segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O Caminho da Beleza 41 - XXII Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XXII Domingo do Tempo Comum              02.09.2018
Dt 4, 1-2.6-8           Tg 1, 17-18.21-22.27        Mc 7, 1-8.14-15.21-23


ESCUTAR

“Nada acrescenteis, nada tireis à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo. Vós os guardareis, pois, e os poreis em prática” (Dt 4, 2.6).

Sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos (Tg 1, 22).

“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam” (Mc 7, 6-7).


MEDITAR

Temos de destruir o ídolo de Deus – imaginado como uma pessoa grande e poderosa e, habitualmente, pensado no masculino – que nos dá ordens e diz o que devemos fazer, para que Ele goste de nós (...) Tantas vidas têm sido crucificadas pelo culto deste ídolo estranho. Temos de descobrir o Deus que é fonte da liberdade, transbordando mesmo no âmago do nosso ser e concedendo-nos a existência em cada momento.

(Timothy Radcliffe, 1945-, Reino Unido).


ORAR

            O ensinamento de Jesus exige dos cristãos operar um discernimento profundo e sutil para saber fazer a distinção entre a vontade de Deus expressa pela Lei e as tradições religiosas, que são elaborações humanas que às vezes aventuram-se a substituir os mandamentos, até compelindo aqueles que as seguem a ignorar ou mesmo a contradizer a vontade de Deus. A boa nova do Evangelho deve sair e ressoar livremente e de forma clara, de maneira que os homens saibam e respondam a isso como uma exigência humanizante. Não esqueçamos disso: o espiritual e o que obedece mesmo a Lei de Deus é sempre o que é mais humano e o mais humanizante... Marcos nos relata uma discussão que opõe Jesus aos fariseus e aos escribas, homens religiosos que conheciam bem a Lei de Deus e que se gabavam de a colocar em prática. Esses homens religiosos são doentes de hipocrisia, isto é, têm a atitude dos que dissimulam; pelos lábios parecem adorar Deus e estar em comunhão com ele, mas seu coração na realidade está bem longe de Deus (cf. Is 29, 13) ... Eles obedecem a preceitos humanos e são os campeões de observância das leis; desenvolveram, no entanto, mais profundamente, a arte de não obedecer à vontade de Deus, uma vez que obedecem exteriormente a tantas exigências, fixadas por eles mesmos, sem que Deus lhes tenha jamais pedido! Esses proclamados “justos” (cf. Mc 2, 17) acabam assim por nutrir a necessidade de serem admirados pelas pessoas, e como verdadeiros “sepulcros caiados” (Mt 23, 27) se esforçam a cada dia por edificar a sua própria reputação de santidade... Jesus denuncia aqui a trava típica de muitos homens religiosos – os de sua época como os de todos os tempos – para quem o serviço do altar é mais importante que o serviço destinado a Deus; a obediência legalista mais capital que as ações realizadas segundo a vontade de Deus e que consideram que a religião é muito mais essencial que o fato de se amar Deus com todo seu coração, com todo seu espírito e com todas suas forças e ao próximo como a ti mesmo (cf. Mc 12, 30-31; Dt 6, 5; Lv 19, 18). Pois bem, o cristianismo é uma religião que exige sair das malhas da religião, quer dizer, deve sempre passar pelo crivo do Evangelho toda a proposição que nos é feita e toda obediência que se queira realizar. Realizando esse discernimento, os cristãos devem reconhecer com lucidez qual é a origem do mal: ela não se encontra nunca nos outros ou em realidades externas, mas está enraizada no coração do homem, nessa profundidade onde se decidem os sentimentos, os pensamentos, as ações. Sim, o crente é chamado a distinguir em seu próprio coração a fonte de suas ações contra a vontade de Deus: não lançar pois a responsabilidade sobre os outros quando cedemos à tentação ao ponto de cometer pecado; não fazer dos hábitos humanos, mesmo quando são bons, um elemento essencial para servir a Deus; e, sobretudo, não transformar nossas observâncias num púlpito que nos autorizaria a nos erigir como juízes para com os outros.

(Enzo Bianchi, 1943-, Itália)


CONTEMPLAR

O lado obscuro, 1999, Casper Dalhoff (1972-), Dinamarca.




terça-feira, 21 de agosto de 2018

O Caminho da Beleza 40 - XXI Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XXI Domingo do Tempo Comum                26.08.2018
Js 24, 1-2.15-18                Ef 5, 21-31               Jo 6, 60-69


ESCUTAR

“Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir” (Js 24, 15).

Irmãos, vós que temeis a Cristo, sede solícitos uns para com os outros (Ef 5, 21).

“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6, 60).


MEDITAR

Acostumar-se à Palavra, este contratempo acontece muito comumente com aqueles que a sustentam. Mas aos que a sustentam por obrigação, para não dizer já da desgraça que sofrem, há no fundo os que a sustentam pela graça e pelo fogo interior.

(François Cassingena-Trévedy, 1959, França)


ORAR

            A pregação de Jesus, em Cafarnaum, provocou crise em cadeia. As multidões se despedem dele bruscamente, porque interrompeu sem piedade todos seus sonhos de grandeza temporal. Também no círculo restrito dos discípulos se produzem vazios preocupantes. “Este modo de falar é duro, quem pode considerá-lo?” Somente através do Espírito a Palavra se faz vida, se converte em força de transformação e não de consolidação de posições adquiridas. A “carne” não ajuda nada. O homem, que se apoia exclusivamente em um nível racional de compreensão, que se fia unicamente no raciocínio humano, não tem outro remédio a não ser considerar “duro” o discurso do Cristo, “intolerável” sua pretensão de oferecer-se como “pão da vida”. Também entre os apóstolos se difunde a desilusão, o temor, se insinua o desejo da deserção. Mas ele não está preocupado com a quantidade: “Vós também quereis ir embora?”. Cristo está disposto a ficar só em vez de pactuar sobre as condições de seu seguimento. Sua palavra não espera aplausos nem consente com “negociações”. A rendição, o compromisso deve ser sem condições. Primeiro, deve-se se comprometer com ele, ou seja, acreditar, para depois compreender. “Não pretendo entender para crer, mas sim crer para entender”, afirma Santo Anselmo. O empurrão, o passo decisivo em direção a ele, chega por meio de uma palavra “inaceitável” e não graças a um raciocínio convincente. Somente uma linguagem “dura”, excessivamente “dura”, pode forçar nossas resistências, tirar o muro de nossos medos. A palavra de Deus alcança seu fim, não quando se encontra de acordo (“o pároco... o papa... pensam como eu”), mas sim quando descubro que Deus não pensa como eu.

(Alessandro Pronzato, 1932, Itália)


CONTEMPLAR

Não me calarei jamais, 2017, Aurélien Morissard (1982-), manifestação de vítimas de violência sexual, França.





segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O Caminho da Beleza 39 - Assunção de Nossa Senhora


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

Assunção de Nossa Senhora              19.08.2018
Ap 11, 19; 12, 1.3-6.10                 1 Cor 15, 20-27                  Lc 1, 39-56


ESCUTAR

Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e, sobre a cabeça, uma coroa de doze estrelas (Ap 12, 1).

É preciso que ele reine até que todos os seus inimigos estejam debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte (1 Cor 15, 25-26).

“A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu salvador” (Lc 1, 46-47).


MEDITAR

Antes que se tornasse a esposa de José... Maria tinha visões, ouvia vozes e falava de mensageiros celestiais que visitavam seus sonhos... havia alturas no seu aspecto e espaços em seu caminhar... Quando Maria estava grávida de Jesus, ela caminhava por entre as colinas e retornava ao entardecer com ternura e dor em seu olhar. Quando Jesus nasceu, contaram-me que Maria disse para a sua mãe: “Sou apenas uma árvore não podada. Zela tu sobre este fruto”... Havia maravilha em seus olhos, os seios túrgidos, seus braços envolvendo seu primogênito como uma concha a envolver a pérola... Maria era uma mulher realizada.

(Khalil Gibran, 1883-1931, Líbano)


ORAR

Maria está pálida e olha para o menino com um encantamento ansioso que não apareceu senão uma vez sobre uma figura humana. Porque Cristo é o seu menino: a carne de sua carne, o fruto das suas entranhas. Cresceu nela durante nove meses e Maria lhe dará o seu seio e o seu leite se tornará o sangue de Deus. Por longos momentos, invadida pelo mais forte dos amores humanos, ela esquece que ele é Deus. E aperta-o nos seus braços dizendo ‘Meu pequenino’. Mas noutros momentos ela suspende esse movimento e pensa, abismada: Deus está aqui! E fica possuída por um certo temor religioso, por este Deus calado, por esta Criança incrível. É certo que todas as mães passam por estas provas e sentem-se, às vezes, paralisadas diante desse fragmento rebelde da sua carne que é o seu filho, tendo a sensação de estarem no exílio diante dessa vida nova que se fez a partir da sua. Sentem-se, então, todas elas habitadas por pensamentos estranhos. Mas nenhuma criança, porém, foi tão cruelmente e tão rapidamente arrancada de sua mãe: aquela criança é Deus e ultrapassará sempre tudo o que Maria possa sequer imaginar. E esta é uma dura prova para uma mãe, a de ter vergonha de si e de sua condição humana. Contudo, eu imagino que existem outros momentos, igualmente, rápidos e escorregadios, em que Maria sente que Jesus é seu filho, inteiramente seu, e que ele é Deus. Ela contempla e medita: ‘Este Deus é meu filho. Esta carne divina é minha carne. Ele é feito de mim, tem meus olhos, e essa forma da sua boca é a forma da minha. Ele se assemelha a mim. É Deus, mas semelhante a mim’. Nenhuma mulher teve, assim, seu Deus só para si. Um Deus muito pequenino, que se pode tomar nos braços e cobrir de beijos, um Deus bem quentinho, que sorri e respira. Um Deus que se pode tocar e está vivo. É por isso mesmo, por ter sido ela a única a quem Deus se entregou tão completamente, deixando-a vê-Lo assim tão absolutamente tal qual Ele é, que nós dizemos que ela é cheia de graça e bendita entre as mulheres. E, se eu fosse pintor, seria nestes momentos que pintaria Maria e tentaria colocar em seu rosto, um ar de terna ousadia e timidez, representado pela mão estendida, desejando tocar a pele macia do Menino-Deus, sentindo sobre os joelhos o doce peso da criança que lhe sorri.

(Jean-Paul Sartre, 1905-1980, França)


CONTEMPLAR

Madre Teresa com uma criança do orfanato que ela dirige em Calcutá, Índia, 1974, Nik Wheeler (1939-), Reino Unido.





segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O Caminho da Beleza 38 - XIX Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XIX Domingo do Tempo Comum                12.08.2018
1 Rs 19, 4-8             Ef 4, 30-5,2            Jo 6, 41-51


ESCUTAR

“Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer” (1 Rs 19, 7).

Irmãos, não contristeis o Espírito Santo (Ef 4, 30).

“Não é este Jesus o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como então pode dizer que desceu do céu?” (Jo 6, 42).


MEDITAR

Sei que desce Aquele que é imóvel.
Sei que me aparece Aquele que habita invisível.
Eu o sei, Aquele que está separado de toda a criação
Me retém em Seu interior e em seus braços me envolve,
E, desde então, além do mundo todo, eu me encontro.
Mas, por minha parte, eu mortal, eu todo pequeno neste mundo,
Eu contemplo em mim mesmo, inteiramente, o Criador do mundo.
E sei que não morri, porque sei que estou no meio da Vida,
E que tenho a Vida inteira que jorra dentro de mim.
Ele está no meu coração, Ele habita no céu.
Aqui e lá, Ele se revela a mim igualmente fascinante.

(Simão o novo teólogo, 949 d. C, Galácia)


ORAR

            Cristo se apresenta como nova e definitiva realidade, que se refere à humanidade inteira: “Eu Sou o pão, o pão vivo, o pão descido do céu. Se alguém come deste pão viverá eternamente, e o pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (Jo 6, 51). O dom de Deus à humanidade, o verdadeiro pão do céu que comunica vida capaz de superar a morte, passa mediante a carne de Jesus, a sua humanidade, e o evangelista sublinha isso usando o termo “carne” (grego sarx), que indica o homem na sua fragilidade. Não há manifestações divinas que não se expressem mediante a carne, pois é somente na humanidade do homem que Deus se torna visível, como Jesus revelará a Filipe: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14, 9). O poder de Deus se manifesta mediante a fragilidade do homem (2 Cor 12, 9-10), mas um Deus que se manifeste na fragilidade da carne é o oposto da onipotente divindade da religião, o Deus distante e inacessível (1 Tm 6, 16), em direção do qual o homem deve elevar-se, libertando-se do peso da condição humana. Enquanto o Senhor se torna carne para encontrar o homem, o homem deseja destacar-se da carne para aproximar-se do Senhor. E são destinados a nunca se encontrarem, mas, quanto mais o homem se espiritualiza, mais se afasta de um Deus que se fez carne e se tornou profundamente humano. Aquilo que para os judeus era escândalo intolerável, que o Altíssimo Deus se pudesse manifestar na carne, que pudesse ser visto e tocado, com Jesus se tornará realidade cotidiana para os crentes: “Aquele que era desde o princípio, aquele que nós ouvimos, aquele que vimos com nossos olhos, aquele que contemplamos e nossas mãos tocaram, isto é, o Verbo da vida...” (1 Jo 1, 1).

(Alberto Maggi, 1945, Itália)


CONTEMPLAR

Queda de neve fora de um K-Mart fechado, 2016, Flint, Mississippi, Matt Black (1970-), Magnum Photos, Santa Maria, Califórnia, Estados Unidos.