sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O Caminho da Beleza 06 - Sagrada Família, Jesus, Maria e José

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Sagrada Família, Jesus, Maria e José                   

Eclo 3, 3-7.14-17               Cl 3, 12-21               Lc 2, 41-52

 

 

ESCUTAR

 

Quem respeita o seu pai, terá vida longa, e quem obedece ao pai é o consolo da sua mãe (Eclo 3, 7).

 

Vós sois amados por Deus, sois os seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se um tiver queixa contra o outro (Cl 3, 12-13).

 

Voltaram para Jerusalém à sua procura. Três dias depois, o encontraram no templo... “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu estávamos angustiados à tua procura”. Jesus respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?”. Eles, porém, não compreenderam as palavras que lhes dissera (Lc 2, 46.48-49).

 

 

MEDITAR

 

Sim, tu me deste muito. Mas eu te peço muito mais. Não venho a ti só por um gole d’água. Quero a fonte. Não venho para que me levem apenas até a porta. Quero ir até a sala do Senhor. Não venho apenas para receber o dom do amor. Desejo o próprio Amante.

 

(Rabindranath Tagore)

 

Deus diz: “Eu sou a bondade soberana de todas as coisas. Eu sou o que faz você amar. Eu sou o que faz você durar e desejar. Eu sou isto – o cumprimento sem fim de todos os desejos”.

 

(Julian de Norwich)

 

 

ORAR

 

Na tradição do Antigo Testamento, a família era constituída para procriação e repousava sobre uma estrutura patriarcal de parentesco cujo principal cuidado era a perpetuação de uma linhagem. A família de Jesus é uma reviravolta nesta tradição. Maria, como rezava a tradição, havia sido “prometida a um homem chamado José, da família de Davi” (Lc 1, 27), mas o Arcanjo Gabriel lhe anuncia algo absolutamente revolucionário: a nova família será constituída a partir de afinidades eletivas e escolhas amorosas. José, em sonho, ouviu a palavra do anjo e a respondeu acolhendo a jovem e a criança que ela carregava no ventre, ainda que não fosse o autor desta gravidez e nem o genitor deste filho. José confia e se coloca disponível: "José não tenhas medo de acolher Maria como tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo”. Uma mulher plena do Espírito de Deus não pode e nunca poderá ser submissa. Maria, em vigília, ouve a palavra do anjo e, apesar de temerosa e perturbada confia e se coloca à disposição do desígnio de Deus. Ouvir a palavra, responder com um sim incondicional e estar absolutamente disponível são os novos pilares desta nova estrutura familiar na qual o amor recíproco e o crer sustentam a comunidade cristã e cada família nas suas plurais formas de existir. José e Maria ensinam – ele em estado de sono e ela em estado vigília – que devemos estar sempre, consciente ou inconscientemente, disponíveis para escutar e acolher a palavra de Deus. Não podemos nos confundir: existe um abismo entre sermos pais e genitores. Um homem e uma mulher precisam de alguns segundos para se tornar genitores e são estes que veem seus filhos como propriedade particular, preocupados em fazer crescer o patrimônio familiar e em continuar o sobrenome da família. Na família de Deus, gerada a partir de Maria, José e Jesus, ser pai, mãe e filho é uma aventura de outra natureza. É uma escolha amorosa, uma afinidade eletiva e um compromisso de entrega para educar e conduzir os seus filhos e filhas para opções de liberdade que poderão gerar mais vida e mais desejos. Para a mentalidade retrógada dos que se reduziram à família nuclear burguesa tudo escandaliza nesta Santa Família. A família de Deus se concretiza de uma forma extraordinária aos padrões convencionais sacralizados: José, um homem sem mulher; Maria, uma virgem sem esposo e Jesus, uma criança sem pai. Deus revela, para todo o sempre, que o mais importante é a adoção pelo coração, o centro da vida. A revelação perturbadora é a de que só existem pais adotivos que superam a sua condição de genitores biológicos quando há a atitude radical da disponibilidade de dar a sua vida pelos que amam. Esta, segundo Jesus, é a maior prova de amor. Cada filho é portador de um mistério. Existe nele uma vocação pessoal, única, que nunca se repete e que jamais poderá ser sacrificada aos nossos projetos egoístas, às nossas ambições utilitaristas. Cada componente da família representa uma realidade consagrada que deve ser respeitada e valorizada. Nenhuma postura arbitrária contrária à dignidade e à liberdade deve profanar essa sacralidade que é própria da pessoa. A Sagrada Família nos ensina que devemos viver e preparar os nossos filhos para a imprevisibilidade de Deus. Somente o exercício da oração e do silêncio poderá trazer, como trouxe aos pais de Jesus, a inteligência da carne, do coração e do espírito. E, neste silêncio, poderemos descobrir, como afirma Paulo, que “somos cidadãos do céu” (Fl 3, 20). A família de Deus é cósmica e nela se cumpre a Sua promessa: “Eis que farei novas todas as coisas e renovarei o universo!” (Ap 21, 5).

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

A Virgem corrigindo o Menino Jesus diante de três testemunhas: André Breton, Paul Éluard e o pintor, 1926, Max Ernst (1891-1976), óleo sobre tela, 196 cm x 132 cm, Museu Ludwig, Colônia, Alemanha.




quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

O Caminho da Beleza 05 - Santo Estêvão, Diácono e Protomártir

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Santo Estêvão, Diácono e Protomártir

At 6, 8-10; 7, 54-59                     Mt 10, 17-22

 

 

ESCUTAR

 

Enquanto o apedrejavam, Estêvão clamou, dizendo: “Senhor Jesus, acolhe o meu espírito” (At 7, 59).

 

“Cuidado com os homens, porque eles vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas” (Mt 10, 17).

 

 

MEDITAR

 

Quando Deus chama um homem para ser profeta, ordena-lhe que vá e morra! 

 

(Dietrich Bonhöeffer)

 

 

ORAR

 

Neste dia seguinte do nascimento de Emannuel, a liturgia da Igreja nos coloca diante da única certeza que temos: a de que o verdadeiro seguimento do Cristo nos conduzirá inevitavelmente ao martírio, pois o “o discípulo não está acima do mestre nem o servo é maior que o seu Senhor” (Mt 10, 24). Estevão denunciava no Templo e diante do Sumo sacerdote: “Duros de cabeça, incircuncisos de coração e ouvidos, resistindo sempre ao Espírito! Sois como vossos pais. A qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Mataram os que profetizavam a vinda do Justo, esse mesmo que agora traístes e assassinastes! Vós, que recebestes a lei por ministério de anjos, e não a observastes” (At 7, 51). O contraponto desfila ante os nossos olhos. Estevão, pleno do Espírito Santo, tem a visão do céu aberto e o seu corpo nu, “templo do Espírito Santo”, é apedrejado com as pedras caídas no entorno do Templo. As vestes de Estevão são deixadas aos pés de Saulo, raízes de ódio e intolerância, que com seus olhos, voltados para o chão, rastreiam os discípulos do Ressuscitado. Devemos responder ao questionamento sob quais poderes colocaremos nossas vidas. Sob o poder do amor, que nos leva a reconhecer no outro amado um ser divino? Ou sob o poder do medo que nos faz erigir o outro em Deus? Esta escolha decidirá sobre o céu ou o inferno em que vamos mergulhar as nossas existências e travessias. Todo elo de amor possui a força de libertar, confirmar, expandir, tanto nós quanto os outros. Ao contrário, todo grilhão de medo, humilha, diminui e reduz à servidão os que se aproximam de nós. O amor enriquece, o medo devasta. O primeiro desmoronamento das nossas certezas é aquele da religião oficial. Os discípulos de Jesus se extasiavam diante do Templo: “Mestre, olha que pedras e que construções!” (Mc 13, 1) assim como nós nos deslumbramos diante dos nossos monumentos, da organização institucional e do tesouro cultural acumulado pelas igrejas no decorrer dos séculos. Bastaria, no entanto, um pouco de atenção para descobrir a fragilidade e a caduquice de toda esta petrificação da vida religiosa. Por mais poderosas que possam ser as escarpas e as muralhas erguidas pelo medo, pela mentira e pela hipocrisia, será impossível fazer escoar nelas a fé, pois o Deus de Jesus Cristo não arquiteta o seu poder pelo aviltamento dos outros. O Evangelho de hoje nos garante outra certeza: quando estivermos numa situação-limite e totalmente atônitos, o Espírito de Deus falará sempre através do nosso ser mais íntimo, pois somos os seus indestrutíveis templos espirituais. A identidade entre Jesus e Estevão se perpetua no momento extremo da entrega: “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito” (Lc 23, 46) e “Senhor Jesus, acolhe o meu espírito”. Restar-nos-á a justiça das palavras de Jesus: “Vês esses grandes edifícios? Pois desmoronarão, sem que fique pedra sobre pedra” (Mc 13, 2).

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

O corpo ensanguentado de Dom Oscar Romero jaz no solo da capela assistido por monjas do hospital, 24 de março de 1980, autor da foto não identificado, San Salvador, El Salvador.












quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

O Caminho da Beleza 04 - IV Domingo do Advento

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


IV Domingo do Advento           

Mq 5, 1-4                 Hb 10, 5-10            Lc 1, 39-45

 

 

ESCUTAR

 

“Ele não recuará, apascentará com a força do Senhor e com a majestade do nome do Senhor seu Deus: os homens viverão em paz, pois ele agora estenderá o poder até aos confins da terra, e ele mesmo será a Paz” (Mq 5, 3-4).

 

“‘Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade’” (Hb 10, 7).

 

“Bendita é tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (Lc 1, 42)

 

 

MEDITAR

 

Sem o amor, tão difícil de praticar, a vida se reduz a um combate incessante para possuir e se defender dos outros.


(Anthony Burgess)

 

O grande inimigo, o inimigo número 1 do mundo moderno, é o tédio.


(Teilhard de Chardin)

 

 

ORAR

 

            A pequena aldeia de Belém significava pouco entre as cidades da Judéia e, no entanto, Deus colocou seu olhar precisamente neste lugar insignificante para nele realizar um acontecimento decisivo. As escolhas de Deus jamais estão determinadas por critérios de grandeza e de importância mundanas. A pequenez constitui o terreno fértil em que germina e se desenvolve a obra divina. As coisas sem importância chamam a atenção do Senhor. O evangelista nos apresenta o encontro de Maria e Isabel. Maria é apresentada numa postura dinâmica: de caminhar, de encontrar e de louvar a Deus. Ela simboliza uma Igreja que jamais poderá ser fixada numa imagem estática. A Igreja deve estar em marcha pelos caminhos dos homens para levar Alguém e não deve falar de si mesma, mas do Outro. O Cristo começou a ser itinerante desde o ventre materno e graças aos passos de sua mãe caminha pelas veredas do mundo. No encontro entre Isabel, anciã estéril, e Maria, jovem virgem, existirá um pacto das entranhas que nos revela que “nada é impossível para Deus” (Lc 1, 37). A visitação se liga intimamente à anunciação. A visitação é a epifania, a manifestação do sinal anunciado de que se acabara o tempo das preparações e das esperas, de que se cumprira a promessa e de que o Senhor visitará o seu povo. A visitação é o abraço amoroso, o encontro e o cumprimento pleno de duas histórias: a de Isabel que se completa e a de Maria que se inicia. O pacto de Deus está vingado em Jesus, pois as entranhas da sua mãe são a Arca da Aliança, tecendo o Salvador, agora e sempre, para todos os habitantes da Terra. O que do ponto de vista humano é limitação, impedimento, se converte em possibilidade quando intervém Deus, Senhor do Impossível. Neste encontro se realiza o que o anjo anunciara a Zacarias a respeito de João: “Ficará cheio do Espírito Santo desde o seio de sua mãe” (Lc 1, 15). No encontro destas duas mulheres grávidas a profecia é vingada: João dança de alegria no ventre de Isabel e Maria será chamada de Bem-Aventurada porque acreditou que a Palavra do Senhor seria cumprida. Maria não é apenas uma mulher que sabe, mas uma mulher que crê. O Natal, no fundo, é um Deus que mantém a palavra e busca gente corajosa, como Maria, que se agarre a esta Palavra. No Natal, Deus diz: “Aqui estou!” e seria estranho que o homem não se deixasse encontrar. E, finalmente, Maria “recebendo aos pés da cruz o testamento do amor divino assumiu todos os seres humanos, como filhos e filhas, renascidos para a vida eterna, pela morte do Cristo” (Prefácio de Nossa Senhora). 


(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

Sem títuloc. 2013, Elli Cassidy, Galeria da Maternidade, Louth, Lincolnshire, Inglaterra, Reino Unido.

 



quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

O Caminho da Beleza 03 - III Domingo do Advento

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


III Domingo do Advento                

Sf 3, 14-18               Fl 4, 4-7              Lc 3, 10-18

 

 

ESCUTAR

 

O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, o valente guerreiro que te salva; ele exultará de alegria por ti, movido por amor; exultará por ti, entre louvores, como nos dias de festa (Sf 3, 17-18).

 

Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos. Que a vossa bondade seja conhecida de todos os homens! O Senhor está próximo! (Fl 4, 4).

 

“Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo” (Lc 3, 16).

 

 

MEDITAR

 

O Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com os seus sofrimentos e suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado. A verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura.


(Francisco, Evangelii Gaudium)

 

 

 ORAR

 

            A dinâmica da vida cristã se realiza na resposta a uma tríplice vocação: a da esperança, a da conversão do olhar e a da alegria. Temos uma vocação à alegria ainda que tentem nos incutir que a felicidade está proibida e que devemos suportar, nesta terra, um “vale de lágrimas”. A alegria da comunidade eclesial é a melhor prova da existência de Deus. O cristão deve aprender a praticar a ascese da felicidade, a penitência do sorriso e o cilício da serenidade. Esta alegria é conquistada quando saímos de nós mesmos, do nosso egoísmo e nos abrimos a Deus para acolher os seus desígnios em nossa vida. E esta acolhida não implica numa dimensão intimista, mas numa abertura ao mundo inteiro. Quando o “valente guerreiro que te salva” (Sf 3, 17) está no meio de nós, podemos começar do zero e inventar outra história: dizer sim a Deus e ao próximo. João, o Batista, revela que o sinal da descoberta da presença do próximo está na nossa capacidade de partilhar: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!”. A regra de ouro dos sinais do Reino está na justiça e não na extorsão; na recusa da violência, da mentira e da busca insana do proveito próprio com o prejuízo dos outros. João proclama a conversão como descoberta do próximo e esta descoberta como elemento essencial da nossa alegria. O Cristo reitera que só sendo um ser-em-comunhão é que poderemos atingir a felicidade. A alegria cristã é marcada pela afabilidade, esta capacidade de não fazer dramas por ninharias; de aniquilar toda a ansiedade e inquietude e de exorcizar toda a angústia: “Não vos preocupeis!”. A alegria é a nossa capacidade de dar graças e para o cristão ser significa ser na alegria. Temos que ser sinais de alegria neste mundo necessitado de tréguas e de repouso; neste mundo em desânimo e depressivo onde o acumular é a chave mestra do viver e os caminhos se tornaram tortuosos pela cobiça e pela ambição. Este Menino é a luz do mundo e temos que resplandecer esta luz para que não seja apagada pelos ventos do orgulho e da soberba, que carregam consigo a calúnia e a difamação. É a humildade profética que nos liberta para o anúncio de Cristo a todos os povos e nações: “Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias”. A manjedoura desvela que a casa do Senhor é o lugar dos abraços, da partilha e da comunhão. É o lugar onde todos, sem discriminação, podem e devem saciar-se da ternura do Pai. E nela somos convidados a entrar em todas as horas do dia e todos os dias do ano, dizendo: “Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos”.

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

Uma Vida na Morte, 2013, Nancy Borowick (1985-), World Press Photo, Associated Press Photo, Chappaqua, Nova Iorque, Estados Unidos.




 

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

O Caminho da Beleza 02 - Imaculada Conceição de Maria

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Imaculada Conceição de Maria                   

Gn 3, 9-15.20                    Ef 1, 3-6.11-12                    Lc 1, 26-38

 

ESCUTAR

O Senhor Deus chamou Adão, dizendo: “Onde estás?” (Gn 3, 9).

Nós fomos predestinados a ser, para o louvor de sua glória, os que de antemão colocaram a sua esperança em Cristo (Ef 1, 11-12).

“Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” (Lc 1, 28).

 

MEDITAR

Maria sente que Jesus é seu filho, inteiramente seu, e que ele é Deus. Ela contempla e medita: “Este Deus é meu filho. Esta carne divina é minha carne. Ele é feito de mim, tem meus olhos, e essa forma da sua boca é a forma da minha. Ele se assemelha a mim. É Deus, mas semelhante a mim”. Nenhuma mulher teve, assim, seu Deus só para si. Um Deus muito pequenino, que se pode tomar nos braços e cobrir de beijos, um Deus bem quentinho, que sorri e respira. Um Deus que se pode tocar e está vivo. É por isso mesmo, por ter sido ela a única a quem Deus se entregou tão completamente, deixando-a vê-Lo assim tão absolutamente tal qual Ele é, que nós dizemos que ela é cheia de graça e bendita entre as mulheres.

(Jean-Paul Sartre)

 

ORAR

       A primeira palavra da parte de Deus a seus filhos, quando o Salvador se aproxima do mundo, é um convite à alegria. É o que escuta Maria: “Alegra-te”. Jürgen Moltmann, o grande teólogo da esperança, a expressou assim: “A palavra última e primeira da grande libertação que vem de Deus não é ódio e sim alegria; não é condenação e sim absolvição. Cristo nasce da alegria de Deus e morre e ressuscita para trazer sua alegria a este mundo contraditório e absurdo”. Porém, a alegria não é fácil. A ninguém se pode forçar que fique alegre; não se pode impor desde fora a alegria. O verdadeiro gozo deve nascer no mais fundo de nós mesmos. Do contrário, será riso exterior, gargalhada vazia, euforia passageira, mas a alegria permanecerá fora, à porta de nosso coração. O novelista alemão Hermann Hesse diz que os rostos atormentados, nervosos e tristes de tantos homens e mulheres se devem a que “a felicidade só a alma pode senti-la, não a razão, nem o ventre, nem a cabeça, nem o bolso”. Mas há algo mais. Como se pode ser feliz quando há tantos sofrimentos sobre a terra? Como se pode rir quando ainda não estão secas todas as lágrimas e brotam diariamente outras novas? Como gozar quando duas terças partes da humanidade se encontram afundadas na fome, na miséria ou na guerra. A alegria de Maria é o gozo de uma mulher crente que se alegra em Deus salvador, a que levanta os humilhados e dispersa os soberbos, a que cumula de bens os famintos e despede vazios os ricos. A alegria verdadeira só é possível no coração daquela que anseia e busca justiça, liberdade e fraternidade para todos. Maria se alegra em Deus porque vem consumar a esperança dos abandonados. Só se pode ser alegre em comunhão com os que sofrem e em solidariedade com os que choram. Só tem direito à alegria quem luta por fazê-la possível entre os humilhados. Só pode ser feliz quem se esforça por fazer felizes aos demais. Só pode celebrar o Natal quem busca sinceramente o nascimento de um homem novo entre nós.

(José Antonio Pagola)

 

CONTEMPLAR

Imigrantes nigerianas choram e se abraçam num centro de detenção para refugiados na Líbia, 2016, Daniel Etter (1980-), World Press Photo Contest 2017, Alemanha. 





quarta-feira, 27 de novembro de 2024

O Caminho da Beleza 01 - I Domingo do Advento

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


I Domingo do Advento                         

Jr 33, 14-16                        1 Ts 3, 12-4,2                     Lc 21, 25-28.34-36

 

 

ESCUTAR

 

Farei brotar de Davi a sementa da justiça (Jr 33, 15).

 

O Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com todos aumente e transborde sempre mais, a exemplo do amor que temos por vós (1 Ts 3, 12).

 

“Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem” (Lc 21, 36).

 

 

MEDITAR

 

O que chamamos de início é o mesmo do que o fim e acabar é começar. E o fim é de onde partimos.

 

(T. S. Eliot)

 

 

ORAR

 

Neste primeiro domingo de Advento, o agir cristão está fundamentado sob o signo da espera. A espera de um duplo acontecimento e de uma dupla vinda do Cristo: na carne (Natal) e na glória (Julgamento Final) e estes dois acontecimentos, que se entrelaçam, só podem ser vividos na esperança. E esta espera/esperança está centrada na mesma pessoa: o Cristo. O profeta anuncia que a justiça de Deus é manter as promessas que fez em favor do seu povo. E o Senhor não quer faltar à palavra dada, pois a justiça tem o mesmo rosto de sua misericórdia. O tempo do Advento é o tempo para que nos purifiquemos de todos os ídolos que nos são oferecidos cotidianamente: as aparências, os status, os poderes. O cristão conjuga o verbo esperar não como uma esperança vaga e modesta, mas como uma esperança audaz que tem como raiz o dom que, em Cristo, no Espírito, nos vem de Deus. O cristão não foge da existência cotidiana, mas está sempre atento para não ser pego desprevenido e nem distraído. O cristão alimenta a sua lucidez diante das inúmeras seduções que o possam desviar do desígnio de Deus e fazê-lo perder o sentido do caminho a ser seguido. Somos chamados a ter “nossas cinturas cingidas e as lamparinas acesas” (Lc 12, 35), uma vez que, como sentinelas, não nos cabe um minuto de desatenção e nem de descanso, pois deveremos estar “em pé diante do Filho do Homem”. E o Senhor nos promete “que essa humanidade se emancipará da escravidão da corrupção, para obter a liberdade gloriosa dos filhos de Deus” (Rm 8, 20). Neste domingo, é preciso proclamar que o amor que se encarna é o mesmo que nos julgará pelo amar que conseguirmos. O tempo do Advento é um tempo de crise; uma ruptura com a nossa mediocridade e um mergulho na prática do amor, pois só conhecemos, quase que plenamente, a existência daqueles que amamos. Meditemos as palavras de Ernesto Cardenal, monge trapista da Nicarágua: “Dentro de nós está o amor. Deus está louco de amor e, portanto, seu comportamento é imprevisível. Em qualquer momento o Amante pode cometer um disparate, porque como todo o que ama, não raciocina. Está bêbado, embriagado de amor”.


(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

Madona e Criança, Marianne Stokes (1855-1927), pintora austríaca, data, dimensões e locação desconhecidas.




segunda-feira, 18 de novembro de 2024

O Caminho da Beleza 53 - Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).


Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo                 

Dn 7, 13-14             Ap 1, 5-8                  Jo 18, 33b-37

 

 

ESCUTAR

 

“Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam: seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá” (Dn 7, 14).

 

“Eu sou o alfa e o ômega” (Ap 1, 8).

“Jesus respondeu: ‘Mas o meu reino não é daqui’” (Jo 18, 36).

 

 

MEDITAR

 

Olhai-o!

 

Não olhai sua divindade,

mas olhai antes sua liberdade!

 

Não olhai as histórias exageradas de seu poder,

mas olhai antes sua capacidade infinita de se doar ao outro.

 

Não olhai a mitologia do primeiro século que o cercou,

mas olhai antes sua coragem de ser,

sua capacidade de viver e

a qualidade contagiosa de seu amor.

 

Parai vossa busca frenética!

Parai e conhecei que Deus é isto:

este amor,

esta liberdade,

esta vida,

este ser...

 

Beijai esse sopro do Cristo

e ousai ser 

você mesmo!

 

Creio que é este o caminho para Deus, o Deus que encontrei

nesse Jesus tão profundamente humano.

Shalom!

 

(John Shelby Spong)

 

 

ORAR

 

Jesus contrapõe aos reinos deste mundo um reino de amor, de solidariedade e de justiça. À má-força dos poderes que subjugam temos que construir nos poros do nosso cotidiano uma anti-força: a do amor e da verdade.  A comunidade de Jesus se encontra no meio do mundo e ela não é um refúgio que nos permite evadir da nossa responsabilidade histórica. Jesus afronta os poderes políticos e religiosos ao revelar a sua descendência: “Vós sois do diabo, vosso pai, e quereis realizar os desejos do vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque nele não há verdade: quando ele mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44). Jesus se apresenta como um semeador, como um pastor e um pescador, figuras emblemáticas da simplicidade e do despojamento. Semeia as sementes de várias espécies, pastoreia todos os tipos de ovelha e lança a rede para colher uma grande variedade de peixes. A acolhida e abertura à diversidade é a marca do Evangelho, confirmada por Francisco quando afirma que o “Senhor derramou o seu sangue não para alguns, nem por poucos, nem por muitos, mas por todos” (Discurso de Florença, 10.11.2015). Jesus é Rei de um reino longe de qualquer realeza ou triunfalismo. O élan vital da construção permanente deste reino é o amar que nos conduz à paz e à justiça para todos. Um amor como convicção, que denominamos fé; um amor como agir transformador que nomeamos esperança. Com o Crucificado entrou no mundo, para sempre, a força revolucionária do amor que declarou fora da lei e do Espírito todos as formas de poder, quaisquer que sejam. O poder que serve a si mesmo corrompe o Espírito. O amor que liberta é o anti-poder que revoluciona porque “qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor valerá!”. Cristo nos revela que todos os que entregam a sua vida por amor e pela verdade são e serão os reis e rainhas neste reinado de Deus. No reino, aqui e agora, e para sempre, todos seremos um só no Sopro de Amor que nos une!

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

 

Coroação de Espinhosc. 1622-3, Dirck van Baburen (1595-1624), óleo sobre tela, 106 x 136 cm, Museum Catharijneconvent, Utrecht, Países Baixos.




sexta-feira, 15 de novembro de 2024

O Caminho da Beleza 52 - XXXIII Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).


XXXIII Domingo do Tempo Comum                                 

Dn 12, 1-3               Hb 10, 11-14.18                 Mc 13, 24-32

 

 

ESCUTAR

 

“Naquele tempo, se levantará Miguel, o grande príncipe, defensor dos filhos de teu povo” (Dn 12, 1).

 

“Não lhe resta mais senão esperar até que seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés” (Hb 10, 13).

 

“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13, 31).

 

 

MEDITAR

 

Hoje não existem deuses que possam ser explicitamente definidos como tais. Porém, existem forças diante das quais o homem se dobra. O capital, a propriedade em geral, bem como a ambição, são algumas delas. O bezerro de ouro é, sob diversos aspectos, de grande atualidade no mundo ocidental. O risco existe de nos reduzirmos a uma tecnocracia cujo único critério seria o aumento do consumo.

(Papa Bento XVI)

O Evangelho pode permanecer letra morta, sem vida, se ele não se incarna em nossa existência pessoal. Nós podemos ter a impressão de compreendê-lo, nós podemos dissecar cada palavra, mas se ele não se torna palavra vivente isso não serve para nada.

(D. Guillaume Jedrzejczak)

 

ORAR

 

Os textos “apocalípticos” podem nos conduzir a dois tipos de leitura: à dos anunciadores de desventuras e experts em catástrofes ou à dos semeadores da esperança e construtores do futuro. O papa João XXIII discursava na abertura solene do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 11 de outubro de 1962: “As pessoas só veem desastres e calamidades nas condições em que atualmente vive a humanidade. Temos o dever de discordar desses profetas da miséria, que só anunciam infortúnios, como se estivéssemos no fim do mundo”. Há sempre sinais de alegria nestes tempos “apocalípticos”. No profeta, os que dormem no pó da terra despertarão e os sábios brilharão como o firmamento. No evangelho, entre os escombros e as cinzas brotará uma figueira com seus ramos verdes como um presságio de primavera e dos frutos de verão. Deus tem a última palavra e é uma palavra que não passa e julgará a História. Estamos sempre diante da alternativa de escolher entre perspectivas contrastantes: boas ou más notícias; o fruto seco ou folhas verdes; o relâmpago que cega ou a luz delicada de algo que começa. O mais importante é saber que o Senhor está “próximo, às portas”; que o mundo novo já está presente dentro de nós e que na fragilidade do coração está o futuro e o eterno. A “palavra que não passa” nos garante que Deus nos chama à vida e que a chamada se coloca nem no início e nem na chegada, ela se dispõe para a gente é no meio da travessia. Devemos alimentar a certeza de que um dia chegará a Vida definitiva, sem espaço nem tempo, e viveremos no Mistério de Deus. O sol, a lua e os astros se apagarão, mas o mundo não restará sem luz. Será o Cristo quem o iluminará para sempre pondo a verdade, a justiça e a paz na história humana tão escrava dos abusos, das injustiças e das mentiras. Jesus adverte que o fruto de uma doutrina petrificada, de uma ideologia sustentada pelo terror, de uma religião fundamentalista sempre nos conduz à guerra e que diante da ruína só dispomos de um lugar de esperança: o coração. Para os cristãos, a Cruz que devem abraçar todos os dias não é derrota nem malogro, mas o advento do Humano que nos conduzirá à Vida Eterna ao destruir os poderes da Morte: “No mundo passareis por sofrimento e tribulações, mas tende ânimo e coragem, pois Eu venci o mundo!” (Jo 16, 33). E o Filho do Homem transformará “o deserto num Éden, o ermo em paraíso do Senhor; aí haverá prazer e alegria, com ação de graças ao som de instrumentos” (Is 51, 3) e, para sempre, a profecia se cumprirá: “O lobo e o cordeiro andarão juntos, a pantera se deitará com o cabrito, o bezerro e o leão engordarão juntos; um menino os pastoreia” (Is 11, 6). 

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

Reino de Paz, 1834, Edward Hicks (1780-1839), óleo sobre tela, National Gallery of Art, Washington, Estados-Unidos.





quinta-feira, 7 de novembro de 2024

O Caminho da Beleza 51 - XXXII Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).


XXXII Domingo do Tempo Comum                      

1 Rs 17, 10-16                     Hb 9, 24-28                       Mc 12, 38-44

 

 

ESCUTAR

“‘A vasilha de farinha não acabará e a jarra de azeite não diminuirá. Até o dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a face da terra’” (1 Rs 17, 14).

Mas foi agora, na plenitude dos tempos, que, uma vez por todas, ele se manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo (Hb 9, 26).

Então chegou uma pobre viúva que deu duas pequenas moedas, que não valiam quase nada (Mc 12, 42).

 

MEDITAR

Deus se apresenta como possibilidade de amor total e nós temos que nos deixar impregnar no Espírito desse amor total. E esse amor total exige de nós uma entrega absolutíssima! É uma exigência de Deus, se soubermos ser fiel a essa paixão de Cristo, que é a paixão de sabê-Lo amá-Lo a esse ponto.

(Madre Belém)

 

ORAR

O nada que possuímos se converte no todo quando nos despojamos de tudo em oblação e em oferenda. Tanto as duas moedas quanto o pouco resto de farinha e o fio de azeite não fizeram nenhum ruído. Jesus revela que a verdadeira história é escrita por pessoas insignificantes e anônimas, capazes de gestos que não causam ruídos e nem chamam a atenção. Não podemos parar na superfície das coisas e dos acontecimentos, nem nos deixar enganar pelo clamor dos gestos espetaculares e muito menos pelas liturgias chamativas que despertam a catarse da plateia. Oferecer o que restava da farinha, do azeite e as derradeiras moedas são ações verdadeiramente grandes que só os pequenos são capazes de realizar. Eles oferecem tudo e não o supérfluo, pois “de tudo fica um pouco...”. São os gestos que nos aproximam Daquele que se ofereceu a Si próprio. Jesus acusa os que estão imersos, como valor absoluto, na vaidade, na hipocrisia e na cobiça. A vaidade expressa nas pompas das vestimentas, nas reverências e saudações, nas cadeiras de honra dos banquetes e liturgias. A hipocrisia vinda da devoção ostentosa, baseada na quantidade e extensão dos pedidos oferecidos em espetáculo. A cobiça revelada numa falsa religiosidade e na despudorada exploração dos ingênuos e crédulos. Jesus acusa a deformação profissional dos que se utilizam da posição religiosa e social para se valorizarem. O discípulo de Jesus é o que não se dá importância, o que não tem status para defender, com unhas e dentes, e nem um “padrão de vida” que mais o angustia para manter do que o liberta. A vida cristã é aquela que, ao se despojar, está sempre a caminho. São as pessoas simples, de coração grande e generoso, o melhor que temos em nossas comunidades. São as que não têm nada, mas que doam tudo! Elas fazem o mundo mais humano, acreditam com todas as suas forças no Pai da misericórdia. São as que mantêm vivo o Espírito de Jesus e, finalmente, as que mais se parecem com Ele.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller)

 

CONTEMPLAR

Dona Pilar, Canudos, Bahia, 2009, Araquém Alcântara (1951-), foto do livro “Sertão sem Fim”, Editora Terra Brasil, Brasil, 2009.

 


quarta-feira, 30 de outubro de 2024

O Caminho da Beleza 50 - Todos os Santos e Santas

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).


Solenidade de Todos os Santos                    

Ap 7, 2-4.9-14                   1 Jo 3, 1-3                Mt 5, 1-12

 

 

ESCUTAR

“Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 13).

Amados, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! (1 Jo 3, 2).

“Bem-aventurados... Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5, 11-12).

 

MEDITAR

Ser santo é suportar o olhar de Deus.

(Hans Urs von Balthasar)

 

ORAR

A celebração de todos os santos e santas, para que seja verdadeira, deve agitar dentro de nós uma mistura de sentimentos: gratidão e remorso; admiração e raiva; orgulho e nostalgia; alegria e inquietude; paz e desconcerto. Os santos quando surgem no nosso horizonte são uma provocação, pois a verdadeira vocação, tantas vezes falida, na nossa vida, é a santidade. O melhor escondido no nosso coração é a santidade. João nos fala do grande presente que o Pai nos deu, mas, atolados nas nossas vidas deficitárias, estamos mais preocupados em supervalorizar os fracassos, os erros e os infortúnios. A santidade não é feita de matérias extraordinárias e nem de fenômenos excepcionais. Ela é feita exclusivamente de amor. É o amor que faz os santos e santas, pois são os que não temem se deixarem amar. Se a santidade nos parece difícil e quase impossível é porque não temos a coragem de nos abandonarmos ao amor. O Senhor permanece desconhecido porque são muito conhecidas e difundidas as suas caricaturas. As bem-aventuranças são uma alegria concreta, duradoura e não um raio de momentos felizes que não se repetem. Elas jamais se dissolvem porque têm a mesma duração de Deus e Deus nunca retira a sua palavra. Temos apenas que nos aproximar da Palavra para ouvir e compreender o segredo da felicidade em Deus. Santos e santas são todos os que tiveram a coragem de dar esse passo, de abandonar a maneira habitual de interpretar a vida. A provocação desta festa de hoje é unir a vocação da santidade – que é a vocação de todos – com a vocação da alegria. Os santos e santas são os impacientes da alegria e na alegria aprendem a suportar o olhar amoroso de Deus. A pertença ou não ao Reino não se justifica pela adesão a verdades ortodoxas da fé, mas à prática ou não do amor. Um dia, vamos conhecer os verdadeiros santos de todas as religiões e de todos os ateísmos: os que viveram amando, no anonimato, sem nada esperar.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Cordeiro de Deus, Cláudio Pastro (1948-2016), vitral na Capela do Mosteiro do Encontro, Irmãs Beneditinas, Mandirituba, Paraná, Brasil.