Os transbordamentos de amor acontecem
sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e
humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa
autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa
Francisco).
XXVI Domingo do Tempo Comum 26.09.2021
Nm
11, 25-29 Tg 5, 1-6 Mc 9, 38-43.45.47-48
ESCUTAR
“Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor lhe concedesse o seu espírito!” (Nm 11, 29).
Vosso ouro e vossa prata estão enferrujados, e a ferrugem deles vai servir de testemunho contra vós e devorar vossas carnes como fogo! (Tg 5, 3).
“Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue” (Mc 9, 38).
MEDITAR
A Crueldade tem um Coração Humano,
E
o Ciúme uma Figura Humana;
O
Terror tem a Divina Forma Humana,
E
o Mistério tem a Vestimenta do Homem.
A
Vestimenta do Homem é o Ferro que se forja,
A
Forma Humana, uma Forja de chama,
A
Figura humana, uma fornalha chumbada,
O
Coração Humano, sua Goela esfaimada.
(William Blake, 1757-1827, Inglaterra)
ORAR
Cuidado, nós que pensamos estar livres de tabus, desalienados
em relação à religião, desmitizados e que olhamos com desprezo o pobre
prisioneiro das “objetivações religiosas”. A Igreja não é um clube de puros,
nem de intelectuais hipercríticos... Há somente uma riqueza verdadeira, a do
amor, que reflete um pouco o de Deus pelo homem. Assim, primeiro um olhar sobre
o outro que seja tão compreensivo como o do Pai. Compreensivo é o contrário de
exclusivo. Israel conheceu a tentação de excluir. Ele precisou admitir o
estrangeiro, abrir os espíritos ao universal. Josué não queria que se
desvalorizasse na vulgarização a prerrogativa profética. Os discípulos, como
verdadeiros filhos de Israel, não compreendiam que se possa expulsar os
demônios, mesmo em nome do Cristo, sem ser do grupo, sem ser confundido com um
clã. Mas precisamente Jesus Cristo é maior que todos os grupos, mesmo
eclesiásticos, que todas as “famílias religiosas”, os “movimentos cristãos”,
inclusive as Igrejas. E o Vaticano II nos levou a compreender de novo que a
ação do Espírito transborda as fronteiras do corpo que anima. Portanto, o principal
não é que o que luta contra o mal demoníaco “seja do nosso lado”: é que ele
esteja do lado de Jesus Cristo. O Espírito que foi dado a Moisés, e a seus
companheiros, o Espírito que ele sonhava ver comunicado a todo o povo, somente
ele pode em nós vencer a carne, o amor pelo dinheiro, o desprezo pelo fraco, a
estreiteza de vista, e nos comunicar as atitudes próprias do Cristo, aquelas de
um filho de Deus e de um irmão dos homens. Este Espírito nos foi prometido
desde muito tempo: “Eu derramarei sobre vós uma água pura... eu vos darei um
coração novo, colocarei em vós um novo espírito, eliminarei de vossa carne o
coração de pedra e vos darei um coração de carne...” (Ez 36, 25-29) ... Tal é a
utopia cristã. Não precisamos mais de lei. Não precisamos também de chefes, nem
de profetas. A rigor, nenhuma escora humana é já necessária. O Espírito de
Deus, a caridade divina em nós, faz descobrir tudo e a tudo imaginar. Isto só
será verdadeiro na volta de Cristo. Mas é para lá que é preciso tender. É o
ideal, que nos permite relativizar o que não tem jamais o direito de se tornar
um absoluto: os meios que instituímos, as obras que realizamos, as
superioridades que nos atribuímos.
(René Salaün, 1910-2000, França)
CONTEMPLAR
Enxaqueca, 2016, Stan Horaczek, Popular Photography, New York, Estados Unidos.