segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

O Caminho da Beleza 07 - Epifania do Senhor

Mantinha-se firme, como se visse o Invisível! (Hb 11, 27)

Epifania do Senhor                    03.01.2021

Is 60, 1-6                 Ef 3, 2-3.5-6                       Mt 2, 1-12

 

ESCUTAR

Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor (Is 60, 1).

Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo por meio do Evangelho (Ef 3, 6).

“Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2, 2).

 

MEDITAR

Caminhar, buscar Deus. És tu mesmo, Senhor Jesus, que é nosso caminho, não através de manifestações deslumbrantes e maravilhosas, mas através do pequeno menino de Belém, de sua pobreza, de sua fragilidade, de sua discrição. Um recém-nascido é o futuro. Só se pode descobrir Deus com um coração de menino, voltado para o futuro, ávido por descobrir o mundo, ávido por encontrar e amar os outros.

(Bernard Prévost, 1913-?, França)

 

ORAR

    Deus se manifestou a nós... A ÁGUA de nosso batismo com a Fé de nossos pais, a Fé da Igreja, foi o primeiro SINAL desse desvelamento de Deus na noite. Ele nos pôs na rota, como os magos... que ele nos conserve no caminho. Deus SINALIZA! A cada um o seu, ajustado, adaptado... os magos, habituados a escrutinar o céu, veem ali esta estrela. Os pastores, sem dúvida, não conheciam senão a estrela do pastor... eles tiveram seu sinal, uma manjedoura. José teve seu sinal: a cidade de Davi, uma virgem... Os escribas e sacerdotes foram interpelados pelas Escrituras. Herodes: o rei. Jerusalém: os pagãos que afluíam pedindo-lhe a Luz. As próprias ovelhas do rebanho.... o “Pão” no espaço da manjedoura. Cada um desses sinais conduz ao Menino, diz alguma coisa sobre Ele. Para Maria não há sinal mediador no Natal: para ela seu sinal é simultaneamente a Realidade de Deus. Maria terá sempre um lugar à parte na economia sacramental. Pela graça, ela já está do outro lado do véu. O sinal que Deus lhe FAZ é o MENINO marcado por Deus. Mas também para o MENINO Deus SINALIZA: o ouro, o incenso, a mirra... eis o rei, sacerdote e profeta da Vida mais forte que a morte. Todos os sinais da criação convergem para Ele. A conversão do universo está em marcha, tão bem assinalada pela rota dos MAGOS: as nações pagãs (que tem parte na herança) e a estrela do céu que se junta à terra. Serão todos instruídos por Deus! Todos os homens, quaisquer que sejam, têm capacidade de ser instruídos por Deus. Os sinais diferentes para cada um, mas que convergem para o Filho. Nesse sentido, sim, o Islã é sinal de Deus, ele indica também o Menino... e cabe a nós estarmos muito atentos para o dizer. O sinal feito ao outro pode iluminar aquele que Deus me faz, ajudar-me a discerni-lo! Os magos procuravam o rei... eles interrogaram Herodes... os sacerdotes (o buscavam nas Escrituras). JERUSALÉM não reconheceu o tempo em que foi visitada. A partir de agora, não é mais em Jerusalém que ADORAREMOS em espírito e verdade. Ir até o fundo do sinal que Deus nos faz! Os magos negligenciaram a estrela... porque Jerusalém lhes parecia o berço ideal do Menino. É preciso que saíssem dos arredores... reencontrar o sinal que lhes garantia sua rota! E reconhecer nela o rei em suas aparências e entrar em ADORAÇÃO. Ir até o fundo da palavra das Escrituras (Deus oculto em seu interior): o ESPÍRITO VIVO. Ir até o fundo da manjedoura: será preciso COMER... e de todos os sacramentos também: o óleo, sinal da cura. Mas ir até o fundo do sinal é receber o REMÉDIO e entrar em adoração desse Deus que pode tomar as aparências da doença, da velhice para se exprimir como um radioso e definitivo NASCIMENTO; um nascer do sol.

(Christian de Chergé, 1937-1996, França)

 

CONTEMPLAR

S. Título, s.d., Alain Laboile (1968-), Bordeaux, França.




sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

O Caminho da Beleza 06 - Sagrada Família de Jesus, Maria e José

    Mantinha-se firme, como se visse o Invisível! (Hb 11, 27)

Sagrada Família de Jesus, Maria e José              27.12.20

Eclo 3, 3-7.14-17               Cl 3, 12-21               Lc 2, 22-40

 

ESCUTAR

Meu filho, ampara o teu pai na velhice e não lhe causes desgosto enquanto ele vive... a caridade feita a teu pai não será esquecida (Eclo 3, 14.15).

Amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição (Cl 3, 14).

“Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição (Lc 2, 34).

 

MEDITAR


O SEU SANTO NOME

Não facilite com a palavra amor.

Não a jogue no espaço, bolha de sabão.

Não se inebrie com o seu engalanado som.

Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro).

Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão

de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra

que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.

Não a pronuncie.

(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987, Brasil)

 

ORAR

      Simeão entra em cena, movido pelo Espírito (nomeado por três vezes). E é o Espírito que inspira em Simeão as palavras que revelam o mistério desse pequeno menino: “meus olhos viram tua salvação”. Simeão esperava a consolação de Israel, Ana (e muitos outros, se compreendo bem) esperava a libertação de Jerusalém... Todos os dois, visivelmente, estão cumulados. Ora, as palavras “consolação de Israel” e “libertação de Jerusalém” eram as que se empregavam no Primeiro Testamento à propósito do Messias. O papel do Messias, justamente, será o de trazer a salvação definitiva, a consolação, a libertação. Lucas está a nos dizer, por palavras veladas – veladas talvez para nós, mas muito claras para os familiares do Primeiro Testamento – que esta criança é o Messias que se esperava. As palavras de Simeão já o dizem: “Agora, Senhor, podes deixar teu servo ir em paz, segundo tua palavra. Porque meus olhos viram tua salvação, que preparastes diante de todos os povos; luz para iluminar as nações pagãs e glória do teu povo, Israel”; e as da profetiza Ana vem confirmar: como diz Lucas, “Ela proclamava louvores a Deus e falava do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém”. Todo o Antigo Testamento é a história desta longa e paciente preparação por Deus da salvação da humanidade. E trata-se sim da “salvação da humanidade” e não apenas do povo de Israel. A glória de Israel, justamente, é a de não ter sido eleito para si só, mas para a humanidade inteira. À medida que a história avançava, o Antigo Testamento descobria cada vez mais que o desígnio da salvação de Deus contempla toda a humanidade. Outra surpresa, não a única, neste episódio: Lucas não nos apresenta Jesus com os traços de um rei filho de Davi, como havia feito nos relatos da Anunciação e da Natividade, por exemplo. As assertivas sobre Belém, sobre o trono de Davi seu pai, sobre um reino que não terá fim... eram igualmente alusões à realeza do Messias. Aqui, Lucas escolheu nos revelar um outro aspecto do mistério do Messias: o Messias-Servo; e, visivelmente, escrevendo essas linhas, o evangelista está impregnado pelos cantos do Servo contidos no livro de Isaías. “Te tomei ao lado e te destinei a ser a aliança do povo, a ser a luz das nações” (Is 42) ou “Te destinei a ser a luz das nações a fim de que minha salvação esteja presente até os confins da terra” (Is 49). A segunda parte da declaração de Simeão ressalta uma outra característica do Messias: “teu filho provocará tanto a queda como o reerguimento de muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição”. É uma alusão à pedra de tropeço para os descrentes de que fala Isaías (8, 14-15) transformada, ao contrário, em pedra de fundação (pedra angular) para os que acreditam (Is 28, 16). Consolação de Israel, libertação de Jerusalém, pedra angular... este menino é mesmo o Messias que se esperava, ou seja, aquele que traz a Salvação. Como diz ainda Isaías (canto 53): “Por ele se cumprirá a vontade do Senhor”. Pois, depois de Abraão, sabe-se que a vontade do Senhor é a salvação para todas as famílias da terra.

(Marie-Noëlle Thabut, 1939-, França).

 

CONTEMPLAR

Velha mulher, 2019, Wei Chang Kuo, fotografia do ano do Monochrome Photography Awards 2019, categoria profissional, Taiwan.




segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O Caminho da Beleza 05 - Natal do Senhor

        Mantinha-se firme, como se visse o Invisível! (Hb 11, 27)

Natal do Senhor              25.12.2020

Is 52, 7-10               Hb 1, 1-6                  João 1, 1-18

 

ESCUTAR

Como são belos, andando sobre os montes, os pés de quem anuncia e prega a paz, de quem anuncia o bem e prega a salvação (Is 52, 7).

Este é o esplendor da glória do Pai, a expressão do seu ser (Hb 1, 3).

E a Palavra se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14).

 

MEDITAR

Qual é a razão pela qual alguns veem e encontram e outros não? O que abre seus olhos e coração? O que falta aos que são indiferentes, aos que apontam a estrada, mas não se mexem? (...) Eles estão seguros da ideia que fazem do mundo e não se deixam inquietar no mais fundo de si mesmos pela aventura de um Deus que quer encontrá-los. Eles colocam mais confiança em si próprios do que Nele e não consideram possível que Deus seja grande a ponto de se fazer todo pequeno, de poder verdadeiramente se aproximar de nós. Falta a capacidade evangélica de serem crianças no coração, de se encantarem e de saírem de si para se colocar em rota sobre o caminho que a estrela indica, o caminho de Deus. Mas o Senhor tem o poder de nos tornar capazes de ver e de nos salvar.

 (Bento XVI, 1927-, Alemanha)

 

ORAR

   Se esta festa de Natal traz em si uma nostalgia e tanta ternura e sentimentos que nos comovem, é porque ela nos coloca diante dos olhos a figura da criança mais frágil. Nela, nós vemos ao mesmo tempo a beleza, a inocência, a delicadeza da existência, a proteção que reclama e o amor que pede de todos nós. Na verdade, nós nos identificamos com esta infância e nos compadecemos de nós mesmos quando uma tal figura de inocência nos é apresentada. Como se, secretamente, nos fosse restituída a segurança da criança envolvida pelo amor do pai e da mãe. Como se pudéssemos nos dar um instante de ilusão de sermos pequenas crianças na segurança do amor original. E se achamos muitas vezes que o mundo é duro, é porque há um enorme contraste entre esta nostalgia que nos habita e a realidade. Gostaríamos muito que o mundo fosse como o amor de uma mãe por um pequeno bebê. Gostaríamos muito de ficar seguros de que Deus nos cerca, como diz a Escritura, como uma criança de colo carregada por seus pais. Eis o que gostaríamos. E nos espantamos que o mundo não seja assim. E se uma pequena lágrima surge no dia de natal, é por ter sonhado, no espaço de uma noite ou de uma hora, que isso pudesse ser assim. Só que de fato o mundo permanece duro, impiedoso e nós não somos mais bebês. E mesmo os bebês um dia desaparecem, pois na vida é preciso também crescer. Tornar-se um adulto ou uma adulta significa aceitar sua solidão, aceitar que o mundo não seja perfeito e que nossos sonhos não sejam a realidade de cada dia. E a despeito disso, viver, viver bem, viver sabendo por que se vive... Dizer que Deus se torna acessível no mistério de uma pequena criança quer dizer que Deus se torna ainda mais invisível, ainda mais inacreditável, ainda mais inconcebível. É no momento mesmo em que Deus se dá a nós que nos parece ainda mais incompreensível que um tal dom nos seja feito. É quando o amor nos atinge que ele se torna inconcebível. É quando ele se faz próximo que nós queremos recuar, dizendo: “Isso não é verdade”. Isso quer dizer, talvez, que só podemos nos aproximar de um tal mistério desorientando nossa mente, perturbando nossa existência, com a condição de sermos nós próprios transformados. Se Deus se entrega assim em nossas mãos, tal como uma criança passiva entre os braços de seus pais – e esta frase não é blasfematória – isso quer dizer que Deus, o Inconcebível, não está apenas à nossa frente, mas que Aquele que está acima de nós se entregou a nós na figura de irmão. E só podemos descobrir nosso irmão, tornando-nos, nós, seu irmão. Só descobrimos que alguém nos ama quando consentimos em amá-lo. Só podemos reconhecer o mistério de Deus que se esconde nesta criança entregue se aceitamos nos entregar a ele.

(Jean-Marie Lustiger, 1926-2007, França)

 

CONTEMPLAR    

Ludavine, 2020, Sophie Harris-Taylor (1988-), da série Milk, Londres, Reino Unido.




segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

O Caminho da Beleza 04 - IV Domingo do Advento

        Mantinha-se firme, como se visse o Invisível! (Hb 11, 27)


IV Domingo do Advento                      20.12.2020

2 Sm 7, 1-5.8-12.14.16                Rm 16, 25-27                     Lc 1, 26-38

 

ESCUTAR

“Vai e faze tudo o que diz o teu coração, pois o Senhor está contigo” (2 Sm 7, 5).

Glória seja dada àquele que tem o poder de vos confirmar na fidelidade ao meu Evangelho (Rm 16, 25).

Maria perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso se eu não conheço homem algum?” (Lc 1, 34).

 

MEDITAR

Eu me anunciei

Eu afirmei minha voz

Não temi questionar

 

Eu resisti

Dei meu sim

Olhando diretamente nos olhos do anjo

(qualquer escrava poderia ter sido espancada ou violentada por menos)

Não houve sujeição aqui

Nada me foi arrancado

Tudo foi oferecido


Aqui estou

Olha-me

Ouça


(Elizabeth Schüssler Fiorenza, 1938-, Romênia)

 

ORAR

    Embora o diálogo entre Maria e o anjo não tenha ocorrido na realidade, sendo composto por Lucas seguindo um esquema dado no Antigo Testamento, as palavras que Lucas põe na boca de Maria tem um conteúdo teológico autêntico. Na realidade, deveria chamar a atenção de qualquer um a forma, diríamos, não católica de argumentar utilizada por Maria. Para ela, a mensagem do anjo acerca da concepção do Filho de Deus é inconcebível porque ela não conhece varão. Para ela, o copular com um homem é requisito necessário para o prometido nascimento do filho de Davi. Ambas as coisas constituem um todo indivisível para ela, enquanto para a dogmática católica sucede justamente o contrário: a copulação com um homem e o nascimento de um filho divino se excluem. Se pudéssemos tomar como histórico o relato sobre a Anunciação, haveria que reconhecer a Maria mais inteligência teológica do que dois mil anos de teologia católica acerca do parto virginal, isto é, de teologia ginecológica da cegonha. Em sua pergunta, Maria já expressou com clareza o que então chegou a ser opinião entre tantos, compartilhada pela maioria dos teólogos, mas que os bispos católicos não têm compreendido ainda em nossos dias e menos ainda João Paulo II: que, na opinião de Maria, a filiação divina de Jesus e uma filiação natural de Jesus não se excluem. Maria pensa, sobretudo, que um não é possível sem o outro. Em sua pergunta, ela poderia ter considerado presentes acontecimentos (legendários) da Bíblia judaica nos quais se produziu também uma concepção mediante a intervenção criadora de Deus sem que fosse excluída em tais casos a cooperação procriadora de um varão. Mediante tal intervenção de Deus, nasceu-lhes, por exemplo, à nonagenária Sara e ao centenário Abraão, seu filho Isaac (Gn 17, 17); e mediante uma intervenção de Deus a estéril Rebeca deu à luz a seus Esaú e Jacó (Gn 25, 21). O judaísmo desconhecia por completo a ideia de um parto virginal e tampouco esperou tal parto para o futuro Messias. Ao contrário, sua esperança tinha por objeto um Messias que seria um homem nascido de homens. Por conseguinte, se Maria tivesse querido relacionar de algum modo a mensagem do anjo com o Messias esperado pelos judeus, deveria ter pensado totalmente o oposto a um parto virginal porque tal parto contradizia de forma diametral a esperança judia.


(Uta Ranke-Heinemann, 1927-, Alemanha)

 

CONTEMPLAR

Mãe migrante, 1936, Nipomo, Califórnia, Dorothea Lange (1895-1965), Estados Unidos.




segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O Caminho da Beleza 03 - III Domingo do Advento

                    Mantinha-se firme, como se visse o Invisível! (Hb 11, 27)


III Domingo do Advento                     13.12.2020

Is 61, 1-2.10-11                  1 Ts 5, 16-24                       Jo 1, 6-8.19-28

 

ESCUTAR

O Senhor me ungiu; enviou-me para dar a boa nova aos humildes, curar as feridas da alma, pregar a redenção para os cativos e a liberdade para os que estão presos (Is 61, 1).

Não apagueis o espírito! (1 Ts 5, 19).

Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz (Jo 1, 8).

 

MEDITAR

É somente na doação do amor que há incremento de si, fortalecimento e expansão da vida. O amor não é cupiditas, não é consumo ávido do Outro, mas dádiva de si que acresce sobretudo quem a faz. Não é essa, no fundo, a estranha substância de que é feito o amor? Substância que, quanto mais se dá, quanto mais se cede, quanto mais é consumida, mais se enriquece, mais aumenta, mais se acresce.

(Massimo Recalcati, 1959-, Itália)

 

ORAR

       João é a voz; o Senhor, “no começo, era o Verbo” (Jo 1, 1). João é a voz provisória; o Cristo era, no começo, a Palavra eterna. Retirada a palavra, o que se torna a voz? Vazia de todo significado, ela não é senão ruído. Sem a palavra, a voz atinge o ouvido, ela não nutre o coração. É difícil não confundir a voz com a palavra: tomar-se assim João pelo Cristo. Confundimos voz e Verbo. Mas a voz não quer fazer mal ao Verbo: ela se reconhece pelo que ela é: “Eu não sou o Cristo, disse João, nem Elias, nem o Profeta”. Então lhe perguntaram, quem é você? – “Eu sou a voz daquele que grita no deserto: preparai um caminho para o Senhor”. A voz grita no deserto, ela rompe o silêncio. “Preparai, ela grita, um caminho para o Senhor”. Quer dizer: eu só vibro em seus ouvidos para fazer entrar o Senhor em vossos corações; mas mesmo aí onde devo introduzi-la ele só se digna vir se lhe preparais um caminho. Em que sentido? – Se a vossa oração ardente o convida. Em que sentido a mais? – Se tiverdes pensamentos humildes. João admite o que é, diz o que não é, ele se humilha. Lúcido, reconhece de onde vem a salvação: ele compreendeu que é a lâmpada e teme ser apagado pelo sopro do orgulho. Por uma disposição da vontade de Deus, o homem enviado para dar testemunho do Cristo é ele próprio tão grande em graça que se pode tomá-lo pelo Cristo. Porque enfim: “Entre os nascidos das mulheres, disse o Cristo em pessoa, não surgiu um maior que João Batista (Mt 11, 11). Se nenhum dentre os homens ultrapassou este homem, aquele que o ultrapassa é mais do que um homem. Grande testemunho que o Cristo rende a si próprio! Mas aos olhos remelentos e enfermos, a luz testemunha mal de si: uma vista doente a teme, ela só suporta a luz de uma lâmpada. Por isso, a Luz prestes a vir se faz anunciar pela lâmpada: enviada para os corações fiéis, ela confunde os ímpios. “Preparei, diz o salmo (131, 17), uma lâmpada para meu Ungido”: ao que salva, é João quem o proclama; ao Juiz que vem, é João o Precursor; ao Esposo esperado, é João seu amigo.

(Agostinho de Hipona, 354-430, Argélia)

 

CONTEMPLAR

Meninos correndo no campo, 2016, Andrea Brooke, Alberta, Canadá.