quinta-feira, 27 de maio de 2021

O Caminho da Beleza 28 - Santíssima Trindade

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

Santíssima Trindade                30.05.2021

Dt 4, 32-34.39-40                        Rm 8, 14-17            Mt 28, 16-20

 

ESCUTAR

“Reconhece, pois, hoje, e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima no céu e cá embaixo na terra e que não há outro além dele (Dt 4, 39).

Vós não recebestes um espírito de escravos, para recairdes no medo, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, no qual todos nós clamamos: Abá, ó Pai! (Rm 8, 15).

Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele. Ainda assim alguns duvidaram (Mt 28, 17).

 

MEDITAR

O gesto supremo da humanidade histórica de Jesus foi o dom de si mesmo na cruz. Fruto do sim dito ao Pai pelo Verbo encarnado, esse ato de amor está na gênese da realização final do desígnio de Deus: a introdução da humanidade na comunhão da Trindade.

(Francisco Catão, 1927-2020, Brasil)

 

ORAR

     É necessário crer na Trindade? Pode-se? Serve para algo? Não é uma construção intelectual desnecessária? Muda algo em nossa fé se não acreditamos no Deus trinitário? Há dois séculos, o célebre filósofo Immanuel Kant escrevia estas palavras: “Desde o ponto de vista prático, a doutrina da Trindade é perfeitamente inútil”. Nada mais longe da realidade. A fé na Trindade muda não só nossa visão de Deus, como também nossa maneira de entender a vida. Confessar a Trindade de Deus é crer que Deus é um mistério de comunhão e de amor. Não um ser fechado e impenetrável, imóvel e indiferente. Sua intimidade misteriosa é somente amor e comunicação. Consequência: no fundo último da realidade, dando sentido e existência a tudo, não há senão Amor. Tudo o que existe vem do Amor. O Pai é Amor originário, a fonte de todo amor. Ele inicia o amor. “Só ele começa a amar sem motivos; é ele quem desde sempre começou a amar” (Eberhard Jüngel). O Pai ama desde sempre e para sempre, sem ser obrigado nem motivado de fora. É o “eterno Amante”. Ama e seguirá amando sempre. Nunca nos retirará seu amor e fidelidade. Dele só brota amor. Consequência: criados à sua imagem, somos feitos para amar. Só amando acertamos na existência. O ser do Filho consiste em receber o amor do Pai. Ele é o “Amado eternamente”, antes da criação do mundo. O Filho é o Amor que acolhe, a resposta eterna ao amor do Pai. O mistério de Deus consiste, pois, em dar e em receber também amor. Em Deus, deixar-se amar não é menos que amar. Receber amor é também divino! Consequência: criados à imagem desse Deus, somos feitos não somente para amar, mas para ser amados. O Espírito Santo é a comunhão do pai e do Filho. Ele é o Amor eterno entre o Pai amante e o Filho amado, o que revela que o amor divino não é possessão ciumenta do Pai nem monopólio egoísta do Filho. O amor verdadeiro é sempre abertura, dom, comunicação transbordante. Por isso, o Amor de Deus não permanece em si mesmo, mas se comunica e se estende até suas criaturas. “O amor de Deus se derramou em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5). Consequência: criados à imagem desse Deus, somos feitos para nos amar, sem monopolizar e sem nos fechar em amores fictícios e egoístas.

(José Antonio Pagola, 1937- , Espanha).

 

CONTEMPLAR

Uma pessoa, três sombras, 2010, Anne Schmickel, Estados Unidos.




quinta-feira, 20 de maio de 2021

O Caminho da Beleza 27 - Pentecostes

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

Pentecostes                       22.06.2021

At 2, 1-11                  1 Cor 12, 3-7.12-13                       Jo 20, 19-23

 

ESCUTAR

Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava (At 2, 4).

A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum (1 Cor 12, 7).

“Recebei o Espírito Santo” (Jo 20, 22).

 

MEDITAR

É preciso que nos esforcemos para impregnar-nos do espírito de Jesus, lendo e relendo, meditando e meditando ainda, sem parar, suas palavras e seus exemplos: que eles façam em nossas almas como a gota de água que cai e recai sobre uma laje, sempre no mesmo lugar.

(Charles de Foucauld, 1858-1916, França)

 

ORAR

         Quem dentre nós não faz careta diante da dificuldade de crer? Sim: crer é difícil! É difícil porque é uma atitude de amor e de extrema confiança para uma criatura incapaz de amar e repleta de incredulidade. A fé é uma dimensão nova da vida na sua relação com o invisível. É difícil! E seria completamente insolúvel para o homem se Deus que é Amor não encontrasse a solução para o problema. A solução é o Espírito. O Espírito Santo, que é o Amor de Deus, é como o vento do qual “não se sabe de onde vem nem para onde vai”, e que derruba e estremece as portas de Jerusalém em Pentecostes. Ele é a água que penetra a terra árida e a fecunda. Ele é o sol que aquece e vivifica os membros adormecidos. O Espírito Santo que é o Amor de Deus, a fecundidade de Deus, a criatividade de Deus, vem me visitar e diz: “Deus é teu pai”. De início, ele me sugere isso bem docemente, depois mais forte e de novo mais forte e assim até o fim. Ele é o Testemunho de Deus. Ele é uma Presença que age com força e doçura e que, me trazendo a luz da verdade com “gemidos inefáveis”, antecipa para mim a mais profunda das orações: “Meu Pai”, dirigindo-se ao Pai quando ainda sou incapaz disso. Sim, é o Espírito do Testemunho presente em mim, que vai e que vem, que torna e retorna, de novo sem jamais se fatigar porque ele é o Amor e porque o Amor nunca se cansa. Você gostaria bem de gritar a ele que isso não é verdade, que é impossível que Deus seja Pai; ele se vai, te deixa blasfemar até que você fique exausto e depois eis que ele volta de imprevisto, como uma pomba pousada sobre os escombros e destroços de sua fadiga, dizendo a você de novo: “Deus é teu pai e tu és filho dele”. Sim, é difícil, vendo as coisas sob o nosso ponto de vista, acreditar que Deus é pai, mas é mais difícil não acreditar, envoltos e habitados que somos por um Testemunho tão diligente. Seja agora ou mais tarde, nós é que deveremos ceder. E depois... ele é o Amor e o Amor é invencível, prova que vence todas as provas. A Escritura o diz: “e a prova que vós sois filhos é que Deus enviou em nossos corações o Espírito de seu filho que grita: Abba! Pai!”. Sim, ele grita, ele grita. E eu o escuto tão forte que não encontro mais argumentos para o contradizer e que se eu o recusasse pecaria contra ele, quer dizer, contra o Espírito, o que seria imperdoável, como disse Jesus. Prefiro, então, nos momentos difíceis, retomar as palavras de São Paulo: “O Espírito em pessoa se junta ao nosso espírito para atestar que somos filhos de Deus. Filhos e, portanto, herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros do Cristo.”

(Carlo Carreto, 1910-1988, Itália)

 

CONTEMPLAR

Saltos do Barco, 2020, Malásia, Igor Atuna (1966-), Arrasate-Mondragón, Espanha, Siena International Photo Awards 2021.




segunda-feira, 10 de maio de 2021

O Caminho da Beleza 26 - Ascensão do Senhor

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

Ascensão do Senhor                  16.05.2021

At 1, 1-11                  Ef 1, 17-23               Mc 16, 15-20

 

ESCUTAR

“Homens da Galileia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu?” (At 1, 11).

O Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer (Ef 1, 17).

“Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!” (Mc 16, 15).

 

MEDITAR

O Deus desconhecido; não se sabe o que é Deus; ele não é nem luz, nem espírito, nem verdade, nem unidade, nem o que se nomina divindade, nem sabedoria, nem razão, nem amor, nem vontade, nem bondade, nem coisa nem não-coisa, nem Ser, nem Espírito. Ele é o que nem eu, nem você, nem nenhuma criatura jamais experimenta a não ser tornando-se o que ele é... É em você que Deus deve nascer.

(Angelus Silesius, 1624-1677, Polônia)

 

ORAR

        A Ressurreição do Cristo nos faz pensar na primeira erupção de um vulcão, sinal do fogo que devora as entranhas da terra. Com efeito, é bem disso que se trata e de que a Páscoa é o sinal. Agora, nas profundezas mais ocultas do mundo, arde o fogo de Deus cuja chama conduzirá todas as coisas à incandescência bem-aventurada; agora, a partir do coração íntimo do mundo onde sua morte lhe havia feito descer, forças novas, energias de um mundo transfigurado, estão em trabalho; agora, no mais profundo de nossa realidade, a vaidade, o pecado e a morte estão vencidos e apenas se deve escoar esse “pequeno intervalo” de tempo a que chamamos de história após Jesus Cristo, para que em toda parte, e não somente no corpo do Cristo, se manifeste o que verdadeiramente ocorreu. Mais eis que: em razão de que sua obra salvadora, redentora e transfiguradora não começou a operar na superfície, sobre os sintomas, mas na raiz mais profunda, nosso olhar não ultrapassa o horizonte da experiência e nos parece que nada se passou inteiramente; em razão de que a onda de sofrimento e de pecado continua a se derramar ali onde estamos, nós julgamos que sua fonte profunda não se esgotou; em razão de que as forças do mal continuam a colocar sua marca sobre a face de nossa terra, nós concluímos disso que o amor está morto no coração e na raiz de todas as coisas. Pois bem, tudo isso é só aparência! Ah, mas por que é preciso que tomemos as aparências pela realidade da vida? Ele ressuscitou porque conquistou e resgatou como nunca por sua morte o cerne mais íntimo do que está na natureza terrestre. Mas isso sem a destruir de tal modo que não a deixamos. Proclamar, como fazemos em nosso Credo, que ele subiu aos céus e entrou na morada de Deus, significa dizer que ele nos retira durante algum tempo o aspecto visível de sua humanidade glorificada, mas sobretudo que não existe mais o abismo entre Deus e o mundo. O Cristo está, de agora em diante, no coração de todas as coisas simples que compõem a vida da terra, esta terra que nós não podemos deixar, porque ela é a nossa mãe.

(Karl Rahner, 1904-1984, Alemanha)

 

CONTEMPLAR

Desejo, 2019, Ya Kuang, China.




segunda-feira, 3 de maio de 2021

O Caminho da Beleza 25 - VI Domingo da Páscoa

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

VI Domingo da Páscoa             09.05.2021

At 10, 25-26.34-35.44-48                     1 Jo 4, 7-10             Jo 15, 9-17

 

ESCUTAR

“Deus não faz distinção entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10, 34-35).

Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus (1 Jo 4, 7).

“Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor” (Jo 15, 9).

 

MEDITAR

Meu coração está aberto a todas as formas:

é uma pastagem para as gazelas,

e um claustro para os monges cristãos,

um templo para os ídolos,

A Caaba do peregrino,

As Tábuas da Torá,

e o livro do Corão.

Professo a religião do amor,

em qualquer direção que avancem Seus camelos;

a religião do Amor

será minha religião e minha fé.

(Ibn Arabi, 1165-1240, Espanha)

 

ORAR

    O amor que Deus infunde em nós é criativo, faz nascer outro amor. Nasce assim uma genealogia do amor testemunhada pela cadeia descrita no evangelho e pela carta de João lida hoje. Deus ama o Cristo, o Cristo ama seus fiéis e os fiéis se amam reciprocamente. Devemos deixar que o sêmen do amor divino germine em nossa existência. Escrevia em sua Idade da Vida Espiritual, o teólogo russo Evdokimov: “Não permita que teu Amor e a tua Palavra, ó Senhor, sejam na minha vida como um santuário, como uma grade que separa a casa da rua”. O amor de Deus se infunde em todos. O pertencimento a Cristo é marcado não tanto pela inscrição ao censo, à raça, ao partido, mas pelo acolhimento do amor. Por isso “aquele que ama nasceu de Deus”, por isso Cornélio, o pagão, entra com todo direito na comunidade, por isso podemos pensar com realismo que os limites da Igreja são mais largos do que os do mundo exterior porque abraçamos muitos cristãos “anônimos”, incluindo todos aqueles próximos a Deus vivendo no amor e na justiça. A unidade de medida do amor cristão é a totalidade do próprio Cristo. À equação veterotestamentária “Ama o próximo como a ti mesmo”, João institui a equação paradoxal “como eu vos amei”. Um amor infinito, um amor em que não há limites ou exceções. Assim como disseram os místicos orientais, “depois disso, Deus considera todo homem como Deus”.

(Gianfranco Ravasi, 1942-, Itália)

 

CONTEMPLAR

Um homem indiano caminha diante de um grafite em Mumbai, 2015, Indranil Mukherjee, AFP Photo/Getty Images, Índia.