O Caminho da
Beleza 18
Leituras
para a travessia da vida
“O conceito
de sabedoria é aquele que reúne harmonicamente diversos aspectos: conhecimento,
amor, contemplação do belo e, também, ao mesmo tempo, uma ‘comunhão com a
verdade’ e uma ‘verdade que cria comunhão’, ‘uma beleza que atrai e apaixona’” (Francisco).
“Quando recebia
tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima
alegria” (Jr 15, 16).
“Não deixe
cair a profecia” (D. Hélder Câmara,
1999, dias antes de sua passagem).
III Domingo da Quaresma 23.03.2014
Ex 17, 3-7 Rm 5,
1-2.5-8 Jo 4, 5-42
ESCUTAR
“Então
o povo começou a disputar com Moisés, dizendo: ‘Dá-nos água para beber!’.
Moisés respondeu-lhes: ‘Porque disputais comigo? Por que tentais o Senhor’. Mas
o povo, sedento de água, murmurava contra Moisés e dizia: ‘Por que nos fizestes
sair do Egito? Foi para nos fazer morrer de sede, a nós, nossos filhos e nosso
gado’” (Ex 17, 2-3).
“E a
esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Com efeito, quando éramos ainda
fracos, Cristo morreu pelos ímpios, no tempo marcado. Dificilmente alguém
morrerá por um justo; por uma pessoa muito boa, talvez alguém se anime a
morrer. Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós,
quando éramos ainda pecadores” (Rm 5, 5-8).
“Mas
quem beber da água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água que eu
lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna... Mas
está chegando a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e verdade” (Jo 4, 14.23).
MEDITAR
“Nosso
Senhor vem à fonte como um caçador; pediu água para poder dá-la. Pediu de beber
como qualquer um que está sedento, para ter ocasião de aplacar a sede. Fez um
pedido para a samaritana para poder ensinar-lhe e ela, por sua vez, lhes fez um
pedido. Ainda que rico, não se envergonhou de mendigar como um indigente para
ensinar a indigente a pedir. E, dominando o pudor, não temeu falar a uma mulher
sozinha para ensiná-la que quem se mantém na verdade não pode ser perturbado.
Pede água, porque promete água viva. Pede, mas depois parou de pedir, porque a
mulher deixou o seu cântaro. Os pretextos haviam cessado, porque a verdade que
se devia esperar estava já presente” (Efrém, Diatessaron 12, 16).
“Se eu
quiser falar com Deus
Tenho
que ficar a sós
Tenho
que apagar a luz
Tenho
que calar a voz...
Tenho
que ter as mãos vazias
Ter a
alma e o corpo nus...
Tenho
que me aventurar
Tenho
que subir aos céus
Sem
cordas pra segurar
Tenho
que dizer adeus
Dar as
costas caminhar
Decidido,
pela estrada
Que ao
findar vai dar em nada
Do que
eu pensava encontrar
(Gilberto
Gil)
ORAR
Esta é
a primeira cena de intimidade de Jesus com uma mulher; a outra é com Maria
Madalena no jardim da Ressurreição. Jesus está só com estas mulheres e para
elas revela o seu ser mais profundo. O evangelho acentua a insistência de Jesus
sobre o dom, pois com o Deus de Amor tudo é entrega e compaixão. A samaritana simplesmente
acolhe o dom e o perdão. Jesus ao falar da fonte transbordante quer dizer que a
água que jorra dos corações, doravante, saciará a todos. A samaritana, ao
declarar que encontrou o Messias, revela ao mundo que o Messias esperado é
aquele que é capaz, sem nenhuma discriminação, do dom e do perdão. Jesus
escolhe este momento de fragilidade para declarar o seu verdadeiro título e
revelar a sua missão. Do presépio à cruz, passando por um pedaço de pão ázimo,
Jesus desconcerta sempre e o ponto culminante disto é quando reconhece sua
proclamação como rei, quando interrogado no cárcere: “És tu o rei dos judeus” e
Jesus declara: “Tu o dizes” (Mt 27, 11). Jesus desvela para esta mulher a chave
do mistério da existência: “Se tu conhecesses o dom de Deus”. Ele é o
depositário do segredo que os homens não conhecem. Ele, fatigado, sedento, que
solicita um pouco de água para se refrescar, é o mesmo que oferece a água viva.
O detalhe sutil sobre as bodas e o esposo pode nos passar desapercebido. Jesus
pede que a samaritana chame o seu marido, pois um homem não podia prolongar uma
conversa com uma mulher fora da presença do seu esposo. O evangelista acentua o
significado profundo desta ausência do marido. Jesus, em Caná, assumiu o papel
do esposo ao proporcionar aos convidados o vinho que faltara; João, o Batista,
lhe confere o título de esposo e se auto-intitula “o amigo do Esposo”. Os
tempos messiânicos são os tempos da renovação da Aliança esponsal de Deus com o
seu povo. Jesus, na sua liberdade ousada, propõe uma Nova Aliança e a oferece a
todos, sem discriminação: aos pecadores, aos excluídos da Sinagoga, aos
proscritos da sociedade, aos não-judeus e aos samaritanos. A Samaria, que fora
desligada da Aliança, vai, neste momento, realizá-la graças a esta mulher que
anunciará a toda cidade que encontrara o “Salvador do Mundo”. É pela Samaria
que se iniciará a evangelização fora da Palestina e será um sucesso (cf. At 8,
5). O evangelista encerra o seu relato evocando o título que os primeiros
samaritanos convertidos dão a Jesus: Salvador do Mundo. Mais uma vez são os
proscritos que nos revelam e anunciam a universalidade da salvação. A Igreja de
Jesus deve saber que somente o transbordamento do amor – o servir a todos sem
discriminação – rompe o círculo de uma comunidade limítrofe, medíocre e isolada
que bebe de qualquer coisa para iludir a sua sede. Paulo nos reitera que “a
esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações
pelo Espírito Santo que nos foi dado”. Nesta quaresma, somos chamados a manter
viva a nossa esperança e a nossa sede de viver para proclamar como o poeta:
“Cheio de Deus não temo o que virá, pois venha o que vier nunca será maior do
que a minha alma” (Fernando Pessoa).
CONTEMPLAR
Cristo e a Mulher da Samaria, George Richmond, 1828, têmpera e ouro sobre mogno, 410 x
498 mm, Tate Gallery, Reino Unido.
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