quinta-feira, 23 de setembro de 2021

O Caminho da Beleza 45 - XXVI Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXVI Domingo do Tempo Comum             26.09.2021

Nm 11, 25-29                     Tg 5, 1-6                   Mc 9, 38-43.45.47-48

 

ESCUTAR

“Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor lhe concedesse o seu espírito!” (Nm 11, 29).

Vosso ouro e vossa prata estão enferrujados, e a ferrugem deles vai servir de testemunho contra vós e devorar vossas carnes como fogo! (Tg 5, 3).

“Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue” (Mc 9, 38).

 

MEDITAR

A Crueldade tem um Coração Humano,

E o Ciúme uma Figura Humana;

O Terror tem a Divina Forma Humana,

E o Mistério tem a Vestimenta do Homem.

 

A Vestimenta do Homem é o Ferro que se forja,

A Forma Humana, uma Forja de chama,

A Figura humana, uma fornalha chumbada,

O Coração Humano, sua Goela esfaimada.

(William Blake, 1757-1827, Inglaterra)

 

ORAR

   Cuidado, nós que pensamos estar livres de tabus, desalienados em relação à religião, desmitizados e que olhamos com desprezo o pobre prisioneiro das “objetivações religiosas”. A Igreja não é um clube de puros, nem de intelectuais hipercríticos... Há somente uma riqueza verdadeira, a do amor, que reflete um pouco o de Deus pelo homem. Assim, primeiro um olhar sobre o outro que seja tão compreensivo como o do Pai. Compreensivo é o contrário de exclusivo. Israel conheceu a tentação de excluir. Ele precisou admitir o estrangeiro, abrir os espíritos ao universal. Josué não queria que se desvalorizasse na vulgarização a prerrogativa profética. Os discípulos, como verdadeiros filhos de Israel, não compreendiam que se possa expulsar os demônios, mesmo em nome do Cristo, sem ser do grupo, sem ser confundido com um clã. Mas precisamente Jesus Cristo é maior que todos os grupos, mesmo eclesiásticos, que todas as “famílias religiosas”, os “movimentos cristãos”, inclusive as Igrejas. E o Vaticano II nos levou a compreender de novo que a ação do Espírito transborda as fronteiras do corpo que anima. Portanto, o principal não é que o que luta contra o mal demoníaco “seja do nosso lado”: é que ele esteja do lado de Jesus Cristo. O Espírito que foi dado a Moisés, e a seus companheiros, o Espírito que ele sonhava ver comunicado a todo o povo, somente ele pode em nós vencer a carne, o amor pelo dinheiro, o desprezo pelo fraco, a estreiteza de vista, e nos comunicar as atitudes próprias do Cristo, aquelas de um filho de Deus e de um irmão dos homens. Este Espírito nos foi prometido desde muito tempo: “Eu derramarei sobre vós uma água pura... eu vos darei um coração novo, colocarei em vós um novo espírito, eliminarei de vossa carne o coração de pedra e vos darei um coração de carne...” (Ez 36, 25-29) ... Tal é a utopia cristã. Não precisamos mais de lei. Não precisamos também de chefes, nem de profetas. A rigor, nenhuma escora humana é já necessária. O Espírito de Deus, a caridade divina em nós, faz descobrir tudo e a tudo imaginar. Isto só será verdadeiro na volta de Cristo. Mas é para lá que é preciso tender. É o ideal, que nos permite relativizar o que não tem jamais o direito de se tornar um absoluto: os meios que instituímos, as obras que realizamos, as superioridades que nos atribuímos.

(René Salaün, 1910-2000, França)

 

CONTEMPLAR

Enxaqueca, 2016, Stan Horaczek, Popular Photography, New York, Estados Unidos.




sexta-feira, 17 de setembro de 2021

O Caminho da Beleza 44 - XXV Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXV Domingo do Tempo Comum               19.09.2021

Sb 2, 12.17-20                    Tg 3, 16-4, 3                       Mc 9, 30-37

 

ESCUTAR

Os ímpios dizem: “Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir” (Sb 2, 12).

O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz (Tg 3, 18).

“Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!” (Mc 9, 35).

 

MEDITAR

Na Rússia nós temos uma crença muito firme: se me aproximo de Deus, tenho que me aproximar dos homens; aqui não há distinção, desde o dia em que Jesus Cristo se fez homem e se ajoelhou diante dos seus apóstolos para lhes lavar os pés. Aproximar-se de Deus é candidatar-se ao serviço da humanidade. Não consigo rezar se não sei servir. Não sou capaz de rezar tendo um irmão passando fome a meu lado. É só recordar a bela estória ou parábola do bom samaritano. O sacerdote e o levita que passaram ao lado do homem ferido tinham apenas o nome, não a realidade nem a dignidade sacerdotal.

(Catherine de Hueck Doherty, 1896-1985, Rússia)

 

ORAR

     Certamente nossos critérios não coincidem com os de Jesus.  A quem de nós ocorre hoje pensar que os homens e mulheres mais importantes são aqueles que vivem para o serviço aos demais? Para nós, importante é o homem de prestígio, seguro de si mesmo, que alcançou o êxito em algum campo da vida, que conseguiu se sobressair aos demais e ser aplaudido pela multidão.  Essas pessoas cujo rosto podemos ver constantemente na televisão: líderes políticos, “prêmios Nobel”, cantores da moda, esportistas excepcionais... Quem pode ser mais importante do que eles? Segundo o critério de Jesus, simplesmente, os milhares e milhares de homens e mulheres anônimos, de rosto desconhecido, a quem ninguém fará homenagem alguma, mas que se desdobram no serviço desinteressado aos demais. Pessoas que não vivem para seu êxito pessoal. Que não pensam só em satisfazer egoisticamente seus desejos, mas que se preocupam sim com a felicidade dos outros. Segundo Jesus, há uma grandeza na vida dessas pessoas que não se acertam em ser felizes sem a felicidade dos demais. Sua vida é um mistério de entrega e desinteresse. Sabem colocar sua vida à disposição dos outros. Atuam movidos por sua bondade. A solidariedade anima seu trabalho, seu fazer diário, suas relações, sua convivência. Não vivem apenas para trabalhar nem para desfrutar. Sua vida não se reduz a cumprir suas obrigações profissionais ou executar diligentemente suas tarefas. Sua vida encerra algo mais. Vivem de maneira criativa. Cada pessoa que encontram em seu caminho, cada dor que percebem em seu redor, cada problema que surge para eles é uma chamada que lhes convida a atuar, servir e ajudar. Podem parecer os “últimos”, mas sua vida é verdadeiramente grande. Todos sabemos que uma vida de amor e serviço desinteressado vale a pena, ainda que não nos atrevamos a vivê-la. Quiçá tenhamos que orar humildemente como fazia Teilhard de Chardin: “Senhor, responderei a tua inspiração profunda que me ordena existir, tendo cuidado de não abafar nem desviar nem desperdiçar minha força de amar e fazer o bem”.

(José Antônio Pagola, 1937-, Espanha)

 

CONTEMPLAR

Amigas para sempre, 2018, Somenath Mukopadhyay (1968-), Bengala Ocidental, Índia.




sexta-feira, 10 de setembro de 2021

O Caminho da Beleza 43 - XXIV Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXIV Domingo do Tempo Comum             12.09.2021

Is 50, 5-9                 Tg 2, 14-18              Mc 8, 27-35

 

ESCUTAR

O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás (Is 50, 5).

A fé, se não se traduz em obras, por si só está morta (Tg 2, 17).

“Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mc 8, 34).

 

MEDITAR

O grande milagre, tão grande que a gente não o vê, por estar perto demais dos olhos, é: a vida que se renova sob a fé em Cristo; a vida que sempre cria nova coragem e que não desanima nunca; vida que aguenta perseguição, que chega a morrer, mas que ressuscita sempre; vida que renova os outros pela simples presença; vida que confunde por causa da sua grande riqueza, apesar da pobreza em que se vive. Este é o milagre, ambulante e contínuo, provocado pela ação do Espírito, presente na vida dos homens.

(Carlos Mesters, 1931-, Países Baixos)

 

ORAR

     A tentação é grande de gritar por injustiça, de dizer que Deus exige muito de nós, que nossa cruz é mais pesada que a dos outros. Uma velha história conta a revolta semelhante de um homem simples e sincero. O anjo o conduz então a uma porção de cruzes de diferentes tamanhos e lhe propõe escolher uma delas. O homem procura a mais leve e percebe justamente que era a sua! O homem nunca é tentado para além de suas forças. Deus nos apoia nesse momento decisivo. Ele espera de nossa fé um ato viril, a plena e consciente aceitação de nosso destino; ele pede que o assumamos livremente. Ninguém pode fazê-lo em nosso lugar, nem mesmo Deus. A cruz é feita de nossas fraquezas e de nossas quedas; ela é construída por nossos impulsos ofegantes e, sobretudo, por nossas trevas profundas onde se move a surda resistência e se encrusta a inconfessável e cúmplice torpeza. Enfim, ela é carregada de toda complexidade que, nesse momento preciso, é o nosso eu autêntico. Ora, “Ame teu próximo, como a ti mesmo” (Mt 19, 19) comporta um certo amor a si mesmo: é o apelo a amar nossa cruz. Isso talvez signifique o ato mais difícil: aceitar-se tal como é. Sabemos que os seres mais orgulhosos, os mais sedentos de amor-próprio, são os que, precisamente, se sentem mal consigo mesmo, os que, veladamente, não se suportam. Esse momento infinitamente grave do encontro consigo mesmo exige um desnudar-se, a visão imediata e total de si em seus contornos mais ocultos... No momento da penosa solidão, só a humildade profunda nos vem em auxílio. Reconhecendo a impotência radical do humano natural, ela instiga o homem a depositar inteiramente seu ser ao pé da cruz e, então, subitamente, o Cristo suporta este peso esmagador em nosso lugar: “Aprendei de mim que meu jugo é suave e meu fardo é leve” (Mt 11, 30).

(Paul Evdokimov, 1901-1970, Rússia)

 

CONTEMPLAR

Dignidade, 2020, Abdulmonan Eassa (1995-), Siena International Photo Awards 2020, Agence France Press, Damasco, Síria.




sexta-feira, 3 de setembro de 2021

O Caminho da Beleza 42 - XXIII Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXIII Domingo do Tempo Comum            05.09.2021

Is 35, 4-7                 Tg 2, 1-5                  Mc 7, 31-37

 

ESCUTAR

Se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos (Is 35, 5-6).

A fé que tendes em nosso Senhor Jesus Cristo glorificado não deve admitir acepção de pessoas (Tg 2, 1).

Olhando para o céu, suspirou e disse; “Efatá!”, que quer dizer “abre-te” (Mc 7, 31-37).

 

MEDITAR

O poder divino desceu à terra e revestiu-se de membros sensíveis, a fim de que a nossa fraqueza pudesse, tocando-lhe a humanidade, sentir a divindade. O surdo-mudo, curado por Cristo, sentiu dedos de carne tocarem-lhe os ouvidos e a língua; mas, quando pôde falar, quando seus ouvidos se abriram, ele atingiu, por meio desses dedos acessíveis aos sentidos, a inacessível divindade. O próprio artista que modelou seu corpo, que formou seus membros, viera a ele. Encontrara-o surdo. Com voz suave, sem dor, rompeu-lhe os ouvidos. Dessa garganta fechada, incapaz de emitir a voz, fez brotar o louvor Àquele que o curara.

(Santo Efrém, c. 306-373, Turquia)

 

ORAR

      Olhemos de perto esse surdo-mudo trazido a Jesus. Ele é surdo; não escuta, portanto, nada do que se diz a ele e do que se diz ao redor dele. Inútil lhe falar. É colocado num canto e não se ocupam mais dele. Pior, ele é mudo; articula provavelmente alguns sons, mas lhe é impossível entrar em comunhão com seu meio. Ele está só com seu silêncio, encerrado em sua enfermidade. Esse surdo-mudo, parece-me, é a imagem de numerosas pessoas que terminam por se resignar à sua solidão por todos os tipos de razões psicológicas, familiares ou sociais. Fala-se muito dos excluídos do que de pessoas que, sem estar forçosamente na miséria, vivem curvadas sobre si-mesmas, sem relações, sem amigos, sem família e mesmo sem trabalho. E esse surdo-mudo me parece ser também a imagem do nosso mundo marcado pelo individualismo onde cada um procura antes de tudo salvaguardar seus interesses ou seus privilégios, ficando surdo a tudo o que não diz respeito a ele. E nós? Não temos tendência a viver, às vezes, como surdos-mudos nos interessando apenas por nós mesmos? Nossa fé nos diz, entretanto, que Deus fez o homem à sua imagem. Deus é essencialmente comunhão, partilha. Nele próprio, Deus, Pai-Filho-Espírito, é comunhão de vida e de amor... Tal é o desígnio de Deus: entrar em comunhão com os homens a fim de que a humanidade inteira se torne um dia uma imensa comunhão fraterna, em que não haverá mais nem párias nem abandonados e nem excluídos de qualquer tipo. Como estamos longe disso! Logo, hoje, a cada um de nós, como ao surdo-mudo, o Senhor diz: “Abre-te!”. Não fique encerrado em suas preocupações pessoais, nem em suas relações habituais, nem em seu meio social!... Que vossa Igreja se abra ela mesma a todos os grandes problemas atuais: ao ecumenismo, ao diálogo com as outras religiões, aos divorciados recasados que se sentem com frequência excluídos da Igreja, a todas as vítimas de uma sociedade fria e sem coração. Nosso papel de cristãos é o de construir, com todos os que nos cercam, comunhões abertas e acolhedoras aos outros, como Jesus estava aberto e acolhedor a todos os que encontrava. Fiquemos especialmente atentos aos feridos pela vida, aos que nunca têm a palavra e que ninguém escuta, porque Deus, sim, os escuta.

(Bernard Prévost, 1913-?, França)

 

CONTEMPLAR

Compaixão, 2016, Goetz Burgdorf, Berlim, Alemanha. Descrição: a foto foi tirada em frente a uma igreja católica durante a missa. Mas mesmo após a missa, ninguém deu uma moeda a este homem. “Pedimos um pequeno presente! Grato!” é o que está escrito no cartaz ao chão.