morreu. Nunca compreenderemos, pois isso não nos diz respeito. Finalmente esse texto nos mostra o extraordinário poder da semente. Pois ela pode brotar ali onde nada devia crescer. E nós poderemos então descobrir a razão desta fraqueza e deste poder conjuntos. É o Amor de Deus. Pois se é por amor que Deus torna-se fraco, este amor é também o que há de mais forte. O amor é o que pode transformar o Saara numa região fértil. É o que torna possível o impossível. Mas o amor nos permanecerá sempre incompreensível, não saberemos nunca nem de onde vem nem para onde vai. Ora a ciência, ela só se ocupa com o possível. Sociólogos, psicólogos, teólogos, estrategistas estão condenados ao estudo do possível. E eles fazem bem o que têm que fazer. Que eles se lembrem apenas, e possamos nós também lembrar com eles, que quando se trata do amor de Deus: “Nunca compreenderemos nada disso”, “Não sabemos como ele age”.

(Alphonse Maillot, 1920-2003, França)

 

CONTEMPLAR

S. Título, 2015, da série Família, Ivan Makarov, Moscou, Rússia.




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