quinta-feira, 28 de abril de 2022

O Caminho da Beleza 23 - III Domingo da Páscoa

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

III Domingo da Páscoa           

At 5, 27-32.40-41             Ap 5, 11-14              Jo 21, 1-19

 

ESCUTAR

“Os apóstolos saíram do conselho muito contentes por terem sido considerados dignos de injúrias por causa do nome de Jesus” (At 5, 41).

“O Cordeiro imolado é digno de receber o poder, a riqueza, a sabedoria e a força, a honra, a glória e o louvor” (Ap 5, 12).

“Então Jesus disse: ‘Moços, tendes alguma coisa para comer?’” (Jo 21, 5).

 

MEDITAR

“O segredo para ser sempre jovem, e permanecê-lo ainda que os anos passem marcando o corpo, o segredo da eterna juventude da alma, é o de se ter uma causa a qual consagrar a sua vida” (D. Hélder Câmara).

 

ORAR

    A paisagem familiar do lago de Tiberíades, a barca, os pescadores parecem repetir o cenário, três anos antes, da primeira chamada aos apóstolos. As ocupações mais ordinárias podem ser o veículo para a expansão da mensagem evangélica. O estar juntos dos discípulos nos aponta que a missão é sempre comunitária e não um gesto isolado e autônomo. A pergunta de Jesus pelos peixes pescados revela o trabalho estéril e os torna conscientes do fracasso. Ao lançarem as redes, a pedido de Jesus, lhes é revelado que a pesca abundante é fruto da generosidade divina. Pedro, ao responder sobre seu amor, toma consciência de que sua eleição deve conduzi-lo, sem concessões, a um maior amor, pois a qualidade do amor é proporcional à responsabilidade do serviço: “a quem mais se dá, mais se pede”. Pedro deve ser o ministro da paciência do Cristo e precisa de João, o discípulo amado, para ver com o coração que discerne a causa do Senhor, diferente da causa do mundo e do nosso egoísmo. Tantas vezes o amor maior e a doação plena não estão nos pastores, mas nos cristãos que no meio da vida enfrentam os desafios sem as comodidades alienantes face a dor do mundo. Nem a barca e nem a pesca são de Pedro, mas do Senhor que pode nos surpreender ao pedir que lancemos as redes “do outro lado”. Fora isso, basta-nos amar de um amor cada vez maior.

(Manos da Terna Solidão)

 

CONTEMPLAR

Uma estória do peixe, da série “Crescendo na Escuridão”, 2012-2015, Mário Macilau (1984-), Maputo, Moçambique.




quinta-feira, 21 de abril de 2022

O Caminho da Beleza 22 - II Domingo da Páscoa

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

II Domingo da Páscoa             

At 5, 12-16               Ap 1, 9-13.17-19                Jo 20, 19-31

 

ESCUTAR

Chegavam a transportar para as praças os doentes em camas e macas, a fim de que, quando Pedro passasse, pelo menos a sua sombra tocasse alguns deles (At 5, 15).

“Não tenhas medo. Eu sou o primeiro e o último, aquele que vive” (Ap 17-18).

“Acreditaste porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20, 29).

 

MEDITAR

A vida cristã não é sobre acreditar em credos e ser obediente a regras divinas; é sobre viver, amar e ser. A Ressurreição vem quando somos livres para dar nossas vidas a fora, livres para amar além das fronteiras de nossos medos, livres não apenas para sermos nós mesmos, mas para conferir poder a todos os outros de serem plenamente eles mesmos nessa nossa rica, diferenciada e multifacetada humanidade. Aqui o preconceito morre. Aqui a totalidade é provada. Aqui a ressurreição torna-se real.

(John Shelby Spong, 1931-, Estados Unidos)

 

ORAR

A aparição do Cristo no livro do Apocalipse não é para a morte, mas para a vida: Ele é o Vivente, a fonte da vida. Ele não está confinado ao passado, mas é o Cristo hoje e sempre: “Estive morto, mas agora estou vivo para sempre e tenho as chaves da morte”. Como disse o Papa Francisco na sua homilia da Vigília Pascal: “Jesus é o ‘hoje’ eterno de Deus”. O Ressuscitado caminha com a Igreja também no meio das trevas e das tempestades as mais violentas. A Igreja antes de ser um lugar de culto, de doutrina, de moral e da própria religião é, essencialmente, o lugar da fé no Cristo ressuscitado. O evangelista revela justamente esse elemento vital para a comunidade eclesial: o crescimento na fé. Não só Tomé, mas também os outros discípulos têm dificuldade para crer. O evangelista concentra em Tomé esta resistência à fé, porque a fé não é fruto de uma fácil exaltação. Toda fé madura é carregada de dúvidas e isso é bom! Toda comunidade eclesial, de todos os lugares e tempos, chega progressivamente, em meio a dúvidas, perplexidades, proscrições, ao grito de fé de Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”. Este homem, que duvida e questiona, é o primeiro a confessar a divindade de Jesus. Crescer na fé não significa se submeter a adestramentos catequéticos, mas compreender que ser Católico é estar preparado para dizer que nós não possuímos todas as respostas. O teólogo e cardeal Walter Kasper disse que a Igreja teria muito mais autoridade se alguma vezes dissesse com mais frequência: “Eu não sei”. A comunidade eclesial deve, prioritariamente, acolher os que buscam, questionam, lutam, se debatem nas incertezas e perseguem, aos tropeções, um raio de luz. É uma busca dolorosa que pode ser mais autêntica que a posse de uma certeza que provoca a acomodação e a esclerose. Na comunidade eclesial, há espaço para os que chegam primeiro, mas, sobretudo, para os retardatários como Tomé. A comunidade eclesial deve manter suas portas escancaradas para todos e nunca mais fechadas para preservar os que se consideram “perfeitos na fé”. A advertência nos é, cotidianamente, lançada: “Crês que Deus existe? Muito bem! Também os demônios creem e tremem de medo” (Tg 2, 19). Meditemos as palavras da teóloga alemã Dorothee Sölle no seu poema Credo: “Eu creio em deus que não criou um mundo imutável, algo incapaz de se modificar, que não governa de acordo com leis que permanecem invioladas (...) eu creio em deus que deseja conflito na vida e quer que nós transformemos o status quo, pelo nosso trabalho, por nossas políticas [e por nossos sonhos]”.

(Manos da Terna Solidão)

 

CONTEMPLAR

A Incredulidade de São Tomé, 1601-1602, Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610), óleo sobre tela, 107 cm x 146 cm, Sanssouci, Potsdam, Alemanha.




 

 

quinta-feira, 14 de abril de 2022

O Caminho da Beleza 21 - Páscoa da Ressurreição

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

Páscoa da Ressurreição                     

At 10, 34.37-43                 Cl 3, 1-4                   Jo 20, 1-9

 

ESCUTAR

“Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo pregado por João: como Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder” (At 10, 37).

“Irmãos, se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Cl 3, 1-2).

“De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos” (Jo 20, 9).

 

MEDITAR

Os problemas, as preocupações de todos os dias nos compelem a nos curvar sobre nós mesmos, na tristeza, na amargura... e aí está a morte. Não procuramos aí Aquele que está vivo! (Francisco).

Não há saídas milagrosas. Não há respostas claras. Não há caminhos feitos. Não haverá nunca deste lado da morte, uma definitiva paz. Viver é arriscar-se, abrir caminhos às escuras (D. Pedro Casaldáliga).

 

ORAR

       Este domingo da Ressurreição é um convite para rompermos os limites dos nossos grupos, cenáculos, movimentos, para que nos misturemos às pessoas comuns, unamos nossas vozes com os anônimos e com os desafinados. É sabermos viver como um mortal comum, mas na liberdade do Ressuscitado. Hoje, basta de polêmicas e excomunhão; de intolerâncias e discriminações; de rasuras e miopias. Hoje, aconteceu algo novo e devemos disponibilizar esta novidade para todos. Deixemos, por um instante apenas, de sermos estorvos, obstáculos e impedimentos. Removamos a pesada pedra do nosso coração e deixemos o sol entrar na caverna obscura em que tramamos nossas dissimulações cotidianas. Hoje, devemos anunciar e não doutrinar; devemos testemunhar e não inventar moralismos que impedem o contágio da alegria e da luz. Hoje, devemos ser capazes de firmar um compromisso de fraternidade e de paz. Neste domingo, é preciso não trapacear com a fé, não blefar com a esperança e, muito menos, enganar e mentir sobre o amor. O Ressuscitado oferece a todos as possibilidades de uma vida verdadeira ao aniquilar as mentiras em que chafurdamos nossa existência: proclamamos religião e pensamos em dinheiro; dizemos igreja e digladiamos com unhas e dentes por carreiras bem sucedidas; anunciamos serviço e buscamos privilégios; arrotamos moralidades e somos doutores em escapatórias e evasões sutis. Hoje, é preciso resgatar o pudor perdido e deixarmos de sequestrar o coração por interesses espúrios e sem escrúpulos. Hoje, o Cristo ressuscitou nu, transfigurado em amor e luz: “Pedro viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte”. Hoje, somos chamados a nos colocar em movimento, a ser companheiros de aventura para criar novos mundos, para gerar novos homens e mulheres e não continuarmos a ser os guardiões imóveis e estéreis de túmulos vazios; de arquivos cheios de pó, de códigos bolorentos e de pilhas de papéis mofados. Não podemos buscar o Ressuscitado onde Ele não está: nas batalhas, nas guerras, nas corrupções, nos ritos sonolentos ou estridentes, nas litanias vazias e nas liturgias mumificadas. O Cristo não está entre os mortos ainda que caminhem, se ajoelhem e deem esmolas poucas do muito que lhes sobra. Neste domingo, ao menos uma vez ao ano, devemos abrir nossos ouvidos para escutar o falar da vida, da paz, do perdão mais forte do que a vingança, do amor que derrota a indiferença e da luz que coloca em crise as tramas das trevas. Hoje, o desvario das mulheres só existe para os que desejam que o Cristo permaneça no sepulcro para legitimar a resignação de viver encerrados em seus medos. Hoje, agora e sempre, devemos tatuar como um grito em nossos corpos a estupefação desafiadora: “Por que procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui, ressuscitou” (Lc 24, 5).

(Manos da Terna Solidão)

 

CONTEMPLAR

Anastasis, 2003, Arcabas (Jean-Marie Pirot) (1926-), óleo sobre tela, ouro fino 23 quilates, 1,62 m x 1,35 m, Saint-Pierre-de-Chartreuse, França.




 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

O Caminho da Beleza 20 - Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor

 A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor                   

Is 50, 4-7                 Fl 2, 6-11                 Lc 22, 14-23, 26

 

ESCUTAR

O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás (Is 50, 5).

Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o nome que está acima de todo o nome. Assim, ao nome de Jesus, todo joelho se dobre (Fl 2, 9-10).

Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo, proibindo pagar impostos a César e afirmando ser ele mesmo Cristo, o rei (Lc 23, 2).

 

MEDITAR

Esta semana avança no mistério da morte de Jesus e de sua ressurreição. Nós escutamos a Paixão do Senhor. Será bom nos colocar uma única questão: quem eu sou? Quem eu sou, diante de meu Senhor? Quem eu sou, diante de Jesus que entra em festa em Jerusalém? Sou capaz de exprimir minha alegria, de louvá-lo? Ou tomo distância? Quem eu sou, diante de Jesus que sofre? (Francisco).

“Vivemos em plena cultura da aparência: o contrato do casamento importa mais que o amor, o funeral mais do que o morto, a roupa mais do que o corpo e a missa mais do que Deus” (Eduardo Galeano).

 

ORAR

      Nesta entrada triunfal, revela-se toda a ambiguidade do povo em relação a Jesus. O mesmo povo que O aclama se aliará às autoridades romanas e judaicas exigindo a sua morte na Cruz: “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Jesus sempre quis que os lugares santos não fossem interditos aos pagãos, nem às mulheres e nem aos que eram considerados indignos. Jesus pregava que o Templo fosse um espaço aberto, um espaço de compaixão, de bondade, sem discriminação e oferecido a todos. Esta era a razão da ferrenha oposição dos sacerdotes, dos anciãos e dos fariseus a este “filho de carpinteiro”. Nesta narrativa da Paixão, todos os homens se comportam de uma maneira que contradiz a sua vontade. Ninguém faz e nem diz o que realmente pensa. Pedro não quer renegar o seu Mestre, mas o faz por medo de uma serviçal; Pilatos lava as mãos e pressionado pelo povo acaba sendo um joguete em suas mãos; Judas o trai por trinta dinheiros, mas pelas suas últimas palavras amaria salvá-Lo: “Pequei, entregando à morte um inocente” (Mt 24, 4). O profeta Isaías exclamava: “Ai dos que tomam as trevas por luz e a luz por trevas” (Is 5, 20). O Reino de amor, de justiça e de paz continuará infinitamente frágil e ameaçado enquanto consentirmos em nossos corações neste impulso perverso de dominação sobre os mais fracos. Nós cristãos, mais do que os outros, devemos fazer o máximo para aniquilar a miséria atual e futura da humanidade e nos indagarmos: que tipo de existência individual e coletiva queremos, que não se feche na busca vã de uma “felicidade”, reduzida à maximização do prazer, do poder, do dinheiro, do corpo ou do conforto? De onde deriva o fato de que as condições de acesso ao bem-estar tenham se transformado em fins tirânicos? Neste domingo de Ramos, sejamos como o jumentinho e desatados de todos os nós que nos prendem, sobretudo, os do escrúpulo, da ignorância e da superstição, não desperdicemos as nossas vidas, mas façamos delas marcos de fraternidade e gratuidade ainda que, como Jesus, o padecimento nos espere a fim de “completar, a favor de seu corpo que é a Igreja, o que falta aos sofrimentos de Cristo (Cl 1, 24)”.

(Manos da Terna Solidão)

 

CONTEMPLAR

Sem Título, 1993, Chien-Chi Chang (1961-), da coleção de fotos “A Corrente”, feitas num asilo mental, Ilha Formosa, Taiwan.