Já não quero dicionários
consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode
inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro
do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.
(Carlos Drummond de
Andrade)
VIII Domingo do Tempo Comum 03.03.2019
Eclo 27, 5-8 1 Cor 15, 54-58 Lc 6, 39-45
ESCUTAR
Não elogies a ninguém antes de
ouvi-lo falar, pois é no falar que o homem se revela (Eclo 27, 8).
Meus amados irmãos, sede firmes e
inabaláveis, empenhando-vos, cada vez mais na obra do Senhor (1 Cor 15, 58).
“Por que vês tu o cisco no olho do
teu irmão e não percebes a trave que há no teu próprio olho” (Lc 6, 41).
MEDITAR
Quem fala muito, dá bom dia a cavalo.
(João Guimarães Rosa, 1908-1967, Brasil)
ORAR
É
seu coração que me interroga: Por que vês
tu o cisco no olho do teu irmão? É uma palavra de vida. É uma palavra de
luz: iluminada, como Paulo no caminho de Damasco, torno-me cego. Começo a ver a
trave. Aquiesço ao olhar interior. É a escuta que poderá me separar desses dois
objetos imaginários: o cisco e a trave: projeções do Eu. É a escuta que me
desorienta do eu e converte meu olhar. Escuta,
minha filha, vê (Sl 44, 11). Hipócrita!
Olhar pervertido! Tira primeiro a trave do teu olho e então poderás enxergar
bem (Lc 6, 42). Assim: alguma coisa oculta meu olhar, dificulta a abertura,
impede a luz de passar, entrava o livre élan
dos olhos: esses olhos de pomba feitos para o voo, para a troca de olhares que
se cruzam. E lá, por detrás de minha trave, o que vejo? Em que se ocupam meus
olhos? Irmão, deixe-me retirar o cisco que está em seu olho. Sim, pode-se
passar a vida nisso e reduzir o outro a este cisco em seu olhar. Hipócrita. Espírito pervertido. O olho
do meu irmão não é uma tela onde se projeta o filme de meus fracassos, de meus
sonhos, de meu ressentimento ou de meu ideal. Lá, no olho do meu irmão, não há
nada a ver. O olho do meu irmão é feito para ver. Cego como eu, ele clama pela
luz. É como se deixar guiar por Jesus ao escutar nosso irmão Alawi nos
partilhando esta palavra de vida: “Por um olhar de alta consideração, sem
perder de vista a imensidão do Deus Todo-Poderoso, deixar a luz em mim olhar a
luz que está em ti”. Sim, há para nós aqui bem mais o que fazer do que olhar o
cisco no olho do meu irmão muçulmano. Lá nesse olhar que só a humildade pode
“merecer” encontrar. Lá nesse olhar crente e orante: Deus é visto e nesse exato
momento sua Luz é dada. E o auxílio fraterno dos crentes será simplesmente: não
reter em mim a luz recebida, não oferecer ao outro um olhar obstruído por uma
trave. Acolher a luz do olhar do outro. Não há mais nem trave e nem cisco. A
trave, é bem provável que as lágrimas a tenham arrancado. O cisco certamente o
vento o varreu. Não há mais nada a “examinar”. Simplesmente ver como agora: ver
a mesa dos irmãos em redor, inumeráveis, e o pão e o vinho, ver com um olhar de
alta consideração sem perder de vista o imenso Amor.
(Frère Christophe Lebreton, 1950-1996,
França, monge trapista do Mosteiro de Tibhirine, Argélia).
CONTEMPLAR
Monges de Tibhirine, 1989, Didier Contant (1960-2004), Gamma-Rapho via Getty Images, Paris, França.
Na foto, da direita para esquerda: Irmãos Luc (+), Christophe (+), Celestin
(+), Bruno (+), Philippe, Jean-Pierre, Jean de la Croix, Michel (+) e Christian
(+). Seis deles foram martirizados (+), em 1996. Paulo, o sétimo mártir, não
está na foto.