quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O Caminho da Beleza 50 - Celebração de Finados

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Celebração de Finados

Sb 3, 1-9                   Ap 21, 1-7                Lc 7, 11-17

 

ESCUTAR

Os que nele confiam compreenderão a verdade, e os que perseveram no amor ficarão junto dele (Sb 3, 9).

Eu vi um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe (Ap 21, 1).

Então, Jesus disse: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” O que estava morto sentou-se e começou a falar (Lc 7, 14-15).

 

MEDITAR

As pessoas não morrem: tornam a ficar encantadas.

(João Guimarães Rosa)

Eu sempre acreditei que o instante da morte é a norma e o fim da vida. Eu penso que para os que vivem como se faz necessário este é o instante em que, por uma fração infinitesimal de tempo, a verdade nua e crua, pura, certa e eterna entra na alma.

(Simone Weil)

 

ORAR

       Um provérbio africano diz: “A morte está nas dobras do nosso casaco”. Nesta vida emprestada que vestimos, vivemos na ilusão da imortalidade e por isso negligenciamos o cotidiano, as amizades, as relações humanas e cortejamos as aparências e nos satisfazemos com a banalidade. Projetamos máscaras sobre nossas visões de futuro e quando a morte nos surpreende, vertemos lágrimas de crocodilo sobre uma vida que não soubemos descobrir, que não valorizamos o suficiente e com a qual poderíamos ter tido trocas inesgotáveis. Neste momento de perplexidade, descobrimos que ficamos rasos, pairando na superfície de nós mesmos ao invés de mergulharmos na profundidade da realidade humana. O Ressuscitado nos testemunha que atingimos as profundidades da vida quando vivemos verdadeiramente as contradições do existir que nos apontam, imediatamente, para a eternidade e para o infinito. É na realidade maravilhosa de que Deus nos habita e de que Ele é a respiração da nossa liberdade que todas as ternuras encontram a sua origem e sentido. Os nossos finados são a ferida incurável da vida, pois nos escapam num aqui e agora intocável como as nossas sombras. Outro provérbio da sabedoria africana reza: “A morte é sempre uma coisa nova”, pois se morre uma única vez e de uma maneira absolutamente singular. Nossos finados não estão num além, mas dentro de nós como o próprio Deus. Devemos, se quisermos encontrá-los, interiorizar as nossas existências num coração a coração com o Senhor para que possamos, eternizados, contemplar os que nunca deixaremos de amar e com os quais podemos sempre trocar a mesma respiração, sopro e alento de ternura, como nos momentos supremos do aqui e agora que são o Deus Vivo em que tudo é Vida. Meditemos as palavras do nosso poeta do amor e da vida: “Eu morro ontem, nasço amanhã. Ando onde há espaço: - Meu tempo é quando” (Vinicius de Moraes, Poética I).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Menino Tucano - Pari, Cachoeira – AM, s.d., Araquém Alcântara (1951-), Brasil.


 


 

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O Caminho da Beleza 49 - XXX Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXX Domingo do Tempo Comum  

Eclo 35, 15b-17.20-22                2 Tm 4, 6-8.16-18                        Lc 18, 9-14

 

ESCUTAR

“O Senhor é um juiz que não faz acepção de pessoas. Ele não é parcial em prejuízo do pobre, mas escuta, sim, a súplica do injustiçado. Jamais despreza a súplica do órfão nem da viúva, quando esta lhe fala com seus gemidos” (Eclo 35, 15b-16).

“Quanto a mim, já estou sendo oferecido em libação, pois chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé” (2 Tm 4, 6-7).

“Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 18, 14).

 

MEDITAR

Deveria ter feito mais concessões e remado menos contra a maré? A resposta a que eu mesmo ia me dar e a que queria ouvir me chega lá de dentro da noite num inesperado canto de galo que me diz: Não! Não! Não!

(Joel Silveira)

A grandeza não consiste em se colocar acima e exigir, a grandeza não consiste em comandar, a grandeza, por ser grandeza, consiste em se dar e é maior quem se dá mais!

(Maurice Zundel)

 

ORAR

     O Senhor toma partido e “não é parcial em prejuízo dos pobres, mas escuta, sim, as súplicas dos oprimidos”. O Senhor julga as orações, sobretudo, a dos humildes. O evangelista nos apresenta a oração do fariseu que não atravessa as nuvens e nem sequer atinge o teto do templo, pois é carregada de vaidade e de autoglorificação. Na oração do fariseu o sujeito é o pequeno eu, mas na do publicano o sujeito é Deus. O fariseu ora de pé, seguro e sem temor. Sua consciência não o acusa de nada. Não é hipócrita e o que diz é verdade. Cumpre fielmente a Lei. O publicano retira-se a um canto e não se sente à vontade naquele lugar santo. Não promete nada, nem mudar de vida. Só lhe resta abandonar-se à misericórdia de Deus. É necessário romper com a lógica farisaica do “eu te dou para que tu me dês” e viver na lógica evangélica do “dou a ti porque tu me deste”. Convivem no nosso interior os dois homens: como o publicano somos pecadores e como o fariseu nos julgamos justos. O fariseu acusa e o publicano se acusa. O fariseu se afirma na negação do outro. O publicano se arrepende diante do Outro. O contrário do pecado não é a virtude, mas a fé que nos abre à misericórdia de Deus. Não basta obedecer, observar, mas amar com gratuidade e se arrepender de não ter amado ainda mais.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Olhos do Protesto, 2016, Baton Rouge, Lousiana, Johnatan Bachmann (1984-), Agência Reuters, PX3 Prêmio de Fotografia de Paris, Estados Unidos.




 

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

O Caminho da Beleza 48 - XXIX Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXIX Domingo do Tempo Comum                        

Ex 17, 8-13              2 Tm 3, 14-4, 2                 Lc 18, 1-8

 

ESCUTAR

“Assim as mãos ficaram firmes até o pôr do sol, e Josué derrotou Amalec e sua gente a fio de espada” (Ex 17, 12-13).

“Quanto a ti permanece firme naquilo que aprendestes e aceitaste como verdade” (2 Tm 3, 14).

“Mas o Filho do Homem, quando vier, será que vai encontrar fé sobre a terra?” (Lc 18, 8).

 

MEDITAR

Hein, jovens! Vocês, queridos jovens, possuem uma sensibilidade especial frente às injustiças, mas muitas vezes se desiludem com notícias que falam de corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício. Também para vocês e para todas as pessoas repito: nunca desanimem, não percam a confiança, não deixem que se apague a esperança.

(Papa Francisco)

Não desistais, pois, jamais de orar e de esperar despojados e vazios de tudo, porque se o fizerem, Deus não tardará a vir.

(São João da Cruz)

 

ORAR

     Paulo exorta a nos convertemos em pessoas que resistem: “permanece firme naquilo que aprendeste”. E a resistência implica numa obstinação: “insiste oportuna e ou importunamente”. A resistência não é uma postura passiva de defesa, mas se expressa num dinamismo de iniciativa permanente. A Palavra é servida numa tríplice dimensão: o anúncio, a exortação e a consolação. A resistência não se refere somente ao âmbito da fé e da fidelidade à Palavra, mas abarca toda a vida do crente. O cristão está sempre alinhado à resistência contínua e não é como aquele que reage somente em situações de emergência. O cristão é o que afronta e resiste a toda e qualquer ordem social injusta que nega a liberdade e ofende a dignidade das pessoas. O cristão luta e denuncia toda forma de servidão, de desumanização e de aviltamento. O verdadeiro discípulo de Cristo opõe resistência a todos os fanatismos, intolerâncias e sectarismos. O cristão resistente renuncia aos atrativos de posições tranquilas e privilegiadas, dos apoios importantes e das carreiras facilitadas. Aceita fazer parte de uma minoria que se opõe à estupidez geral, que vigia e desperta do sonho provocado por uma evangelização emocional e sentimentalista que contagia as massas. O cristão que resiste tem a lucidez de que a pedra que o sustenta é Cristo e que ela não pode ser usada para se sentar, mas para permanecer de pé. Jesus nos ensina a orar com a maior tenacidade possível por meio de pedidos concretos. A comunidade fraterna está sujeita a viver tribulações e injustiças; a experimentar tempos difíceis e de longa espera. Podemos e chegamos, muitas vezes, ao limite do desespero, mas devemos confiar que, apesar das aparências, o Senhor sempre chega antes e não deixa nada pela metade e nem pelo meio do caminho. O Senhor age por meio dos fatos e não adia a sua justiça, mas cumpre-a no aqui e agora das nossas vidas e testemunhos.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Anjo de Natal, 2010, Brandon Thibodeaux (1981-), Mond Bayou, Mississipi, Estados Unidos.


 


quarta-feira, 8 de outubro de 2025

O Caminho da Beleza 47 - Nossa Senhora Aparecida

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Nossa Senhora Aparecida                 

Est 5, 1b-2; 7, 2b-3           Ap 12, 1-5                Jo 2, 1-11

 

ESCUTAR

“Concede-me a vida, eis o meu pedido, e a vida do meu povo, eis o meu desejo!” (Est 7, 3).

“Apareceu no céu um grande sinal” (Ap 12, 1).

“Eles não têm mais vinho” (Jo 2, 3).

 

MEDITAR

A mesa em comum com o hóspede é o espaço em que o alimento é compartilhado, e o comer se torna ‘convívio’, ocasião de comunhão vital: é à mesa, à mesa compartilhada, que o ser humano tem a oportunidade, todas as vezes renovada, de se libertar do seu ser ‘devorador’ – do alimento e do outro – e de se tornar mais uma vez, a cada dia, uma pessoa de comunhão.

 (Enzo Bianchi)


 ORAR

O tema das Bodas é marcante em toda a nossa tradição judaico-cristã. Ele realça a dimensão amorosa e terna da Aliança do Senhor com a abundância proclamada pelo profeta Joel: “Acontecerá naquele dia que as serras estarão suando vinho novo, os morros escorrendo leite (Jl 4, 18). O evangelista revela que todo rito legalista é estéril. A água só se converte em vinho depois de retirada das talhas, pois antes era apenas uma água que lavava o exterior das pessoas que cumpriam a norma rígida da Lei. Jesus nos faz saber que não podemos jamais nos fechar num ritualismo legalista que endurece os corações e entristece os espíritos. Agora a água, transformada em vinho, é oferecida aos borbotões para todos na festa nupcial. Este vinho representa o cumprimento da promessa de abundância: “Vinde comer meus manjares e beber o vinho que misturei” (Pr 9, 4-5) e “Vinde a mim vós que me amais, e saciai-vos de meus frutos; recordar-me é mais doce do que o mel, possuir-me é melhor que os favos” (Eclo 24, 20-21). O vinho é a alegria do homem reconciliado consigo mesmo, com seu próximo e com seu Deus. A festa de Caná é o momento de um novo parto tanto para Jesus como para Maria que auxilia o rito de passagem de seu Filho que sai do silêncio para o início da vida pública. Confiante que o Filho, embriagado pelo Espírito, estava cumprindo a vontade do Pai, Maria ordena sem hesitar: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Como escreve a psicanalista Françoise Dolto: “Talvez, tenha sido nesse momento, nas bodas de Caná, que Maria se tornou a Mãe de Deus!”. A água convertida em vinho é, simbolicamente, o novo parto em que a Mãe – água e sangue – gera o Filho para o mundo e para a vida em abundância – pão e vinho – sendo Ele mesmo a Vinha da qual somos os ramos. A essência deste milagre está na revelação de que Jesus tem compaixão pela necessidade dos outros e que o amor fraterno é sempre estar pronto a responder a estas necessidades, sejam quais forem. Com Maria se antecipa o milagre da fé pascal e se antecipa para nós, seus filhos e filhas, a mesma fé para que ninguém duvide de que Jesus seja capaz de renascer e expandir a alegria das Bodas do Cordeiro para toda a humanidade convidada, agora e sempre, para o Seu banquete nupcial. O gesto de entrega de Jesus será glorificado na Cruz como uma exaltação embriagada de amor e de amar que foi iniciada em Caná.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Bodas em Caná, 2014, Katie Hoffman, óleo sobre tela, 18” x 18”, Denver, Colorado, Estados Unidos.




quarta-feira, 1 de outubro de 2025

O Caminho da Beleza 46 - XXVII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXVII Domingo do Tempo Comum                      

Hab 1, 2-3; 2, 2-4             2 Tm 1, 6-8.13-14             Lc 17, 5-10

 

ESCUTAR

“Quem não é correto vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2, 4).

“Pois Deus não nos deu um espírito de covardia, mas de força, de amor e sobriedade” (2 Tm 1, 7).

“Assim também vós: quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos simples servos; fizemos o que devíamos fazer’” (Lc 17, 10).

 

MEDITAR

O Ocidental não aceita o ‘sofrimento’ como parte de sua vida e desse modo ele nunca pode retirar dele uma força positiva.

(Etty Hillesum)

Dai-me Senhor, a liberdade de aceitar as coisas que não posso mudar. Dai-me a coragem de mudar aquelas que posso mudar. Dai-me a sabedoria de distingui-las umas das outras.

(Friedrich Christoph Oetinger)

 

ORAR

     A fé cristã é um compromisso de transformação estrutural de um mundo marcado pela opressão. Esta revolução, pela fé, está simbolizada no Evangelho de hoje: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar”. A mínima fé torna possível o impossível, pois “nada é impossível para Deus” (Lc 1, 37). A fé testemunhada por Jesus não se reduz a piedosos conselhos e, muito menos, a um programa de vida virtuoso. Essa foi a medida utilizada pelos apóstolos ao pedirem uma recompensa pela vida virtuosa que acreditavam levar: ao pedirem o aumento de sua fé, faltou-lhes a humildade. Jesus, o Cristo, dá-se a si mesmo, pois, para Deus, este dar-se gratuitamente, sem esperar recompensas, é a única medida que conta para a salvação dos homens e das mulheres. Jesus não manteve distâncias e, derrubando todas as barreiras, desprezou as fronteiras humanas fossem quais fossem. “Onan, quando se deitava com Tamar, derramava o seu sêmen na terra” (Gn 38, 9). O onanismo da fé nos condena a almejar certezas definitivas, a violar a ideia de comunhão e a ressaltar uma Igreja desencarnada que serve apenas para a salvação das almas. O onanismo da fé revela-se quando acreditamos e investimos no espetáculo público e televisivo de nós mesmos, expresso na manipulação, no utilitarismo e na exploração sentimentalista da fé, deitando por terra a potencialidade evangélica de honrar compromissos que valem mais do que uma vida. Nesta nossa travessia não podemos nos contentar com a autossatisfação de uma fé acomodada aos limites impostos por nós mesmos. O Evangelho de Jesus nos oferece o paradoxo do risco, pois confrontaremos o impossível e o inimaginável e, por esta razão, podemos dizer sem nenhum medo que nos esterilize e sem nenhuma expectativa de recompensa pelo que fizemos: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”. Jesus nos garante que para Deus nada é impossível. Tenhamos, pois, a humildade de apresentar diante do seu altar a nossa fé e a fé das igrejas que, nestes tempos, em que se agiganta o onanismo intimista do fastio, tem sido menor, bem menor do que um grão de mostarda.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Jesus lavando os pés de Pedro, 1852-56, Ford Madox Brown (1821-1893), óleo sobre tela, 1168 x 1333 mm, Galeria Tate, Londres, Reino Unido.