segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O Caminho da Beleza 49 - XXX Domingo do Tempo Comum

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?
(Ml 2, 10)

XXX Domingo do Tempo Comum              29.10.2017
Ex 22, 20-26                     1 Ts 1, 5-10                 Mt 22, 34-40


ESCUTAR

Não façais mal algum à viúva nem ao órfão. Se os maltratardes, gritarão por mim e eu ouvirei o seu clamor (Ex 22, 21-22).

Irmãos, sabeis de que maneira procedemos entre vós, para o vosso bem (1 Ts 1, 5).

“Mestre, qual é o maior mandamento da lei?” (Mt 22, 36).


MEDITAR

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

(Carlos Drummond de Andrade, Amar).


ORAR

Jesus fez uma única operação aritmética na vida: os dez mandamentos haviam se transformado em seiscentos e treze preceitos dos quais trezentos e sessenta e cinco começavam com Não – um por dia – e os outros duzentos e quarenta e oito com um imperativo Deves. Jesus não se perde neste emaranhado selvático de prescrições, filigranas ou detalhes insignificantes, pedantes e ridículos. Provocado por um doutor da Lei, acostumado às sutilezas e sofismas, Jesus soma, divide, multiplica, diminui e chega ao resultado desejado: Dois que são Um. Amor a Deus e Amor ao próximo são a mesma coisa e formam um único bloco. Somos nós, que atomizados por tantos casuísmos clericais, multiplicamos em leis todos os nossos interesses, tormentos, remorsos e acusações implacáveis. Conseguimos colocar algo que não está no Evangelho, nem no centro e nem na periferia. A operação simplificada de Jesus nos resulta indigesta e evitamos aceitar o essencial e testemunhá-lo. Nesta selva de números, aterroriza-nos descobrir apenas dois rostos: o do irmão, tantos rostos que formam um só, e o rosto de Deus. Jesus não nos entrega estatísticas, mas rostos e presenças. Somos nós, por ignorância ou covardia, que separamos e fazemos pirotecnias acerca do primado de Deus e da atenção e cuidado ao próximo. Pensamos que somos religiosos quando oramos, quando recebemos os sacramentos e quando entramos pela porta da frente das igrejas. No entanto, para Jesus seremos religiosos quando lutarmos por uma sociedade mais justa e nos interessarmos pelos imigrantes, pelos desprezados. Quando rompermos a solidão dos anciãos e superamos os preconceitos que marginalizam e demonizam nossos irmãos e irmãs. Jesus não nos obriga a olhar um código e nem a decorar prescrições minuciosas. Ele arranca todos os códigos de nossas mãos e nos obriga a descobrir os rostos. O essencial não está escrito nas páginas de um texto porque o essencial sempre teve, tem e terá um rosto e uma única explicação possível: a do amor. Que possamos um dia testemunhar o que já foi testemunhado um dia: “Vede como se amam e como estão dispostos a morrer uns pelos outros” (Tertuliano, século III DC).


CONTEMPLAR

Crianças em balanços, 1996, Richard Kalvar (1944-), Magnum Photos, Nova Iorque, Estados Unidos.




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