Os transbordamentos de amor acontecem
sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e
humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa
autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa
Francisco).
III Domingo da Páscoa 18.04.2021
At
3, 13-15.17-19 1 Jo 2, 1-5 Lc 24, 35-48
ESCUTAR
“Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos, e disso nós somos testemunhas” (At 3, 15)
Quem diz: “Eu conheço a Deus”, mas não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele (1 Jo 2, 4).
Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: “A paz esteja convosco!” Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma (Lc 24, 36-37).
MEDITAR
Enfim, no Amor eu me lanço,
Aí
encontrando toda liberdade,
Noutro
lugar, me vejo só;
É
lá meu mais íntimo descanso,
É
lá que estou rendido,
Ficando
alegremente perdido.
(Jean-Joseph Surin, 1600-1665, França)
ORAR
Jesus em carne e osso: haveria aí um
outro caminho para abordar Jesus? Certamente, não. E, no entanto, depois da
Páscoa, isto é, depois da morte e ressurreição de Jesus, alguma coisa aconteceu
com esta carne. Não é mais o corpo de antes, familiar, reconhecível à primeira
vista, mas frágil e ainda consagrado à morte. É agora o corpo do depois, um
corpo em que ocorrem ao mesmo tempo a morte e o amor. Como todo homem, Jesus
está inteiramente morto. Mas esta morte, pela primeiríssima vez, foi um ápice
de amor. A morte, com efeito, só podia ser transformada por uma morte de homem
de qualidade excepcional, uma morte que seria, pura e simplesmente, o encontro
e a fusão de dois amores. Quais foram esses dois amores que se encontraram no
corpo de Jesus? De início, o amor de Jesus propriamente. Até ali, seu corpo era
um corpo para a morte, marcado por esta desde os princípios, como nosso corpo
de hoje, e destinado à dissolução final. Jesus havia assumido esse corpo por
amor a nós, e por ser capaz de ir até o fim desse amor, ingressando conosco em
nossa morte, pois não há maior amor do que dar a sua vida. Em seguida, o outro
amor, vindo ao encontro do seu, era o amor de seu Pai, que não podia abandonar
seu Filho à corrupção, mas que devia acolhê-lo para lhe dar um corpo novo e uma
vida nova. E eis a maneira pela qual, em sua morte pascal, o corpo de Jesus se
torna o lugar crucial, onde a morte se acha dissipada pela vida, uma vez que
nele dois amores se tocam face a face, num único e mesmo abraço: o amor do
Filho doando-se até a morte e o amor do Pai salvando seu Filho da morte, o
encontro de onde jorra a ressurreição. Tendo assim salvado seu Filho, Deus
salva de um só vez seus outros filhos. Pois o que acontece com o corpo de Jesus
acontece igualmente com o nosso próprio corpo, a nós que fomos batizados na
morte e ressurreição de Jesus. Alguma coisa do corpo ressuscitado de Jesus, um
simples grão, uma pequena, mas poderosa, semente, foi enterrada em nosso
próprio corpo e ali trabalha misteriosamente. Há ali não apenas uma esperança
de ressurreição futura, mas desde já, em nossos melhores momentos presentes, um
admirável começo, um maravilhoso reflexo do corpo ressuscitado de Jesus. Não é sempre fácil perceber isso. Pois a morte
não é suprimida, nem o sofrimento dos corpos, nem os reveses no amor, nem o
pecado. E, no entanto, por toda parte onde o corpo do homem e da mulher se
acham engajados, uma esperança é dada de que, qualquer coisa que lhe aconteça e
qualquer que seja sua miséria e decadência, na doença, na tortura e até na
agonia, uma esperança é dada de que através dele um amor verdadeiro pode sempre
vir à luz. Isso unicamente por causa do corpo ressuscitado de Jesus.
(André Louf, 1929-2010, Bélgica)
CONTEMPLAR
Amor, s.d., auto-retrato com meu querido marido, Laura Makabresku (1987-), Cracóvia, Polônia.
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