sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

O Caminho da Beleza 11 - Apresentação do Senhor


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

Apresentação do Senhor                     02.02.2020
Ml 3, 1-4                  Hb 2, 14-18             Lc 2, 22-40


ESCUTAR

Quem poderá fazer-lhe frente no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe quando ele aparecer? (Ml 3, 2).

Visto que os filhos têm em comum a carne e o sangue, também Jesus participou da mesma condição, para assim destruir, com sua morte, aquele que tinha o poder da morte (Hb 2, 14).

“Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição” (Lc 2, 34).


MEDITAR

Não faças de ti
Um sonho a se realizar.
Vai. Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.

Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.

(Cecília Meireles, 1901-1964, Brasil)


ORAR

     Jesus vem ao Templo para purificá-lo e cumprir seu destino que é, segundo o anúncio dos profetas para os tempos messiânicos, o de ser “uma casa de oração para todos os povos”. Jesus vem ali duas vezes: uma primeira vez no mistério e na humildade de seu advento no Natal, uma segunda vez na afirmação e no exercício de seu poder messiânico e exercendo já o julgamento que trará, em definitivo e sem apelo, quando de seu segundo advento. A primeira vez, quando da purificação de Maria e da apresentação de Jesus ao Templo, a segunda vez, quando da purificação do santuário por Jesus. Ele está presente no Templo, mas ele é “maior que o Templo”. É ele que santifica o Templo e toda a oferenda que se pode fazer a Deus. Jesus é acolhido no Templo por dois representantes do povo dos Pobres que esperam o Consolador de Israel: dois velhos, porque a antiga Aliança está como velha e ao fim da vida, Simeão e Ana, a profetiza. Simeão também é profeta. De uma maneira misteriosa, ele vê em Jesus aquele que trará uma causa de contradição, pressentindo assim de longe o drama pascal pelo qual o novo templo substituirá o antigo. Em Simeão e Ana se resume toda a espera de Israel, que aceita profeticamente ceder o lugar à realidade e ser ultrapassado por ela: “Agora, ó Senhor soberano, tu podes, conforme tua promessa, deixar teu servidor ir em paz porque meus olhos viram tua salvação, que preparastes em favor de todos os povos, luz para iluminar as nações e glória de teu povo Israel”. O tema profético desta primeira vinda ao Templo é já o da segunda vinda, aquele para a purificação do Templo: o primeiro traço da novidade trazida pelo Cristo é o universalismo da salvação; a casa de Deus será aberta a todos os povos. Este universalismo da Apresentação completa aquele que marcou já o advento oculto do Natal, onde os anjos e os homens de todas as condições aclamaram ou confessaram o Senhor. O advento de Jesus e sua primeira vinda ao Templo carregam assim um caráter cósmico e, dando por realizada nesse sentido a promessa do próprio Templo, eles pressagiam o momento onde a criação inteira tornar-se-á o templo de Deus.

(Yves Congar, 1904-1995, França)


CONTEMPLAR

Os dois paralelos, 2019, Karina Bikbulatova, 2019 Sony World Photography Awards, Rússia.




O Caminho da Beleza 10 - III Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

III Domingo do Tempo Comum                   26.01.2020
Is 8, 23-9,3             1 Cor 1, 10-13.17               Mt 4, 12-23


ESCUTAR

Para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu (Is 9, 1).

Sejais todos concordes uns com os outros e não admitais divisões entre vós (1 Cor 1, 10).

“Convertei-vos, porque o reino dos céus está próximo” (Mt 4, 17).


MEDITAR

Eu vou te ajudar, meu Deus, a não desapareceres em mim, mas não posso garantir nada de antemão. Uma coisa, entretanto, me parece cada vez mais clara: não é tu que podes nos ajudar, mas somos nós que podemos te ajudar – e, fazendo isso, nós nos ajudamos a nós mesmos. Isso é tudo que nos é possível salvar nessa época e é a única coisa que importa: um pouco de ti em nós, meu Deus.

(Etty Hillesum, 1914-1943, Holanda)


ORAR

       Nós o sabemos e nós devemos acreditar, Deus colocou esse mundo em nossas mãos. Não é o mundo, não é a História que deve nos salvar. Mas somos nós que devemos salvar o mundo. Deus quis ter a necessidade de nossa indigência. Não há nada maior, nada que verdadeiramente possa nos comover mais que esse amor de Deus, que não quis apenas se doar a nós, mas ainda quis assumir a nossa humanidade, nossa pobreza, como se para realizar a sua obra ele necessitasse de nossa miséria, como se, sem nós, ele não pudesse salvar o mundo! A desproporção infinita que existe entre o que nós somos e a missão que nos é confiada é preenchida pela misericórdia e poder divinos. Preenchida em que medida? Na medida de nossa fé. Na medida em que nos abandonamos à força de Deus. É preciso que nós nos sintamos verdadeiramente como instrumentos do Todo-Poderoso. Nós só podemos nos abandonar ao Senhor: essa é a nossa sabedoria. Aquele que nos enviou não nos deixa só. Se ele cumpriu a vontade do Pai é porque ele não estava só. “Eu não estou só”, ele proclamou em seu discurso após a ceia. Assim ele nos ensina, a nós também, a não nos sentirmos só, mas a sentirmos sua presença: ele caminha conosco. Como aliás Deus poderia nos enviar para a luta se ele mesmo, por seu Espírito, não vivesse em nossos corações? E como os homens poderiam esperar realizar a obra de Deus, se Deus mesmo não vivesse neles? Devemos verdadeiramente perceber que o Cristo nos ajuda, que ele mesmo está conosco, que é ele que se expande em nossa vida. Nossa vida não é apenas a nossa, é também a vida mesma do Cristo presente hoje, como ele foi antes em nossa condição terrestre, na humildade e na pobreza. A humildade de sua vida não o impediu de realizar a salvação do mundo. Bem ao contrário, foi precisamente na fraqueza que ele pode realizar a obra que Deus lhe havia confiado. A fraqueza de Deus é mais forte que a força dos homens.

(Divo Barsotti, 1914-2006, Itália)


CONTEMPLAR

Camaradagem, 2019, Campo de gado de Mundari, Sudão do Sul, Trevor Cole, Monochrome Photography Awards 2019, Reino Unido.






segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

O Caminho da Beleza 09 - II Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

II Domingo do Tempo Comum                     19.01.2020
Is 49, 3.5-6             1 Cor 1, 1-3              Jo 1, 29-34


ESCUTAR

“Eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra” (Is 49, 6).

Para vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo (1 Cor 1, 3).

“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29).


MEDITAR

O Espírito “jorra”, “se eleva”, “impulsiona”, “sobressalta” dentro de nós próprios, ao mesmo tempo em que se inebria. Por que acontece desse modo? Porque há uma profunda interconexão entre o nosso esvaziamento e o preenchimento como obra do Espírito. “O Espírito flui para encher completamente a alma na medida em que esta última se esvazia a si mesma com humildade e se expande para acolhê-lo” (Mestre Eckhart).

(Matthew Fox, 1940-, Estados Unidos)


ORAR

      A pedagogia divina vis a vis os homens pecadores e o verdadeiro significado do pecado acabam por se desvelar com a vinda do Cristo, com seu comportamento e com seu ensinamento. Em sua primeira aparição pública, Jesus desceu nas águas do Jordão e se misturou à multidão dos pecadores que vinham pedir o batismo a João e confessar seus pecados; ele escutou Deus lhe manifestar seu contentamento nesses termos: “Tu és o meu Filho bem amado, tens todo o meu agrado” e ele ficou cheio do Espírito Santo (Mc 1, 9-12). Este episódio inaugural da missão de Jesus revela o verdadeiro sentido da história da salvação, que sempre teve uma economia do perdão, ao mesmo tempo em que manifesta a mudança radical que se produz sobre a cena da história religiosa da humanidade na qual a “novidade” não tarda a encher as multidões de estupor (Mc 1, 27). A novidade essencial é a de que o Enviado de Deus, aquele que os demônios saudavam com o título de “Santo de Deus” (Mc 1, 24), se coloca entre os pecadores, se mistura a eles como se fosse ele mesmo pecador, se abaixa à condição deles para representá-los diante de Deus e Deus o revela reconhecendo-o como seu Filho. Os Padres da Igreja verão nesta cena o anúncio da paixão de Jesus e a promessa do que se realizou no batismo cristão: uma vez que ele se fez solidário com os pecadores, Jesus é o Servo que carrega os pecados da multidão (Is 53, 11-12), “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29). Em muitas outras ocasiões, Jesus se fará presente na companhia de pecadores e ele se justificará dizendo que não “veio chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9, 10-13), porque “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3, 17). Jesus não considerava, portanto, que sua missão era de perseguir o pecado ameaçando os pecadores com castigos divinos, como os profetas faziam frequentemente; mas, recusando identificar o homem a seu pecado, ele manifestava Deus ao alcance dos pecadores, pronto a lhes introduzir em sua casa e a lhes conferir seus direitos e suas honras, assim como o pai da parábola acolhia a seu filho pródigo (Lc 15, 22-24); ele fazia saber, no mesmo lance, que Deus considerava o pecado menos como uma ofensa que lhe é feita do que como uma ferida que o homem se inflige a si mesmo e que assola a humanidade: “Ora eram os nossos sofrimentos que ele suportava e as nossas dores que o cobriam” (Is 53, 4). Tais são as mudanças capitais trazidas por Jesus ao regime das relações entre Deus e os homens: não é mais o pecado – a abstenção, a fuga, o castigo, a purificação do pecado – que está no coração do dispositivo, é o amor.

(Joseph Moingt, 1915-, França)


CONTEMPLAR

Menino de rua, 2006, São Luiz, Maranhão, Brasil, Araquém Alcântara (1951-), Brasil.




segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O Caminho da Beleza 08 - Batismo do Senhor


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

Batismo do Senhor                    12.01.2020
Is 42, 1-4.6-7                      At 10, 34-38                       Mt 3, 13-17


ESCUTAR

 “Eis o meu servo – eu o recebo; eis o meu eleito – nele se compraz minha alma” (Is 42, 1).

“Ele andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos” (At 10, 38).

O céu se abriu e Jesus viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo pousar sobre ele (Mt 3, 16).


MEDITAR

Como nos enganamos fugindo do amor!
Como o desconhecemos, talvez com receio de enfrentar
sua espada coruscante, seu formidável
poder de penetrar o sangue e nele imprimir
uma orquídea de fogo e lágrimas.
Entretanto, ele chegou de manso e me envolveu
em doçura e celeste amavios.
Não queimava, não siderava; sorria.
Mal entendi, tonto que fui, esse sorriso.
Feri-me pelas próprias mãos, não pelo amor
que trazias para mim e que teus dedos confirmavam
ao se juntarem aos meus, na infantil procura do Outro
o Outro que eu me supunha, o Outro que te imaginava,
quando – por esperteza do amor – senti que éramos um só.

(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987, Brasil)


ORAR

       Na consciência religiosa universal, as águas são percebidas às vezes como fazendo morrer e como fazendo viver. Elas são as águas da morte, o abismo onde os seres desaparecem e morrem – e as águas da vida que dão o nascimento, fertilizam e regeneram. O simbolismo da água é, portanto, ambivalente: não há vida sem água; no ventre de sua mãe, a criança cresce nas águas. Na Bíblia, o mundo saiu do caos original, essencialmente úmido, porque Deus separa as águas do alto das águas de baixo e, da massa das águas, seca-o, para fazer surgir a vida. Essas mesmas águas são também as do dilúvio destruidor de toda vida e as das nossas inundações. Mas o dilúvio é também o relato de uma nova criação e de uma regeneração. Não há nos evangelhos nenhuma cena onde Jesus tenha “instituído” alguma coisa que fosse nomeada como batismo. Aliás os ritos de ablução pela água e o termo batismo já existiam nos meios judaicos da época. É dessa forma que João, o profeta do deserto, batizava no Jordão um “batismo de penitência para a remissão dos pecados”. Tudo começa com o batismo de Jesus por João, o Batista, no Jordão. Porque Jesus “transforma”, por uma operação propriamente “cristã” o batismo da água em batismo da água e do Espírito. O Espírito mesmo intervém sob o símbolo de uma pomba, o que evoca a criação original onde, segundo o Genesis, o Espírito pairava sobre as águas. É desse batismo vitorioso do Cristo nas águas da morte que as águas batismais cristãs tiram sua origem. Porque esse batismo é uma parábola de sua Paixão: descendo nas águas da morte, ressurgiu na Ressurreição. Jesus, que chamou sua morte próxima um “batismo” ou um “cálice” que devia beber, irá para sua paixão. E é assim que o batismo da água se torna para ele um batismo de sangue. Por isso o Evangelho de Mateus se conclui sob a ordem batismal: “Ide, de todas as nações fazei discípulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

(Bernard Sesboüé, 1929-, França)


CONTEMPLAR

S. Título, 2014, praia da Carmem, México, Amanda Cotton, Monochrome Photography Awards, 2014, Estados Unidos/Reino Unido.